Economia e políticas públicas

Opinião|A curiosa PEC fiscalista do Congresso


Três deputados propõem PEC que é sonho dos fiscalistas, contra a corrente predominante no Congresso de criar gastos sem se preocupar com as contas públicas. História pregressa de parlamentares alinhados ao centrismo liberal não é das mais animadoras, mas que sabe algo está mudando?

Por Fernando Dantas

Um fato muito curioso ocorre neste momento no Congresso Nacional. Três deputados, Pedro Paulo (PSD-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Julio Lopes (PP-RJ) elaboraram uma PEC alternativa à do governo para cortar gastos.

Trata-se da PEC dos sonhos dos economistas liberais e ortodoxos. Como resume o analista político Ricardo Ribeiro, da consultoria MCM, no "Café Político", seu podcast diário, a PEC dos deputados traz "o cardápio completo de medidas estruturais que, se adotadas, promoveriam imediato e significativo ajuste das contas públicas, na linha defendida pelo mercado financeiro e pela maioria dos especialistas em questões fiscais".

A PEC, de acordo com o resumo de Ribeiro, "prevê a desvinculação de benefícios previdenciários do salário mínimo, a correção do salário mínimo apenas pela inflação nos próximos quatro ano, a revogação da vinculação entre o gasto de saúde e educação e a receita líquida do governo, a redução de dois para um salário mínimo como critério para o recebimento do abono salarial e a limitação dos supersalários do setor público, entre outras providências".

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Comparada com os R$ 30-40 bilhões de economia fiscal anual esperados no pacote do governo, a PEC de Pedro Paulo, Kataguiri e Lopes teria impacto de R$ 100-150 bilhões segundo seus autores, que contaram com a consultoria do Orçamento da União para elaborar a proposta.

Na sua análise da iniciativa, Ribeiro destaca que o Congresso é mais pró-gasto que o Executivo, mas a combinação da pressão dos meios econômicos e a vinculação da centro-direita parlamentar às ideias liberais e pró-mercado poderia talvez até ajudar o governo a robustecer o seu próprio pacote fiscal.

Não que Ribeiro veja chances no pacote dos deputados, que poderia até ser usado pela bancada do PT como exemplo do que "não" apoia em função do seu compromisso com a agenda social.

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A PEC dos três deputados, de fato, contrasta com a tendência esmagadora do Congresso, desde a redemocratização, em apoiar medidas fiscalmente irresponsáveis, já que o ônus do desequilíbrio macroeconômico - que acaba em inflação, recessão e desemprego - vai para as costas do Executivo.

Há na história recente alguns exemplos de deputados federais que foram fiéis apoiadores do ideário liberal e ortodoxo em economia. Um deles foi Arnaldo Madeira (PSDB-SP), que esteve na Câmara Federal por quatro mandatos consecutivos entre 1995 e 2011, foi secretário da Casa Civil no governo de Alckmin em São Paulo, além de ocupar lideranças e vice-lideranças do PSDB e do governo. Madeira, porém, não se reelegeu em 2010, mesmo se mantendo como o candidato dos sonhos dos centristas liberais.

Outro caso interessante é o de Betinho Gomes, que foi deputado federal pelo PSDB de Pernambuco no mandato entre 2011 e 2014. Gomes se tornou o relator do projeto de lei que criou a TLP, para substituir a TJLP no BNDES. A criação da TLP foi uma bandeira muito importante para os economistas de orientação liberal, porque eliminava os subsídios implícitos nos financiamentos do BNDES. Gomes comprou a ideia, a defendeu com afinco, numa ajuda inestimável aos tecnocratas liberais. A partir daí, se firmou quase como um sucessor "em espírito" de Madeira, mas não conseguiu se reeleger em 2014, em mais um resultado melancólico para os centristas liberais.

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Mais no passado, mas ainda no período da redemocratização, houve outros parlamentares liberais ilustres, sendo o exemplo mais conhecido o de Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central. Mas Campos era um caso à parte, em que, com brilhantismo intelectual, tiradas espirituosas e vocação para o papel de cavaleiro solitário, se comprazia em encarnar uma direita liberal de caráter mais ideológico, em luta sarcástica contra o predomínio do pensamento de esquerda após o fim da ditadura militar, à qual servira.

Um exemplo mais centrista - e que se notabilizou mais pelo trabalho de bastidores do que pela retórica e a busca dos holofotes - foi o de Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA), liderança crucial para a agenda modernizadora de Fernando Henrique Cardoso, e muito afinado com a equipe econômica encabeçada por Pedro Malan. Filho do cacique político baiano Antônio Carlos Magalhães, Luiz Eduardo morreu de forma trágica e prematura, sofrendo um enfarto em Brasília em 1998. Para alguns analistas na época, ele era uma das principais lideranças de centro-direita do Brasil, com potencial de chegar à presidência.

No atual século, entretanto, e sobretudo a partir do momento em que, em 2003, a esquerda se consolidou no poder, o apelo das ideias centristas e liberais parece ter caído muito. Um representante dessa corrente é Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, tendo no currículo não só o saneamento financeiro do Estado mas também uma rara experiência estadual bem-sucedida de combate ao crime organizado e à sua infiltração nas instituições políticas. Apesar do seu grande prestígio junto ao establishment liberal no Brasil, Hartung praticamente nunca apareceu como presidenciável, preferindo apoiar a pré-candidatura do apresentador de TV Luciano Huck, que acabou desistindo da aventura.

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Fica claro, portanto, que o ideário econômico de viés liberal e ortodoxo não tem um histórico animador no Legislativo brasileiro nas últimas quatro décadas (pelo menos). Com Temer na presidência, seu programa de governo foi nessa direção, mas ele deixou o cargo com níveis ínfimos de popularidade. De qualquer forma, a PEC de Pedro Paulo, Kataguiri e Lopes poderia ser, quem sabe, uma tênue luz no fim do túnel, um sinal de que responsabilidade fiscal e zelo pelos fundamentos econômicos podem estar começando a deixar de ser sacrilégios no Congresso Nacional.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 27/11/2024, quarta-feira.

Um fato muito curioso ocorre neste momento no Congresso Nacional. Três deputados, Pedro Paulo (PSD-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Julio Lopes (PP-RJ) elaboraram uma PEC alternativa à do governo para cortar gastos.

Trata-se da PEC dos sonhos dos economistas liberais e ortodoxos. Como resume o analista político Ricardo Ribeiro, da consultoria MCM, no "Café Político", seu podcast diário, a PEC dos deputados traz "o cardápio completo de medidas estruturais que, se adotadas, promoveriam imediato e significativo ajuste das contas públicas, na linha defendida pelo mercado financeiro e pela maioria dos especialistas em questões fiscais".

A PEC, de acordo com o resumo de Ribeiro, "prevê a desvinculação de benefícios previdenciários do salário mínimo, a correção do salário mínimo apenas pela inflação nos próximos quatro ano, a revogação da vinculação entre o gasto de saúde e educação e a receita líquida do governo, a redução de dois para um salário mínimo como critério para o recebimento do abono salarial e a limitação dos supersalários do setor público, entre outras providências".

Comparada com os R$ 30-40 bilhões de economia fiscal anual esperados no pacote do governo, a PEC de Pedro Paulo, Kataguiri e Lopes teria impacto de R$ 100-150 bilhões segundo seus autores, que contaram com a consultoria do Orçamento da União para elaborar a proposta.

Na sua análise da iniciativa, Ribeiro destaca que o Congresso é mais pró-gasto que o Executivo, mas a combinação da pressão dos meios econômicos e a vinculação da centro-direita parlamentar às ideias liberais e pró-mercado poderia talvez até ajudar o governo a robustecer o seu próprio pacote fiscal.

Não que Ribeiro veja chances no pacote dos deputados, que poderia até ser usado pela bancada do PT como exemplo do que "não" apoia em função do seu compromisso com a agenda social.

A PEC dos três deputados, de fato, contrasta com a tendência esmagadora do Congresso, desde a redemocratização, em apoiar medidas fiscalmente irresponsáveis, já que o ônus do desequilíbrio macroeconômico - que acaba em inflação, recessão e desemprego - vai para as costas do Executivo.

Há na história recente alguns exemplos de deputados federais que foram fiéis apoiadores do ideário liberal e ortodoxo em economia. Um deles foi Arnaldo Madeira (PSDB-SP), que esteve na Câmara Federal por quatro mandatos consecutivos entre 1995 e 2011, foi secretário da Casa Civil no governo de Alckmin em São Paulo, além de ocupar lideranças e vice-lideranças do PSDB e do governo. Madeira, porém, não se reelegeu em 2010, mesmo se mantendo como o candidato dos sonhos dos centristas liberais.

Outro caso interessante é o de Betinho Gomes, que foi deputado federal pelo PSDB de Pernambuco no mandato entre 2011 e 2014. Gomes se tornou o relator do projeto de lei que criou a TLP, para substituir a TJLP no BNDES. A criação da TLP foi uma bandeira muito importante para os economistas de orientação liberal, porque eliminava os subsídios implícitos nos financiamentos do BNDES. Gomes comprou a ideia, a defendeu com afinco, numa ajuda inestimável aos tecnocratas liberais. A partir daí, se firmou quase como um sucessor "em espírito" de Madeira, mas não conseguiu se reeleger em 2014, em mais um resultado melancólico para os centristas liberais.

Mais no passado, mas ainda no período da redemocratização, houve outros parlamentares liberais ilustres, sendo o exemplo mais conhecido o de Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central. Mas Campos era um caso à parte, em que, com brilhantismo intelectual, tiradas espirituosas e vocação para o papel de cavaleiro solitário, se comprazia em encarnar uma direita liberal de caráter mais ideológico, em luta sarcástica contra o predomínio do pensamento de esquerda após o fim da ditadura militar, à qual servira.

Um exemplo mais centrista - e que se notabilizou mais pelo trabalho de bastidores do que pela retórica e a busca dos holofotes - foi o de Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA), liderança crucial para a agenda modernizadora de Fernando Henrique Cardoso, e muito afinado com a equipe econômica encabeçada por Pedro Malan. Filho do cacique político baiano Antônio Carlos Magalhães, Luiz Eduardo morreu de forma trágica e prematura, sofrendo um enfarto em Brasília em 1998. Para alguns analistas na época, ele era uma das principais lideranças de centro-direita do Brasil, com potencial de chegar à presidência.

No atual século, entretanto, e sobretudo a partir do momento em que, em 2003, a esquerda se consolidou no poder, o apelo das ideias centristas e liberais parece ter caído muito. Um representante dessa corrente é Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, tendo no currículo não só o saneamento financeiro do Estado mas também uma rara experiência estadual bem-sucedida de combate ao crime organizado e à sua infiltração nas instituições políticas. Apesar do seu grande prestígio junto ao establishment liberal no Brasil, Hartung praticamente nunca apareceu como presidenciável, preferindo apoiar a pré-candidatura do apresentador de TV Luciano Huck, que acabou desistindo da aventura.

Fica claro, portanto, que o ideário econômico de viés liberal e ortodoxo não tem um histórico animador no Legislativo brasileiro nas últimas quatro décadas (pelo menos). Com Temer na presidência, seu programa de governo foi nessa direção, mas ele deixou o cargo com níveis ínfimos de popularidade. De qualquer forma, a PEC de Pedro Paulo, Kataguiri e Lopes poderia ser, quem sabe, uma tênue luz no fim do túnel, um sinal de que responsabilidade fiscal e zelo pelos fundamentos econômicos podem estar começando a deixar de ser sacrilégios no Congresso Nacional.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 27/11/2024, quarta-feira.

Um fato muito curioso ocorre neste momento no Congresso Nacional. Três deputados, Pedro Paulo (PSD-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Julio Lopes (PP-RJ) elaboraram uma PEC alternativa à do governo para cortar gastos.

Trata-se da PEC dos sonhos dos economistas liberais e ortodoxos. Como resume o analista político Ricardo Ribeiro, da consultoria MCM, no "Café Político", seu podcast diário, a PEC dos deputados traz "o cardápio completo de medidas estruturais que, se adotadas, promoveriam imediato e significativo ajuste das contas públicas, na linha defendida pelo mercado financeiro e pela maioria dos especialistas em questões fiscais".

A PEC, de acordo com o resumo de Ribeiro, "prevê a desvinculação de benefícios previdenciários do salário mínimo, a correção do salário mínimo apenas pela inflação nos próximos quatro ano, a revogação da vinculação entre o gasto de saúde e educação e a receita líquida do governo, a redução de dois para um salário mínimo como critério para o recebimento do abono salarial e a limitação dos supersalários do setor público, entre outras providências".

Comparada com os R$ 30-40 bilhões de economia fiscal anual esperados no pacote do governo, a PEC de Pedro Paulo, Kataguiri e Lopes teria impacto de R$ 100-150 bilhões segundo seus autores, que contaram com a consultoria do Orçamento da União para elaborar a proposta.

Na sua análise da iniciativa, Ribeiro destaca que o Congresso é mais pró-gasto que o Executivo, mas a combinação da pressão dos meios econômicos e a vinculação da centro-direita parlamentar às ideias liberais e pró-mercado poderia talvez até ajudar o governo a robustecer o seu próprio pacote fiscal.

Não que Ribeiro veja chances no pacote dos deputados, que poderia até ser usado pela bancada do PT como exemplo do que "não" apoia em função do seu compromisso com a agenda social.

A PEC dos três deputados, de fato, contrasta com a tendência esmagadora do Congresso, desde a redemocratização, em apoiar medidas fiscalmente irresponsáveis, já que o ônus do desequilíbrio macroeconômico - que acaba em inflação, recessão e desemprego - vai para as costas do Executivo.

Há na história recente alguns exemplos de deputados federais que foram fiéis apoiadores do ideário liberal e ortodoxo em economia. Um deles foi Arnaldo Madeira (PSDB-SP), que esteve na Câmara Federal por quatro mandatos consecutivos entre 1995 e 2011, foi secretário da Casa Civil no governo de Alckmin em São Paulo, além de ocupar lideranças e vice-lideranças do PSDB e do governo. Madeira, porém, não se reelegeu em 2010, mesmo se mantendo como o candidato dos sonhos dos centristas liberais.

Outro caso interessante é o de Betinho Gomes, que foi deputado federal pelo PSDB de Pernambuco no mandato entre 2011 e 2014. Gomes se tornou o relator do projeto de lei que criou a TLP, para substituir a TJLP no BNDES. A criação da TLP foi uma bandeira muito importante para os economistas de orientação liberal, porque eliminava os subsídios implícitos nos financiamentos do BNDES. Gomes comprou a ideia, a defendeu com afinco, numa ajuda inestimável aos tecnocratas liberais. A partir daí, se firmou quase como um sucessor "em espírito" de Madeira, mas não conseguiu se reeleger em 2014, em mais um resultado melancólico para os centristas liberais.

Mais no passado, mas ainda no período da redemocratização, houve outros parlamentares liberais ilustres, sendo o exemplo mais conhecido o de Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central. Mas Campos era um caso à parte, em que, com brilhantismo intelectual, tiradas espirituosas e vocação para o papel de cavaleiro solitário, se comprazia em encarnar uma direita liberal de caráter mais ideológico, em luta sarcástica contra o predomínio do pensamento de esquerda após o fim da ditadura militar, à qual servira.

Um exemplo mais centrista - e que se notabilizou mais pelo trabalho de bastidores do que pela retórica e a busca dos holofotes - foi o de Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA), liderança crucial para a agenda modernizadora de Fernando Henrique Cardoso, e muito afinado com a equipe econômica encabeçada por Pedro Malan. Filho do cacique político baiano Antônio Carlos Magalhães, Luiz Eduardo morreu de forma trágica e prematura, sofrendo um enfarto em Brasília em 1998. Para alguns analistas na época, ele era uma das principais lideranças de centro-direita do Brasil, com potencial de chegar à presidência.

No atual século, entretanto, e sobretudo a partir do momento em que, em 2003, a esquerda se consolidou no poder, o apelo das ideias centristas e liberais parece ter caído muito. Um representante dessa corrente é Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, tendo no currículo não só o saneamento financeiro do Estado mas também uma rara experiência estadual bem-sucedida de combate ao crime organizado e à sua infiltração nas instituições políticas. Apesar do seu grande prestígio junto ao establishment liberal no Brasil, Hartung praticamente nunca apareceu como presidenciável, preferindo apoiar a pré-candidatura do apresentador de TV Luciano Huck, que acabou desistindo da aventura.

Fica claro, portanto, que o ideário econômico de viés liberal e ortodoxo não tem um histórico animador no Legislativo brasileiro nas últimas quatro décadas (pelo menos). Com Temer na presidência, seu programa de governo foi nessa direção, mas ele deixou o cargo com níveis ínfimos de popularidade. De qualquer forma, a PEC de Pedro Paulo, Kataguiri e Lopes poderia ser, quem sabe, uma tênue luz no fim do túnel, um sinal de que responsabilidade fiscal e zelo pelos fundamentos econômicos podem estar começando a deixar de ser sacrilégios no Congresso Nacional.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 27/11/2024, quarta-feira.

Um fato muito curioso ocorre neste momento no Congresso Nacional. Três deputados, Pedro Paulo (PSD-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Julio Lopes (PP-RJ) elaboraram uma PEC alternativa à do governo para cortar gastos.

Trata-se da PEC dos sonhos dos economistas liberais e ortodoxos. Como resume o analista político Ricardo Ribeiro, da consultoria MCM, no "Café Político", seu podcast diário, a PEC dos deputados traz "o cardápio completo de medidas estruturais que, se adotadas, promoveriam imediato e significativo ajuste das contas públicas, na linha defendida pelo mercado financeiro e pela maioria dos especialistas em questões fiscais".

A PEC, de acordo com o resumo de Ribeiro, "prevê a desvinculação de benefícios previdenciários do salário mínimo, a correção do salário mínimo apenas pela inflação nos próximos quatro ano, a revogação da vinculação entre o gasto de saúde e educação e a receita líquida do governo, a redução de dois para um salário mínimo como critério para o recebimento do abono salarial e a limitação dos supersalários do setor público, entre outras providências".

Comparada com os R$ 30-40 bilhões de economia fiscal anual esperados no pacote do governo, a PEC de Pedro Paulo, Kataguiri e Lopes teria impacto de R$ 100-150 bilhões segundo seus autores, que contaram com a consultoria do Orçamento da União para elaborar a proposta.

Na sua análise da iniciativa, Ribeiro destaca que o Congresso é mais pró-gasto que o Executivo, mas a combinação da pressão dos meios econômicos e a vinculação da centro-direita parlamentar às ideias liberais e pró-mercado poderia talvez até ajudar o governo a robustecer o seu próprio pacote fiscal.

Não que Ribeiro veja chances no pacote dos deputados, que poderia até ser usado pela bancada do PT como exemplo do que "não" apoia em função do seu compromisso com a agenda social.

A PEC dos três deputados, de fato, contrasta com a tendência esmagadora do Congresso, desde a redemocratização, em apoiar medidas fiscalmente irresponsáveis, já que o ônus do desequilíbrio macroeconômico - que acaba em inflação, recessão e desemprego - vai para as costas do Executivo.

Há na história recente alguns exemplos de deputados federais que foram fiéis apoiadores do ideário liberal e ortodoxo em economia. Um deles foi Arnaldo Madeira (PSDB-SP), que esteve na Câmara Federal por quatro mandatos consecutivos entre 1995 e 2011, foi secretário da Casa Civil no governo de Alckmin em São Paulo, além de ocupar lideranças e vice-lideranças do PSDB e do governo. Madeira, porém, não se reelegeu em 2010, mesmo se mantendo como o candidato dos sonhos dos centristas liberais.

Outro caso interessante é o de Betinho Gomes, que foi deputado federal pelo PSDB de Pernambuco no mandato entre 2011 e 2014. Gomes se tornou o relator do projeto de lei que criou a TLP, para substituir a TJLP no BNDES. A criação da TLP foi uma bandeira muito importante para os economistas de orientação liberal, porque eliminava os subsídios implícitos nos financiamentos do BNDES. Gomes comprou a ideia, a defendeu com afinco, numa ajuda inestimável aos tecnocratas liberais. A partir daí, se firmou quase como um sucessor "em espírito" de Madeira, mas não conseguiu se reeleger em 2014, em mais um resultado melancólico para os centristas liberais.

Mais no passado, mas ainda no período da redemocratização, houve outros parlamentares liberais ilustres, sendo o exemplo mais conhecido o de Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central. Mas Campos era um caso à parte, em que, com brilhantismo intelectual, tiradas espirituosas e vocação para o papel de cavaleiro solitário, se comprazia em encarnar uma direita liberal de caráter mais ideológico, em luta sarcástica contra o predomínio do pensamento de esquerda após o fim da ditadura militar, à qual servira.

Um exemplo mais centrista - e que se notabilizou mais pelo trabalho de bastidores do que pela retórica e a busca dos holofotes - foi o de Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA), liderança crucial para a agenda modernizadora de Fernando Henrique Cardoso, e muito afinado com a equipe econômica encabeçada por Pedro Malan. Filho do cacique político baiano Antônio Carlos Magalhães, Luiz Eduardo morreu de forma trágica e prematura, sofrendo um enfarto em Brasília em 1998. Para alguns analistas na época, ele era uma das principais lideranças de centro-direita do Brasil, com potencial de chegar à presidência.

No atual século, entretanto, e sobretudo a partir do momento em que, em 2003, a esquerda se consolidou no poder, o apelo das ideias centristas e liberais parece ter caído muito. Um representante dessa corrente é Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, tendo no currículo não só o saneamento financeiro do Estado mas também uma rara experiência estadual bem-sucedida de combate ao crime organizado e à sua infiltração nas instituições políticas. Apesar do seu grande prestígio junto ao establishment liberal no Brasil, Hartung praticamente nunca apareceu como presidenciável, preferindo apoiar a pré-candidatura do apresentador de TV Luciano Huck, que acabou desistindo da aventura.

Fica claro, portanto, que o ideário econômico de viés liberal e ortodoxo não tem um histórico animador no Legislativo brasileiro nas últimas quatro décadas (pelo menos). Com Temer na presidência, seu programa de governo foi nessa direção, mas ele deixou o cargo com níveis ínfimos de popularidade. De qualquer forma, a PEC de Pedro Paulo, Kataguiri e Lopes poderia ser, quem sabe, uma tênue luz no fim do túnel, um sinal de que responsabilidade fiscal e zelo pelos fundamentos econômicos podem estar começando a deixar de ser sacrilégios no Congresso Nacional.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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Um fato muito curioso ocorre neste momento no Congresso Nacional. Três deputados, Pedro Paulo (PSD-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Julio Lopes (PP-RJ) elaboraram uma PEC alternativa à do governo para cortar gastos.

Trata-se da PEC dos sonhos dos economistas liberais e ortodoxos. Como resume o analista político Ricardo Ribeiro, da consultoria MCM, no "Café Político", seu podcast diário, a PEC dos deputados traz "o cardápio completo de medidas estruturais que, se adotadas, promoveriam imediato e significativo ajuste das contas públicas, na linha defendida pelo mercado financeiro e pela maioria dos especialistas em questões fiscais".

A PEC, de acordo com o resumo de Ribeiro, "prevê a desvinculação de benefícios previdenciários do salário mínimo, a correção do salário mínimo apenas pela inflação nos próximos quatro ano, a revogação da vinculação entre o gasto de saúde e educação e a receita líquida do governo, a redução de dois para um salário mínimo como critério para o recebimento do abono salarial e a limitação dos supersalários do setor público, entre outras providências".

Comparada com os R$ 30-40 bilhões de economia fiscal anual esperados no pacote do governo, a PEC de Pedro Paulo, Kataguiri e Lopes teria impacto de R$ 100-150 bilhões segundo seus autores, que contaram com a consultoria do Orçamento da União para elaborar a proposta.

Na sua análise da iniciativa, Ribeiro destaca que o Congresso é mais pró-gasto que o Executivo, mas a combinação da pressão dos meios econômicos e a vinculação da centro-direita parlamentar às ideias liberais e pró-mercado poderia talvez até ajudar o governo a robustecer o seu próprio pacote fiscal.

Não que Ribeiro veja chances no pacote dos deputados, que poderia até ser usado pela bancada do PT como exemplo do que "não" apoia em função do seu compromisso com a agenda social.

A PEC dos três deputados, de fato, contrasta com a tendência esmagadora do Congresso, desde a redemocratização, em apoiar medidas fiscalmente irresponsáveis, já que o ônus do desequilíbrio macroeconômico - que acaba em inflação, recessão e desemprego - vai para as costas do Executivo.

Há na história recente alguns exemplos de deputados federais que foram fiéis apoiadores do ideário liberal e ortodoxo em economia. Um deles foi Arnaldo Madeira (PSDB-SP), que esteve na Câmara Federal por quatro mandatos consecutivos entre 1995 e 2011, foi secretário da Casa Civil no governo de Alckmin em São Paulo, além de ocupar lideranças e vice-lideranças do PSDB e do governo. Madeira, porém, não se reelegeu em 2010, mesmo se mantendo como o candidato dos sonhos dos centristas liberais.

Outro caso interessante é o de Betinho Gomes, que foi deputado federal pelo PSDB de Pernambuco no mandato entre 2011 e 2014. Gomes se tornou o relator do projeto de lei que criou a TLP, para substituir a TJLP no BNDES. A criação da TLP foi uma bandeira muito importante para os economistas de orientação liberal, porque eliminava os subsídios implícitos nos financiamentos do BNDES. Gomes comprou a ideia, a defendeu com afinco, numa ajuda inestimável aos tecnocratas liberais. A partir daí, se firmou quase como um sucessor "em espírito" de Madeira, mas não conseguiu se reeleger em 2014, em mais um resultado melancólico para os centristas liberais.

Mais no passado, mas ainda no período da redemocratização, houve outros parlamentares liberais ilustres, sendo o exemplo mais conhecido o de Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central. Mas Campos era um caso à parte, em que, com brilhantismo intelectual, tiradas espirituosas e vocação para o papel de cavaleiro solitário, se comprazia em encarnar uma direita liberal de caráter mais ideológico, em luta sarcástica contra o predomínio do pensamento de esquerda após o fim da ditadura militar, à qual servira.

Um exemplo mais centrista - e que se notabilizou mais pelo trabalho de bastidores do que pela retórica e a busca dos holofotes - foi o de Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA), liderança crucial para a agenda modernizadora de Fernando Henrique Cardoso, e muito afinado com a equipe econômica encabeçada por Pedro Malan. Filho do cacique político baiano Antônio Carlos Magalhães, Luiz Eduardo morreu de forma trágica e prematura, sofrendo um enfarto em Brasília em 1998. Para alguns analistas na época, ele era uma das principais lideranças de centro-direita do Brasil, com potencial de chegar à presidência.

No atual século, entretanto, e sobretudo a partir do momento em que, em 2003, a esquerda se consolidou no poder, o apelo das ideias centristas e liberais parece ter caído muito. Um representante dessa corrente é Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, tendo no currículo não só o saneamento financeiro do Estado mas também uma rara experiência estadual bem-sucedida de combate ao crime organizado e à sua infiltração nas instituições políticas. Apesar do seu grande prestígio junto ao establishment liberal no Brasil, Hartung praticamente nunca apareceu como presidenciável, preferindo apoiar a pré-candidatura do apresentador de TV Luciano Huck, que acabou desistindo da aventura.

Fica claro, portanto, que o ideário econômico de viés liberal e ortodoxo não tem um histórico animador no Legislativo brasileiro nas últimas quatro décadas (pelo menos). Com Temer na presidência, seu programa de governo foi nessa direção, mas ele deixou o cargo com níveis ínfimos de popularidade. De qualquer forma, a PEC de Pedro Paulo, Kataguiri e Lopes poderia ser, quem sabe, uma tênue luz no fim do túnel, um sinal de que responsabilidade fiscal e zelo pelos fundamentos econômicos podem estar começando a deixar de ser sacrilégios no Congresso Nacional.

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