Para o cientista político Jairo Nicolau, do CPDOC-FGV, a novidade nesta eleição municipal não é a projetada vitória da direita no conceito tradicional da política brasileira, mas sim a força e a chance de avanços significativos de uma "nova direita" ideológica e assumidamente bolsonarista. O pesquisador é autor do livro "O Brasil dobrou à direita: Uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018".
Até no caso de Pablo Marçal, em São Paulo, que não é liderado por Bolsonaro, o que se vê é um candidato ainda mais apegado aos valores e visão de mundo da direita/extrema direita ideológica do que o próprio candidato do ex-presidente, Ricardo Nunes.
O fato de a direita no conceito tradicional predominar nas eleições municipais, segundo o pesquisador, não é nenhuma novidade. No nível municipal, a força residual dos antigos partidos dos tempos do regime militar, que hoje canaliza votos para o MDB e as siglas do Centrão, é a norma.
"Não vai ser surpresa para ninguém saber que o partido que mais elegeu prefeitos foi o MDB, isso não tem nenhuma importância", diz Nicolau.
Em relação à esquerda, tirante o que seria uma "derrota acachapante" caso Guilherme Boulos fique fora do segundo turno em São Paulo, o cientista político não vê um quadro nem muito ruim, mas tampouco excepcional, com favoritismo ou chances em capitais como Recife, Goiânia ou Porto Alegre.
Voltando à direita, ele nota que, no Brasil de até não muito tempo atrás, havia a esquerda e "diversos tons de não esquerda". Neste último grupo, as pessoas se intitulavam socialdemocratas, liberais, centro, centro-direita e até, mas mais raramente, de direita.
Essa "direita" no sentido tradicional foi, por exemplo, vitoriosa nas eleições municipais de 2020, com as vitórias de Eduardo Paes, no Rio, Bruno Covas, em São Paulo, e Bruno Reis, em Salvador.
Agora, a novidade em nível municipal é a direita ideológica, que se assume total e orgulhosamente como direita, que elogia o governo Bolsonaro, e que "não é necessariamente ligada ao PL, mas é sobretudo ligada ao PL", segundo o pesquisador. PL este que, ele lembra, conquistou a maior votação e a maior bancada nas eleições de 2022 para a Câmara Federal, além de ter disputado segundo turnos para governador, com duas vitórias, e de ter obtido boas votações na assembleias.
"De lá para cá o partido cresceu, incorporou novos quadros, e tudo indica que está indo bem", acrescenta Nicolau.
No debate de ontem na Globo da eleição do Rio, o que mais chamou a atenção do pesquisador foi ver que dois dos candidatos (Alexandre Ramagem, do PL, e Rodrigo Amorim, do União Brasil, este possivelmente impugnado), "ativaram um discurso para além da cidade, mesclaram críticas à gestão do Eduardo Paes com uma tintura ideológica que era incomum, com temas como escola cívico-militares, discussão religiosa, família, pautas que não costumavam aparecer em eleições locais".
Ele adiciona que o tempo todo os dois candidatos se contrapuseram à esquerda, e trataram Paes como se fosse um candidato de esquerda.
Segundo Nicolau, situações parecidas estão ocorrendo na eleições para prefeito de capitais como Curitiba, Belo Horizonte e Fortaleza.
Finalmente, em relação a Marçal, o cientista político observa que "ele é um cara assumidamente de direita, o que só reforça essa ideia de uma nova direita, que se estabelece, que é boa de rede social e que está se renovando com novos quadros, em contraste com uma esquerda que envelheceu e que se agarra numa eventual ida ao segundo turno do Boulos".
Já o analista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores, frisa (sem conexão com o que Nicolau disse acima) que é exagero ou incorreção tentar usar a eleição municipal como informação para cenário da corrida presidencial de 2026, já que a correlação é muito baixa.
"O PT foi mal em 2020 e o Lula ganhou em 2022", ele aponta.
Por outro lado, Ribeiro nota que o número de prefeitos e vereadores eleitos por uma partido dão uma indicação de moderada intensidade sobre a eleição subsequente para a Câmara de Deputados. Adicionalmente, o governo federal não tende a influenciar muito o resultado das disputas locais.
Num ponto também feito por Nicolau, o analista da MCM nota a dificuldade de analisar o resultado de uma eleição municipal. Qual é o termômetro, os 5,5 mil municípios, as capitais, São Paulo e Rio, as maiores cidades, os votos para as Câmaras de Vereadores?
Ainda assim, prossegue Ribeiro, há as percepções sobre quem perdeu e quem ganhou as eleições municipais que "podem ter algum efeito no ambiente político pós-eleitoral".
Ele não antevê um avanço da direita, mas pela razão de que a direita já está forte e consolidada desde 2018, e há muita inércia no resultado dos partidos de eleição para eleição no nível local, tirando oscilações ocasionais como a derrocada do PT em 2016 e posterior recuperação.
"No geral, o centrão e a direita vão mostrar força, não vejo muita mudança, eles devem continuar predominando no Congresso a ser eleito em 2026".
Para Ribeiro, partidos como PSD, MDB, PP e União Brasil devem liderar em números de prefeituras, o PL pode avançar das atuais 371 para próximo de 500 e o PT pode passar de 300. Ele nota que número de prefeitura nunca foi o forte do PT, mesmo quando o partido estava no seu auge no governo Lula.
Mas o maior impacto de "percepção pós-eleitoral" deve vir de São Paulo. Ribeiro frisa que tudo pode acontecer. Porém, se, como as pesquisas indicam - de forma muito apertada, e portanto pouco segura -, um segundo turno entre Boulos e Marçal, com vitória do psolista, "Lula pode sair com imagem de vitorioso".
O analista político, porém, ressalva que isso importa pouco para 2026. Neste caso, o importante é saber como estará a popularidade de Lula na virada de 2025 para 2026.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 4/10/2024, sexta-feira.