Economia e políticas públicas

Opinião|Alta de juros "do bem" e alta de juros "do mal"


Quanto tempo vai durar a carta branca dada por Lula e pelo PT para que Gabriel Galípolo, presidente nomeado para o BC a partir do início de 2025, faça o serviço "neoliberal" da política monetária, incluindo elevação de juros?

Por Fernando Dantas

Certo nível de cinismo parece bastante naturalizado na política brasileira, incluindo temas menos afeitos ao teatro exuberante de acusações e baixarias das nossas campanhas eleitorais. Um exemplo claro dessa tendência é a atitude de Lula e de parcelas do PT em relação ao assunto técnico e pouco glamuroso da política monetária.

Qualquer cidadão que não faça parte das torcidas organizadas da política nacional tem todo o direito de se perguntar qual é a diferença entre uma alta de juros "do mal" e uma alta de juros "do bem".

Essa indagação, claro, surge de inúmeras declarações de Lula e de estrelas do PT. Enquanto era Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central (BC), quem dava as cartas na política monetária, a retórica contra a elevação de juros por parte do presidente e seus associados era pesadíssima. Campos Neto não estaria cometendo erros técnicos, mas sim propositadamente fazendo uma política monetária para prejudicar Lula em termos políticos e trazer infelicidade ao povo brasileiro.

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Agora, porém, embora Campos Neto ainda esteja formalmente no comando do BC, todos os holofotes se voltaram a Gabriel Galípolo, nomeado por Lula e já aprovado pelo Senado para presidir a autoridade monetária a partir de janeiro de 2025.

Subitamente, a criminalização da alta dos juros por Lula foi silenciada, apertar a política monetária passou a ser visto como algo necessário de vez em quando, e o máximo que o presidente da República diz é que a taxa de juros ainda "há de ceder". No PT, as vozes que atacavam a política monetária de Campos Neto de forma feroz e apaixonada agora apenas fazem reparos protocolares à atual alta de juros.

Estômagos mais sensíveis certamente se incomodam com essa forma um tanto despudorada de mudar de opinião ao sabor de quem está fazendo determinada coisa, e não de qual coisa está sendo feita. Mas a sociedade brasileira atual parece muito distante desses pruridos, e o cavalo de pau de Lula e do PT sobre juros é visto como "parte do jogo".

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O problema, na verdade, é que nem tudo é cinismo. A suspensão provisória dos ataques à autoridade monetária por parte do Executivo é parte de uma estratégia para reforçar e legitimar Galípolo. Lula não é bobo e sabe que manter o fogo amigo contra alguém não só nomeado pelo PT, mas próximo ao partido, seria um épico tiro no pé.

Mas o presidente e boa parte do PT e do seu eleitorado têm uma desconfiança sincera da política monetária tal como ela é praticada hoje na maior parte dos países, com exceções como Venezuela e Turquia (que têm inflações muito elevadas). Os bancos centrais são vistos como viveiros de economistas com formação "neoliberal", que na sua obsessão em manter a inflação baixa - o que para alguns seria agir em favor do sistema financeiro -, por vezes não se importam em "tirar o prato da mesa do trabalhador", como na infame propaganda de Dilma contra Marina na disputa presidencial de 2014.

A pergunta, portanto, é até quando vai durar a paciência de Lula e do PT com Galípolo. É evidente que isso depende do timing, de previsão muito difícil, do ciclo econômico. Se a atual alta de juros, livre do pecado original, lograr controlar a inflação e, a partir de algum momento não muito tardio de 2025, o BC orquestrar um ciclo de baixa de juros que leve a uma economia pujante no ano eleitoral de 2026, o presidente nomeado do BC não deve ter muitos problemas. O perigo reside em que algo saia meio errado nesse roteiro, e Galípolo tenha que administrar uma política monetária contracionista, ou insuficientemente expansionista, durante o aquecimento e - pior ainda - o jogo da próxima campanha presidencial. Nesse caso, o cinismo pode dar lugar aos velhos preconceitos e a um pesado fogo amigo.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 9/10/2024, quarta-feira.

Certo nível de cinismo parece bastante naturalizado na política brasileira, incluindo temas menos afeitos ao teatro exuberante de acusações e baixarias das nossas campanhas eleitorais. Um exemplo claro dessa tendência é a atitude de Lula e de parcelas do PT em relação ao assunto técnico e pouco glamuroso da política monetária.

Qualquer cidadão que não faça parte das torcidas organizadas da política nacional tem todo o direito de se perguntar qual é a diferença entre uma alta de juros "do mal" e uma alta de juros "do bem".

Essa indagação, claro, surge de inúmeras declarações de Lula e de estrelas do PT. Enquanto era Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central (BC), quem dava as cartas na política monetária, a retórica contra a elevação de juros por parte do presidente e seus associados era pesadíssima. Campos Neto não estaria cometendo erros técnicos, mas sim propositadamente fazendo uma política monetária para prejudicar Lula em termos políticos e trazer infelicidade ao povo brasileiro.

Agora, porém, embora Campos Neto ainda esteja formalmente no comando do BC, todos os holofotes se voltaram a Gabriel Galípolo, nomeado por Lula e já aprovado pelo Senado para presidir a autoridade monetária a partir de janeiro de 2025.

Subitamente, a criminalização da alta dos juros por Lula foi silenciada, apertar a política monetária passou a ser visto como algo necessário de vez em quando, e o máximo que o presidente da República diz é que a taxa de juros ainda "há de ceder". No PT, as vozes que atacavam a política monetária de Campos Neto de forma feroz e apaixonada agora apenas fazem reparos protocolares à atual alta de juros.

Estômagos mais sensíveis certamente se incomodam com essa forma um tanto despudorada de mudar de opinião ao sabor de quem está fazendo determinada coisa, e não de qual coisa está sendo feita. Mas a sociedade brasileira atual parece muito distante desses pruridos, e o cavalo de pau de Lula e do PT sobre juros é visto como "parte do jogo".

O problema, na verdade, é que nem tudo é cinismo. A suspensão provisória dos ataques à autoridade monetária por parte do Executivo é parte de uma estratégia para reforçar e legitimar Galípolo. Lula não é bobo e sabe que manter o fogo amigo contra alguém não só nomeado pelo PT, mas próximo ao partido, seria um épico tiro no pé.

Mas o presidente e boa parte do PT e do seu eleitorado têm uma desconfiança sincera da política monetária tal como ela é praticada hoje na maior parte dos países, com exceções como Venezuela e Turquia (que têm inflações muito elevadas). Os bancos centrais são vistos como viveiros de economistas com formação "neoliberal", que na sua obsessão em manter a inflação baixa - o que para alguns seria agir em favor do sistema financeiro -, por vezes não se importam em "tirar o prato da mesa do trabalhador", como na infame propaganda de Dilma contra Marina na disputa presidencial de 2014.

A pergunta, portanto, é até quando vai durar a paciência de Lula e do PT com Galípolo. É evidente que isso depende do timing, de previsão muito difícil, do ciclo econômico. Se a atual alta de juros, livre do pecado original, lograr controlar a inflação e, a partir de algum momento não muito tardio de 2025, o BC orquestrar um ciclo de baixa de juros que leve a uma economia pujante no ano eleitoral de 2026, o presidente nomeado do BC não deve ter muitos problemas. O perigo reside em que algo saia meio errado nesse roteiro, e Galípolo tenha que administrar uma política monetária contracionista, ou insuficientemente expansionista, durante o aquecimento e - pior ainda - o jogo da próxima campanha presidencial. Nesse caso, o cinismo pode dar lugar aos velhos preconceitos e a um pesado fogo amigo.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 9/10/2024, quarta-feira.

Certo nível de cinismo parece bastante naturalizado na política brasileira, incluindo temas menos afeitos ao teatro exuberante de acusações e baixarias das nossas campanhas eleitorais. Um exemplo claro dessa tendência é a atitude de Lula e de parcelas do PT em relação ao assunto técnico e pouco glamuroso da política monetária.

Qualquer cidadão que não faça parte das torcidas organizadas da política nacional tem todo o direito de se perguntar qual é a diferença entre uma alta de juros "do mal" e uma alta de juros "do bem".

Essa indagação, claro, surge de inúmeras declarações de Lula e de estrelas do PT. Enquanto era Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central (BC), quem dava as cartas na política monetária, a retórica contra a elevação de juros por parte do presidente e seus associados era pesadíssima. Campos Neto não estaria cometendo erros técnicos, mas sim propositadamente fazendo uma política monetária para prejudicar Lula em termos políticos e trazer infelicidade ao povo brasileiro.

Agora, porém, embora Campos Neto ainda esteja formalmente no comando do BC, todos os holofotes se voltaram a Gabriel Galípolo, nomeado por Lula e já aprovado pelo Senado para presidir a autoridade monetária a partir de janeiro de 2025.

Subitamente, a criminalização da alta dos juros por Lula foi silenciada, apertar a política monetária passou a ser visto como algo necessário de vez em quando, e o máximo que o presidente da República diz é que a taxa de juros ainda "há de ceder". No PT, as vozes que atacavam a política monetária de Campos Neto de forma feroz e apaixonada agora apenas fazem reparos protocolares à atual alta de juros.

Estômagos mais sensíveis certamente se incomodam com essa forma um tanto despudorada de mudar de opinião ao sabor de quem está fazendo determinada coisa, e não de qual coisa está sendo feita. Mas a sociedade brasileira atual parece muito distante desses pruridos, e o cavalo de pau de Lula e do PT sobre juros é visto como "parte do jogo".

O problema, na verdade, é que nem tudo é cinismo. A suspensão provisória dos ataques à autoridade monetária por parte do Executivo é parte de uma estratégia para reforçar e legitimar Galípolo. Lula não é bobo e sabe que manter o fogo amigo contra alguém não só nomeado pelo PT, mas próximo ao partido, seria um épico tiro no pé.

Mas o presidente e boa parte do PT e do seu eleitorado têm uma desconfiança sincera da política monetária tal como ela é praticada hoje na maior parte dos países, com exceções como Venezuela e Turquia (que têm inflações muito elevadas). Os bancos centrais são vistos como viveiros de economistas com formação "neoliberal", que na sua obsessão em manter a inflação baixa - o que para alguns seria agir em favor do sistema financeiro -, por vezes não se importam em "tirar o prato da mesa do trabalhador", como na infame propaganda de Dilma contra Marina na disputa presidencial de 2014.

A pergunta, portanto, é até quando vai durar a paciência de Lula e do PT com Galípolo. É evidente que isso depende do timing, de previsão muito difícil, do ciclo econômico. Se a atual alta de juros, livre do pecado original, lograr controlar a inflação e, a partir de algum momento não muito tardio de 2025, o BC orquestrar um ciclo de baixa de juros que leve a uma economia pujante no ano eleitoral de 2026, o presidente nomeado do BC não deve ter muitos problemas. O perigo reside em que algo saia meio errado nesse roteiro, e Galípolo tenha que administrar uma política monetária contracionista, ou insuficientemente expansionista, durante o aquecimento e - pior ainda - o jogo da próxima campanha presidencial. Nesse caso, o cinismo pode dar lugar aos velhos preconceitos e a um pesado fogo amigo.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 9/10/2024, quarta-feira.

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