O que pode levar um importante líder político a propor uma receita de política econômica que acaba de dar espetacularmente errado? A pergunta pode parecer absurda, mas se trata de uma questão bastante real, que acontece neste momento diante dos nossos olhos.
Confortavelmente à frente das intenções de voto no primeiro turno de todas as pesquisas eleitorais, o ex-presidente Lula comandou recentemente a apresentação pelo PT do programa “Seis Medidas Emergenciais para Recuperação da Economia, do Emprego e da Renda”.
Não há nenhuma dúvida sobre o teor das propostas: trata-se de reinstalar a “nova matriz econômica” que reinou no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, com desastrosos e bem conhecido resultados.
Como se sabe, a atual recessão foi turbinada pelo pânico que tomou conta dos investidores em relação à solvência pública brasileira, movimento que teve seu ápice no último trimestre de 2015. O dólar e os juros dispararam, e a confiança de empresários e consumidores despencou. A economia, naturalmente, se esfacelou.
A muito custo, três ministros da Fazenda consecutivos – os liberais Joaquim Levy e Henrique Meirelles, entremeados pelo heterodoxo Nelson Barbosa – lutaram para debelar o pânico fiscal. Houve muita polêmica sobre como realizar essa tarefa, centrada na questão “é melhor ajustar no curto ou no médio e longo prazos?”. Levy queria fazer tudo ao mesmo tempo. Barbosa, preocupado com o impulso fiscal negativo, preferia atacar o médio e o longo. Os dois saíram e Meirelles acabou concentrando as fichas, ainda mais do que propusera Barbosa, no longo prazo.
Nenhum deles, entretanto, cogitou em chutar o balde no curto, médio e longo prazos, como defende o programa emergencial patrocinado por Lula. Senão, vejamos: singelamente, o pacote retira a reforma da Previdência de pauta, antecipa o abono salarial, garante aumento real do salário mínimo, revoga a emenda do teto dos gastos públicos, renegocia as dívidas dos Estados de tal forma que estes invistam mais, recupera empresas de construção civil (abaladas pela Lava Jato) e fortalece as empresas brasileiras em geral (só pode ser com dinheiro público, claro).
Adicionalmente, o programa expande o Bolsa Família, os gastos em saúde e educação, o Minha Casa Minha Vida, a atuação dos bancos públicos, a geração de energia, o crédito agrícola, as obras ferroviárias e os investimentos da Petrobrás.
Enfim, é como se um Estado muito rico, abarrotado de receitas e gerando superávits fiscais crescentes, resolvesse distribuir de todas as formas possíveis e imaginárias o dinheiro público que sobra e escorre por todos os poros. Qualquer semelhança com o inverso da realidade não é mera coincidência.
Para garantir o “sabor nova matriz” em todas as nuances do paladar, o programa ainda defende baixar os juros na marra, manipular o câmbio, mexer no Banco Central e retomar a estratégia da Petrobrás durante o governo do PT.
Voltando à pergunta inicial, qual a razão para tamanhos disparates? Uma justificativa habitual é que Lula agora é refém do petismo raiz, que vê tudo isso como muito bom para o País. Outra possível explicação é que o ex-presidente – numa reedição da campanha de 2002 – entende que eleitoralmente é vantajoso para ele que os mercados tremam e a economia afunde junto com sua subida nas pesquisas. Dessa forma, o paladino da oposição joga a culpa pela piora no governo de plantão e amealha seus votos. Só no final, com a eleição praticamente ganha, volta atrás, assina uma carta ao povo brasileiro e promete se comportar.
É verdade que a eleição ainda está distante (e nem se sabe se Lula terá condições legais de competir), mas os candidatos já começaram o aquecimento. O “quanto pior, melhor” nunca foi nem nunca será uma estratégia ética, que valorize o jogo democrático. Mas pode funcionar, infelizmente.
*COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV