Economia e políticas públicas

Opinião|Arcabouço fiscal ficou defasado?


Alta violenta dos juros que incidem sobre a dívida pública pode ter tornado o arcabouço fiscal lançado ano passado (quando se esperava que os juros baixassem) insuficiente para lidar com o ambiente doméstico e global em 2005 e 2026.

Por Fernando Dantas

Na sexta-feira, segunda-feira e nos dois leilões de hoje, segundo um participante do mercado, o Banco Central (BC) vendeu US$ 5,76 bilhões das reservas, além de cerca de R$ 7 bilhões de leilões de linha, mas neste segundo caso com recompra.

Segundo o operador, "a reação do mercado desde que o Banco Central elevou a Selic em 100 pontos base (1 ponto porcentual) e anunciou mais 200pb de elevação indica que podemos, sim, estar entrando em dominância fiscal".

Com uma elevação cavalar dos juros como essa, os juros longos da curva deveriam cair (pois em teoria a inflação iria baixar) e o real deveria se apreciar, pelo aumento do diferencial de juros. Mas ocorreram justamente os movimentos inversos, sintomas do risco de dominância fiscal.

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"Nesse caso", prossegue o profissional mencionado acima, "não há nada que o BC possa fazer - há um problema de fundamento, que é fiscal, e se não mexer nesse problema não tem como estabilizar a situação".

O operador vê um erro essencial na estratégia de política econômica do governo. Quando o novo arcabouço fiscal foi lançado no ano passado, a expectativa era de juros (incluindo os reais) cadentes. Ele diz que sempre considerou o arcabouço frágil para estabilizar macroeconomicamente o País, mas, com aquela expectativa de queda gradual dos juros, a proposta talvez até fosse salvável.

A dificuldade principal, porém, é que o cenário mudou totalmente. O câmbio e os juros dispararam, e o BC acelera a alta dos juros para combater uma inflação que também ameaça sair de controle. Com o nível de juro atual (que incide na dívida pública), "o arcabouço se tornou totalmente inapropriado para lidar com a realidade de 2025 e 2026", aponta o analista.

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O governo teve a chance de consertar o rumo da política econômica no final de novembro, com o pacote fiscal, mas desperdiçou a oportunidade, com medidas insuficientes e o brinde negativo do anúncio da intenção de isentar de imposto de renda de quem ganha até R$ 5 mil (com compensação de mais IR para quem ganha acima de R$ 50 mil).

Lembrando recente comentário de Nilton David, diretor nomeado de Política Monetária do BC, na sua sabatina de aprovação no Congresso, o operador observa que as vendas de reservas têm efeito efêmero no mercado se o fundamento básico que está levando à depreciação do real - no caso, a política fiscal - não muda.

O problema é que, no pacote de novembro, o governo mostrou que não está muito disposto a mudar esse fundamento. Além disso, em janeiro o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já anunciou que vai tirar férias (entre 2 e 21/1) e o Congresso entra em recesso. Na volta, em fevereiro, o Legislativo se voltará todo para a eleição das presidências das duas Casas. Em 20 de janeiro, toma posse Donald Trump, cuja eleição é em parte responsável pela piora internacional que está tornando a vida mais difícil para os gestores de política econômica no Brasil. E o presidente eleito dos Estados Unidos já destacou o Brasil em particular como alvo potencial de aumento de tarifas.

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Ricardo Ribeiro, analista político da consultoria MCM, considera que a piora do mercado pode fazer com que o Legislativo se apresse para tentar votar as medidas do pacote fiscal ainda este ano. Mas ele prevê que vai haver uma pequena diluição das medidas em temas como BPC e compensação tributária. Já a proposta de eliminar os "penduricalhos" dos supersalários deve esperar pela aprovação de lei complementar sobre o tema.

Ribeiro nota que não comprou a ideia vendida por alguns observadores de que a PEC superfiscalista elaborada e proposta pelos deputados Pedro Paulo (PSD-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Julio Lopes (PP-RJ) seria um sinal de que o Congresso poderia até apertar o pacote fiscal do governo. A perspectiva do analista da MCM manteve-se na provável diluição, já que "o Centrão não vai fazer as 'maldades' que o próprio governo não quer fazer".

Ainda assim, Ribeiro considera exagerada a expectativa de grande diluição do pacote fiscal por parte da corrente mais pessimista do mercado.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 17/12/2024, terça-feira.

Na sexta-feira, segunda-feira e nos dois leilões de hoje, segundo um participante do mercado, o Banco Central (BC) vendeu US$ 5,76 bilhões das reservas, além de cerca de R$ 7 bilhões de leilões de linha, mas neste segundo caso com recompra.

Segundo o operador, "a reação do mercado desde que o Banco Central elevou a Selic em 100 pontos base (1 ponto porcentual) e anunciou mais 200pb de elevação indica que podemos, sim, estar entrando em dominância fiscal".

Com uma elevação cavalar dos juros como essa, os juros longos da curva deveriam cair (pois em teoria a inflação iria baixar) e o real deveria se apreciar, pelo aumento do diferencial de juros. Mas ocorreram justamente os movimentos inversos, sintomas do risco de dominância fiscal.

"Nesse caso", prossegue o profissional mencionado acima, "não há nada que o BC possa fazer - há um problema de fundamento, que é fiscal, e se não mexer nesse problema não tem como estabilizar a situação".

O operador vê um erro essencial na estratégia de política econômica do governo. Quando o novo arcabouço fiscal foi lançado no ano passado, a expectativa era de juros (incluindo os reais) cadentes. Ele diz que sempre considerou o arcabouço frágil para estabilizar macroeconomicamente o País, mas, com aquela expectativa de queda gradual dos juros, a proposta talvez até fosse salvável.

A dificuldade principal, porém, é que o cenário mudou totalmente. O câmbio e os juros dispararam, e o BC acelera a alta dos juros para combater uma inflação que também ameaça sair de controle. Com o nível de juro atual (que incide na dívida pública), "o arcabouço se tornou totalmente inapropriado para lidar com a realidade de 2025 e 2026", aponta o analista.

O governo teve a chance de consertar o rumo da política econômica no final de novembro, com o pacote fiscal, mas desperdiçou a oportunidade, com medidas insuficientes e o brinde negativo do anúncio da intenção de isentar de imposto de renda de quem ganha até R$ 5 mil (com compensação de mais IR para quem ganha acima de R$ 50 mil).

Lembrando recente comentário de Nilton David, diretor nomeado de Política Monetária do BC, na sua sabatina de aprovação no Congresso, o operador observa que as vendas de reservas têm efeito efêmero no mercado se o fundamento básico que está levando à depreciação do real - no caso, a política fiscal - não muda.

O problema é que, no pacote de novembro, o governo mostrou que não está muito disposto a mudar esse fundamento. Além disso, em janeiro o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já anunciou que vai tirar férias (entre 2 e 21/1) e o Congresso entra em recesso. Na volta, em fevereiro, o Legislativo se voltará todo para a eleição das presidências das duas Casas. Em 20 de janeiro, toma posse Donald Trump, cuja eleição é em parte responsável pela piora internacional que está tornando a vida mais difícil para os gestores de política econômica no Brasil. E o presidente eleito dos Estados Unidos já destacou o Brasil em particular como alvo potencial de aumento de tarifas.

Ricardo Ribeiro, analista político da consultoria MCM, considera que a piora do mercado pode fazer com que o Legislativo se apresse para tentar votar as medidas do pacote fiscal ainda este ano. Mas ele prevê que vai haver uma pequena diluição das medidas em temas como BPC e compensação tributária. Já a proposta de eliminar os "penduricalhos" dos supersalários deve esperar pela aprovação de lei complementar sobre o tema.

Ribeiro nota que não comprou a ideia vendida por alguns observadores de que a PEC superfiscalista elaborada e proposta pelos deputados Pedro Paulo (PSD-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Julio Lopes (PP-RJ) seria um sinal de que o Congresso poderia até apertar o pacote fiscal do governo. A perspectiva do analista da MCM manteve-se na provável diluição, já que "o Centrão não vai fazer as 'maldades' que o próprio governo não quer fazer".

Ainda assim, Ribeiro considera exagerada a expectativa de grande diluição do pacote fiscal por parte da corrente mais pessimista do mercado.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 17/12/2024, terça-feira.

Na sexta-feira, segunda-feira e nos dois leilões de hoje, segundo um participante do mercado, o Banco Central (BC) vendeu US$ 5,76 bilhões das reservas, além de cerca de R$ 7 bilhões de leilões de linha, mas neste segundo caso com recompra.

Segundo o operador, "a reação do mercado desde que o Banco Central elevou a Selic em 100 pontos base (1 ponto porcentual) e anunciou mais 200pb de elevação indica que podemos, sim, estar entrando em dominância fiscal".

Com uma elevação cavalar dos juros como essa, os juros longos da curva deveriam cair (pois em teoria a inflação iria baixar) e o real deveria se apreciar, pelo aumento do diferencial de juros. Mas ocorreram justamente os movimentos inversos, sintomas do risco de dominância fiscal.

"Nesse caso", prossegue o profissional mencionado acima, "não há nada que o BC possa fazer - há um problema de fundamento, que é fiscal, e se não mexer nesse problema não tem como estabilizar a situação".

O operador vê um erro essencial na estratégia de política econômica do governo. Quando o novo arcabouço fiscal foi lançado no ano passado, a expectativa era de juros (incluindo os reais) cadentes. Ele diz que sempre considerou o arcabouço frágil para estabilizar macroeconomicamente o País, mas, com aquela expectativa de queda gradual dos juros, a proposta talvez até fosse salvável.

A dificuldade principal, porém, é que o cenário mudou totalmente. O câmbio e os juros dispararam, e o BC acelera a alta dos juros para combater uma inflação que também ameaça sair de controle. Com o nível de juro atual (que incide na dívida pública), "o arcabouço se tornou totalmente inapropriado para lidar com a realidade de 2025 e 2026", aponta o analista.

O governo teve a chance de consertar o rumo da política econômica no final de novembro, com o pacote fiscal, mas desperdiçou a oportunidade, com medidas insuficientes e o brinde negativo do anúncio da intenção de isentar de imposto de renda de quem ganha até R$ 5 mil (com compensação de mais IR para quem ganha acima de R$ 50 mil).

Lembrando recente comentário de Nilton David, diretor nomeado de Política Monetária do BC, na sua sabatina de aprovação no Congresso, o operador observa que as vendas de reservas têm efeito efêmero no mercado se o fundamento básico que está levando à depreciação do real - no caso, a política fiscal - não muda.

O problema é que, no pacote de novembro, o governo mostrou que não está muito disposto a mudar esse fundamento. Além disso, em janeiro o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já anunciou que vai tirar férias (entre 2 e 21/1) e o Congresso entra em recesso. Na volta, em fevereiro, o Legislativo se voltará todo para a eleição das presidências das duas Casas. Em 20 de janeiro, toma posse Donald Trump, cuja eleição é em parte responsável pela piora internacional que está tornando a vida mais difícil para os gestores de política econômica no Brasil. E o presidente eleito dos Estados Unidos já destacou o Brasil em particular como alvo potencial de aumento de tarifas.

Ricardo Ribeiro, analista político da consultoria MCM, considera que a piora do mercado pode fazer com que o Legislativo se apresse para tentar votar as medidas do pacote fiscal ainda este ano. Mas ele prevê que vai haver uma pequena diluição das medidas em temas como BPC e compensação tributária. Já a proposta de eliminar os "penduricalhos" dos supersalários deve esperar pela aprovação de lei complementar sobre o tema.

Ribeiro nota que não comprou a ideia vendida por alguns observadores de que a PEC superfiscalista elaborada e proposta pelos deputados Pedro Paulo (PSD-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Julio Lopes (PP-RJ) seria um sinal de que o Congresso poderia até apertar o pacote fiscal do governo. A perspectiva do analista da MCM manteve-se na provável diluição, já que "o Centrão não vai fazer as 'maldades' que o próprio governo não quer fazer".

Ainda assim, Ribeiro considera exagerada a expectativa de grande diluição do pacote fiscal por parte da corrente mais pessimista do mercado.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 17/12/2024, terça-feira.

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