O Banco Central brasileiro partiu na frente, em relação aos BCs de outros países, na elevação dos juros básicos para combater a inflação da pandemia. Hoje, o BC deve iniciar outro ciclo de elevação, após ter reduzido a Selic de 13,75% para 10,5% desde agosto do ano passado.
[a coluna foi escrita antes da decisão do Copom, que de fato elevou a Selic para 10,75%]
Um estudo recente de economistas do Banco para Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês pela qual é conhecido) mostra que, depois de praticarem uma política monetária equilibrada por cerca de uma década e meia, um grupo de importantes bancos centrais da América Latina parecem ter se tornado mais conservadores nos tempos pós-pandêmicos. Esse grupo é formado pelos BCs do Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru.
Os autores do trabalho (Rafael Guerra, Steven Kamin, John Kearns, Christian Upper e Aatman Vakil) estimam regras de Taylor - que determinam quanto o juro básico deve mudar em relação a desvios da inflação da meta - para aqueles países. O que chamam de política monetária equilibrada no período antes da pandemia são movimentos de política monetária (elevações e reduções da taxa básica) em sintonia com essas regras de Taylor.
No período de 2021 a 2023, no entanto, a política monetária daqueles países latino-americanos reagiu de forma mais rápida e mais forte a aumentos de inflação do que aquilo que seria determinado por uma regra de Taylor convencional a partir dos dados pré-pandemia. Isso contrasta com o fato de que, logo no início da pandemia, esses mesmos BCs latino-americanos tenham participado da reação contracíclica global, cortando suas taxas de juros e até praticando afrouxamento quantitativo (injeção de liquidez pela compra, por parte de um BC, de títulos longos em poder do mercado).
A questão dos autores é saber se, por causa da onda inflacionária da pandemia, os BCs latino-americanos teriam abandonado a postura anterior, mais equilibrada e mais em sintonia com as autoridades monetárias dos países avançados, em favor de uma abordagem mais agressiva e focada desproporcionalmente na inflação, em detrimento da atividade econômica.
Os economistas, na verdade, concluem que houve continuidade na política monetária dos países latino-americanos entre o período pré e pós-pandemia. Tanto num período como no outro, eles identificam uma estratégia "não-linear" dos bancos centrais da região. Isso significa que esses BCs reagem de forma mais forte a aumentos da inflação à medida que a inflação fica mais elevada.
Segundo os autores, "essa é uma estratégia sensata, porque pequenas variações da inflação em torno do nível da meta provavelmente não mudam as expectativas inflacionárias, ao passo que grandes altas da inflação têm maior probabilidade de desancorar as expectativas".
Para testar aquela hipótese, os economistas reestimaram a regra de Taylor padrão para incluir o quadrado da inflação como variável explicativa. Esse exercício funcionou bem para explicar os movimentos da taxa básica de juros naqueles países latino-americanos tanto antes quanto depois da pandemia.
Assim, a versão "não-linear" da regra de Taylor - pela qual a resposta da política monetária a um mesmo aumento da inflação é tão maior quanto maior for o nível da inflação - explica bem a política monetária latino-americana, seja antes, seja depois da pandemia.
É uma indicação de que os BCs da região, acostumados historicamente a lidar com inflações bem mais altas do que as dos países avançados, percebem claramente que uma inflação muito alta é mais difícil de curar e exige dose maiores da amarga medicação dos juros reais elevados.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 18/9/2024, quarta-feira.