Economia e políticas públicas

Opinião|Brasil e EUA estão indo bem no pós-Covid


Estudo do FMI mostra que PIB dos Estados Unidos recuperou tendência de crescimento pré-pandemia, mas o mesmo não aconteceu na zona do Euro, Canadá e Reino Unido. Brasil, na verdade, está 3,2% acima da tendência pré-pandemia. Isso pode durar?

Por Fernando Dantas

A economia dos Estados Unidos se recuperou totalmente das perdas da Covid, mas as de outros países ricos ocidentais, não. Um recém-lançado estudo de diversos economistas do Federal Reserve (Fed), BC dos EUA, tenta entender o porquê desses desempenhos contrastantes.

O trabalho traça a tendência de crescimento dos países e regiões com base nos números dos cinco anos que antecederam a Covid-19. E aí se verifica a que distância estão hoje dessa tendência. A zona do euro está 5% abaixo, o Canadá está 4% abaixo, o Reino Unido está 6% abaixo, e os Estados Unidos estão exatamente na tendência, sem nenhuma defasagem.

A situação da zona do euro, Canadá e Reino Unido é particularmente preocupante, porque não só estão abaixo da tendência, como estão crescendo num ritmo inferior ao da tendência dos cinco anos anteriores à pandemia. Ou seja, se isso não mudar, aquelas defasagens em relação à tendência podem até aumentar.

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Um primeiro fator investigado pelos autores para explicar essa diferença entre os Estados Unidos e os demais é a política fiscal. Na verdade, os economistas apontam que é um ponto difícil. Os Estados Unidos tiveram mais déficit (mais impulso) que os outros ricos ocidentais, mas a diferença entre o déficit pré e pós pandemia é semelhante entre todos os países e regiões analisados (incluindo os EUA).

Mas com dados mais detalhados do FMI sobre gastos discricionários na pandemia, a conclusão é que os Estados Unidos deram mais suporte, mesmo, que os outros ricos. A diferença é gritante: gastos discricionários iniciais na pandemia de 25% do PIB nos Estados Unidos, comparado a 7% na França, por exemplo.

Em termos de política monetária, os Estados Unidos até elevaram a taxa básica ligeiramente mais que a média dos outros países analisados, mas esse aumento se transmitiu menos aos juros de mercado do que no Canadá, Reino Unido e zona do euro. Na zona do euro, o repasse da alta da taxa básica para hipotecas foi semelhante ao da economia americana.

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Em seguida, os autores analisam o que consideram um fator decisivo: o mercado de trabalho. Eles verificam que a vantagem de crescimento dos Estados Unidos em relação ao resto do grupo vem em parte de melhor desempenho da produtividade, e em parte de mais horas trabalhadas. Os autores veem a maior rigidez do mercado de trabalho dos países não-americanos - e o fato de que as políticas de apoio nesses países visavam manter as pessoas nos seus empregos - como tendo restringido a readaptação setorial da economia ao choque da pandemia. A realocação setorial nos Estados Unidos durante a pandemia foi três vezes maior do que na zona do euro.

Os economistas notam que o pior desempenho da produtividade, comparada à americana, nos países analisados deve-se à subutilização de trabalhadores dentro de empresas, até com alguma redução de horas trabalhadas. Outro fator de explicação da diferença é o maior dinamismo empresarial nos Estados Unidos, com um ritmo de criação de novas empresas durante a pandemia muito maior do que na Europa.

Fatores adicionais listados pelos autores são os efeitos econômicos da guerra da Ucrânia na Europa (principalmente relativos ao fornecimento de gás natural); consequências tardias, que ainda persistem, do Brexit nos Reino Unido; e as pesadíssimas iniciativas recentes de política industrial por parte do governo de Joe Biden nos Estados Unidos.

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Brasil - Na verdade, como nota o economista Ricardo Barboza, pesquisador associado do IBRE-FGV e professor do IBMEC, na comparação de que trata o estudo do Fed, o Brasil está muito bem na fita. Segundo seus cálculos, com base no Monitor do PIB da FGV, o PIB brasileiro em março estava 3,2% acima do nível pré-pandemia - um desempenho ainda melhor que o americano, portanto. Adicionalmente, ele acrescenta, a tendência de crescimento que se pode divisar nos últimos três anos no Brasil é superior à tendência pré-pandemia.

Barboza observa que esse é um tema de debate atual entre os economistas brasileiros. Parte deles atribui o bom desempenho à série de reformas macro e microeconômicas levadas a cabo desde 2016, que vai das reformas da Previdência e trabalhista a melhoras no mercado de crédito e à criação do pix, entre outras.

Embora aprove parte considerável dessas reformas, Barboza não considera que elas sejam uma explicação consistente para a boa performance da economia brasileira pós-pandemia.

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Em primeiro lugar ele estranha o timing. Reformas costumam afetar o crescimento de forma gradativa, com o auge do efeito se situando entre cinco e dez anos depois de realizadas. Mas a melhora do desempenho econômico recente no Brasil surgiu meio de repente a partir de 2021.

Em seguida, ele cita vários indicadores econômicos que deveriam ter sido afetados positivamente pelas reformas, na visão de que estas melhoram a alocação de capitais, e que, na verdade, não foram, como produtividade total dos fatores (PTF) e taxa de investimentos. Esta última teve média de 16% nos último oito anos, comparado a 20% nos oito anos que precederam os últimos oito anos. Em particular, a taxa privada de investimento em infraestrutura arrasta-se no nível muito baixo de 1,1-1,2% do PIB. E as estimativas de crescimento potencial, pela proxy da projeção de crescimento quatro anos à frente do Focus, recuaram para próximo de 2%.

A hipótese de Barboza para o bom desempenho da economia brasileira nos últimos anos - que necessita maior investigação, frisa o economista - é que a gigantesca injeção de transferências do governo, especialmente no primeiro ano da pandemia (o déficit primário foi para 9,2% do PIB), transformou-se numa poupança extra das famílias, mesmo porque não havia muito como gastar esse dinheiro, com o setor de serviços em boa parte fechado.

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"Esses recursos viraram poupança acumulada das famílias, como se tivesse sido uma política fiscal de efeitos defasados", diz Barboza, referindo-se ao fato de que as famílias foram consumindo essa poupança extra gradativamente ao longo de 2021 e 2022. Já em 2023, a PEC da Transição injetou 1,7% do PIB adicional na economia.

Segundo o economista, esses impulsos fiscais todos numa economia com muita capacidade ociosa tiveram o efeito "de livro-texto" de estimular a atividade. O hiato do produto, que mede a capacidade ociosa (quanto mais negativo, maior) passou de -4% do PIB em 2020 para -0,6% e 2023.

O problema, acrescenta o pesquisador, é que a capacidade ociosa já quase se esgotou, e o Brasil não terá mais como crescer rapidamente simplesmente preenchendo-a. E isso se torna ainda mais complicado com os limites atuais à política fiscal, que tenta reequilibrar a solvência de médio e longo prazo do setor público.

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De qualquer forma, conclui Barboza, a política fiscal pesada e rápida do Brasil na pandemia soube evitar a histerese, a perda permanente de produto, e a super-histerese, que é a redução da taxa de crescimento da economia, em ambos os casos em função das "cicatrizes" deixadas por uma crise brutal como a da Covid. Como mostram os casos da zona do euro, Canadá e Reino Unido, esses riscos são bem reais.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 21/5/2024, terça-feira.

A economia dos Estados Unidos se recuperou totalmente das perdas da Covid, mas as de outros países ricos ocidentais, não. Um recém-lançado estudo de diversos economistas do Federal Reserve (Fed), BC dos EUA, tenta entender o porquê desses desempenhos contrastantes.

O trabalho traça a tendência de crescimento dos países e regiões com base nos números dos cinco anos que antecederam a Covid-19. E aí se verifica a que distância estão hoje dessa tendência. A zona do euro está 5% abaixo, o Canadá está 4% abaixo, o Reino Unido está 6% abaixo, e os Estados Unidos estão exatamente na tendência, sem nenhuma defasagem.

A situação da zona do euro, Canadá e Reino Unido é particularmente preocupante, porque não só estão abaixo da tendência, como estão crescendo num ritmo inferior ao da tendência dos cinco anos anteriores à pandemia. Ou seja, se isso não mudar, aquelas defasagens em relação à tendência podem até aumentar.

Um primeiro fator investigado pelos autores para explicar essa diferença entre os Estados Unidos e os demais é a política fiscal. Na verdade, os economistas apontam que é um ponto difícil. Os Estados Unidos tiveram mais déficit (mais impulso) que os outros ricos ocidentais, mas a diferença entre o déficit pré e pós pandemia é semelhante entre todos os países e regiões analisados (incluindo os EUA).

Mas com dados mais detalhados do FMI sobre gastos discricionários na pandemia, a conclusão é que os Estados Unidos deram mais suporte, mesmo, que os outros ricos. A diferença é gritante: gastos discricionários iniciais na pandemia de 25% do PIB nos Estados Unidos, comparado a 7% na França, por exemplo.

Em termos de política monetária, os Estados Unidos até elevaram a taxa básica ligeiramente mais que a média dos outros países analisados, mas esse aumento se transmitiu menos aos juros de mercado do que no Canadá, Reino Unido e zona do euro. Na zona do euro, o repasse da alta da taxa básica para hipotecas foi semelhante ao da economia americana.

Em seguida, os autores analisam o que consideram um fator decisivo: o mercado de trabalho. Eles verificam que a vantagem de crescimento dos Estados Unidos em relação ao resto do grupo vem em parte de melhor desempenho da produtividade, e em parte de mais horas trabalhadas. Os autores veem a maior rigidez do mercado de trabalho dos países não-americanos - e o fato de que as políticas de apoio nesses países visavam manter as pessoas nos seus empregos - como tendo restringido a readaptação setorial da economia ao choque da pandemia. A realocação setorial nos Estados Unidos durante a pandemia foi três vezes maior do que na zona do euro.

Os economistas notam que o pior desempenho da produtividade, comparada à americana, nos países analisados deve-se à subutilização de trabalhadores dentro de empresas, até com alguma redução de horas trabalhadas. Outro fator de explicação da diferença é o maior dinamismo empresarial nos Estados Unidos, com um ritmo de criação de novas empresas durante a pandemia muito maior do que na Europa.

Fatores adicionais listados pelos autores são os efeitos econômicos da guerra da Ucrânia na Europa (principalmente relativos ao fornecimento de gás natural); consequências tardias, que ainda persistem, do Brexit nos Reino Unido; e as pesadíssimas iniciativas recentes de política industrial por parte do governo de Joe Biden nos Estados Unidos.

Brasil - Na verdade, como nota o economista Ricardo Barboza, pesquisador associado do IBRE-FGV e professor do IBMEC, na comparação de que trata o estudo do Fed, o Brasil está muito bem na fita. Segundo seus cálculos, com base no Monitor do PIB da FGV, o PIB brasileiro em março estava 3,2% acima do nível pré-pandemia - um desempenho ainda melhor que o americano, portanto. Adicionalmente, ele acrescenta, a tendência de crescimento que se pode divisar nos últimos três anos no Brasil é superior à tendência pré-pandemia.

Barboza observa que esse é um tema de debate atual entre os economistas brasileiros. Parte deles atribui o bom desempenho à série de reformas macro e microeconômicas levadas a cabo desde 2016, que vai das reformas da Previdência e trabalhista a melhoras no mercado de crédito e à criação do pix, entre outras.

Embora aprove parte considerável dessas reformas, Barboza não considera que elas sejam uma explicação consistente para a boa performance da economia brasileira pós-pandemia.

Em primeiro lugar ele estranha o timing. Reformas costumam afetar o crescimento de forma gradativa, com o auge do efeito se situando entre cinco e dez anos depois de realizadas. Mas a melhora do desempenho econômico recente no Brasil surgiu meio de repente a partir de 2021.

Em seguida, ele cita vários indicadores econômicos que deveriam ter sido afetados positivamente pelas reformas, na visão de que estas melhoram a alocação de capitais, e que, na verdade, não foram, como produtividade total dos fatores (PTF) e taxa de investimentos. Esta última teve média de 16% nos último oito anos, comparado a 20% nos oito anos que precederam os últimos oito anos. Em particular, a taxa privada de investimento em infraestrutura arrasta-se no nível muito baixo de 1,1-1,2% do PIB. E as estimativas de crescimento potencial, pela proxy da projeção de crescimento quatro anos à frente do Focus, recuaram para próximo de 2%.

A hipótese de Barboza para o bom desempenho da economia brasileira nos últimos anos - que necessita maior investigação, frisa o economista - é que a gigantesca injeção de transferências do governo, especialmente no primeiro ano da pandemia (o déficit primário foi para 9,2% do PIB), transformou-se numa poupança extra das famílias, mesmo porque não havia muito como gastar esse dinheiro, com o setor de serviços em boa parte fechado.

"Esses recursos viraram poupança acumulada das famílias, como se tivesse sido uma política fiscal de efeitos defasados", diz Barboza, referindo-se ao fato de que as famílias foram consumindo essa poupança extra gradativamente ao longo de 2021 e 2022. Já em 2023, a PEC da Transição injetou 1,7% do PIB adicional na economia.

Segundo o economista, esses impulsos fiscais todos numa economia com muita capacidade ociosa tiveram o efeito "de livro-texto" de estimular a atividade. O hiato do produto, que mede a capacidade ociosa (quanto mais negativo, maior) passou de -4% do PIB em 2020 para -0,6% e 2023.

O problema, acrescenta o pesquisador, é que a capacidade ociosa já quase se esgotou, e o Brasil não terá mais como crescer rapidamente simplesmente preenchendo-a. E isso se torna ainda mais complicado com os limites atuais à política fiscal, que tenta reequilibrar a solvência de médio e longo prazo do setor público.

De qualquer forma, conclui Barboza, a política fiscal pesada e rápida do Brasil na pandemia soube evitar a histerese, a perda permanente de produto, e a super-histerese, que é a redução da taxa de crescimento da economia, em ambos os casos em função das "cicatrizes" deixadas por uma crise brutal como a da Covid. Como mostram os casos da zona do euro, Canadá e Reino Unido, esses riscos são bem reais.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 21/5/2024, terça-feira.

A economia dos Estados Unidos se recuperou totalmente das perdas da Covid, mas as de outros países ricos ocidentais, não. Um recém-lançado estudo de diversos economistas do Federal Reserve (Fed), BC dos EUA, tenta entender o porquê desses desempenhos contrastantes.

O trabalho traça a tendência de crescimento dos países e regiões com base nos números dos cinco anos que antecederam a Covid-19. E aí se verifica a que distância estão hoje dessa tendência. A zona do euro está 5% abaixo, o Canadá está 4% abaixo, o Reino Unido está 6% abaixo, e os Estados Unidos estão exatamente na tendência, sem nenhuma defasagem.

A situação da zona do euro, Canadá e Reino Unido é particularmente preocupante, porque não só estão abaixo da tendência, como estão crescendo num ritmo inferior ao da tendência dos cinco anos anteriores à pandemia. Ou seja, se isso não mudar, aquelas defasagens em relação à tendência podem até aumentar.

Um primeiro fator investigado pelos autores para explicar essa diferença entre os Estados Unidos e os demais é a política fiscal. Na verdade, os economistas apontam que é um ponto difícil. Os Estados Unidos tiveram mais déficit (mais impulso) que os outros ricos ocidentais, mas a diferença entre o déficit pré e pós pandemia é semelhante entre todos os países e regiões analisados (incluindo os EUA).

Mas com dados mais detalhados do FMI sobre gastos discricionários na pandemia, a conclusão é que os Estados Unidos deram mais suporte, mesmo, que os outros ricos. A diferença é gritante: gastos discricionários iniciais na pandemia de 25% do PIB nos Estados Unidos, comparado a 7% na França, por exemplo.

Em termos de política monetária, os Estados Unidos até elevaram a taxa básica ligeiramente mais que a média dos outros países analisados, mas esse aumento se transmitiu menos aos juros de mercado do que no Canadá, Reino Unido e zona do euro. Na zona do euro, o repasse da alta da taxa básica para hipotecas foi semelhante ao da economia americana.

Em seguida, os autores analisam o que consideram um fator decisivo: o mercado de trabalho. Eles verificam que a vantagem de crescimento dos Estados Unidos em relação ao resto do grupo vem em parte de melhor desempenho da produtividade, e em parte de mais horas trabalhadas. Os autores veem a maior rigidez do mercado de trabalho dos países não-americanos - e o fato de que as políticas de apoio nesses países visavam manter as pessoas nos seus empregos - como tendo restringido a readaptação setorial da economia ao choque da pandemia. A realocação setorial nos Estados Unidos durante a pandemia foi três vezes maior do que na zona do euro.

Os economistas notam que o pior desempenho da produtividade, comparada à americana, nos países analisados deve-se à subutilização de trabalhadores dentro de empresas, até com alguma redução de horas trabalhadas. Outro fator de explicação da diferença é o maior dinamismo empresarial nos Estados Unidos, com um ritmo de criação de novas empresas durante a pandemia muito maior do que na Europa.

Fatores adicionais listados pelos autores são os efeitos econômicos da guerra da Ucrânia na Europa (principalmente relativos ao fornecimento de gás natural); consequências tardias, que ainda persistem, do Brexit nos Reino Unido; e as pesadíssimas iniciativas recentes de política industrial por parte do governo de Joe Biden nos Estados Unidos.

Brasil - Na verdade, como nota o economista Ricardo Barboza, pesquisador associado do IBRE-FGV e professor do IBMEC, na comparação de que trata o estudo do Fed, o Brasil está muito bem na fita. Segundo seus cálculos, com base no Monitor do PIB da FGV, o PIB brasileiro em março estava 3,2% acima do nível pré-pandemia - um desempenho ainda melhor que o americano, portanto. Adicionalmente, ele acrescenta, a tendência de crescimento que se pode divisar nos últimos três anos no Brasil é superior à tendência pré-pandemia.

Barboza observa que esse é um tema de debate atual entre os economistas brasileiros. Parte deles atribui o bom desempenho à série de reformas macro e microeconômicas levadas a cabo desde 2016, que vai das reformas da Previdência e trabalhista a melhoras no mercado de crédito e à criação do pix, entre outras.

Embora aprove parte considerável dessas reformas, Barboza não considera que elas sejam uma explicação consistente para a boa performance da economia brasileira pós-pandemia.

Em primeiro lugar ele estranha o timing. Reformas costumam afetar o crescimento de forma gradativa, com o auge do efeito se situando entre cinco e dez anos depois de realizadas. Mas a melhora do desempenho econômico recente no Brasil surgiu meio de repente a partir de 2021.

Em seguida, ele cita vários indicadores econômicos que deveriam ter sido afetados positivamente pelas reformas, na visão de que estas melhoram a alocação de capitais, e que, na verdade, não foram, como produtividade total dos fatores (PTF) e taxa de investimentos. Esta última teve média de 16% nos último oito anos, comparado a 20% nos oito anos que precederam os últimos oito anos. Em particular, a taxa privada de investimento em infraestrutura arrasta-se no nível muito baixo de 1,1-1,2% do PIB. E as estimativas de crescimento potencial, pela proxy da projeção de crescimento quatro anos à frente do Focus, recuaram para próximo de 2%.

A hipótese de Barboza para o bom desempenho da economia brasileira nos últimos anos - que necessita maior investigação, frisa o economista - é que a gigantesca injeção de transferências do governo, especialmente no primeiro ano da pandemia (o déficit primário foi para 9,2% do PIB), transformou-se numa poupança extra das famílias, mesmo porque não havia muito como gastar esse dinheiro, com o setor de serviços em boa parte fechado.

"Esses recursos viraram poupança acumulada das famílias, como se tivesse sido uma política fiscal de efeitos defasados", diz Barboza, referindo-se ao fato de que as famílias foram consumindo essa poupança extra gradativamente ao longo de 2021 e 2022. Já em 2023, a PEC da Transição injetou 1,7% do PIB adicional na economia.

Segundo o economista, esses impulsos fiscais todos numa economia com muita capacidade ociosa tiveram o efeito "de livro-texto" de estimular a atividade. O hiato do produto, que mede a capacidade ociosa (quanto mais negativo, maior) passou de -4% do PIB em 2020 para -0,6% e 2023.

O problema, acrescenta o pesquisador, é que a capacidade ociosa já quase se esgotou, e o Brasil não terá mais como crescer rapidamente simplesmente preenchendo-a. E isso se torna ainda mais complicado com os limites atuais à política fiscal, que tenta reequilibrar a solvência de médio e longo prazo do setor público.

De qualquer forma, conclui Barboza, a política fiscal pesada e rápida do Brasil na pandemia soube evitar a histerese, a perda permanente de produto, e a super-histerese, que é a redução da taxa de crescimento da economia, em ambos os casos em função das "cicatrizes" deixadas por uma crise brutal como a da Covid. Como mostram os casos da zona do euro, Canadá e Reino Unido, esses riscos são bem reais.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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