Economia e políticas públicas

Opinião|Campos Neto está passando a bola para Galípolo


Transição no Banco Central transcorre com harmonia, mas o novo presidente a partir de 2025 deve construir a credibilidade de um BC com predominância (e, em seguida, totalidade) de membros do Copom nomeados por Lula.

Por Fernando Dantas

Em meados do ano passado, ainda início do terceiro mandato de Lula, havia analistas que previam que Roberto Campos Neto não resistiria até o final do seu mandato, no fim deste ano. Os ataques de Lula e de alas do PT ao presidente do Banco Central eram pesados, e a visão era de que um "técnico" como Campos Neto não resistiria a tanta pressão.

É verdade que o atual presidente do BC é um técnico, mas ele também tem um quê de instinto político, como seu falecido avô, Roberto Campos, que, de cargos econômicos durante o período militar, evoluiu para parlamentar de destaque na redemocratização.

Essa veia política de Campos Neto foi por vezes muito mal gerida, como no episódio extremamente infeliz em que foi votar no segundo turno das últimas eleições presidenciais com a camisa da seleção brasileira. À época, isso era demonstração indubitável de voto em Jair Bolsonaro, que o nomeou para o cargo. Boa parte da má vontade de Lula e do PT para com Campos Neto deriva dessa identificação do atual presidente do BC com o campo bolsonarista.

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Mas a mesma veia política de Campos Neto também permitiu que sobrevivesse ao tiroteio de Lula e do PT com galhardia, o que consolida o projeto que ele mesmo tocou durante o governo Bolsonaro de dar autonomia operacional legal ao Banco Central - um sonho do seu avô, que não o conseguiu realizar. Na medida em que um presidente do BC malquisto e atacado pelo governo de plantão manteve-se no cargo e realizou todo o trabalho que tinha de fazer, pode-se dizer que a lei de autonomia formal do BC de fato "pegou" no Brasil.

Campos Neto também está gerindo bem a transferência gradual de poder para Gabriel Galípolo, o diretor de Política Monetária do BC ungido por Lula e Haddad para ser o novo presidente a partir do ano que vem. Parece haver grande harmonia entre os dois, o que é muito positivo para a institucionalidade do BC independente. Vozes do mercado reclamam que tanto um quanto outro vêm comunicando-se "demais", o que gera volatilidade, mas aí se trata de outra conversa, mais técnica. Do ponto de vista político e institucional, a transição até agora está fluindo muito bem.

O que traz a questão de como será o desempenho de Galípolo na sua nova missão, que, como comentado acima, é eminentemente técnica, mas exige também habilidade política. Galípolo é um economista com fortes ligações com a heterodoxia, o que normalmente causa arrepios no mercado. Mas ele recentemente calibrou o seu tom para soar mais conservador, e o fez de forma convincente. Os ativos brasileiros reagiram positivamente às suas falas. Em seguida houve novas oscilações na esteira de mais declarações de Galípolo e Campos Neto e de idas e vindas na percepção sobre o "pouso" da economia americana - se vai ser suave, forçado ou se não haverá pouso algum. De qualquer forma, o fato de o mercado reagir positivamente quando Galípolo soa conservador mostra que suas palavras são críveis - e isso importa muito para um comandante de Banco Central.

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O futuro presidente do BC, portanto, tem tudo para iniciar com o pé direito. Até assumir o comando, é bem possível que ele e Campos Neto administrem conjuntamente um ajuste para cima na Selic, e Lula já deu sinais que dessa vez não pretende atrapalhar.

Há novas nomeações a serem feitas na diretoria do BC, como para o próprio cargo atual de Galípolo. Seria salutar que o futuro presidente avaliasse a possibilidade de que seu substituto (ou os futuros ocupantes de outras vagas que serão abertas no Copom) seja alguém com alguma reputação conservadora em política monetária, o que poderia até facilitar o seu trabalho. Um "falcão" (ou mais de um) no Copom serviria de contrapeso ao temor ainda não totalmente removido de que uma diretoria do Banco Central 100% nomeada por Lula possa ser leniente com a inflação ou se deixar pressionar pelo governo - como foi o caso no período em que Alexandre Tombini presidiu o BC no governo Dilma.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 30/8/2024, sexta-feira.

Em meados do ano passado, ainda início do terceiro mandato de Lula, havia analistas que previam que Roberto Campos Neto não resistiria até o final do seu mandato, no fim deste ano. Os ataques de Lula e de alas do PT ao presidente do Banco Central eram pesados, e a visão era de que um "técnico" como Campos Neto não resistiria a tanta pressão.

É verdade que o atual presidente do BC é um técnico, mas ele também tem um quê de instinto político, como seu falecido avô, Roberto Campos, que, de cargos econômicos durante o período militar, evoluiu para parlamentar de destaque na redemocratização.

Essa veia política de Campos Neto foi por vezes muito mal gerida, como no episódio extremamente infeliz em que foi votar no segundo turno das últimas eleições presidenciais com a camisa da seleção brasileira. À época, isso era demonstração indubitável de voto em Jair Bolsonaro, que o nomeou para o cargo. Boa parte da má vontade de Lula e do PT para com Campos Neto deriva dessa identificação do atual presidente do BC com o campo bolsonarista.

Mas a mesma veia política de Campos Neto também permitiu que sobrevivesse ao tiroteio de Lula e do PT com galhardia, o que consolida o projeto que ele mesmo tocou durante o governo Bolsonaro de dar autonomia operacional legal ao Banco Central - um sonho do seu avô, que não o conseguiu realizar. Na medida em que um presidente do BC malquisto e atacado pelo governo de plantão manteve-se no cargo e realizou todo o trabalho que tinha de fazer, pode-se dizer que a lei de autonomia formal do BC de fato "pegou" no Brasil.

Campos Neto também está gerindo bem a transferência gradual de poder para Gabriel Galípolo, o diretor de Política Monetária do BC ungido por Lula e Haddad para ser o novo presidente a partir do ano que vem. Parece haver grande harmonia entre os dois, o que é muito positivo para a institucionalidade do BC independente. Vozes do mercado reclamam que tanto um quanto outro vêm comunicando-se "demais", o que gera volatilidade, mas aí se trata de outra conversa, mais técnica. Do ponto de vista político e institucional, a transição até agora está fluindo muito bem.

O que traz a questão de como será o desempenho de Galípolo na sua nova missão, que, como comentado acima, é eminentemente técnica, mas exige também habilidade política. Galípolo é um economista com fortes ligações com a heterodoxia, o que normalmente causa arrepios no mercado. Mas ele recentemente calibrou o seu tom para soar mais conservador, e o fez de forma convincente. Os ativos brasileiros reagiram positivamente às suas falas. Em seguida houve novas oscilações na esteira de mais declarações de Galípolo e Campos Neto e de idas e vindas na percepção sobre o "pouso" da economia americana - se vai ser suave, forçado ou se não haverá pouso algum. De qualquer forma, o fato de o mercado reagir positivamente quando Galípolo soa conservador mostra que suas palavras são críveis - e isso importa muito para um comandante de Banco Central.

O futuro presidente do BC, portanto, tem tudo para iniciar com o pé direito. Até assumir o comando, é bem possível que ele e Campos Neto administrem conjuntamente um ajuste para cima na Selic, e Lula já deu sinais que dessa vez não pretende atrapalhar.

Há novas nomeações a serem feitas na diretoria do BC, como para o próprio cargo atual de Galípolo. Seria salutar que o futuro presidente avaliasse a possibilidade de que seu substituto (ou os futuros ocupantes de outras vagas que serão abertas no Copom) seja alguém com alguma reputação conservadora em política monetária, o que poderia até facilitar o seu trabalho. Um "falcão" (ou mais de um) no Copom serviria de contrapeso ao temor ainda não totalmente removido de que uma diretoria do Banco Central 100% nomeada por Lula possa ser leniente com a inflação ou se deixar pressionar pelo governo - como foi o caso no período em que Alexandre Tombini presidiu o BC no governo Dilma.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 30/8/2024, sexta-feira.

Em meados do ano passado, ainda início do terceiro mandato de Lula, havia analistas que previam que Roberto Campos Neto não resistiria até o final do seu mandato, no fim deste ano. Os ataques de Lula e de alas do PT ao presidente do Banco Central eram pesados, e a visão era de que um "técnico" como Campos Neto não resistiria a tanta pressão.

É verdade que o atual presidente do BC é um técnico, mas ele também tem um quê de instinto político, como seu falecido avô, Roberto Campos, que, de cargos econômicos durante o período militar, evoluiu para parlamentar de destaque na redemocratização.

Essa veia política de Campos Neto foi por vezes muito mal gerida, como no episódio extremamente infeliz em que foi votar no segundo turno das últimas eleições presidenciais com a camisa da seleção brasileira. À época, isso era demonstração indubitável de voto em Jair Bolsonaro, que o nomeou para o cargo. Boa parte da má vontade de Lula e do PT para com Campos Neto deriva dessa identificação do atual presidente do BC com o campo bolsonarista.

Mas a mesma veia política de Campos Neto também permitiu que sobrevivesse ao tiroteio de Lula e do PT com galhardia, o que consolida o projeto que ele mesmo tocou durante o governo Bolsonaro de dar autonomia operacional legal ao Banco Central - um sonho do seu avô, que não o conseguiu realizar. Na medida em que um presidente do BC malquisto e atacado pelo governo de plantão manteve-se no cargo e realizou todo o trabalho que tinha de fazer, pode-se dizer que a lei de autonomia formal do BC de fato "pegou" no Brasil.

Campos Neto também está gerindo bem a transferência gradual de poder para Gabriel Galípolo, o diretor de Política Monetária do BC ungido por Lula e Haddad para ser o novo presidente a partir do ano que vem. Parece haver grande harmonia entre os dois, o que é muito positivo para a institucionalidade do BC independente. Vozes do mercado reclamam que tanto um quanto outro vêm comunicando-se "demais", o que gera volatilidade, mas aí se trata de outra conversa, mais técnica. Do ponto de vista político e institucional, a transição até agora está fluindo muito bem.

O que traz a questão de como será o desempenho de Galípolo na sua nova missão, que, como comentado acima, é eminentemente técnica, mas exige também habilidade política. Galípolo é um economista com fortes ligações com a heterodoxia, o que normalmente causa arrepios no mercado. Mas ele recentemente calibrou o seu tom para soar mais conservador, e o fez de forma convincente. Os ativos brasileiros reagiram positivamente às suas falas. Em seguida houve novas oscilações na esteira de mais declarações de Galípolo e Campos Neto e de idas e vindas na percepção sobre o "pouso" da economia americana - se vai ser suave, forçado ou se não haverá pouso algum. De qualquer forma, o fato de o mercado reagir positivamente quando Galípolo soa conservador mostra que suas palavras são críveis - e isso importa muito para um comandante de Banco Central.

O futuro presidente do BC, portanto, tem tudo para iniciar com o pé direito. Até assumir o comando, é bem possível que ele e Campos Neto administrem conjuntamente um ajuste para cima na Selic, e Lula já deu sinais que dessa vez não pretende atrapalhar.

Há novas nomeações a serem feitas na diretoria do BC, como para o próprio cargo atual de Galípolo. Seria salutar que o futuro presidente avaliasse a possibilidade de que seu substituto (ou os futuros ocupantes de outras vagas que serão abertas no Copom) seja alguém com alguma reputação conservadora em política monetária, o que poderia até facilitar o seu trabalho. Um "falcão" (ou mais de um) no Copom serviria de contrapeso ao temor ainda não totalmente removido de que uma diretoria do Banco Central 100% nomeada por Lula possa ser leniente com a inflação ou se deixar pressionar pelo governo - como foi o caso no período em que Alexandre Tombini presidiu o BC no governo Dilma.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 30/8/2024, sexta-feira.

Em meados do ano passado, ainda início do terceiro mandato de Lula, havia analistas que previam que Roberto Campos Neto não resistiria até o final do seu mandato, no fim deste ano. Os ataques de Lula e de alas do PT ao presidente do Banco Central eram pesados, e a visão era de que um "técnico" como Campos Neto não resistiria a tanta pressão.

É verdade que o atual presidente do BC é um técnico, mas ele também tem um quê de instinto político, como seu falecido avô, Roberto Campos, que, de cargos econômicos durante o período militar, evoluiu para parlamentar de destaque na redemocratização.

Essa veia política de Campos Neto foi por vezes muito mal gerida, como no episódio extremamente infeliz em que foi votar no segundo turno das últimas eleições presidenciais com a camisa da seleção brasileira. À época, isso era demonstração indubitável de voto em Jair Bolsonaro, que o nomeou para o cargo. Boa parte da má vontade de Lula e do PT para com Campos Neto deriva dessa identificação do atual presidente do BC com o campo bolsonarista.

Mas a mesma veia política de Campos Neto também permitiu que sobrevivesse ao tiroteio de Lula e do PT com galhardia, o que consolida o projeto que ele mesmo tocou durante o governo Bolsonaro de dar autonomia operacional legal ao Banco Central - um sonho do seu avô, que não o conseguiu realizar. Na medida em que um presidente do BC malquisto e atacado pelo governo de plantão manteve-se no cargo e realizou todo o trabalho que tinha de fazer, pode-se dizer que a lei de autonomia formal do BC de fato "pegou" no Brasil.

Campos Neto também está gerindo bem a transferência gradual de poder para Gabriel Galípolo, o diretor de Política Monetária do BC ungido por Lula e Haddad para ser o novo presidente a partir do ano que vem. Parece haver grande harmonia entre os dois, o que é muito positivo para a institucionalidade do BC independente. Vozes do mercado reclamam que tanto um quanto outro vêm comunicando-se "demais", o que gera volatilidade, mas aí se trata de outra conversa, mais técnica. Do ponto de vista político e institucional, a transição até agora está fluindo muito bem.

O que traz a questão de como será o desempenho de Galípolo na sua nova missão, que, como comentado acima, é eminentemente técnica, mas exige também habilidade política. Galípolo é um economista com fortes ligações com a heterodoxia, o que normalmente causa arrepios no mercado. Mas ele recentemente calibrou o seu tom para soar mais conservador, e o fez de forma convincente. Os ativos brasileiros reagiram positivamente às suas falas. Em seguida houve novas oscilações na esteira de mais declarações de Galípolo e Campos Neto e de idas e vindas na percepção sobre o "pouso" da economia americana - se vai ser suave, forçado ou se não haverá pouso algum. De qualquer forma, o fato de o mercado reagir positivamente quando Galípolo soa conservador mostra que suas palavras são críveis - e isso importa muito para um comandante de Banco Central.

O futuro presidente do BC, portanto, tem tudo para iniciar com o pé direito. Até assumir o comando, é bem possível que ele e Campos Neto administrem conjuntamente um ajuste para cima na Selic, e Lula já deu sinais que dessa vez não pretende atrapalhar.

Há novas nomeações a serem feitas na diretoria do BC, como para o próprio cargo atual de Galípolo. Seria salutar que o futuro presidente avaliasse a possibilidade de que seu substituto (ou os futuros ocupantes de outras vagas que serão abertas no Copom) seja alguém com alguma reputação conservadora em política monetária, o que poderia até facilitar o seu trabalho. Um "falcão" (ou mais de um) no Copom serviria de contrapeso ao temor ainda não totalmente removido de que uma diretoria do Banco Central 100% nomeada por Lula possa ser leniente com a inflação ou se deixar pressionar pelo governo - como foi o caso no período em que Alexandre Tombini presidiu o BC no governo Dilma.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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