Economia e políticas públicas

Opinião|China ainda "andando de lado"


Livio Ribeiro, da BRCG e do IBRE-FGV, vê impasse político impedindo China de acionar políticas pela demanda (como transferências sociais e previdenciárias) para reanimar sua economia.

Por Fernando Dantas

A economia chinesa parece continuar encalacrada no seu problema de "andar de lado" por falta de demanda e pela baixa confiança. Em agosto, os indicadores qualitativos oficial (NBS) e privado (Markit/Caixin) apresentaram leituras chochas, em respectivamente 49,1 e 50,4 (no privado houve ligeira melhora). O nível de neutralidade é 50.

Esse resultado se segue a um PIB do segundo trimestre desapontador (4,7% na medida interanual, comparado a 5,1% da expectativa do mercado). Houve decepção igualmente nos dados de alta frequência de julho do varejo, em particular, com expansão moderada da indústria, mas não suficiente para contrabalançar os ventos contrários.

Segundo Livio Ribeiro, sócio fundador da consultoria BRCG e pesquisador associado do IBRE-FGV, a bateria de dados qualitativos e quantitativos da China de junho e julho foi a pior nos últimos 12 meses.

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"Há claros sinais de carência de demanda por bens e serviços e, mais recentemente, uma fratura mais evidente no crescimento dos investimentos e da produção industrial - os dados qualitativos de agosto referendam esse cenário", diz o analista, especialista em economia chinesa.

O problema chinês, como Ribeiro já vem apontando há um bom tempo, é de falta de demanda e de confiança no futuro. A crise do setor imobiliário derrubou o preço dos imóveis, parte importante do patrimônio das famílias, aumentando a insegurança financeira. A demanda em marcha lenta para os padrões chineses exerce o mesmo efeito pelo lado da perspectiva de renda.

A grande dificuldade, para o economista da BRCG, é que o governo chinês não está lidando da forma adequada com o problema. Não há políticas efetivamente pelo lado da demanda, como programas de transferência social e previdenciária.

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"O governo aparenta ter uma certa incompreensão da natureza da prostração da economia chinesa", diz Ribeiro.

Assim, as políticas públicas para tentar acelerar a economia continuam a mirar na oferta, como a limpeza de balanços de empresas financeira e não financeiras. O analista aponta que, por vezes, as políticas utilizam o consumidor como instrumento, e com isso podem ser confundidas com iniciativas pela demanda. Um exemplo é o de medidas de estímulo a famílias urbanas para que renovem eletrodomésticos e móveis, linhas branca e marrom. Apesar de se apoiar no consumidor, uma política desse tipo tem viés setorial e permanece sendo uma iniciativa pelo lado da oferta.

Ribeiro aponta que, no âmbito do governo chinês, já há alguma discussão sobre verdadeiras políticas de estímulo econômico pelo lado da demanda, mas que ainda são muito incipientes.

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O que representa certo enigma. As autoridades econômicas chinesas têm quadros altamente qualificados, que obviamente já perceberam a natureza do problema econômico e o tipo de solução necessária, como transferências de renda e maior generosidade nas aposentadorias.

A grande questão, portanto, é por que que a China não age de acordo com esse diagnóstico.

Frisando que sua opinião nesse caso é um pouco especulativa, Ribeiro pensa que o fato de o governo chinês relutar muito em seguir o caminho dos estímulos à demanda é algo de natureza política, ou da chamada "economia política".

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Em primeiro lugar, ele nota, pode haver um apego ao passado, porque todos os impulsos econômicos durante as várias décadas do milagre chinês sempre foram pelo lado da oferta.

Uma segunda consideração é que talvez o governo chinês tema mudanças na forma como o controle e a estabilidade em termos políticos são exercidos na China, se o país enveredasse pelas políticas de demanda.

"Se você distribui cheques para 1,3 bilhão de chineses, é possível que pouco tempo depois esses 1,3 bilhão estejam pedindo outro cheque - é algo que pode mudar os parâmetros pelos quais se mantém a estabilidade política no país", analisa o consultor.

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O grande problema, conclui Ribeiro, é que "parece cada vez mais que os interesses da estabilidade política na China estão se afastando dos interesses do desenvolvimento econômico e social".

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 4/9/2024, quarta-feira.

A economia chinesa parece continuar encalacrada no seu problema de "andar de lado" por falta de demanda e pela baixa confiança. Em agosto, os indicadores qualitativos oficial (NBS) e privado (Markit/Caixin) apresentaram leituras chochas, em respectivamente 49,1 e 50,4 (no privado houve ligeira melhora). O nível de neutralidade é 50.

Esse resultado se segue a um PIB do segundo trimestre desapontador (4,7% na medida interanual, comparado a 5,1% da expectativa do mercado). Houve decepção igualmente nos dados de alta frequência de julho do varejo, em particular, com expansão moderada da indústria, mas não suficiente para contrabalançar os ventos contrários.

Segundo Livio Ribeiro, sócio fundador da consultoria BRCG e pesquisador associado do IBRE-FGV, a bateria de dados qualitativos e quantitativos da China de junho e julho foi a pior nos últimos 12 meses.

"Há claros sinais de carência de demanda por bens e serviços e, mais recentemente, uma fratura mais evidente no crescimento dos investimentos e da produção industrial - os dados qualitativos de agosto referendam esse cenário", diz o analista, especialista em economia chinesa.

O problema chinês, como Ribeiro já vem apontando há um bom tempo, é de falta de demanda e de confiança no futuro. A crise do setor imobiliário derrubou o preço dos imóveis, parte importante do patrimônio das famílias, aumentando a insegurança financeira. A demanda em marcha lenta para os padrões chineses exerce o mesmo efeito pelo lado da perspectiva de renda.

A grande dificuldade, para o economista da BRCG, é que o governo chinês não está lidando da forma adequada com o problema. Não há políticas efetivamente pelo lado da demanda, como programas de transferência social e previdenciária.

"O governo aparenta ter uma certa incompreensão da natureza da prostração da economia chinesa", diz Ribeiro.

Assim, as políticas públicas para tentar acelerar a economia continuam a mirar na oferta, como a limpeza de balanços de empresas financeira e não financeiras. O analista aponta que, por vezes, as políticas utilizam o consumidor como instrumento, e com isso podem ser confundidas com iniciativas pela demanda. Um exemplo é o de medidas de estímulo a famílias urbanas para que renovem eletrodomésticos e móveis, linhas branca e marrom. Apesar de se apoiar no consumidor, uma política desse tipo tem viés setorial e permanece sendo uma iniciativa pelo lado da oferta.

Ribeiro aponta que, no âmbito do governo chinês, já há alguma discussão sobre verdadeiras políticas de estímulo econômico pelo lado da demanda, mas que ainda são muito incipientes.

O que representa certo enigma. As autoridades econômicas chinesas têm quadros altamente qualificados, que obviamente já perceberam a natureza do problema econômico e o tipo de solução necessária, como transferências de renda e maior generosidade nas aposentadorias.

A grande questão, portanto, é por que que a China não age de acordo com esse diagnóstico.

Frisando que sua opinião nesse caso é um pouco especulativa, Ribeiro pensa que o fato de o governo chinês relutar muito em seguir o caminho dos estímulos à demanda é algo de natureza política, ou da chamada "economia política".

Em primeiro lugar, ele nota, pode haver um apego ao passado, porque todos os impulsos econômicos durante as várias décadas do milagre chinês sempre foram pelo lado da oferta.

Uma segunda consideração é que talvez o governo chinês tema mudanças na forma como o controle e a estabilidade em termos políticos são exercidos na China, se o país enveredasse pelas políticas de demanda.

"Se você distribui cheques para 1,3 bilhão de chineses, é possível que pouco tempo depois esses 1,3 bilhão estejam pedindo outro cheque - é algo que pode mudar os parâmetros pelos quais se mantém a estabilidade política no país", analisa o consultor.

O grande problema, conclui Ribeiro, é que "parece cada vez mais que os interesses da estabilidade política na China estão se afastando dos interesses do desenvolvimento econômico e social".

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 4/9/2024, quarta-feira.

A economia chinesa parece continuar encalacrada no seu problema de "andar de lado" por falta de demanda e pela baixa confiança. Em agosto, os indicadores qualitativos oficial (NBS) e privado (Markit/Caixin) apresentaram leituras chochas, em respectivamente 49,1 e 50,4 (no privado houve ligeira melhora). O nível de neutralidade é 50.

Esse resultado se segue a um PIB do segundo trimestre desapontador (4,7% na medida interanual, comparado a 5,1% da expectativa do mercado). Houve decepção igualmente nos dados de alta frequência de julho do varejo, em particular, com expansão moderada da indústria, mas não suficiente para contrabalançar os ventos contrários.

Segundo Livio Ribeiro, sócio fundador da consultoria BRCG e pesquisador associado do IBRE-FGV, a bateria de dados qualitativos e quantitativos da China de junho e julho foi a pior nos últimos 12 meses.

"Há claros sinais de carência de demanda por bens e serviços e, mais recentemente, uma fratura mais evidente no crescimento dos investimentos e da produção industrial - os dados qualitativos de agosto referendam esse cenário", diz o analista, especialista em economia chinesa.

O problema chinês, como Ribeiro já vem apontando há um bom tempo, é de falta de demanda e de confiança no futuro. A crise do setor imobiliário derrubou o preço dos imóveis, parte importante do patrimônio das famílias, aumentando a insegurança financeira. A demanda em marcha lenta para os padrões chineses exerce o mesmo efeito pelo lado da perspectiva de renda.

A grande dificuldade, para o economista da BRCG, é que o governo chinês não está lidando da forma adequada com o problema. Não há políticas efetivamente pelo lado da demanda, como programas de transferência social e previdenciária.

"O governo aparenta ter uma certa incompreensão da natureza da prostração da economia chinesa", diz Ribeiro.

Assim, as políticas públicas para tentar acelerar a economia continuam a mirar na oferta, como a limpeza de balanços de empresas financeira e não financeiras. O analista aponta que, por vezes, as políticas utilizam o consumidor como instrumento, e com isso podem ser confundidas com iniciativas pela demanda. Um exemplo é o de medidas de estímulo a famílias urbanas para que renovem eletrodomésticos e móveis, linhas branca e marrom. Apesar de se apoiar no consumidor, uma política desse tipo tem viés setorial e permanece sendo uma iniciativa pelo lado da oferta.

Ribeiro aponta que, no âmbito do governo chinês, já há alguma discussão sobre verdadeiras políticas de estímulo econômico pelo lado da demanda, mas que ainda são muito incipientes.

O que representa certo enigma. As autoridades econômicas chinesas têm quadros altamente qualificados, que obviamente já perceberam a natureza do problema econômico e o tipo de solução necessária, como transferências de renda e maior generosidade nas aposentadorias.

A grande questão, portanto, é por que que a China não age de acordo com esse diagnóstico.

Frisando que sua opinião nesse caso é um pouco especulativa, Ribeiro pensa que o fato de o governo chinês relutar muito em seguir o caminho dos estímulos à demanda é algo de natureza política, ou da chamada "economia política".

Em primeiro lugar, ele nota, pode haver um apego ao passado, porque todos os impulsos econômicos durante as várias décadas do milagre chinês sempre foram pelo lado da oferta.

Uma segunda consideração é que talvez o governo chinês tema mudanças na forma como o controle e a estabilidade em termos políticos são exercidos na China, se o país enveredasse pelas políticas de demanda.

"Se você distribui cheques para 1,3 bilhão de chineses, é possível que pouco tempo depois esses 1,3 bilhão estejam pedindo outro cheque - é algo que pode mudar os parâmetros pelos quais se mantém a estabilidade política no país", analisa o consultor.

O grande problema, conclui Ribeiro, é que "parece cada vez mais que os interesses da estabilidade política na China estão se afastando dos interesses do desenvolvimento econômico e social".

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 4/9/2024, quarta-feira.

A economia chinesa parece continuar encalacrada no seu problema de "andar de lado" por falta de demanda e pela baixa confiança. Em agosto, os indicadores qualitativos oficial (NBS) e privado (Markit/Caixin) apresentaram leituras chochas, em respectivamente 49,1 e 50,4 (no privado houve ligeira melhora). O nível de neutralidade é 50.

Esse resultado se segue a um PIB do segundo trimestre desapontador (4,7% na medida interanual, comparado a 5,1% da expectativa do mercado). Houve decepção igualmente nos dados de alta frequência de julho do varejo, em particular, com expansão moderada da indústria, mas não suficiente para contrabalançar os ventos contrários.

Segundo Livio Ribeiro, sócio fundador da consultoria BRCG e pesquisador associado do IBRE-FGV, a bateria de dados qualitativos e quantitativos da China de junho e julho foi a pior nos últimos 12 meses.

"Há claros sinais de carência de demanda por bens e serviços e, mais recentemente, uma fratura mais evidente no crescimento dos investimentos e da produção industrial - os dados qualitativos de agosto referendam esse cenário", diz o analista, especialista em economia chinesa.

O problema chinês, como Ribeiro já vem apontando há um bom tempo, é de falta de demanda e de confiança no futuro. A crise do setor imobiliário derrubou o preço dos imóveis, parte importante do patrimônio das famílias, aumentando a insegurança financeira. A demanda em marcha lenta para os padrões chineses exerce o mesmo efeito pelo lado da perspectiva de renda.

A grande dificuldade, para o economista da BRCG, é que o governo chinês não está lidando da forma adequada com o problema. Não há políticas efetivamente pelo lado da demanda, como programas de transferência social e previdenciária.

"O governo aparenta ter uma certa incompreensão da natureza da prostração da economia chinesa", diz Ribeiro.

Assim, as políticas públicas para tentar acelerar a economia continuam a mirar na oferta, como a limpeza de balanços de empresas financeira e não financeiras. O analista aponta que, por vezes, as políticas utilizam o consumidor como instrumento, e com isso podem ser confundidas com iniciativas pela demanda. Um exemplo é o de medidas de estímulo a famílias urbanas para que renovem eletrodomésticos e móveis, linhas branca e marrom. Apesar de se apoiar no consumidor, uma política desse tipo tem viés setorial e permanece sendo uma iniciativa pelo lado da oferta.

Ribeiro aponta que, no âmbito do governo chinês, já há alguma discussão sobre verdadeiras políticas de estímulo econômico pelo lado da demanda, mas que ainda são muito incipientes.

O que representa certo enigma. As autoridades econômicas chinesas têm quadros altamente qualificados, que obviamente já perceberam a natureza do problema econômico e o tipo de solução necessária, como transferências de renda e maior generosidade nas aposentadorias.

A grande questão, portanto, é por que que a China não age de acordo com esse diagnóstico.

Frisando que sua opinião nesse caso é um pouco especulativa, Ribeiro pensa que o fato de o governo chinês relutar muito em seguir o caminho dos estímulos à demanda é algo de natureza política, ou da chamada "economia política".

Em primeiro lugar, ele nota, pode haver um apego ao passado, porque todos os impulsos econômicos durante as várias décadas do milagre chinês sempre foram pelo lado da oferta.

Uma segunda consideração é que talvez o governo chinês tema mudanças na forma como o controle e a estabilidade em termos políticos são exercidos na China, se o país enveredasse pelas políticas de demanda.

"Se você distribui cheques para 1,3 bilhão de chineses, é possível que pouco tempo depois esses 1,3 bilhão estejam pedindo outro cheque - é algo que pode mudar os parâmetros pelos quais se mantém a estabilidade política no país", analisa o consultor.

O grande problema, conclui Ribeiro, é que "parece cada vez mais que os interesses da estabilidade política na China estão se afastando dos interesses do desenvolvimento econômico e social".

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 4/9/2024, quarta-feira.

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