Economia e políticas públicas

Opinião|Choques de oferta e sistema "adaptativo" de metas de inflação


Trabalho de diversos autores, incluindo o brasileiro Luiz Awazu Pereira da Silva, ex-diretor do BC, propõe mudanças no sistema de meta, para adaptá-lo a um mundo de choques de ofertas mais frequentes, especialmente aqueles ligados à mudança climática.

Por Fernando Dantas

O Banco Central (BC) toma hoje [referência a 11/4, quarta-feira, quando a coluna foi publicada] uma decisão de política monetária extremamente delicada, com grande parte do mercado dividida entre as projeções de alta da Selic de 0,75 ponto porcentual (pp) ou 1pp, o que levaria a taxa básica a, respectivamente, 12% e 12,25%.

[A decisão foi de aumento de 1pp]

A inflação em 12 meses até novembro está em 4,84%, muito acima da meta de 3%, e acima também do teto de tolerância de 4,5%. O último relatório Focus, de projeções do mercado, tem mediana de projeções de IPCA de 4,84% em 2024 e 4,59% em 2025, em ambos os casos acima da meta e do teto de tolerância. Para 2026 e 2027, as projeções são de 4% e 3,58%, bem acima da meta, mostrando descolamento das expectativas de prazo mais longo.

continua após a publicidade

A situação é dificílima, portanto, como realçado neste espaço ontem. Mas alguns detalhes chamam a atenção. A alimentação no domicílio acumula alta de 8,41% em 12 meses, com as carnes tendo subido 18,3% em quatro meses. O câmbio contribuiu para isso, mas outro fator importante foi a estiagem que afetou o ciclo da agropecuária, levando a um grande abate de fêmeas.

Nos últimos anos, na esteira do aquecimento global, eventos climáticos extremos têm acontecido de forma mais frequente, configurando choques de oferta que afetam a inflação e, consequentemente, a política monetária. O aumento das tensões geopolíticas também provoca choques de oferta, como os associados à guerra na Ucrânia ou aqueles que afetam a oferta de petróleo do Oriente Médio.

Um recente trabalho de quatro economistas, incluindo o brasileiro Luiz Awazu Pereira da Silva, ex-diretor do Banco Central, propõe o que chamam de "metas de inflação adaptativas", para lidar com um mundo climaticamente mais aquecido e mais volátil. O estudo pode ser acessado no site do Centro para Expertise em Transição Econômica da London School of Economics (LSE). Os outros autores são David Barmes, Irene Claeys e Simon Dikau.

continua após a publicidade

A ideia básica é que choques de oferta negativos ligados à mudança climática e a crises interconectadas podem cada vez mais criar pressões inflacionárias persistentes. A abordagem tradicional da política monetária nesse ambiente - mesmo levando em conta os sistemas flexíveis de metas de inflação que predominam hoje nos países macroeconomicamente organizados - pode trazer custos maiores em termos de atividade econômica, estabilidade financeira, espaço fiscal e desigualdade.

Esse arcabouço "adaptativo" do sistema de metas de inflação explicitaria melhor e levaria em conta, pelo lado da oferta, os riscos de longo prazo e os efeitos da mudança climática.

Segundo os autores, "o arcabouço possibilita a acomodação explícita da inflação mais alta por horizontes mais longos quando as condições de oferta estão sistematicamente elevando custos, de forma a dar aos bancos centrais a latitude para exercitarem a paciência e a discricionariedade apropriada antes de recorrerem ao aperto monetário".

continua após a publicidade

Uma das diferenças entre o sistema de metas adaptativo e o flexível (este é o que já existe) é que, no primeiro, ou as bandas em torno da meta são maiores - o que talvez já possa ser considerado o caso do Brasil -; ou explicitamente o BC mira em torno da meta, e não 'na' meta; ou se tem uma meta maior com faixas de tolerância menores.

Os autores apontam a meta de 2% como típica dos atuais sistemas de meta flexíveis, sendo de fato o número do Fed, BC dos EUA, do Banco Central Europeu (BCE) e de países desenvolvidos em geral e de alguns emergentes também. Assim, uma meta mais alta seria 3%. Novamente, o Brasil já está na meta de 3%, e não está conseguindo cumpri-la (nem levando em conta a teto de tolerância de 4,5%) nos últimos anos.

Outra diferença do arcabouço adaptativo é que o horizonte de cumprimento da meta se estende do prazo típico de dois anos para três anos quando houver perturbações da oferta duradouras e/ou consecutivas.

continua após a publicidade

Em termos dos instrumentos do sistema de metas adaptativo, ele incluiria os já empregados pelos BCs com sistemas flexíveis de metas, como taxa básica de juros, compulsórios e venda ou compra de títulos de longo prazo em poder do público (política monetária não convencional).

Mas os autores acrescentam algumas ferramentas para ajudar na "resiliência pelo lado da oferta". Eles citam uma política macroprudencial que precifique adequadamente o risco climático, e um sistema de projeções sobre o clima e os riscos pelo lado da oferta em geral.

Porém, antes que a nova diretoria do BC se anime com a possibilidade de adotar o sistema de metas adaptativo para sair da atual enrascada em termos de política monetária, é bom levar em conta uma ressalva dos próprios autores. A mudança do regime flexível para o adaptativo teria que ser feita quando a inflação estivesse na meta ou perto dela (eles citam 2%).

continua após a publicidade

Segundo os economistas, "implementar mudanças como essas em meio a pressões inflacionárias crescentes poderia minar a credibilidade do banco central e trazer o risco de desancorar as expectativas de inflação, particularmente em mercados emergentes e economias em desenvolvimento".

Quer dizer, não é por aí que Gabriel Galípolo, o novo presidente do BC a partir de janeiro, poderá sair da berlinda.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

continua após a publicidade

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 11/12/2024, quarta-feira.

O Banco Central (BC) toma hoje [referência a 11/4, quarta-feira, quando a coluna foi publicada] uma decisão de política monetária extremamente delicada, com grande parte do mercado dividida entre as projeções de alta da Selic de 0,75 ponto porcentual (pp) ou 1pp, o que levaria a taxa básica a, respectivamente, 12% e 12,25%.

[A decisão foi de aumento de 1pp]

A inflação em 12 meses até novembro está em 4,84%, muito acima da meta de 3%, e acima também do teto de tolerância de 4,5%. O último relatório Focus, de projeções do mercado, tem mediana de projeções de IPCA de 4,84% em 2024 e 4,59% em 2025, em ambos os casos acima da meta e do teto de tolerância. Para 2026 e 2027, as projeções são de 4% e 3,58%, bem acima da meta, mostrando descolamento das expectativas de prazo mais longo.

A situação é dificílima, portanto, como realçado neste espaço ontem. Mas alguns detalhes chamam a atenção. A alimentação no domicílio acumula alta de 8,41% em 12 meses, com as carnes tendo subido 18,3% em quatro meses. O câmbio contribuiu para isso, mas outro fator importante foi a estiagem que afetou o ciclo da agropecuária, levando a um grande abate de fêmeas.

Nos últimos anos, na esteira do aquecimento global, eventos climáticos extremos têm acontecido de forma mais frequente, configurando choques de oferta que afetam a inflação e, consequentemente, a política monetária. O aumento das tensões geopolíticas também provoca choques de oferta, como os associados à guerra na Ucrânia ou aqueles que afetam a oferta de petróleo do Oriente Médio.

Um recente trabalho de quatro economistas, incluindo o brasileiro Luiz Awazu Pereira da Silva, ex-diretor do Banco Central, propõe o que chamam de "metas de inflação adaptativas", para lidar com um mundo climaticamente mais aquecido e mais volátil. O estudo pode ser acessado no site do Centro para Expertise em Transição Econômica da London School of Economics (LSE). Os outros autores são David Barmes, Irene Claeys e Simon Dikau.

A ideia básica é que choques de oferta negativos ligados à mudança climática e a crises interconectadas podem cada vez mais criar pressões inflacionárias persistentes. A abordagem tradicional da política monetária nesse ambiente - mesmo levando em conta os sistemas flexíveis de metas de inflação que predominam hoje nos países macroeconomicamente organizados - pode trazer custos maiores em termos de atividade econômica, estabilidade financeira, espaço fiscal e desigualdade.

Esse arcabouço "adaptativo" do sistema de metas de inflação explicitaria melhor e levaria em conta, pelo lado da oferta, os riscos de longo prazo e os efeitos da mudança climática.

Segundo os autores, "o arcabouço possibilita a acomodação explícita da inflação mais alta por horizontes mais longos quando as condições de oferta estão sistematicamente elevando custos, de forma a dar aos bancos centrais a latitude para exercitarem a paciência e a discricionariedade apropriada antes de recorrerem ao aperto monetário".

Uma das diferenças entre o sistema de metas adaptativo e o flexível (este é o que já existe) é que, no primeiro, ou as bandas em torno da meta são maiores - o que talvez já possa ser considerado o caso do Brasil -; ou explicitamente o BC mira em torno da meta, e não 'na' meta; ou se tem uma meta maior com faixas de tolerância menores.

Os autores apontam a meta de 2% como típica dos atuais sistemas de meta flexíveis, sendo de fato o número do Fed, BC dos EUA, do Banco Central Europeu (BCE) e de países desenvolvidos em geral e de alguns emergentes também. Assim, uma meta mais alta seria 3%. Novamente, o Brasil já está na meta de 3%, e não está conseguindo cumpri-la (nem levando em conta a teto de tolerância de 4,5%) nos últimos anos.

Outra diferença do arcabouço adaptativo é que o horizonte de cumprimento da meta se estende do prazo típico de dois anos para três anos quando houver perturbações da oferta duradouras e/ou consecutivas.

Em termos dos instrumentos do sistema de metas adaptativo, ele incluiria os já empregados pelos BCs com sistemas flexíveis de metas, como taxa básica de juros, compulsórios e venda ou compra de títulos de longo prazo em poder do público (política monetária não convencional).

Mas os autores acrescentam algumas ferramentas para ajudar na "resiliência pelo lado da oferta". Eles citam uma política macroprudencial que precifique adequadamente o risco climático, e um sistema de projeções sobre o clima e os riscos pelo lado da oferta em geral.

Porém, antes que a nova diretoria do BC se anime com a possibilidade de adotar o sistema de metas adaptativo para sair da atual enrascada em termos de política monetária, é bom levar em conta uma ressalva dos próprios autores. A mudança do regime flexível para o adaptativo teria que ser feita quando a inflação estivesse na meta ou perto dela (eles citam 2%).

Segundo os economistas, "implementar mudanças como essas em meio a pressões inflacionárias crescentes poderia minar a credibilidade do banco central e trazer o risco de desancorar as expectativas de inflação, particularmente em mercados emergentes e economias em desenvolvimento".

Quer dizer, não é por aí que Gabriel Galípolo, o novo presidente do BC a partir de janeiro, poderá sair da berlinda.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 11/12/2024, quarta-feira.

O Banco Central (BC) toma hoje [referência a 11/4, quarta-feira, quando a coluna foi publicada] uma decisão de política monetária extremamente delicada, com grande parte do mercado dividida entre as projeções de alta da Selic de 0,75 ponto porcentual (pp) ou 1pp, o que levaria a taxa básica a, respectivamente, 12% e 12,25%.

[A decisão foi de aumento de 1pp]

A inflação em 12 meses até novembro está em 4,84%, muito acima da meta de 3%, e acima também do teto de tolerância de 4,5%. O último relatório Focus, de projeções do mercado, tem mediana de projeções de IPCA de 4,84% em 2024 e 4,59% em 2025, em ambos os casos acima da meta e do teto de tolerância. Para 2026 e 2027, as projeções são de 4% e 3,58%, bem acima da meta, mostrando descolamento das expectativas de prazo mais longo.

A situação é dificílima, portanto, como realçado neste espaço ontem. Mas alguns detalhes chamam a atenção. A alimentação no domicílio acumula alta de 8,41% em 12 meses, com as carnes tendo subido 18,3% em quatro meses. O câmbio contribuiu para isso, mas outro fator importante foi a estiagem que afetou o ciclo da agropecuária, levando a um grande abate de fêmeas.

Nos últimos anos, na esteira do aquecimento global, eventos climáticos extremos têm acontecido de forma mais frequente, configurando choques de oferta que afetam a inflação e, consequentemente, a política monetária. O aumento das tensões geopolíticas também provoca choques de oferta, como os associados à guerra na Ucrânia ou aqueles que afetam a oferta de petróleo do Oriente Médio.

Um recente trabalho de quatro economistas, incluindo o brasileiro Luiz Awazu Pereira da Silva, ex-diretor do Banco Central, propõe o que chamam de "metas de inflação adaptativas", para lidar com um mundo climaticamente mais aquecido e mais volátil. O estudo pode ser acessado no site do Centro para Expertise em Transição Econômica da London School of Economics (LSE). Os outros autores são David Barmes, Irene Claeys e Simon Dikau.

A ideia básica é que choques de oferta negativos ligados à mudança climática e a crises interconectadas podem cada vez mais criar pressões inflacionárias persistentes. A abordagem tradicional da política monetária nesse ambiente - mesmo levando em conta os sistemas flexíveis de metas de inflação que predominam hoje nos países macroeconomicamente organizados - pode trazer custos maiores em termos de atividade econômica, estabilidade financeira, espaço fiscal e desigualdade.

Esse arcabouço "adaptativo" do sistema de metas de inflação explicitaria melhor e levaria em conta, pelo lado da oferta, os riscos de longo prazo e os efeitos da mudança climática.

Segundo os autores, "o arcabouço possibilita a acomodação explícita da inflação mais alta por horizontes mais longos quando as condições de oferta estão sistematicamente elevando custos, de forma a dar aos bancos centrais a latitude para exercitarem a paciência e a discricionariedade apropriada antes de recorrerem ao aperto monetário".

Uma das diferenças entre o sistema de metas adaptativo e o flexível (este é o que já existe) é que, no primeiro, ou as bandas em torno da meta são maiores - o que talvez já possa ser considerado o caso do Brasil -; ou explicitamente o BC mira em torno da meta, e não 'na' meta; ou se tem uma meta maior com faixas de tolerância menores.

Os autores apontam a meta de 2% como típica dos atuais sistemas de meta flexíveis, sendo de fato o número do Fed, BC dos EUA, do Banco Central Europeu (BCE) e de países desenvolvidos em geral e de alguns emergentes também. Assim, uma meta mais alta seria 3%. Novamente, o Brasil já está na meta de 3%, e não está conseguindo cumpri-la (nem levando em conta a teto de tolerância de 4,5%) nos últimos anos.

Outra diferença do arcabouço adaptativo é que o horizonte de cumprimento da meta se estende do prazo típico de dois anos para três anos quando houver perturbações da oferta duradouras e/ou consecutivas.

Em termos dos instrumentos do sistema de metas adaptativo, ele incluiria os já empregados pelos BCs com sistemas flexíveis de metas, como taxa básica de juros, compulsórios e venda ou compra de títulos de longo prazo em poder do público (política monetária não convencional).

Mas os autores acrescentam algumas ferramentas para ajudar na "resiliência pelo lado da oferta". Eles citam uma política macroprudencial que precifique adequadamente o risco climático, e um sistema de projeções sobre o clima e os riscos pelo lado da oferta em geral.

Porém, antes que a nova diretoria do BC se anime com a possibilidade de adotar o sistema de metas adaptativo para sair da atual enrascada em termos de política monetária, é bom levar em conta uma ressalva dos próprios autores. A mudança do regime flexível para o adaptativo teria que ser feita quando a inflação estivesse na meta ou perto dela (eles citam 2%).

Segundo os economistas, "implementar mudanças como essas em meio a pressões inflacionárias crescentes poderia minar a credibilidade do banco central e trazer o risco de desancorar as expectativas de inflação, particularmente em mercados emergentes e economias em desenvolvimento".

Quer dizer, não é por aí que Gabriel Galípolo, o novo presidente do BC a partir de janeiro, poderá sair da berlinda.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 11/12/2024, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.