Economia e políticas públicas

Opinião|E os bancos da União Europeia?


Dois relatórios indicam que sistema bancário da zona do euro e da UE é relativamente resiliente ao risco de crise bancária, mas deve ser afetado via piora da qualidade do crédito. E isso atinge economia e juros.

Por Fernando Dantas

A crise bancária que engolfou instituições dos Estados Unidos e o Credit Suisse não atingiu - até agora, pelo menos - a zona do euro nem a União Europeia (UE) como um todo, em termos de eventos do porte dos ocorridos com o Silicon Valley Bank (SVB) e First Republic Bank, nos Estados Unidos, e com o Credit Suisse (a Suíça, um dos centros financeiros mais importantes do mundo, tem sua moeda própria e não faz parte da UE).

Uma questão relevante, portanto, é saber quais são os possíveis desdobramentos e reflexos, da atual turbulência no sistema bancário do mundo avançado, na economia e nas políticas monetárias da zona do euro e da UE como um todo, que representam um dos grandes motores econômicos globais.

Um problema inicial foi a decisão das autoridades financeiras suíças de, na operação de resgate pela qual o UBS comprou o Credit Suisse, impor perda total aos detentores de bônus conversíveis em ações do tipo AT1, conhecidos como bônus "contingentes conversíveis" ("CoCo").

continua após a publicidade

Na hierarquia normal de imposição de perdas em eventos como o virtual colapso do Credit Suisse, os acionistas estão à frente dos detentores de bônus AT1, mas os primeiros saíram com alguma coisa da absorção pelo UBS, e os últimos com nada.

E isso, naturalmente assustou os investidores em bônus do tipo AT1 na contígua União Europeia, a ponto de suas autoridades reguladoras do sistema financeiro terem reafirmado conjuntamente, na última segunda-feira, a ordem tradicional de prioridade de credores em qualquer operação de resgate bancário.

As autoridades financeiras europeias podem - como notam em recente relatório os analistas Cedric Gemehl e Nick Andrews da Gavekal Research, empresa internacional de pesquisa financeira - "quebrar suas próprias regras no futuro", mas eles veem fortes incentivos para que isso não ocorra. Adicionalmente, listam várias razões pelas quais consideram os bancos europeus mais resilientes nestes tempos de ameaça de crise financeira sistêmica no mundo avançado.

continua após a publicidade

Sobre os reguladores europeus, os analistas notam que eles vêm de uma década de esforços para criar um robusto arcabouço de resolução de quebras  bancárias. E, em 2017, quando na Espanha o Santander absorveu o Banco Popular, a ordem tradicional de perda 'acionista-detentor de bônus AT1' foi respeitada.

Em relação aos sistema bancário europeu em si mesmo, Gemehl e Andrews observam que os depósitos tendem a ser menos voláteis (comparando com os Estados Unidos). Isso ocorre não só por uma alegada "maior fidelidade" do cliente bancário europeu, mas também porque o custo de oportunidade entre depósito à vista e aplicações seguras e líquidas é maior nos Estados Unidos.

Eles apontam que, historicamente, quando se analisam diversos estresses bancários, como a crise global de 2008-09 e a crise da periferia do euro em 2010-12, nota-se que depositantes americanos têm maior tendência a sacar do que os europeus.

continua após a publicidade

De qualquer forma, se houver na Europa um evento de deflagração de crise como a recente quebra do Silicon Valley Bank (SVB), Gemehl e Andrews apontam que os regulamentos sobre liquidez no Velho Continente não só são mais exigentes como também mais abrangentes (em termos de alcance em relação a bancos pequenos e médios) do que os norte-americanos.

Adicionalmente, por diferença de normas contábeis, os bancos europeus, segundo os dois analistas, assumem menores riscos de descasamento de prazos entre ativos e passivos, além de cumprirem um regime estrito de testes de estresse.

Dito tudo isso, o relatório indica que o aperto monetário e a consequente alta do custo financeiro de empresas e famílias na Europa vai piorar a qualidade de crédito e, portanto, afetar negativamente os bancos europeus.

continua após a publicidade

Um relatório recente do Goldman Sachs também enxerga resiliência (em relação à crise bancária) nos bancos da área do euro e do Reino Unido. Ainda assim, a previsão é de que o aperto de crédito, na esteira da atual turbulência bancária, deve reduzir o crescimento da área do euro em 0,3 ponto porcentual (pp), e o do Reino Unido em 0,2pp, ao longo dos próximos 12 meses.

Assim, o Goldman Sachs reduziu sua previsão de alta da taxa básica pelo Banco Central Europeu (BCE) na reunião de maio, de 0,5pp para 0,25pp, com mais uma última alta de 0,25pp em junho, levando a um pico de 3,5%. No caso do Banco da Inglaterra, a previsão de alta de 0,25pp na reunião terminada hoje tinha sido mantida e foi acertada, mas o Goldman Sachs já não projeta uma alta adicional de 0,25pp em maio. Dessa forma a taxa terminal do ciclo britânico fica nos 4,25% decididos hoje.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fojdantas@gmail.com)

continua após a publicidade

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 23/3/2023, quinta-feira.

A crise bancária que engolfou instituições dos Estados Unidos e o Credit Suisse não atingiu - até agora, pelo menos - a zona do euro nem a União Europeia (UE) como um todo, em termos de eventos do porte dos ocorridos com o Silicon Valley Bank (SVB) e First Republic Bank, nos Estados Unidos, e com o Credit Suisse (a Suíça, um dos centros financeiros mais importantes do mundo, tem sua moeda própria e não faz parte da UE).

Uma questão relevante, portanto, é saber quais são os possíveis desdobramentos e reflexos, da atual turbulência no sistema bancário do mundo avançado, na economia e nas políticas monetárias da zona do euro e da UE como um todo, que representam um dos grandes motores econômicos globais.

Um problema inicial foi a decisão das autoridades financeiras suíças de, na operação de resgate pela qual o UBS comprou o Credit Suisse, impor perda total aos detentores de bônus conversíveis em ações do tipo AT1, conhecidos como bônus "contingentes conversíveis" ("CoCo").

Na hierarquia normal de imposição de perdas em eventos como o virtual colapso do Credit Suisse, os acionistas estão à frente dos detentores de bônus AT1, mas os primeiros saíram com alguma coisa da absorção pelo UBS, e os últimos com nada.

E isso, naturalmente assustou os investidores em bônus do tipo AT1 na contígua União Europeia, a ponto de suas autoridades reguladoras do sistema financeiro terem reafirmado conjuntamente, na última segunda-feira, a ordem tradicional de prioridade de credores em qualquer operação de resgate bancário.

As autoridades financeiras europeias podem - como notam em recente relatório os analistas Cedric Gemehl e Nick Andrews da Gavekal Research, empresa internacional de pesquisa financeira - "quebrar suas próprias regras no futuro", mas eles veem fortes incentivos para que isso não ocorra. Adicionalmente, listam várias razões pelas quais consideram os bancos europeus mais resilientes nestes tempos de ameaça de crise financeira sistêmica no mundo avançado.

Sobre os reguladores europeus, os analistas notam que eles vêm de uma década de esforços para criar um robusto arcabouço de resolução de quebras  bancárias. E, em 2017, quando na Espanha o Santander absorveu o Banco Popular, a ordem tradicional de perda 'acionista-detentor de bônus AT1' foi respeitada.

Em relação aos sistema bancário europeu em si mesmo, Gemehl e Andrews observam que os depósitos tendem a ser menos voláteis (comparando com os Estados Unidos). Isso ocorre não só por uma alegada "maior fidelidade" do cliente bancário europeu, mas também porque o custo de oportunidade entre depósito à vista e aplicações seguras e líquidas é maior nos Estados Unidos.

Eles apontam que, historicamente, quando se analisam diversos estresses bancários, como a crise global de 2008-09 e a crise da periferia do euro em 2010-12, nota-se que depositantes americanos têm maior tendência a sacar do que os europeus.

De qualquer forma, se houver na Europa um evento de deflagração de crise como a recente quebra do Silicon Valley Bank (SVB), Gemehl e Andrews apontam que os regulamentos sobre liquidez no Velho Continente não só são mais exigentes como também mais abrangentes (em termos de alcance em relação a bancos pequenos e médios) do que os norte-americanos.

Adicionalmente, por diferença de normas contábeis, os bancos europeus, segundo os dois analistas, assumem menores riscos de descasamento de prazos entre ativos e passivos, além de cumprirem um regime estrito de testes de estresse.

Dito tudo isso, o relatório indica que o aperto monetário e a consequente alta do custo financeiro de empresas e famílias na Europa vai piorar a qualidade de crédito e, portanto, afetar negativamente os bancos europeus.

Um relatório recente do Goldman Sachs também enxerga resiliência (em relação à crise bancária) nos bancos da área do euro e do Reino Unido. Ainda assim, a previsão é de que o aperto de crédito, na esteira da atual turbulência bancária, deve reduzir o crescimento da área do euro em 0,3 ponto porcentual (pp), e o do Reino Unido em 0,2pp, ao longo dos próximos 12 meses.

Assim, o Goldman Sachs reduziu sua previsão de alta da taxa básica pelo Banco Central Europeu (BCE) na reunião de maio, de 0,5pp para 0,25pp, com mais uma última alta de 0,25pp em junho, levando a um pico de 3,5%. No caso do Banco da Inglaterra, a previsão de alta de 0,25pp na reunião terminada hoje tinha sido mantida e foi acertada, mas o Goldman Sachs já não projeta uma alta adicional de 0,25pp em maio. Dessa forma a taxa terminal do ciclo britânico fica nos 4,25% decididos hoje.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 23/3/2023, quinta-feira.

A crise bancária que engolfou instituições dos Estados Unidos e o Credit Suisse não atingiu - até agora, pelo menos - a zona do euro nem a União Europeia (UE) como um todo, em termos de eventos do porte dos ocorridos com o Silicon Valley Bank (SVB) e First Republic Bank, nos Estados Unidos, e com o Credit Suisse (a Suíça, um dos centros financeiros mais importantes do mundo, tem sua moeda própria e não faz parte da UE).

Uma questão relevante, portanto, é saber quais são os possíveis desdobramentos e reflexos, da atual turbulência no sistema bancário do mundo avançado, na economia e nas políticas monetárias da zona do euro e da UE como um todo, que representam um dos grandes motores econômicos globais.

Um problema inicial foi a decisão das autoridades financeiras suíças de, na operação de resgate pela qual o UBS comprou o Credit Suisse, impor perda total aos detentores de bônus conversíveis em ações do tipo AT1, conhecidos como bônus "contingentes conversíveis" ("CoCo").

Na hierarquia normal de imposição de perdas em eventos como o virtual colapso do Credit Suisse, os acionistas estão à frente dos detentores de bônus AT1, mas os primeiros saíram com alguma coisa da absorção pelo UBS, e os últimos com nada.

E isso, naturalmente assustou os investidores em bônus do tipo AT1 na contígua União Europeia, a ponto de suas autoridades reguladoras do sistema financeiro terem reafirmado conjuntamente, na última segunda-feira, a ordem tradicional de prioridade de credores em qualquer operação de resgate bancário.

As autoridades financeiras europeias podem - como notam em recente relatório os analistas Cedric Gemehl e Nick Andrews da Gavekal Research, empresa internacional de pesquisa financeira - "quebrar suas próprias regras no futuro", mas eles veem fortes incentivos para que isso não ocorra. Adicionalmente, listam várias razões pelas quais consideram os bancos europeus mais resilientes nestes tempos de ameaça de crise financeira sistêmica no mundo avançado.

Sobre os reguladores europeus, os analistas notam que eles vêm de uma década de esforços para criar um robusto arcabouço de resolução de quebras  bancárias. E, em 2017, quando na Espanha o Santander absorveu o Banco Popular, a ordem tradicional de perda 'acionista-detentor de bônus AT1' foi respeitada.

Em relação aos sistema bancário europeu em si mesmo, Gemehl e Andrews observam que os depósitos tendem a ser menos voláteis (comparando com os Estados Unidos). Isso ocorre não só por uma alegada "maior fidelidade" do cliente bancário europeu, mas também porque o custo de oportunidade entre depósito à vista e aplicações seguras e líquidas é maior nos Estados Unidos.

Eles apontam que, historicamente, quando se analisam diversos estresses bancários, como a crise global de 2008-09 e a crise da periferia do euro em 2010-12, nota-se que depositantes americanos têm maior tendência a sacar do que os europeus.

De qualquer forma, se houver na Europa um evento de deflagração de crise como a recente quebra do Silicon Valley Bank (SVB), Gemehl e Andrews apontam que os regulamentos sobre liquidez no Velho Continente não só são mais exigentes como também mais abrangentes (em termos de alcance em relação a bancos pequenos e médios) do que os norte-americanos.

Adicionalmente, por diferença de normas contábeis, os bancos europeus, segundo os dois analistas, assumem menores riscos de descasamento de prazos entre ativos e passivos, além de cumprirem um regime estrito de testes de estresse.

Dito tudo isso, o relatório indica que o aperto monetário e a consequente alta do custo financeiro de empresas e famílias na Europa vai piorar a qualidade de crédito e, portanto, afetar negativamente os bancos europeus.

Um relatório recente do Goldman Sachs também enxerga resiliência (em relação à crise bancária) nos bancos da área do euro e do Reino Unido. Ainda assim, a previsão é de que o aperto de crédito, na esteira da atual turbulência bancária, deve reduzir o crescimento da área do euro em 0,3 ponto porcentual (pp), e o do Reino Unido em 0,2pp, ao longo dos próximos 12 meses.

Assim, o Goldman Sachs reduziu sua previsão de alta da taxa básica pelo Banco Central Europeu (BCE) na reunião de maio, de 0,5pp para 0,25pp, com mais uma última alta de 0,25pp em junho, levando a um pico de 3,5%. No caso do Banco da Inglaterra, a previsão de alta de 0,25pp na reunião terminada hoje tinha sido mantida e foi acertada, mas o Goldman Sachs já não projeta uma alta adicional de 0,25pp em maio. Dessa forma a taxa terminal do ciclo britânico fica nos 4,25% decididos hoje.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 23/3/2023, quinta-feira.

Opinião por Fernando Dantas

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.