Economia e políticas públicas

Opinião|É preciso taxar direito as multinacionais


OCDE solta novo relatório sobre prováveis efeitos do imposto de renda mínimo global de 15% para as multinacionais, negociado por cerca de 140 países. Brasil pode ganhar alguma coisa nesse filão, mas está atrasado.

Por Fernando Dantas

A agenda global de combate ao planejamento tributário - a  prática das empresas de criar formas espertas, por vezes na zona cinzenta da legalidade, de reduzir sua carga de impostos - das multinacionais continua a todo o vapor.

A OCDE, organização que congrega quase todos os países ricos e um punhado de emergentes, acaba de soltar novo relatório tentando estimar os efeitos do imposto mínimo global (GMT, na sigla em inglês). Trata-se da iniciativa de impor um imposto de renda corporativo mínimo de 15% para multinacionais com faturamento anual superior a 750 milhões de euros.

A iniciativa foi lançada em 2021, no âmbito do segundo pilar da "solução de dois pilares" do "projeto BEPS", deslanchado em 2013 pela OCDE e pelo G-20. BEPS é a sigla em inglês para "erosão de base e desvio de lucros", as duas ferramentas básicas da elisão tributária das multinacionais. O projeto BEPSvisa combater essas e outras práticas de multinacionais para minimizar sua carga tributária.

continua após a publicidade

Há poucos dia, o correspondente em Genebra do Valor Econômico, Assis Moreira, reportou que o Brasil só aplicará o GMT em 2015 e 2016. O acordo que introduziu o imposto corporativo mínimo global foi negociado por 140 países, com 55 já tendo adotado medidas concretas, segundo fonte da OCDE ouvida pelo colunista.

Mas quanto o Brasil estaria perdendo (num momento de necessidade premente de receitas para fechar o rombo fiscal) por atrasar o passo em implementar o acordo relativo ao GMT?

Segundo informações organizadas e disponibilizadas em site pelos economistas Thomas Torslov (Universidade de Copenhague), Ludvig Wier (Ministério das Finanças da Dinamarca) e Gabriel Zucman (Universidade da Califórnia em Berkeley), o Brasil sofre perdas de 17% no IRPJ e CSLL (tributação de renda corporativa no País) por conta do desvio de lucros das multinacionais. A prática consiste em realizar contabilmente o lucro numa jurisdição de baixo ou nenhum imposto, como os diversos paraísos fiscais disseminados pelo mundo.

continua após a publicidade

A Irlanda, por exemplo, nas contas de Torslov, Wier e Zucman, aumenta em 59% sua receita de imposto de renda de multinacionais, como ponta favorecida pelo desvio de lucros.

O economista Bráulio Borges, da consultoria LCA e do think-tank IBRE-FGV, nota que o Brasil arrecadou em média 3,5% do PIB de IRPJ-CSLL de 2019 a 2022. Uma parcela de 17% disso corresponderia a 0,6% do PIB de arrecadação perdida.

Mas Borges nota que a adoção do GMT não significa que o Brasil vai eliminar totalmente a elisão fiscal das multís por meio de ferramentas como o desvio de lucros.

continua após a publicidade

Cálculos recentes que o economista da LCA realizou apontam que o ganho do Brasil com adoção do imposto corporativo mínimo das multís poderia ser em torno de 0,2% do PIB, ou pouco mais que R$ 20 bilhões anuais.

Como Borges observa, "não é a solução para o ajuste fiscal, mas tampouco é uma contribuição que possa ser desprezada".

Em relação à questão global do planejamento tributário das multinacionais, o economista nota que a estimativa de desvio de lucros mundiais do último estudo da OCDE (mencionado na abertura desta coluna), de US$ 690 bilhões, é mais conservadora do que a de Wier e Zucman em recente paper (US$ 969 bilhões de desvio de lucros por multís em 2019).

continua após a publicidade

A OCDE também calcula que o GMT deve aumentar globalmente a arrecadação com imposto de renda de multís em US$ 155-192 bilhões por ano, o que corresponde a 6,5-8,1% da arrecadação global atual desse tributo. Esse resultado será alcançado com a queda de 2/3 da tributação de renda das multinacionais inferior a 15%, em termos globais.

Mas o relatório alerta que "a distribuição desses ganhos entre as jurisdições depende fortemente das escolhas de implementação dos governo". O Brasil parece estar atrasado nessa corrida.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

continua após a publicidade

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 10/1/2024, quarta-feira.

A agenda global de combate ao planejamento tributário - a  prática das empresas de criar formas espertas, por vezes na zona cinzenta da legalidade, de reduzir sua carga de impostos - das multinacionais continua a todo o vapor.

A OCDE, organização que congrega quase todos os países ricos e um punhado de emergentes, acaba de soltar novo relatório tentando estimar os efeitos do imposto mínimo global (GMT, na sigla em inglês). Trata-se da iniciativa de impor um imposto de renda corporativo mínimo de 15% para multinacionais com faturamento anual superior a 750 milhões de euros.

A iniciativa foi lançada em 2021, no âmbito do segundo pilar da "solução de dois pilares" do "projeto BEPS", deslanchado em 2013 pela OCDE e pelo G-20. BEPS é a sigla em inglês para "erosão de base e desvio de lucros", as duas ferramentas básicas da elisão tributária das multinacionais. O projeto BEPSvisa combater essas e outras práticas de multinacionais para minimizar sua carga tributária.

Há poucos dia, o correspondente em Genebra do Valor Econômico, Assis Moreira, reportou que o Brasil só aplicará o GMT em 2015 e 2016. O acordo que introduziu o imposto corporativo mínimo global foi negociado por 140 países, com 55 já tendo adotado medidas concretas, segundo fonte da OCDE ouvida pelo colunista.

Mas quanto o Brasil estaria perdendo (num momento de necessidade premente de receitas para fechar o rombo fiscal) por atrasar o passo em implementar o acordo relativo ao GMT?

Segundo informações organizadas e disponibilizadas em site pelos economistas Thomas Torslov (Universidade de Copenhague), Ludvig Wier (Ministério das Finanças da Dinamarca) e Gabriel Zucman (Universidade da Califórnia em Berkeley), o Brasil sofre perdas de 17% no IRPJ e CSLL (tributação de renda corporativa no País) por conta do desvio de lucros das multinacionais. A prática consiste em realizar contabilmente o lucro numa jurisdição de baixo ou nenhum imposto, como os diversos paraísos fiscais disseminados pelo mundo.

A Irlanda, por exemplo, nas contas de Torslov, Wier e Zucman, aumenta em 59% sua receita de imposto de renda de multinacionais, como ponta favorecida pelo desvio de lucros.

O economista Bráulio Borges, da consultoria LCA e do think-tank IBRE-FGV, nota que o Brasil arrecadou em média 3,5% do PIB de IRPJ-CSLL de 2019 a 2022. Uma parcela de 17% disso corresponderia a 0,6% do PIB de arrecadação perdida.

Mas Borges nota que a adoção do GMT não significa que o Brasil vai eliminar totalmente a elisão fiscal das multís por meio de ferramentas como o desvio de lucros.

Cálculos recentes que o economista da LCA realizou apontam que o ganho do Brasil com adoção do imposto corporativo mínimo das multís poderia ser em torno de 0,2% do PIB, ou pouco mais que R$ 20 bilhões anuais.

Como Borges observa, "não é a solução para o ajuste fiscal, mas tampouco é uma contribuição que possa ser desprezada".

Em relação à questão global do planejamento tributário das multinacionais, o economista nota que a estimativa de desvio de lucros mundiais do último estudo da OCDE (mencionado na abertura desta coluna), de US$ 690 bilhões, é mais conservadora do que a de Wier e Zucman em recente paper (US$ 969 bilhões de desvio de lucros por multís em 2019).

A OCDE também calcula que o GMT deve aumentar globalmente a arrecadação com imposto de renda de multís em US$ 155-192 bilhões por ano, o que corresponde a 6,5-8,1% da arrecadação global atual desse tributo. Esse resultado será alcançado com a queda de 2/3 da tributação de renda das multinacionais inferior a 15%, em termos globais.

Mas o relatório alerta que "a distribuição desses ganhos entre as jurisdições depende fortemente das escolhas de implementação dos governo". O Brasil parece estar atrasado nessa corrida.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 10/1/2024, quarta-feira.

A agenda global de combate ao planejamento tributário - a  prática das empresas de criar formas espertas, por vezes na zona cinzenta da legalidade, de reduzir sua carga de impostos - das multinacionais continua a todo o vapor.

A OCDE, organização que congrega quase todos os países ricos e um punhado de emergentes, acaba de soltar novo relatório tentando estimar os efeitos do imposto mínimo global (GMT, na sigla em inglês). Trata-se da iniciativa de impor um imposto de renda corporativo mínimo de 15% para multinacionais com faturamento anual superior a 750 milhões de euros.

A iniciativa foi lançada em 2021, no âmbito do segundo pilar da "solução de dois pilares" do "projeto BEPS", deslanchado em 2013 pela OCDE e pelo G-20. BEPS é a sigla em inglês para "erosão de base e desvio de lucros", as duas ferramentas básicas da elisão tributária das multinacionais. O projeto BEPSvisa combater essas e outras práticas de multinacionais para minimizar sua carga tributária.

Há poucos dia, o correspondente em Genebra do Valor Econômico, Assis Moreira, reportou que o Brasil só aplicará o GMT em 2015 e 2016. O acordo que introduziu o imposto corporativo mínimo global foi negociado por 140 países, com 55 já tendo adotado medidas concretas, segundo fonte da OCDE ouvida pelo colunista.

Mas quanto o Brasil estaria perdendo (num momento de necessidade premente de receitas para fechar o rombo fiscal) por atrasar o passo em implementar o acordo relativo ao GMT?

Segundo informações organizadas e disponibilizadas em site pelos economistas Thomas Torslov (Universidade de Copenhague), Ludvig Wier (Ministério das Finanças da Dinamarca) e Gabriel Zucman (Universidade da Califórnia em Berkeley), o Brasil sofre perdas de 17% no IRPJ e CSLL (tributação de renda corporativa no País) por conta do desvio de lucros das multinacionais. A prática consiste em realizar contabilmente o lucro numa jurisdição de baixo ou nenhum imposto, como os diversos paraísos fiscais disseminados pelo mundo.

A Irlanda, por exemplo, nas contas de Torslov, Wier e Zucman, aumenta em 59% sua receita de imposto de renda de multinacionais, como ponta favorecida pelo desvio de lucros.

O economista Bráulio Borges, da consultoria LCA e do think-tank IBRE-FGV, nota que o Brasil arrecadou em média 3,5% do PIB de IRPJ-CSLL de 2019 a 2022. Uma parcela de 17% disso corresponderia a 0,6% do PIB de arrecadação perdida.

Mas Borges nota que a adoção do GMT não significa que o Brasil vai eliminar totalmente a elisão fiscal das multís por meio de ferramentas como o desvio de lucros.

Cálculos recentes que o economista da LCA realizou apontam que o ganho do Brasil com adoção do imposto corporativo mínimo das multís poderia ser em torno de 0,2% do PIB, ou pouco mais que R$ 20 bilhões anuais.

Como Borges observa, "não é a solução para o ajuste fiscal, mas tampouco é uma contribuição que possa ser desprezada".

Em relação à questão global do planejamento tributário das multinacionais, o economista nota que a estimativa de desvio de lucros mundiais do último estudo da OCDE (mencionado na abertura desta coluna), de US$ 690 bilhões, é mais conservadora do que a de Wier e Zucman em recente paper (US$ 969 bilhões de desvio de lucros por multís em 2019).

A OCDE também calcula que o GMT deve aumentar globalmente a arrecadação com imposto de renda de multís em US$ 155-192 bilhões por ano, o que corresponde a 6,5-8,1% da arrecadação global atual desse tributo. Esse resultado será alcançado com a queda de 2/3 da tributação de renda das multinacionais inferior a 15%, em termos globais.

Mas o relatório alerta que "a distribuição desses ganhos entre as jurisdições depende fortemente das escolhas de implementação dos governo". O Brasil parece estar atrasado nessa corrida.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 10/1/2024, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.