A política econômica do terceiro mandato de Lula, objeto de muita especulação e incerteza durante a campanha e nos primeiros momentos de governo, vai aos poucos se desenhando por meio das decisões que vão sendo tomadas em diversos temas importantes da agenda de governo.
O que se tem até agora não é nem uma reedição da gestão liberal de Antônio Palocci na Fazenda no período 2003-2005, nem a nova matriz econômica que caracterizou parte do segundo mandato de Lula e o primeiro mandato de Dilma Rousseff.
Na área fiscal, o novo arcabouço caminha para ser um avanço em relação ao Brasil pré-2014, quando por mais de uma década o gasto público cresceu a um ritmo real de aproximadamente 6% ao ano.
Agora, o limite máximo é de 2,5%, e, diante da insistência de Lula na política de crescimento real de um salário mínimo que indexa dezenas de milhões de benefícios previdenciários e assistenciais - somada ao atrelamento do gasto em saúde e educação à evolução da receita federal -, deve produzir cedo ou tarde impasses semelhantes aos provocados pelo teto de gastos.
O que se viu na experiência recente do Brasil é que, quando a institucionalidade fiscal vigente coloca em risco de forma mais séria o projeto político do governante de plantão, regras são mudadas e contornadas. No entanto,a confusão política e orçamentária nesses momentos agudos de crise político-fiscal, no fundo, serve como algum freio ao tipo de expansão fiscal escancarada pré-2014.
Na área tributária, para além da reforma tocada e em boa parte formulada por Bernard Appy, secretário especial de reforma tributária, há agenda de redução da elisão fiscal de Fernando Haddad. Esta tem a ambiciosa missão de fechar a conta fiscal, já que a agenda liberal de revisão dos gastos permanentes, como racionalização das transferências de renda e reforma administrativa, parece descartada por Lula.
Na política monetária, também já se delineia umcaminho. Não houve ruptura institucional em relação ao sistema de metas de inflação com Banco Central autônomo, mas Lula claramente não vai desistir de reaver algum poder de interferir na política monetária. Ocaminho parece ser o de gradativamente preencher os cargos vacantes do Copom com novos membros que tolerem alguma reinflação se necessária na batalha sucessória.
Lula também vem imprimindo a marca ideológica do seu terceiro mandato em temas econômicos importantes como marco do saneamento, privatização da Eletrobrás, política de preços da Petrobrás e papel do BNDES e demais bancos públicos. Em todos eles, a visão é de claramente se opor à postura liberal vigente durante os mandatos de Temer e Bolsonaro. A aposta é em relançar o estatismo e a ingerência estatal no setor privado, em oposição ao que se vê como privatismo neoliberal.
No entanto, tanto nessa última questão como em praticamente todas as outras comentadas nesta coluna, a estratégia deste terceiro mandato de Lula parece ser mais cuidadosa e moderada do que aquela seguida nos tempos da nova matriz.
A própria escolha de Haddad, um hábil timoneiro no mar de ambiguidades econômicas e políticas do atual governo, e alguém com boas relações com expoentes do pensamento liberal, sinaliza que o radicalismo que por vezes exala das falas presidenciais é mais retórico do que prático.
A grande dúvida, porém, é onde tudo isso vai dar. Lula poderá ser um presidente bem sucedido com sua atual estratégia econômica?
Levando em conta que a moderação limita o escopo dos erros e que a evolução do cenário internacional é muito determinante nos resultados econômicos de um país como o Brasil, há certamente uma chance não desprezível de Lula ter "sucesso", no sentido de elevar a sensação de bem estar do brasileiro mediano em relação ao nível muito degradado dos últimos anos, e se reeleger ou eleger seu sucessor ou sucessora, caso prefira.
Como muito da formulação acima depende da sorte, há também chances não desprezíveis de "não dar certo" no mesmo sentido.
Mas existe um outro nível mais profundo de "dar certo", que seria o de, durante o terceiro mandato de Lula, o Brasil dar passos decisivos para sair da armadilha de lento desenvolvimento sustentável dos últimos quarenta anos.
Nesse segundo sentido, o colunista considera muito baixa a chance de Lula 3 dar certo. A estratégia econômica delineada nesta coluna parece muito mais uma fórmula esperta e oportunista de contornar os abissais problemas sociais e políticos brasileiros, de forma a se consolidar no poder, do que o enfrentamento real desses desafios. Lula em seu terceiro mandato parece ter preferência pelo caminho mais fácil, e os nós do Brasil são muito difíceis de desatar.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 17/5/2023, quarta-feira.