O recuo de 9,9% das exportações da China em dezembro, em relação ao mesmo mês de 2021, colocou ainda mais no foco as interrogações sobre o desempenho do gigante asiático em 2023, uma das variáveis chave para projetar o que vai acontecer com a economia global este ano. Já o recuo das importações em dezembro, de 7,5% na mesma base de comparação, foi mais bem recebido pelos analistas, já que a queda desacelerou em relação a novembro (-10,6%) e foi menor que a projeção mediana de -9,8%.
De qualquer forma, talvez este seja o momento, nas últimas três a quatro décadas, em que haja mais dúvidas sobre o futuro do modelo de supercrescimento chinês, que representou um dos pilares da economia global nesse período. Questões de curto, médio e longo prazo pesam sobre as perspectivas econômicas chinesas.
O tema mais premente é a reação da atividade ao fim abrupto e desastrado da política de Covid zero.
A corrente otimista aposta que, em que pese o "momento Manaus" da pandemia na China, com um pico intenso de contaminações e mortes (cuja real dimensão está acobertada pela falta de transparência de um governo ditatorial), a tendência é de que o país convirja de forma relativamente rápida para o atual estágio endêmico da Covid na maior parte do mundo - no qual a circulação humana, a economia e especialmente o setor de serviços se normalizam completamente. Se isso for verdade, pode haver este ano uma retomada chinesa com as características exuberantes da reação econômica pós-Covid ocorrida em diversos países durante parte de 2021 e 2022.
Mas há também uma corrente cética em relação a esse desfecho. Relatório recém-lançado da consultoria BRCG, que tem como um dos sócios o economista Livio Ribeiro, especialista em China, prevê que "as mudanças sanitárias não serão suficientes para promover uma rápida aceleração da propensão marginal a consumir das famílias chinesas".
Nessa visão, mesmo com estímulos monetários e fiscais, as famílias chinesas devem permanecer preocupadas com sua situação financeira prospectiva, o que é ampliado pela queda do preço dos imóveis na esteira da crise do setor imobiliário, que é outro componente do quadro de dificuldades econômicas da China.
Além disso, a demanda global pelas exportações chinesas deve enfraquecer diante da forte desaceleração prevista para o PIB global. E permanece ainda o risco de que, no gigantesco criadouro de coronavírus proporcionado pelo fim abrupto e mal conduzido da política de Covid zero num país com 1,4 bilhão de habitantes, surjam novas variantes e novas ondas da doença que interrompam a retomada da economia.
As atuais projeções da BRCG são de que a China cresça 2,9% em 2022 e 4,5% em 2023.
Saindo do curto para o médio e longo prazo, a economia chinesa também enfrenta o desafio da transição de modelo - consumo doméstico e serviços como motor no lugar de investimentos e exportação, que puxaram o crescimento nas últimas décadas - e de uma tendência demográfica desfavorável.
Choque globais, como a crise financeira mundial e a pandemia, e complicações políticas internas, como a virada totalitária e estatizante de Xi Jinping, são obstáculos na transição de modelo econômico, que vem se arrastando com idas e vindas.
Já o problema demográfico é ainda mais difícil de reverter. A população chinesa cresce em ritmo lentíssimo e deve chegar a um pico por volta de 2030, momento a partir do qual deve começar a encolher. A redução da população ativa como parcela da população total e a multiplicação dos idosos é inevitável nesse cenário, com consequências negativas diretas sobre o ritmo de crescimento econômico.
Como analisado pelo economista chinês Cai Fang, vice-presidente da Academia Chinesa de Ciências Sociais, um dos maiores desafios do pais é o de "evitar ficar velho antes de ficar rico".
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 13/1/2023