Em uma primeira avaliação da sanção presidencial, com vetos, ao projeto de lei complementar de renegociação da dívida estadual, o economista Manoel Pires, do IBRE-FGV, pensa que, provavelmente, os efeitos financeiros do projeto serão próximos aos que calculou recentemente (e que foram divulgados na Carta do IBRE de setembro de 2024).
"Em termos de competência, o custo anual deve ser de cerca de R$ 48 bilhões mas, levando em conta o fato de que alguns Estados já não pagam, o efeito de caixa do governo vai ser um pouco menor, da ordem de R$ 20-22 bilhões", diz o pesquisador, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do IBRE.
Em sua pesquisa recente, abordada em algumas das Cartas do IBRE dos últimos meses, Pires vem apontando que os governos regionais (Estados e municípios), sobretudo no nível estadual, são uma das mais problemáticas pontas soltas da política fiscal brasileira na atualidade.
O gasto primário dos governos regionais têm disparado nos últimos anos, e já supera por margem razoável as despesas da União, excluindo transferências para Estados e municípios. O aumento do gasto dos Estados foi turbinado por diversas causas, incluindo ampliação das transferências da União, carona na alta da carga tributária dos impostos federais repartidos com governos subnacionais, uma "ajuda" federal na pandemia que foi bem além do necessário (em visão retrospectiva) etc.
Em relação à sanção de Lula ao projeto da dívida estadual, Pires nota que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou recentemente que haveria veto de qualquer impacto do projeto no resultado primário.
"O problema é que esse é um projeto cujo impacto é preponderantemente financeiro", aponta o economista.
Na sua interpretação, o foco em questões com impacto primário denota um descuido importante em termos de resultado fiscal, já que o problema das contas públicas brasileiras está tanto no saldo primário quanto nos juros.
Assim, o governo mostra um cuidado grande com as questões que afetam o resultado primário, mas uma cautela bem menor em relação àquelas cujos efeitos são financeiros (relacionados a juros e diferenciais entre juros que a União recebe e que paga).
"Isso faz com que, na prática, o governo possa estar enxugando gelo, no sentido de a gente ter um déficit primário menor do que esperado este ano, mas, em compensação, um resultado nominal que é basicamente o mesmo, fruto de aumento de despesa financeira", explica o especialista.
Essa alta do gasto financeiro, ele acrescenta, está ligada à elevação da Selic, mas também a políticas financiadas por diferencial de juros, como a política parafiscal e, com particular relevância, o refinanciamento de dívidas estaduais.
Pires observa que, como os Estados terão que aderir a essa nova rodada de renegociação de sua dívida com a União ao longo de 2025, em 2026 o projeto pode propiciar aos governos Estaduais um ganho em termos de "ciclo político", isto é, mais recursos para gastar em ano eleitoral.
Finalmente, o economista entende o projeto de renegociação das dívidas estaduais como um aprofundamento do que vem chamando de "descentralização" ou "disseminação" do risco fiscal. Isto é, por mais que a União faça em termos de responsabilidade fiscal no que se refere às suas próprias contas, o resultado do setor público consolidado (com seu impacto na dinâmica da dívida pública) pode ser negativamente impactado por decisões fora da esfera do governo federal. O mais grave caso de disseminação do risco fiscal, além do componente de juros, é justamente o que deriva da ampliação dos gastos dos governos subnacionais.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 14/1/2025, terça-feira.