O valor total de investimentos globais em startups de fintech, empresas de inovação financeira, aumentou de US$ 1 bilhão em 2008 para US$ 247 bilhões em 2022. Esse número consta de recente estudo do economista Serhan Cevik, do FMI, sobre o potencial da revolução das fintechs de acelerar o crescimento econômico no mundo.
O título do trabalho (traduzido do inglês) é "Schumpeter está certo? Fintech e Crescimento Econômico". A referência é ao economista austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950), que popularizou a expressão "destruição criadora", no contexto em que inovações (particularmente financeiras) destroem modelos tradicionais de negócios, mas com saldo positivo para a economia.
O estudo do FMI investiga empiricamente a relação entre fintechs e crescimento econômico por meio de um painel de 198 países com dados de 2012 a 2020.Para medir a penetração da fintech nos países, o autor utilizou dados do Centro para Finanças Alternativas de Cambridge (CCAF), base de dados com mais de 4,4 mil entidades que operam com fintech em todo o mundo, e categorizadas em crédito digital e captação digital de recursos de capital.
O autor encontrou que empréstimos digitais como porcentual do PIB têm impacto positivo no crescimento do PIB que é estatisticamente relevante, o que não se configura no caso de levantamento (captação) digital de capital. Tanto no caso dos empréstimos como no de levantamento de capital, foram excluídas operações com criptomoedas.
Como o grosso da operação das fintechs em nível global é de empréstimos digitais, há portanto um impacto positivo e estatisticamente relevante do setor como um todo no crescimento econômico mundo afora, de acordo com o estudo.
Para chegar a esses resultados, o economista empregou um modelo que leva em conta outras variáveis que afetam o crescimento econômico, como inflação, abertura comercial, volume de crédito para o setor privado, crescimento populacional, escolaridade, estabilidade do governo e qualidade da burocracia. Com normalmente ocorre nesse tipo de trabalho, o esforço é para destrinchar estatisticamente o que foi especificamente contribuição da fintech desses outros fatores que também podem influenciar o crescimento econômico.
Também se empregam técnicas estatísticas para verificar se o achado não é simplesmente fruto de uma causalidade reversa: maior crescimento econômico faz com que surjam mais fintechs. Segundo Cevik, a causalidade das fintechs para o crescimento se manteve robusta mesmo com esses testes.
Cevik também constata que a relação positiva entre fintechs e crescimento econômico é maior nos países desenvolvidos, mas em termos de relevância estatística, o efeito é mais pronunciado nos países emergentes.
Para o autor, "tomados como um todo, esses resultados confirmam a previsão schumpeteriana de que a inovação financeira pode promover o crescimento econômico aumentando a intermediação financeira e provendo recursos financeiros para a formação de capital, mas nem todo tipo de fintech se torna aceleradora [de crescimento]".
Cevik chama a atenção para o fato de que já se detecta esse efeito positivo das fintechs no crescimento mesmo quando, na média global, a parcela das fintechs no crédito ainda é de 0,1% do PIB, dentro de um total de 55% do PIB de crédito doméstico dos países para o setor privado. Assim, à medida que grandes instituições financeiras e as empresas big-techs se voltem mais para instrumentos de fintech, esse potencial acelerador do PIB pode aumentar para níveis bem impressionantes.
Uma nota de cautela do autor, entretanto, é que, ao longo da história, inovações financeiras também levaram a grandes crises, obviamente nocivas ao crescimento econômico. Ainda está fresco na memória de todos o papel dos derivativos na grande crise global de 2008-09.
Assim, para que os benefícios econômicos da revolução das fintechs sejam colhidos, manter a estabilidade financeira é uma condição essencial. Essa condição, por sua vez, exige uma agenda de fortalecimento das instituições reguladoras, uso mais intenso de tecnologia na regulação e maior coordenação regulatória entre países. O objetivo é criar um ambiente seguro em que haja monitoramento e supervisão tanto das empresas financeiras tradicionais como das novas entrantes de fintech.
O trabalho de Cevik é uma boa notícia para o Brasil, onde as fintechs - como o Nubank, a mais conhecida delas, cujo crescimento e transformação em banco quase põem em dúvida se ainda se encaixa naquele rótulo - vêm tendo um desenvolvimento bem expressivo, em termos de países emergentes. De acordo com a Distrito, comunidade de startups, as startups financeiras captaram R$ 9 bilhões em 2022, e hoje há cerca de 1,3 mil empresas de fintech no Brasil, com o País sendo o líder nesse setor na América Latina.
Recentemente, economistas vêm discutindo as causas das sucessivas surpresas positivas de crescimento no Brasil nos últimos anos - não que os resultados tenham sido uma maravilha, os prognósticos médios é que eram muito ruins.
Uma corrente de economistas acredita que reformas macro e microeconômicas desde 2015 podem ter contribuído para aumentar o PIB potencial brasileiro (há também quem seja cético em relação a essa hipótese, é bom lembrar). Naquela lista de mudanças, costuma-se incluir o PIX, criado apelo BC, e que revolucionou a forma como se fazem pagamentos no Brasil. É possível também pensar que o crescimento das fintechs possa ter dado uma mãozinha, e, mais ainda, que possa vir a ter um papel relevante de aceleração do crescimento nos anos à frente.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 9/2/2024, sexta-feira.