A hipótese por trás do cálculo é de que o superávit primário previsto da União seja de fato de 1,6% do PIB, a contribuição do Executivo federal para se atingir 1,9% no setor público consolidado este ano, de acordo com as metas oficiais.
Para chegar àquele número, Velloso valeu-se de um acompanhamento que já vem fazendo há algum tempo, que é o do crescimento real da receita e da despesa da União acumuladas em 12 meses. No primeiro caso, apenas da receita tributária recorrente, o que exclui inclusive os programas de Refis. No lado do gasto, trata-se do não financeiro.
Quando foi divulgado este ano o decreto de contingenciamento orçamentário, Velloso estimou qual seria o ritmo de crescimento real necessário da receita e da despesa em 2014 para que as metas fossem cumpridas. Ele chegou a 6,1% para a receita, e 4% para a despesa.
O problema, continua, é que, no acumulado em 12 meses até maio, a receita está crescendo 2,1% em termos reais, e a despesa, 6,4%. Em outras palavras, seria necessário que a expansão real da receita acelerasse em cerca de 4 pontos porcentuais, e que houvesse uma contração no ritmo de aumento da despesa de dois pontos porcentuais. O analista claramente não acredita que isso irá ocorrer em 2014.
Para chegar aos R$ 40 bilhões, Velloso supõe que o ritmo de crescimento de despesa e receita mantenha-se nos níveis acumulados em 12 meses até maio. Ele também tem como hipótese que as receitas extraordinárias serão as que já constam do Orçamento. Neste caso, para chegar aos 1,6% do PIB de superávit da União, seriam necessários aproximadamente R$ 40 bilhões adicionais.
O analista lembra que o Refis do final do ano passado, o "salvador" das contas públicas no fim do segundo tempo, arrecadou R$ 20,6 bilhões. "Este ano precisamos de um Refis com o dobro do tamanho", ele resume.
O acompanhamento da evolução da receita e da despesa feito por Velloso desperta preocupações que vão bem além do curto prazo. Na fase de ouro do segundo mandato de Lula, antes da crise global, receita e despesa cresciam em termos reais a ritmos muito mais elevados, entre 8% e 10%, mas que se equilibravam.
Vencido o período anticíclico, em que o aumento do déficit foi proposital para ajudar a retomada da economia, a receita voltou a crescer vigorosamente, ficando acima da despesa durante todo o ano de 2011. A partir de 2012, entretanto, a situação foi gradativamente se invertendo. O ritmo de expansão real da receita foi caindo, até atingir zero em meados do primeiro semestre de 2013, enquanto a despesa acelerou-se para uma faixa acima de 6%.
A receita voltou a melhorar um pouco, mas sempre em níveis de crescimento muitíssimo abaixo da era pré-crise global. A despesa também não voltou a crescer como naquela época, mas aproximou-se bem mais do que a receita.
Como a queda do crescimento da receita está ligado ao baixo ritmo da economia e às desonerações, e não há sinais no horizonte de reversão total nem de uma coisa nem da outra, é razoável trabalhar com a expectativa de que não haja grandes mudanças nos próximos anos. Já a despesa cresce em função de gastos obrigatórios, da expansão das transferências (que parece ser uma questão de sobrevivência política para os governos) e da necessidade de não reduzir os investimentos federais para níveis ainda mais pífios. Novamente, não é muito fácil imaginar uma reversão deste quadro a curto e médio prazo.
Para Velloso, "podem conseguir uma solução heroica este ano, com Refis, dividendos, receitas de concessões, mas se olharmos para a frente, num horizonte um pouco mais longo, ou se mexe no gasto ou se aumenta a receita, já que o PIB não está ajudando - com as dificuldades tradicionais de se mexer no gasto no Brasil, temo que o sinal seja de aumento da carga tributária".
Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 2/7/14, terça-feira.