A bolsa brasileira cai substancialmente nesta segunda-feira (5/8), ao mesmo tempo em que o real se desvaloriza e a curva de juros sobe. A razão principal, claro, é o impacto nos mercados globais da intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China.
No momento, há uma discussão animada sobre como reanimar a economia brasileira que, apesar de estável, cresce a um ritmo anual em torno de 1% e ainda tem 12,8 milhões de desocupados, ou 12% da força de trabalho.
Ao mesmo tempo em que surgem sinais tênues, porém, reais, de alguma melhora no mercado de trabalho e, aqui e ali, nos serviços e na indústria, debate-se se o governo deve buscar mais formas de impulsionar a demanda, além do programado novo ciclo de redução da Selic e da liberação já anunciada de recursos do FGTS.
É uma questão válida, mas a turbulência de hoje (5/8) nos mercados globais e seu impacto nos ativos nacionais são um claro sinal de que não há o menor sentido em adotar medidas que afetem, minimamente que seja, a percepção sobre a solvência pública brasileira.
Qualquer iniciativa de estímulo à demanda deve passar pelo crivo de ser absorvida de forma 100% tranquila pelos investidores e mercados, de forma a não comprometer em nada as credenciais de responsabilidade fiscal do governo brasileiro, duramente reconquistadas depois da folia da nova matriz econômica.
E a razão para isso é óbvia, e tem a ver inclusive com o objetivo de fazer a economia retomar um ritmo de crescimento razoável, de forma sustentada.
O nervosismo global de hoje puxa para cima, de forma direta, a curva de juros nacional, que é em última instância o determinante principal das condições financeiras mais ou menos favoráveis à expansão da atividade econômica doméstica.
Apesar dessa alta, os juros permanecem em níveis nominais e reais muito baixos para os padrões da história brasileira. Considerando-se que este é um momento relativamente intenso de "risk-off" (aversão a risco) nos mercados globais, pode-se dizer que a reação dos ativos brasileiros está dentro da normalidade.
Isso não acontece no vazio. A aprovação, em primeira votação na Câmara, de uma robusta reforma da Previdência, sinalizando forte correção do comportamento fiscal do governo e do sistema político nacional, indubitavelmente contribui para que a nau brasileira singre com menos solavancos ambientes internacionais mais desfavoráveis.
É verdade que as próprias perspectivas fiscais menos desoladoras no médio e longo prazo, com o bom encaminhamento da reforma da Previdência, criam mais flexibilidade para o curto prazo, e inclusive a possibilidade de se cogitar de modestas medidas de estímulo.
Mas não está claro que a melhor forma de usar o capital de credibilidade fiscal conquistado com a reforma da Previdência (que ainda precisa se consolidar com a aprovação final) seja gastá-lo imediatamente.
A lentíssima retomada após a recessão de 2014-2016 pode se dever em alguma parcela, como quer uma corrente de analistas, ao zelo contracionista, possivelmente excessivo num momento ou outro, das políticas monetária, fiscal e parafiscal nos últimos anos.
Mas isso, se for verdade, é apenas parte da história, e não a mais determinante.
A recessão de 2014-2016 marcou o fim não apenas de um longo ciclo financeiro - com toda a herança de alavancagem excessiva de famílias e empresas que caracteristicamente retarda a retomada na esteira deste tipo de fenômeno -; mas também o colapso de um ciclo de investimentos ruins ou até mesmo desastrosos puxados direta ou indiretamente pelo setor público; e finalmente, o esgotamento de um ciclo muito longo de expansão do gasto público acima do PIB potencial.
Todos esses elementos compõem o quadro de uma retomada necessariamente lenta e sofrida, processo que talvez - e é bom frisar este "talvez" - pudesse ter sido mitigado por iniciativas pontuais pela demanda aqui e acolá, mas jamais evitado.
Agora, quando o longo e difícil trabalho de colocar a casa fiscal, monetária e macroeconômica em ordem já está numa fase mais adiantada, surgem de novo sinais tênues de melhora, e num contexto menos suscetível a reversões agudas, como as ocorridas na virada de 2015 para 2016 e na temporada de estresse eleitoral do ano passado.
Não é o momento, portanto, para se deixar levar pela impaciência e pôr em risco o que já foi reconquistado. O sacolejo externo nas condições financeiras domésticas hoje e o grau não dramático em que isto está ocorrendo são um lembrete bem claro do muito que o Brasil ainda tem a ganhar ou a perder no front da responsabilidade fiscal e da solvência pública.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 5/8/19, segunda-feira