A equipe econômica do terceiro mandato de Lula está com mais cara de Lula 1 do que de Lula 2 ou Dilma 1. Mas a aposta de alguns de que poderia ser algo como o governo Temer, "uma agenda liberal com plumagem tucana", sempre foi equivocada.
Quem faz essa análise é Alexandre Manoel, sócio e economista-chefe da AZ Quest. Manoel tem "lugar de fala" para emitir essa opinião, pois participou da equipe econômica do Lula 1 em 2003-04, como coordenador geral de política fiscal na secretaria da Marcos Lisboa, o então secretário de Política Econômica do Ministro da Fazenda, Antônio Palocci.
Adicionalmente, Manoel ocupou cargos no Ministério da Fazenda de 2016 a 2020, nos governos Temer e Bolsonaro.
Assim como considera exagerado o alarme do mercado com a equipe econômica do Lula 3, o economista da AZ Quest também vê como forçada a ideia de que Bolsonaro e Paulo Guedes deixaram um mau legado econômico para seus sucessores.
"Foi um dos maiores ajustes das contas públicas da nossa história; mesmo em tempos difíceis de pandemia e guerra, o País está com dívida e despesa federal como proporção do PIB abaixo de 2018", ele diz.
Sobre Lula 3, um ponto inicial de Manoel é de que, apesar de muitas críticas, o presidente eleito está, sim, cumprindo os acordos de campanha na formação do Ministério, com nomeações como a de Marina Silva para a pasta do Meio Ambiente e de Simone Tebet para a do Planejamento.
O analista recorda que, no Lula 1, o Ministério do Planejamento foi para Guido Mantega, um heterodoxo de Campinas. Além disso, o Ministério do primeiro governo Lula tinha petistas "puro sangue" em pastas importantes como Dilma Rousseff (recém-filiada ao PT, na verdade) nas Minas e Energia, Olívio Dutra em Cidades e Humberto Costa na Saúde, entre outros.
O economista destacou esses três ministérios porque, justamente, no Lula 3 nenhum deles deve ficar com o PT.
Manoel observa que algumas escolhas de petistas no novo Ministério de Lula, como a de Camilo Santana na Educação, são difíceis de criticar, quando se leva em conta que o ministro nomeado chamou Izolda Cela, governadora do Ceará, para ser secretária-executiva da pasta.
Natural de Sobral, no Ceará, epicentro de uma das mais bem sucedidas histórias de educação básica no Brasil, Cela está intimamente ligada aos avanços nessa área naquela cidade e no Ceará, onde entre 2007 e 2014 foi secretária de Educação.
"Colocaram o suprassumo da educação básica, não é cota do PT político", comenta Manoel, que acrescenta que novas composições com os aliados ainda podem ser feitas nas escolhas do restante do Ministério de Lula.
Equipe econômica
Passando para a nova equipe econômica, o economista também vê muitos paralelismos com o time inicial do Lula 1
Ele destaca inicialmente a importância da secretaria de Reformas Econômicas, que será ocupada por Marcos Barbosa Pinto.
"É alguém de mercado, um cara de 'private equity', que foi sócio do Arminio Fraga e tem experiência no setor público em PPPs e concessões", avalia Manoel.
Ele observa que Marcos Lisboa, que tocou as reformas microeconômicas no primeiro mandato de Lula, quando foi nomeado "não era o Marcos Lisboa de hoje" - isto é, não tinha experiência de mercado nem de gestão.
Evidentemente, ressalva o economista da AZ Quest, o círculo restrito que conhecia Lisboa e seu brilho acadêmico à época apostou corretamente nele, e hoje Manoel o considera um quadro dos sonhos, ao qual daria preferência em relação aos escolhidos por Haddad.
Mas o seu ponto é que Barbosa Pinto tem tudo para ser visto como uma boa escolha pelo mercado, mas parece haver uma certa má vontade apenas por ter sido escolhido por Haddad.
Quanto a Guilherme Mello, heterodoxo de Campinas e secretário de Política Econômica de Haddad, a mesma função exercida por Lisboa no Lula 1, Manoel considera equivocado ver uma piora entre um ou outro, porque crê que, apesar do mesmo cargo, nada garante que terão papéis semelhantes nas duas gestões.
O economista da AZ Quest aponta que a Secretaria de Política Econômica não tem atribuições formais muito relevantes para além do discurso e das estimativas de parâmetros macroeconômicos (e mesmo nesse segundo caso o mercado olha mais para o Focus e as projeções do Banco Central).
O protagonismo de Lisboa de 2003 a 2005 derivou, na visão de Manoel, da sua elevada competência pessoal em participar da formulação e implementar uma vigorosa agenda de avanços microeconômicos. Esse papel de conduzir as reformas, na configuração da equipe de Haddad, deve recair em Barbosa Pinto, segundo o analista.
Manoel nota ainda que também a equipe de Palocci tinha um representante da Universidade de Campinas na figura de Otaviano Canuto, mas isso não imprimiu nenhuma direção particularmente heterodoxa à política econômica. Ele pensa que o caso pode ser o mesmo com Mello.
Também Joaquim Levy, quando ingressou como secretário do Tesouro no governo Lula no início de 2003, prossegue o analista, não era o Joaquim Levy de hoje. À época, ele ocupara cargos na Fazenda e Planejamento do governo FHC, mas abaixo do primeiro escalão.
Já Rogério Ceron, secretário do Tesouro escolhido por Haddad, passou pela prefeitura de Haddad em São Paulo como subsecretário do Tesouro e secretário de Finanças, tendo na bagagem o ajuste fiscal da cidade de São Paulo com elevação de rating, renegociação da dívida com a União e uma reforma tributária progressiva do IPTU que Manoel considera um feito político particularmente difícil e desgastante.
O analista aponta que, ao contrário de Arno Augustin, secretário de Tesouro de Dilma, Ceron não tem histórico de participação em governos subnacionais irresponsáveis fiscalmente, muito pelo contrário.
Inclusive, na opinião de analista, o histórico de Haddad como prefeito de São Paulo é mais sólido na gestão econômica do que o de Palocci em Ribeirão Preto.
Já o nomeado para a Receita Federal, Robson Barreirinhas, que foi secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura de São Paulo na gestão de Haddad, foi escolhido com vistas a uma parceria com Anelize Almeida, que será a titular da Procuradoria da Fazenda Nacional.
Segundo Manoel, Almeida é talvez a maior especialista em renúncias de receita no País atualmente, e faz todo o sentido atacar esse tema - que parece uma prioridade para Haddad - em sintonia com a Receita Federal.
Bernard Appy, o secretário especial para Reforma Tributária, finalmente, nem precisa ser defendido porque é visto de forma quase unânime, inclusive pelo mercado, como excelente nome para o posto.
Manoel observa que, em 2003, Appy se tornou o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, cargo que agora irá para Gabriel Galípolo. Para ele, comparativamente, Appy era relativamente desconhecido no início do governo Lula e não tinha uma experiência de executivo de banco, como Galípolo.
Já no BNDES, se hoje Aloizio Mercadante, nomeado como novo presidente, incomoda o mercado, o mesmo ocorreu (talvez até mais intensamente) com Carlos Lessa, que ocupou o cargo no Lula 1.
A ideia inquietante - que alguns atribuem a Mercadante e alguns nomes de sua equipe nomeada - de recuar na TLP, que acabou com os subsídios não orçamentários do BNDES, só vai à frente se for apoiada por Haddad no Conselho Monetário Nacional (CMN), lembra Manoel. E auxiliares com visão de mercado na equipe do novo ministro da Fazenda podem fazê-lo entender o retrocesso de mexer na TLP.
"Palocciar" ou "dilmar"?
Feita toda essa análise, Manoel ressalva que não está prevendo que Haddad vai "palocciar" ou "dilmar", mas apenas apontando que é cedo para afirmar que ele irá pelo segundo caminho.
O economista da AZ Quest considera que a PEC da Transição abriu um espaço para gastos adicionais maior do que o necessário para readequar o orçamento. Por outro lado, se houver reoneração do PIS-Cofins, o que deve representar um aumento de receita anual em torno de R$ 55 bilhões, a situação fica manejável de novo.
"Pelo que vimos até agora, não está escrito em pedra que vamos caminhar para um déficit primário de 2% do PIB em 2022; o novo governo tem espaço de manobra e livre arbítrio para obter um resultado bem melhor", ele resume.
Quanto ao novo arcabouço fiscal, Manoel pensa que Haddad pode até colocar no cardápio a recente proposta do Tesouro Nacional, que combina metas de dívida e despesa, e que inclusive contemplaria com um "bônus" (em termos de espaço fiscal) o novo governo se este estiver disposto a fazer um ajuste nos dois primeiros anos.
Para encerrar, Manoel menciona declarações recentes de Haddad de que a expansão fiscal não é adequada neste momento, e que o caminho para a melhora da atividade econômica é via BC, isto é, criar condições para que autoridade monetária possa dar início mais cedo a um ciclo de afrouxamento dos juros.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)