Economia e políticas públicas

Opinião|Mais da metade do MEI é "pejotização" disfarçada


Estudo da economista Bruna Alvarez, da EESP/FGV, indica que cenário contrafactual sem MEI é superior, em termos de bem-estar para a sociedade, que a situação atual, em que o programa existe.

Por Fernando Dantas

O programa do MEI (microempreendedor individual) no Brasil, criado em 2009 para melhorar a vida dos autônomos informais, parece estar na categoria dos remédios que trazem problemas iguais ou piores que a doença.

Recente trabalho da economista Bruna Alvarez, professora da graduação da EESP/FGV, mostra que mais da metade dos 9 milhões de MEI (o número é de 2019) não são microempreendedores, mas sim trabalham para empresas que preferiram contratá-los como MEI para reduzir custos trabalhistas - a chamada "pejotização" via MEI.

O estudo chega a esse resultado estimando um modelo de equilíbrio geral com dados brasileiros, que mostra ainda que diversos cenários contrafactuais, incluindo a não existência do MEI, levam a resultados de bem-estar superiores à atual realidade.

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"Se não existisse o MEI, as empresas produziriam mais e haveria maior arrecadação de impostos", disse Alvarez à coluna.

Um primeiro passo engenhoso do estudo da economista mostrou que áreas mais próximas de antenas 3G em 2009 - naquela época isso significava melhor acesso à internet, e, portanto, mais facilidade de se registrar como MEI -tiveram aumento de empresas criadas como MEI e redução de contratações pela CLT. O que é consistente com a hipótese de uso maciço do MEI como ferramenta de pejotização. 

A parte principal do trabalho, no entanto, é o modelo pelo qual os agentes podem escolher entre quatro tipos de arranjo: contratos tradicionais de trabalho (CLT), trabalho pejotizados via MEI, trabalho como microempreendedor como MEI (isto é, usando o programa como ele deveria ser usado) e empregador-dono de uma empresa de maior porte.

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A partir do modelo, estimado com dados brasileiros, a economista implementa quatro análises contrafactuais: inexistência do MEI, inexistência de pejotização, mais rigor no combate ao trabalho informal e custos tributários de contratar menores.

Em todos esses cenários alternativos à realidade, há uma melhora de bem-estar na sociedade em comparação à realidade, com maior produção e produtividade, mais emprego e mais arrecadação tributária. Segundo o trabalho, esses resultados derivam principalmente da expulsão do mercado de empresas improdutivas.

Alvarez explica que os resultados de inexistência de MEI, inexistência de pejotização e maior repressão à contratação informal têm bastante em comum. Nesses cenários, a maior parte dos trabalhadores opta por ser contratada pela CLT, o que aumenta o oferta de trabalho e diminui os salários. Com isso, as empresas contratam mais, produzem mais e acabam pagando mais impostos.

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O melhor cenário contrafactual, entretanto, é aquele de redução do custo dos impostos sobre a folha de pagamento. Nesse caso, as empresas aumentam a demanda por trabalhadores no regime da CLT, acrescentando a elevação de salários à lista de efeitos benéficos, como o aumento da produção. No caso da tributação, a sobre a folha naturalmente cai, mas aquela sobre a renda aumenta (a resultante aumenta também).

O economista Bráulio Borges (LCA e IBRE-FGV) aponta que o estudo de cenários contrafactuais por Alvarez, indicando que a desoneração da folha generalizada (e não setorial, como hoje) da folha é o melhor caminho, "conversa" de forma bem interessante com outro estudo recente, dos economistas Carlos Alba e Stephen McKnight, sobre "curvas de Laffer" em economias emergentes.

A curva de Laffer revela o ponto em que o aumento adicional da alíquota de um imposto passa a causar perda (e não ganho) de receita, pelo estímulo à evasão, elisão e informalização. O estudo de Alba e McKnight calcula curvas de Laffer efetivas para tributos em economias emergentes. E uma das suas conclusões é de que o Brasil poderia aumentar a arrecadação tributária se reduzisse a carga legal sobre a folha de pagamentos (o efeito seria via estímulo à formalização pela menor carga).

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Alvarez, da EESP, também participou de pesquisa sobre o Simples, outro dispositivo brasileiro com objetivo de simplificação e desoneração tributária de empresas para estimular a formalidade.

O resultado encontrado foi de que o Simples de fato contribuiu para a formalização, pela diluição dos custos da formalidade para a empresa, mas houve um efeito negativo, maior que o positivo, de empresas que produzem e contratam menos do que podem, para se manter no limite do Simples. De novo, o remédio pode estar sendo pior que a doença.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 17/1/2024, quarta-feira.

O programa do MEI (microempreendedor individual) no Brasil, criado em 2009 para melhorar a vida dos autônomos informais, parece estar na categoria dos remédios que trazem problemas iguais ou piores que a doença.

Recente trabalho da economista Bruna Alvarez, professora da graduação da EESP/FGV, mostra que mais da metade dos 9 milhões de MEI (o número é de 2019) não são microempreendedores, mas sim trabalham para empresas que preferiram contratá-los como MEI para reduzir custos trabalhistas - a chamada "pejotização" via MEI.

O estudo chega a esse resultado estimando um modelo de equilíbrio geral com dados brasileiros, que mostra ainda que diversos cenários contrafactuais, incluindo a não existência do MEI, levam a resultados de bem-estar superiores à atual realidade.

"Se não existisse o MEI, as empresas produziriam mais e haveria maior arrecadação de impostos", disse Alvarez à coluna.

Um primeiro passo engenhoso do estudo da economista mostrou que áreas mais próximas de antenas 3G em 2009 - naquela época isso significava melhor acesso à internet, e, portanto, mais facilidade de se registrar como MEI -tiveram aumento de empresas criadas como MEI e redução de contratações pela CLT. O que é consistente com a hipótese de uso maciço do MEI como ferramenta de pejotização. 

A parte principal do trabalho, no entanto, é o modelo pelo qual os agentes podem escolher entre quatro tipos de arranjo: contratos tradicionais de trabalho (CLT), trabalho pejotizados via MEI, trabalho como microempreendedor como MEI (isto é, usando o programa como ele deveria ser usado) e empregador-dono de uma empresa de maior porte.

A partir do modelo, estimado com dados brasileiros, a economista implementa quatro análises contrafactuais: inexistência do MEI, inexistência de pejotização, mais rigor no combate ao trabalho informal e custos tributários de contratar menores.

Em todos esses cenários alternativos à realidade, há uma melhora de bem-estar na sociedade em comparação à realidade, com maior produção e produtividade, mais emprego e mais arrecadação tributária. Segundo o trabalho, esses resultados derivam principalmente da expulsão do mercado de empresas improdutivas.

Alvarez explica que os resultados de inexistência de MEI, inexistência de pejotização e maior repressão à contratação informal têm bastante em comum. Nesses cenários, a maior parte dos trabalhadores opta por ser contratada pela CLT, o que aumenta o oferta de trabalho e diminui os salários. Com isso, as empresas contratam mais, produzem mais e acabam pagando mais impostos.

O melhor cenário contrafactual, entretanto, é aquele de redução do custo dos impostos sobre a folha de pagamento. Nesse caso, as empresas aumentam a demanda por trabalhadores no regime da CLT, acrescentando a elevação de salários à lista de efeitos benéficos, como o aumento da produção. No caso da tributação, a sobre a folha naturalmente cai, mas aquela sobre a renda aumenta (a resultante aumenta também).

O economista Bráulio Borges (LCA e IBRE-FGV) aponta que o estudo de cenários contrafactuais por Alvarez, indicando que a desoneração da folha generalizada (e não setorial, como hoje) da folha é o melhor caminho, "conversa" de forma bem interessante com outro estudo recente, dos economistas Carlos Alba e Stephen McKnight, sobre "curvas de Laffer" em economias emergentes.

A curva de Laffer revela o ponto em que o aumento adicional da alíquota de um imposto passa a causar perda (e não ganho) de receita, pelo estímulo à evasão, elisão e informalização. O estudo de Alba e McKnight calcula curvas de Laffer efetivas para tributos em economias emergentes. E uma das suas conclusões é de que o Brasil poderia aumentar a arrecadação tributária se reduzisse a carga legal sobre a folha de pagamentos (o efeito seria via estímulo à formalização pela menor carga).

Alvarez, da EESP, também participou de pesquisa sobre o Simples, outro dispositivo brasileiro com objetivo de simplificação e desoneração tributária de empresas para estimular a formalidade.

O resultado encontrado foi de que o Simples de fato contribuiu para a formalização, pela diluição dos custos da formalidade para a empresa, mas houve um efeito negativo, maior que o positivo, de empresas que produzem e contratam menos do que podem, para se manter no limite do Simples. De novo, o remédio pode estar sendo pior que a doença.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 17/1/2024, quarta-feira.

O programa do MEI (microempreendedor individual) no Brasil, criado em 2009 para melhorar a vida dos autônomos informais, parece estar na categoria dos remédios que trazem problemas iguais ou piores que a doença.

Recente trabalho da economista Bruna Alvarez, professora da graduação da EESP/FGV, mostra que mais da metade dos 9 milhões de MEI (o número é de 2019) não são microempreendedores, mas sim trabalham para empresas que preferiram contratá-los como MEI para reduzir custos trabalhistas - a chamada "pejotização" via MEI.

O estudo chega a esse resultado estimando um modelo de equilíbrio geral com dados brasileiros, que mostra ainda que diversos cenários contrafactuais, incluindo a não existência do MEI, levam a resultados de bem-estar superiores à atual realidade.

"Se não existisse o MEI, as empresas produziriam mais e haveria maior arrecadação de impostos", disse Alvarez à coluna.

Um primeiro passo engenhoso do estudo da economista mostrou que áreas mais próximas de antenas 3G em 2009 - naquela época isso significava melhor acesso à internet, e, portanto, mais facilidade de se registrar como MEI -tiveram aumento de empresas criadas como MEI e redução de contratações pela CLT. O que é consistente com a hipótese de uso maciço do MEI como ferramenta de pejotização. 

A parte principal do trabalho, no entanto, é o modelo pelo qual os agentes podem escolher entre quatro tipos de arranjo: contratos tradicionais de trabalho (CLT), trabalho pejotizados via MEI, trabalho como microempreendedor como MEI (isto é, usando o programa como ele deveria ser usado) e empregador-dono de uma empresa de maior porte.

A partir do modelo, estimado com dados brasileiros, a economista implementa quatro análises contrafactuais: inexistência do MEI, inexistência de pejotização, mais rigor no combate ao trabalho informal e custos tributários de contratar menores.

Em todos esses cenários alternativos à realidade, há uma melhora de bem-estar na sociedade em comparação à realidade, com maior produção e produtividade, mais emprego e mais arrecadação tributária. Segundo o trabalho, esses resultados derivam principalmente da expulsão do mercado de empresas improdutivas.

Alvarez explica que os resultados de inexistência de MEI, inexistência de pejotização e maior repressão à contratação informal têm bastante em comum. Nesses cenários, a maior parte dos trabalhadores opta por ser contratada pela CLT, o que aumenta o oferta de trabalho e diminui os salários. Com isso, as empresas contratam mais, produzem mais e acabam pagando mais impostos.

O melhor cenário contrafactual, entretanto, é aquele de redução do custo dos impostos sobre a folha de pagamento. Nesse caso, as empresas aumentam a demanda por trabalhadores no regime da CLT, acrescentando a elevação de salários à lista de efeitos benéficos, como o aumento da produção. No caso da tributação, a sobre a folha naturalmente cai, mas aquela sobre a renda aumenta (a resultante aumenta também).

O economista Bráulio Borges (LCA e IBRE-FGV) aponta que o estudo de cenários contrafactuais por Alvarez, indicando que a desoneração da folha generalizada (e não setorial, como hoje) da folha é o melhor caminho, "conversa" de forma bem interessante com outro estudo recente, dos economistas Carlos Alba e Stephen McKnight, sobre "curvas de Laffer" em economias emergentes.

A curva de Laffer revela o ponto em que o aumento adicional da alíquota de um imposto passa a causar perda (e não ganho) de receita, pelo estímulo à evasão, elisão e informalização. O estudo de Alba e McKnight calcula curvas de Laffer efetivas para tributos em economias emergentes. E uma das suas conclusões é de que o Brasil poderia aumentar a arrecadação tributária se reduzisse a carga legal sobre a folha de pagamentos (o efeito seria via estímulo à formalização pela menor carga).

Alvarez, da EESP, também participou de pesquisa sobre o Simples, outro dispositivo brasileiro com objetivo de simplificação e desoneração tributária de empresas para estimular a formalidade.

O resultado encontrado foi de que o Simples de fato contribuiu para a formalização, pela diluição dos custos da formalidade para a empresa, mas houve um efeito negativo, maior que o positivo, de empresas que produzem e contratam menos do que podem, para se manter no limite do Simples. De novo, o remédio pode estar sendo pior que a doença.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 17/1/2024, quarta-feira.

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