Economia e políticas públicas

Opinião|Manter ou aumentar a meta, eis a questão


No mercado, já há corrente que prevê (o que não significa concordar) que meta de inflação será aumentada em junho. Defensores e adversários da ideia travam discussão que deve esquentar.

Por Fernando Dantas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reabriu a discussão sobre a trajetória e o ponto final das metas de inflação no Brasil. Ele fez isso quando, em recente entrevista, sinalizou preferir a meta de 4,5%, que vigorou em boa parte do seu governo e no de Dilma Rousseff, à atual trajetória, que chega a 3% em 2024 e 2025- e, na visão convencional, ficaria por aí, já que esse é visto como um nível típico para meta de inflação de país emergente.

Segundo algumas análises, a possibilidade de aumento da meta de inflação já está jogando para cima as expectativas inflacionárias de longo prazo, com destaque para 2025 e 2026.

Se for seguido o procedimento padrão dos últimos anos, em junho o Conselho Monetário Nacional (CMN) anuncia a meta de 2026, e até há pouco tempo se esperava que ficasse no mesmo nível de 3% de 2024 e 2025. Mas agora alguns observadores acham que o anúncio pode ser diferente, com uma meta maior, inclusive com a possibilidade de que valesse também para 2024 e 2025 (que teriam que ser modificadas).

continua após a publicidade

No início de dezembro, as medianas das expectativas de mercado (do sistema Focus do Banco Central) do IPCA, índice oficial da meta, estava praticamente cravada nos 3% para 2024 e 2025 (neste segundo caso, era de 3,01%). Mas elas vieram subindo, e hoje estão em respectivamente 3,5% e 3,47%.

Alguns analistas consideram que as críticas de Lula à autonomia formal do Banco Central e à atual trajetória de metas está por trás da elevação das expectativas de inflação de longo prazo. Como se o mercado, ou parte expressiva dele, já começasse a supor que as metas a partir de 2024 serão aumentadas, e também perdesse confiança na qualidade da política monetária.

Em recente artigo do jornal Valor Econômico, os economistas Bráulio Borges (LCA e FGV-IBRE) e Ricardo Barboza (BNDES e FGV-IBRE) defenderam o aumento da meta de inflação no Brasil, possivelmente para o nível de 4%.

continua após a publicidade

De forma resumida e simplificada, despontam no debate público sobre o tema alguns argumentos a favor da elevação da meta (os economistas Sergio Werlang e Aloisio Araújo, da FGV, já endossaram publicamente alguns deles) .

No Brasil, o quadro fiscal é desarrumado de forma "rígida", isto é, travas políticas, jurídicas e institucionais impedem qualquer arrumação das contas públicas que não seja extremamente gradativa. Além da bagunça fiscal ser algo que atrapalha em si o combate inflacionário, uma inflação um pouco mais alta (permitida por uma meta um pouco mais alta) seria uma forma de corroer gradativamente o valor das despesas obrigatórias rígidas do orçamento.

Além disso, há muito peso de alimentos, altamente voláteis, no IPCA e o índice não tem nenhuma correção para o fenômeno de que a cesta básica efetiva da população muda quando há elevação ou queda muito expressiva de determinados itens. Em outras palavras, um item que sobe muito se torna menos consumido, e deveria representar uma parcela menor da cesta do IPCA  - e vice-versa. Mas isso não ocorre metodologicamente.

continua após a publicidade

Adicionalmente, como apontam Borges e Barboza, uma atualização mais geral das ponderações dos itens da cesta do IPCA, para incorporar novas Pesquisas de Orçamento Familiar (POF), só ocorre em média a cada sete anos.

Os opositores de mudanças na meta de inflação, como Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners, empresa de gestão de patrimônio, geralmente separam a discussão acadêmica sobre a meta ideal, seja para países avançados ou emergentes, do timing do debate no Brasil.

A visão é que fazer essa discussão agora é muito ruim, porque a ela se somam as críticas de Lula (e que se sabe são bastante comuns no PT) à autonomia formal do Banco Central e a programada substituição gradual de toda a diretoria do BC, incluindo o presidente Roberto Campos Neto) até 2025. Juntos, esses fatos estariam criando incerteza, fazendo as expectativas inflacionárias de longo prazo se descolarem, pressionando os juros e tornando mais difícil o trabalho do BC de desinflacionar a economia brasileira. A visão dessa corrente é de que, no final das contas, com um eventual aumento da meta, vai se colher mais inflação e mais juros, e menos crescimento.

continua após a publicidade

Já os defensores da elevação das metas veem um ganho de curto prazo no fato de que o BC precisaria de menos juros reais para levar a inflação atual para 4% (digamos) do que para 3% ao longo dos próximos anos. E, no médio e longo prazo, pelas razões citadas na coluna, julgam uma meta mais elevada do que 3% melhor para a economia.

Os dois lados do debate exibem argumentos afiados ou engenhosos. Borges, por exemplo, rebate a crítica de que a possibilidade de mudança da meta teria desancorado as expectativas de longo prazo. Ele argumenta que, se a projeção mediana inflação de 2025 e 2026 subiu porque se aposta em aumento da meta, isso não significa perda de credibilidade - a meta ainda estaria guiando a expectativa. Ele acrescenta que o ajuste para cima da expectativa da inflação foi acompanhado de um ajuste igual da expectativa da Selic, projetando o mesmo juro real, em sinal de que não houve perda de credibilidade.

Já um gestor contrário à mudança das metas aponta o fato de que essa discussão nos países avançados - que por vezes é usada para justificar o debate sobre mudança de meta no Brasil - se dá pela necessidade de elevar os juros. Isto é, o objetivo seria criar espaço para que reduções de juro abaixo do nível neutro se aprofundassem mais no terreno negativo em termos reais, ante de baterem no piso de zero nominal.

continua após a publicidade

Com uma inflação de 2% e juro real neutro de 0,5%, o máximo que levar a taxa básica para zero traz de estímulo é 1,5 ponto porcentual. Para ir além disso, são precisos expedientes complicados e custosos como juro básico nominal negativo ou afrouxamento quantitativo. Uma inflação maior permitiria mais espaço para estímulo monetário antes de se esbarrar na barreira de juro nominal zero.

No Brasil, aponta o gestor, os proponentes do aumento da meta visam o objetivo oposto, que é o de reduzir os juros. Assim, seria um contrassenso achar que a discussão sobre aumento da meta nos países ricos é replicável num emergente como o Brasil.

Kawall acrescenta que, no mundo avançado, parte expressiva dos defensores de aumento da meta reconhecem que o momento atual de alta inflação seria inadequado para a mudança, porque esta poderia atrapalhar o trabalho dos BCs. A visão é de que a âncora das metas  é justamente o que está segurando as expectativas de inflação em prazos mais longos, mesmo com a disparada inflacionária no momento presente.

continua após a publicidade

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 25/1/2023, quarta-feira.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reabriu a discussão sobre a trajetória e o ponto final das metas de inflação no Brasil. Ele fez isso quando, em recente entrevista, sinalizou preferir a meta de 4,5%, que vigorou em boa parte do seu governo e no de Dilma Rousseff, à atual trajetória, que chega a 3% em 2024 e 2025- e, na visão convencional, ficaria por aí, já que esse é visto como um nível típico para meta de inflação de país emergente.

Segundo algumas análises, a possibilidade de aumento da meta de inflação já está jogando para cima as expectativas inflacionárias de longo prazo, com destaque para 2025 e 2026.

Se for seguido o procedimento padrão dos últimos anos, em junho o Conselho Monetário Nacional (CMN) anuncia a meta de 2026, e até há pouco tempo se esperava que ficasse no mesmo nível de 3% de 2024 e 2025. Mas agora alguns observadores acham que o anúncio pode ser diferente, com uma meta maior, inclusive com a possibilidade de que valesse também para 2024 e 2025 (que teriam que ser modificadas).

No início de dezembro, as medianas das expectativas de mercado (do sistema Focus do Banco Central) do IPCA, índice oficial da meta, estava praticamente cravada nos 3% para 2024 e 2025 (neste segundo caso, era de 3,01%). Mas elas vieram subindo, e hoje estão em respectivamente 3,5% e 3,47%.

Alguns analistas consideram que as críticas de Lula à autonomia formal do Banco Central e à atual trajetória de metas está por trás da elevação das expectativas de inflação de longo prazo. Como se o mercado, ou parte expressiva dele, já começasse a supor que as metas a partir de 2024 serão aumentadas, e também perdesse confiança na qualidade da política monetária.

Em recente artigo do jornal Valor Econômico, os economistas Bráulio Borges (LCA e FGV-IBRE) e Ricardo Barboza (BNDES e FGV-IBRE) defenderam o aumento da meta de inflação no Brasil, possivelmente para o nível de 4%.

De forma resumida e simplificada, despontam no debate público sobre o tema alguns argumentos a favor da elevação da meta (os economistas Sergio Werlang e Aloisio Araújo, da FGV, já endossaram publicamente alguns deles) .

No Brasil, o quadro fiscal é desarrumado de forma "rígida", isto é, travas políticas, jurídicas e institucionais impedem qualquer arrumação das contas públicas que não seja extremamente gradativa. Além da bagunça fiscal ser algo que atrapalha em si o combate inflacionário, uma inflação um pouco mais alta (permitida por uma meta um pouco mais alta) seria uma forma de corroer gradativamente o valor das despesas obrigatórias rígidas do orçamento.

Além disso, há muito peso de alimentos, altamente voláteis, no IPCA e o índice não tem nenhuma correção para o fenômeno de que a cesta básica efetiva da população muda quando há elevação ou queda muito expressiva de determinados itens. Em outras palavras, um item que sobe muito se torna menos consumido, e deveria representar uma parcela menor da cesta do IPCA  - e vice-versa. Mas isso não ocorre metodologicamente.

Adicionalmente, como apontam Borges e Barboza, uma atualização mais geral das ponderações dos itens da cesta do IPCA, para incorporar novas Pesquisas de Orçamento Familiar (POF), só ocorre em média a cada sete anos.

Os opositores de mudanças na meta de inflação, como Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners, empresa de gestão de patrimônio, geralmente separam a discussão acadêmica sobre a meta ideal, seja para países avançados ou emergentes, do timing do debate no Brasil.

A visão é que fazer essa discussão agora é muito ruim, porque a ela se somam as críticas de Lula (e que se sabe são bastante comuns no PT) à autonomia formal do Banco Central e a programada substituição gradual de toda a diretoria do BC, incluindo o presidente Roberto Campos Neto) até 2025. Juntos, esses fatos estariam criando incerteza, fazendo as expectativas inflacionárias de longo prazo se descolarem, pressionando os juros e tornando mais difícil o trabalho do BC de desinflacionar a economia brasileira. A visão dessa corrente é de que, no final das contas, com um eventual aumento da meta, vai se colher mais inflação e mais juros, e menos crescimento.

Já os defensores da elevação das metas veem um ganho de curto prazo no fato de que o BC precisaria de menos juros reais para levar a inflação atual para 4% (digamos) do que para 3% ao longo dos próximos anos. E, no médio e longo prazo, pelas razões citadas na coluna, julgam uma meta mais elevada do que 3% melhor para a economia.

Os dois lados do debate exibem argumentos afiados ou engenhosos. Borges, por exemplo, rebate a crítica de que a possibilidade de mudança da meta teria desancorado as expectativas de longo prazo. Ele argumenta que, se a projeção mediana inflação de 2025 e 2026 subiu porque se aposta em aumento da meta, isso não significa perda de credibilidade - a meta ainda estaria guiando a expectativa. Ele acrescenta que o ajuste para cima da expectativa da inflação foi acompanhado de um ajuste igual da expectativa da Selic, projetando o mesmo juro real, em sinal de que não houve perda de credibilidade.

Já um gestor contrário à mudança das metas aponta o fato de que essa discussão nos países avançados - que por vezes é usada para justificar o debate sobre mudança de meta no Brasil - se dá pela necessidade de elevar os juros. Isto é, o objetivo seria criar espaço para que reduções de juro abaixo do nível neutro se aprofundassem mais no terreno negativo em termos reais, ante de baterem no piso de zero nominal.

Com uma inflação de 2% e juro real neutro de 0,5%, o máximo que levar a taxa básica para zero traz de estímulo é 1,5 ponto porcentual. Para ir além disso, são precisos expedientes complicados e custosos como juro básico nominal negativo ou afrouxamento quantitativo. Uma inflação maior permitiria mais espaço para estímulo monetário antes de se esbarrar na barreira de juro nominal zero.

No Brasil, aponta o gestor, os proponentes do aumento da meta visam o objetivo oposto, que é o de reduzir os juros. Assim, seria um contrassenso achar que a discussão sobre aumento da meta nos países ricos é replicável num emergente como o Brasil.

Kawall acrescenta que, no mundo avançado, parte expressiva dos defensores de aumento da meta reconhecem que o momento atual de alta inflação seria inadequado para a mudança, porque esta poderia atrapalhar o trabalho dos BCs. A visão é de que a âncora das metas  é justamente o que está segurando as expectativas de inflação em prazos mais longos, mesmo com a disparada inflacionária no momento presente.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 25/1/2023, quarta-feira.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reabriu a discussão sobre a trajetória e o ponto final das metas de inflação no Brasil. Ele fez isso quando, em recente entrevista, sinalizou preferir a meta de 4,5%, que vigorou em boa parte do seu governo e no de Dilma Rousseff, à atual trajetória, que chega a 3% em 2024 e 2025- e, na visão convencional, ficaria por aí, já que esse é visto como um nível típico para meta de inflação de país emergente.

Segundo algumas análises, a possibilidade de aumento da meta de inflação já está jogando para cima as expectativas inflacionárias de longo prazo, com destaque para 2025 e 2026.

Se for seguido o procedimento padrão dos últimos anos, em junho o Conselho Monetário Nacional (CMN) anuncia a meta de 2026, e até há pouco tempo se esperava que ficasse no mesmo nível de 3% de 2024 e 2025. Mas agora alguns observadores acham que o anúncio pode ser diferente, com uma meta maior, inclusive com a possibilidade de que valesse também para 2024 e 2025 (que teriam que ser modificadas).

No início de dezembro, as medianas das expectativas de mercado (do sistema Focus do Banco Central) do IPCA, índice oficial da meta, estava praticamente cravada nos 3% para 2024 e 2025 (neste segundo caso, era de 3,01%). Mas elas vieram subindo, e hoje estão em respectivamente 3,5% e 3,47%.

Alguns analistas consideram que as críticas de Lula à autonomia formal do Banco Central e à atual trajetória de metas está por trás da elevação das expectativas de inflação de longo prazo. Como se o mercado, ou parte expressiva dele, já começasse a supor que as metas a partir de 2024 serão aumentadas, e também perdesse confiança na qualidade da política monetária.

Em recente artigo do jornal Valor Econômico, os economistas Bráulio Borges (LCA e FGV-IBRE) e Ricardo Barboza (BNDES e FGV-IBRE) defenderam o aumento da meta de inflação no Brasil, possivelmente para o nível de 4%.

De forma resumida e simplificada, despontam no debate público sobre o tema alguns argumentos a favor da elevação da meta (os economistas Sergio Werlang e Aloisio Araújo, da FGV, já endossaram publicamente alguns deles) .

No Brasil, o quadro fiscal é desarrumado de forma "rígida", isto é, travas políticas, jurídicas e institucionais impedem qualquer arrumação das contas públicas que não seja extremamente gradativa. Além da bagunça fiscal ser algo que atrapalha em si o combate inflacionário, uma inflação um pouco mais alta (permitida por uma meta um pouco mais alta) seria uma forma de corroer gradativamente o valor das despesas obrigatórias rígidas do orçamento.

Além disso, há muito peso de alimentos, altamente voláteis, no IPCA e o índice não tem nenhuma correção para o fenômeno de que a cesta básica efetiva da população muda quando há elevação ou queda muito expressiva de determinados itens. Em outras palavras, um item que sobe muito se torna menos consumido, e deveria representar uma parcela menor da cesta do IPCA  - e vice-versa. Mas isso não ocorre metodologicamente.

Adicionalmente, como apontam Borges e Barboza, uma atualização mais geral das ponderações dos itens da cesta do IPCA, para incorporar novas Pesquisas de Orçamento Familiar (POF), só ocorre em média a cada sete anos.

Os opositores de mudanças na meta de inflação, como Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners, empresa de gestão de patrimônio, geralmente separam a discussão acadêmica sobre a meta ideal, seja para países avançados ou emergentes, do timing do debate no Brasil.

A visão é que fazer essa discussão agora é muito ruim, porque a ela se somam as críticas de Lula (e que se sabe são bastante comuns no PT) à autonomia formal do Banco Central e a programada substituição gradual de toda a diretoria do BC, incluindo o presidente Roberto Campos Neto) até 2025. Juntos, esses fatos estariam criando incerteza, fazendo as expectativas inflacionárias de longo prazo se descolarem, pressionando os juros e tornando mais difícil o trabalho do BC de desinflacionar a economia brasileira. A visão dessa corrente é de que, no final das contas, com um eventual aumento da meta, vai se colher mais inflação e mais juros, e menos crescimento.

Já os defensores da elevação das metas veem um ganho de curto prazo no fato de que o BC precisaria de menos juros reais para levar a inflação atual para 4% (digamos) do que para 3% ao longo dos próximos anos. E, no médio e longo prazo, pelas razões citadas na coluna, julgam uma meta mais elevada do que 3% melhor para a economia.

Os dois lados do debate exibem argumentos afiados ou engenhosos. Borges, por exemplo, rebate a crítica de que a possibilidade de mudança da meta teria desancorado as expectativas de longo prazo. Ele argumenta que, se a projeção mediana inflação de 2025 e 2026 subiu porque se aposta em aumento da meta, isso não significa perda de credibilidade - a meta ainda estaria guiando a expectativa. Ele acrescenta que o ajuste para cima da expectativa da inflação foi acompanhado de um ajuste igual da expectativa da Selic, projetando o mesmo juro real, em sinal de que não houve perda de credibilidade.

Já um gestor contrário à mudança das metas aponta o fato de que essa discussão nos países avançados - que por vezes é usada para justificar o debate sobre mudança de meta no Brasil - se dá pela necessidade de elevar os juros. Isto é, o objetivo seria criar espaço para que reduções de juro abaixo do nível neutro se aprofundassem mais no terreno negativo em termos reais, ante de baterem no piso de zero nominal.

Com uma inflação de 2% e juro real neutro de 0,5%, o máximo que levar a taxa básica para zero traz de estímulo é 1,5 ponto porcentual. Para ir além disso, são precisos expedientes complicados e custosos como juro básico nominal negativo ou afrouxamento quantitativo. Uma inflação maior permitiria mais espaço para estímulo monetário antes de se esbarrar na barreira de juro nominal zero.

No Brasil, aponta o gestor, os proponentes do aumento da meta visam o objetivo oposto, que é o de reduzir os juros. Assim, seria um contrassenso achar que a discussão sobre aumento da meta nos países ricos é replicável num emergente como o Brasil.

Kawall acrescenta que, no mundo avançado, parte expressiva dos defensores de aumento da meta reconhecem que o momento atual de alta inflação seria inadequado para a mudança, porque esta poderia atrapalhar o trabalho dos BCs. A visão é de que a âncora das metas  é justamente o que está segurando as expectativas de inflação em prazos mais longos, mesmo com a disparada inflacionária no momento presente.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 25/1/2023, quarta-feira.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reabriu a discussão sobre a trajetória e o ponto final das metas de inflação no Brasil. Ele fez isso quando, em recente entrevista, sinalizou preferir a meta de 4,5%, que vigorou em boa parte do seu governo e no de Dilma Rousseff, à atual trajetória, que chega a 3% em 2024 e 2025- e, na visão convencional, ficaria por aí, já que esse é visto como um nível típico para meta de inflação de país emergente.

Segundo algumas análises, a possibilidade de aumento da meta de inflação já está jogando para cima as expectativas inflacionárias de longo prazo, com destaque para 2025 e 2026.

Se for seguido o procedimento padrão dos últimos anos, em junho o Conselho Monetário Nacional (CMN) anuncia a meta de 2026, e até há pouco tempo se esperava que ficasse no mesmo nível de 3% de 2024 e 2025. Mas agora alguns observadores acham que o anúncio pode ser diferente, com uma meta maior, inclusive com a possibilidade de que valesse também para 2024 e 2025 (que teriam que ser modificadas).

No início de dezembro, as medianas das expectativas de mercado (do sistema Focus do Banco Central) do IPCA, índice oficial da meta, estava praticamente cravada nos 3% para 2024 e 2025 (neste segundo caso, era de 3,01%). Mas elas vieram subindo, e hoje estão em respectivamente 3,5% e 3,47%.

Alguns analistas consideram que as críticas de Lula à autonomia formal do Banco Central e à atual trajetória de metas está por trás da elevação das expectativas de inflação de longo prazo. Como se o mercado, ou parte expressiva dele, já começasse a supor que as metas a partir de 2024 serão aumentadas, e também perdesse confiança na qualidade da política monetária.

Em recente artigo do jornal Valor Econômico, os economistas Bráulio Borges (LCA e FGV-IBRE) e Ricardo Barboza (BNDES e FGV-IBRE) defenderam o aumento da meta de inflação no Brasil, possivelmente para o nível de 4%.

De forma resumida e simplificada, despontam no debate público sobre o tema alguns argumentos a favor da elevação da meta (os economistas Sergio Werlang e Aloisio Araújo, da FGV, já endossaram publicamente alguns deles) .

No Brasil, o quadro fiscal é desarrumado de forma "rígida", isto é, travas políticas, jurídicas e institucionais impedem qualquer arrumação das contas públicas que não seja extremamente gradativa. Além da bagunça fiscal ser algo que atrapalha em si o combate inflacionário, uma inflação um pouco mais alta (permitida por uma meta um pouco mais alta) seria uma forma de corroer gradativamente o valor das despesas obrigatórias rígidas do orçamento.

Além disso, há muito peso de alimentos, altamente voláteis, no IPCA e o índice não tem nenhuma correção para o fenômeno de que a cesta básica efetiva da população muda quando há elevação ou queda muito expressiva de determinados itens. Em outras palavras, um item que sobe muito se torna menos consumido, e deveria representar uma parcela menor da cesta do IPCA  - e vice-versa. Mas isso não ocorre metodologicamente.

Adicionalmente, como apontam Borges e Barboza, uma atualização mais geral das ponderações dos itens da cesta do IPCA, para incorporar novas Pesquisas de Orçamento Familiar (POF), só ocorre em média a cada sete anos.

Os opositores de mudanças na meta de inflação, como Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners, empresa de gestão de patrimônio, geralmente separam a discussão acadêmica sobre a meta ideal, seja para países avançados ou emergentes, do timing do debate no Brasil.

A visão é que fazer essa discussão agora é muito ruim, porque a ela se somam as críticas de Lula (e que se sabe são bastante comuns no PT) à autonomia formal do Banco Central e a programada substituição gradual de toda a diretoria do BC, incluindo o presidente Roberto Campos Neto) até 2025. Juntos, esses fatos estariam criando incerteza, fazendo as expectativas inflacionárias de longo prazo se descolarem, pressionando os juros e tornando mais difícil o trabalho do BC de desinflacionar a economia brasileira. A visão dessa corrente é de que, no final das contas, com um eventual aumento da meta, vai se colher mais inflação e mais juros, e menos crescimento.

Já os defensores da elevação das metas veem um ganho de curto prazo no fato de que o BC precisaria de menos juros reais para levar a inflação atual para 4% (digamos) do que para 3% ao longo dos próximos anos. E, no médio e longo prazo, pelas razões citadas na coluna, julgam uma meta mais elevada do que 3% melhor para a economia.

Os dois lados do debate exibem argumentos afiados ou engenhosos. Borges, por exemplo, rebate a crítica de que a possibilidade de mudança da meta teria desancorado as expectativas de longo prazo. Ele argumenta que, se a projeção mediana inflação de 2025 e 2026 subiu porque se aposta em aumento da meta, isso não significa perda de credibilidade - a meta ainda estaria guiando a expectativa. Ele acrescenta que o ajuste para cima da expectativa da inflação foi acompanhado de um ajuste igual da expectativa da Selic, projetando o mesmo juro real, em sinal de que não houve perda de credibilidade.

Já um gestor contrário à mudança das metas aponta o fato de que essa discussão nos países avançados - que por vezes é usada para justificar o debate sobre mudança de meta no Brasil - se dá pela necessidade de elevar os juros. Isto é, o objetivo seria criar espaço para que reduções de juro abaixo do nível neutro se aprofundassem mais no terreno negativo em termos reais, ante de baterem no piso de zero nominal.

Com uma inflação de 2% e juro real neutro de 0,5%, o máximo que levar a taxa básica para zero traz de estímulo é 1,5 ponto porcentual. Para ir além disso, são precisos expedientes complicados e custosos como juro básico nominal negativo ou afrouxamento quantitativo. Uma inflação maior permitiria mais espaço para estímulo monetário antes de se esbarrar na barreira de juro nominal zero.

No Brasil, aponta o gestor, os proponentes do aumento da meta visam o objetivo oposto, que é o de reduzir os juros. Assim, seria um contrassenso achar que a discussão sobre aumento da meta nos países ricos é replicável num emergente como o Brasil.

Kawall acrescenta que, no mundo avançado, parte expressiva dos defensores de aumento da meta reconhecem que o momento atual de alta inflação seria inadequado para a mudança, porque esta poderia atrapalhar o trabalho dos BCs. A visão é de que a âncora das metas  é justamente o que está segurando as expectativas de inflação em prazos mais longos, mesmo com a disparada inflacionária no momento presente.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 25/1/2023, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.