Economia e políticas públicas

Opinião|Milagre não é chinês, é asiático


Estudo mostra que enriquecimento vertiginoso da China foi igual em velocidade e intensidade a de países como Japão, Coreia do Sul e Taiwan. E pode estar acabando.

Por Fernando Dantas

O milagre econômico chinês (apesar dos problemas recentes) é tão espetacular que leva muitos analistas a apontar o país como possível modelo para o restante do mundo emergente. A China saiu de uma renda per capita equivalente a 2% da norte-americana no início da década de 80% para quase 6% em meados da década de 90 e algo entre 25% a 30% nos últimos anos.

Como base de comparação, enquanto a China saía de 2% para quase 30% da renda per capita norte-americana, de 1980 até hoje, o Brasil caiu de 36% para 23%, segundo dados do FMI (para o Brasil, com paridade de poder de compra, PPP).

Esse desempenho assombroso da China, no entanto, pode não estar ligado às especificidades nacionais do modelo econômico do país, mas simplesmente ser parte de um padrão asiático mais amplo, que inclui países como Japão, Taiwan, Coreia do Sul, Hong Kong e Cingapura.

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Esse é o achado de recente trabalho dos economistas Jesús Fernández-Villaverde (Universidade da Pensilvânia), Lee Ohanian (Universidade da Califórnia em Los Angeles) e Wen Yao (Universidade Tsinghua, em Beijing).

Os economistas compararam o crescimento da China de 1995 até 2019 com o daqueles países asiáticos nos  período de 24 anos a partir do momento em que tiveram PIB per capita equivalente ao da China em 1995. No caso da Coreia do Sul, por exemplo, isso equivale ao período 1972-1996.

O ponto de partida de 1995 na China é porque os autores consideram que é nesse momento que o país terminou a transição de renda baixa para renda média, e entrou na etapa mais difícil (conquistada pelas outras nações asiáticas mencionadas) de ir da renda média para a renda alta.

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Assim, os autores comparam o crescimento chinês de 1995 a 2019 com o período equivalente, na escada da renda per capita, de Coreia do Sul, Taiwan e Japão. Eles tiraram Taiwan e Hong Kong da conta pela peculiaridade de serem cidades-estado, mas apontam que, incluindo os dois, os resultados são praticamente idênticos aos de apenas Coreia, Taiwan e Japão.

O resultado surpreendente é que o desempenho da China em termos de aumento de renda per capita é praticamente uma cópia da média dos três países (em período equivalente de evolução da renda per capita), e inclusive fica um pouco abaixo a partir de 2010. Os autores acrescentam que a fronteira tecnológica estava mais adiantada em termos relativos no salto chinês, o que em tese até tornaria mais fácil a convergência, por haver mais catch-up para fazer.

Segundo Fernández-Villaverde, Ohanian e Wen, "o crescimento chinês não é especial por si mesmo (ou produto de uma combinação particularmente sábia de políticas econômicas que poderia servir de modelo para outras economias), mas sim pelo tamanho da população chinesa".

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Outra questão apontada pelos economistas é que Japão, Coreia do Sul e Taiwan desaceleram após as primeiras décadas de alto crescimento, e o mesmo pode acontecer com a China.

Os autores usam um modelo econométrico simples, centrado no aumento da produtividade total dos fatores (PTF) associado ao processo de catch-up tecnológico, que acerta muito bem o crescimento per capita da China entre 1995 e 2019. Eles notam que o modelo não inclui fatores como realocação setorial, desenvolvimento do mercado financeiro, políticas setoriais, investimento externo direto e políticas comerciais, o que não quer dizer que eles não influenciem o desempenho da PTF.

Segundo os economistas, também é surpreendente que "a teoria neoclássica de crescimento consiga explicar a experiência chinesa quando a gente considera o catch-up da PTF".

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Usando o modelo, eles projetam que a economia chinesa vai estabilizar em 2050 no nível de 40% da renda per capita dos Estados Unidos, o que reflete "a substancial desaceleração do catch-up da PTF nos anos recentes".

Com a contração populacional prevista para a China, eles projetam que, por volta de 2043, o  crescimento do PIB americano ultrapassará o do chinês (os dois ligeiramente abaixo de 2,3%), e que, em 2088, a economia americana voltara a ser maior que a  chinesa em dólares PPP - hoje o PIB americano é 82% do chinês nessa medida, segundo o FMI.

O modelo simples dos autores também projeta com bastante fidedignidade o crescimento dos outros países asiáticos mencionados nos seus períodos, em termos de evolução da renda per capita, equivalentes ao 1995-2019 chinês.

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Em resumo, os economistas argumentam que a China veio crescendo pelo acúmulo de capital e catch-up tecnológico, mas este último fator está desacelerando significativamente. Uma possibilidade de o país espichar seu período de crescimento rápido seria o de implementar reformas econômicas pró-eficiência para reimpulsionar o catch-up de PTF.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 3/10/2023, terça-feira.

O milagre econômico chinês (apesar dos problemas recentes) é tão espetacular que leva muitos analistas a apontar o país como possível modelo para o restante do mundo emergente. A China saiu de uma renda per capita equivalente a 2% da norte-americana no início da década de 80% para quase 6% em meados da década de 90 e algo entre 25% a 30% nos últimos anos.

Como base de comparação, enquanto a China saía de 2% para quase 30% da renda per capita norte-americana, de 1980 até hoje, o Brasil caiu de 36% para 23%, segundo dados do FMI (para o Brasil, com paridade de poder de compra, PPP).

Esse desempenho assombroso da China, no entanto, pode não estar ligado às especificidades nacionais do modelo econômico do país, mas simplesmente ser parte de um padrão asiático mais amplo, que inclui países como Japão, Taiwan, Coreia do Sul, Hong Kong e Cingapura.

Esse é o achado de recente trabalho dos economistas Jesús Fernández-Villaverde (Universidade da Pensilvânia), Lee Ohanian (Universidade da Califórnia em Los Angeles) e Wen Yao (Universidade Tsinghua, em Beijing).

Os economistas compararam o crescimento da China de 1995 até 2019 com o daqueles países asiáticos nos  período de 24 anos a partir do momento em que tiveram PIB per capita equivalente ao da China em 1995. No caso da Coreia do Sul, por exemplo, isso equivale ao período 1972-1996.

O ponto de partida de 1995 na China é porque os autores consideram que é nesse momento que o país terminou a transição de renda baixa para renda média, e entrou na etapa mais difícil (conquistada pelas outras nações asiáticas mencionadas) de ir da renda média para a renda alta.

Assim, os autores comparam o crescimento chinês de 1995 a 2019 com o período equivalente, na escada da renda per capita, de Coreia do Sul, Taiwan e Japão. Eles tiraram Taiwan e Hong Kong da conta pela peculiaridade de serem cidades-estado, mas apontam que, incluindo os dois, os resultados são praticamente idênticos aos de apenas Coreia, Taiwan e Japão.

O resultado surpreendente é que o desempenho da China em termos de aumento de renda per capita é praticamente uma cópia da média dos três países (em período equivalente de evolução da renda per capita), e inclusive fica um pouco abaixo a partir de 2010. Os autores acrescentam que a fronteira tecnológica estava mais adiantada em termos relativos no salto chinês, o que em tese até tornaria mais fácil a convergência, por haver mais catch-up para fazer.

Segundo Fernández-Villaverde, Ohanian e Wen, "o crescimento chinês não é especial por si mesmo (ou produto de uma combinação particularmente sábia de políticas econômicas que poderia servir de modelo para outras economias), mas sim pelo tamanho da população chinesa".

Outra questão apontada pelos economistas é que Japão, Coreia do Sul e Taiwan desaceleram após as primeiras décadas de alto crescimento, e o mesmo pode acontecer com a China.

Os autores usam um modelo econométrico simples, centrado no aumento da produtividade total dos fatores (PTF) associado ao processo de catch-up tecnológico, que acerta muito bem o crescimento per capita da China entre 1995 e 2019. Eles notam que o modelo não inclui fatores como realocação setorial, desenvolvimento do mercado financeiro, políticas setoriais, investimento externo direto e políticas comerciais, o que não quer dizer que eles não influenciem o desempenho da PTF.

Segundo os economistas, também é surpreendente que "a teoria neoclássica de crescimento consiga explicar a experiência chinesa quando a gente considera o catch-up da PTF".

Usando o modelo, eles projetam que a economia chinesa vai estabilizar em 2050 no nível de 40% da renda per capita dos Estados Unidos, o que reflete "a substancial desaceleração do catch-up da PTF nos anos recentes".

Com a contração populacional prevista para a China, eles projetam que, por volta de 2043, o  crescimento do PIB americano ultrapassará o do chinês (os dois ligeiramente abaixo de 2,3%), e que, em 2088, a economia americana voltara a ser maior que a  chinesa em dólares PPP - hoje o PIB americano é 82% do chinês nessa medida, segundo o FMI.

O modelo simples dos autores também projeta com bastante fidedignidade o crescimento dos outros países asiáticos mencionados nos seus períodos, em termos de evolução da renda per capita, equivalentes ao 1995-2019 chinês.

Em resumo, os economistas argumentam que a China veio crescendo pelo acúmulo de capital e catch-up tecnológico, mas este último fator está desacelerando significativamente. Uma possibilidade de o país espichar seu período de crescimento rápido seria o de implementar reformas econômicas pró-eficiência para reimpulsionar o catch-up de PTF.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 3/10/2023, terça-feira.

O milagre econômico chinês (apesar dos problemas recentes) é tão espetacular que leva muitos analistas a apontar o país como possível modelo para o restante do mundo emergente. A China saiu de uma renda per capita equivalente a 2% da norte-americana no início da década de 80% para quase 6% em meados da década de 90 e algo entre 25% a 30% nos últimos anos.

Como base de comparação, enquanto a China saía de 2% para quase 30% da renda per capita norte-americana, de 1980 até hoje, o Brasil caiu de 36% para 23%, segundo dados do FMI (para o Brasil, com paridade de poder de compra, PPP).

Esse desempenho assombroso da China, no entanto, pode não estar ligado às especificidades nacionais do modelo econômico do país, mas simplesmente ser parte de um padrão asiático mais amplo, que inclui países como Japão, Taiwan, Coreia do Sul, Hong Kong e Cingapura.

Esse é o achado de recente trabalho dos economistas Jesús Fernández-Villaverde (Universidade da Pensilvânia), Lee Ohanian (Universidade da Califórnia em Los Angeles) e Wen Yao (Universidade Tsinghua, em Beijing).

Os economistas compararam o crescimento da China de 1995 até 2019 com o daqueles países asiáticos nos  período de 24 anos a partir do momento em que tiveram PIB per capita equivalente ao da China em 1995. No caso da Coreia do Sul, por exemplo, isso equivale ao período 1972-1996.

O ponto de partida de 1995 na China é porque os autores consideram que é nesse momento que o país terminou a transição de renda baixa para renda média, e entrou na etapa mais difícil (conquistada pelas outras nações asiáticas mencionadas) de ir da renda média para a renda alta.

Assim, os autores comparam o crescimento chinês de 1995 a 2019 com o período equivalente, na escada da renda per capita, de Coreia do Sul, Taiwan e Japão. Eles tiraram Taiwan e Hong Kong da conta pela peculiaridade de serem cidades-estado, mas apontam que, incluindo os dois, os resultados são praticamente idênticos aos de apenas Coreia, Taiwan e Japão.

O resultado surpreendente é que o desempenho da China em termos de aumento de renda per capita é praticamente uma cópia da média dos três países (em período equivalente de evolução da renda per capita), e inclusive fica um pouco abaixo a partir de 2010. Os autores acrescentam que a fronteira tecnológica estava mais adiantada em termos relativos no salto chinês, o que em tese até tornaria mais fácil a convergência, por haver mais catch-up para fazer.

Segundo Fernández-Villaverde, Ohanian e Wen, "o crescimento chinês não é especial por si mesmo (ou produto de uma combinação particularmente sábia de políticas econômicas que poderia servir de modelo para outras economias), mas sim pelo tamanho da população chinesa".

Outra questão apontada pelos economistas é que Japão, Coreia do Sul e Taiwan desaceleram após as primeiras décadas de alto crescimento, e o mesmo pode acontecer com a China.

Os autores usam um modelo econométrico simples, centrado no aumento da produtividade total dos fatores (PTF) associado ao processo de catch-up tecnológico, que acerta muito bem o crescimento per capita da China entre 1995 e 2019. Eles notam que o modelo não inclui fatores como realocação setorial, desenvolvimento do mercado financeiro, políticas setoriais, investimento externo direto e políticas comerciais, o que não quer dizer que eles não influenciem o desempenho da PTF.

Segundo os economistas, também é surpreendente que "a teoria neoclássica de crescimento consiga explicar a experiência chinesa quando a gente considera o catch-up da PTF".

Usando o modelo, eles projetam que a economia chinesa vai estabilizar em 2050 no nível de 40% da renda per capita dos Estados Unidos, o que reflete "a substancial desaceleração do catch-up da PTF nos anos recentes".

Com a contração populacional prevista para a China, eles projetam que, por volta de 2043, o  crescimento do PIB americano ultrapassará o do chinês (os dois ligeiramente abaixo de 2,3%), e que, em 2088, a economia americana voltara a ser maior que a  chinesa em dólares PPP - hoje o PIB americano é 82% do chinês nessa medida, segundo o FMI.

O modelo simples dos autores também projeta com bastante fidedignidade o crescimento dos outros países asiáticos mencionados nos seus períodos, em termos de evolução da renda per capita, equivalentes ao 1995-2019 chinês.

Em resumo, os economistas argumentam que a China veio crescendo pelo acúmulo de capital e catch-up tecnológico, mas este último fator está desacelerando significativamente. Uma possibilidade de o país espichar seu período de crescimento rápido seria o de implementar reformas econômicas pró-eficiência para reimpulsionar o catch-up de PTF.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 3/10/2023, terça-feira.

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