Economia e políticas públicas

Opinião|O bom funcionamento dos sistemas de metas de inflação


Estudo do BIS mostra que, em relação a sete bancos centrais de países desenvolvidos, a política monetária corretamente combateu muito mais os choques de demanda que os choques de oferta nas últimas décadas.

Por Fernando Dantas

O Brasil está em meio a um intenso processo de aperto monetário para tentar controlar pressões inflacionárias que levaram o IPCA e as expectativas para níveis muito superiores à meta de 3%. Alguns críticos da postura agressiva do Banco Central alegam que a alta da inflação aconteceu em boa parte por choques de oferta, como, por exemplo, os que afetam os alimentos e, em particular, a carne.

A doutrina atual dos bancos centrais é de que a política monetária não deve combater os efeitos diretos (ou primários) dos choques de oferta, já que os instrumentos de que a autoridade monetária dispõe tem impacto apenas pelo lado da demanda. Porém, é certo combater os efeitos secundários do choque de oferta, isto é, a contaminação dos preços da economia em geral pela alta de preços nos segmentos afetados (por exemplo, alimentos e carne). No caso dos efeitos secundários, os instrumentos pelo lado da demanda dos BCs, como a taxa básica de juros, funcionam.

Um estudo recém-publicado pelo Banco para Compensações Internacionais (BIS na sigla em inglês, instituição que reúne os bancos centrais do mundo) mostra que os sistemas de metas de inflação em diversos países desenvolvidos estão cumprindo bem a doutrina descrita de forma simplificada acima. Suas políticas monetárias têm se voltado muito mais para combater choques de demanda do que choques de oferta.

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Embora o trabalho não inclua bancos centrais de países emergentes, ainda assim se trata de uma boa notícia. A pesquisa mostra que sistemas de meta de inflação bem implementados e com bom funcionamento - o que se pode dizer que seja o caso brasileiro - "entregam" o que se espera deles: uma política monetária sofisticada, que não pune injustificadamente a economia e o emprego para tentar neutralizar na marra os choques de oferta.

O nome do estudo é (tradução do inglês) "Regras de Taylor com metas: respostas de política monetária à inflação puxada pela demanda e pela oferta". Os autores são os economistas Boris Hofman, Cristina Manea e Benoit Mojon.

A regra de Taylor, de forma bem simplificada, prescreve alta dos juros quando a inflação se eleva acima da meta ou o crescimento vai acima do potencial, e vice-versa.

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Os bancos centrais incluídos no 'paper' são os de Austrália, Canadá, zona do euro, Coreia do Sul, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos. Analisando as décadas recentes, os autores usam um fato diferenciador entre choques de demanda e de oferta para discriminar a ocorrência de ambos (que frequentemente coincidem no tempo) naqueles países.

Essa diferença é que o choque de demanda move a inflação e o produto na mesma direção, enquanto o de oferta os move em direções opostas. Por exemplo, um choque de demanda provocado pelo expansionismo fiscal tanto acelera a inflação quanto turbina a atividade econômica. Já uma grande alta do preço da gasolina, se tomada apenas pelo seu efeito específico, aumenta a inflação de forma imediata, mas se constitui num freio à atividade. A razão para esse segundo impacto é que o aumento da renda consumida em combustível significa uma queda equivalente na renda que é consumida no restante dos produtos.

Os autores analisaram também a política monetária daqueles países no surto inflacionário pós-Covid, que teve como característica combinar poderosos choques de oferta e de demanda. Nesse caso, nesses países desenvolvidos, a reação da política monetária inicialmente foi lenta, mas se acelerou até o nível adequado do ponto de vista da regra de Taylor.

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Seria interessante estender essa pesquisa para BCs de países emergentes, como o Brasil (que, aliás, saiu na frente no combate ao surto inflacionário da Covid). A indicação, de qualquer forma, como já mencionado, é que a moderna prática de política monetária em sistemas de meta de inflação está bem calibrada em termos do inevitável - e politicamente complicado - equilíbrio entre combater a inflação e não prejudicar demais a atividade econômica e o emprego.

Isso é mais um sinal de que, ao contrário da declaração recente de Lula de que o único problema do Brasil é a taxa de juro (com a implicação de que o responsável pelo único problema é o Banco Central), é bem provável que a política monetária seja das poucas coisas no Brasil de hoje que não são problemáticas. Os juros estão altos por causa da política fiscal, de responsabilidade do governo e do Congresso, e na qual o BC não apita nada.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 18/12/2024, quarta-feira.

O Brasil está em meio a um intenso processo de aperto monetário para tentar controlar pressões inflacionárias que levaram o IPCA e as expectativas para níveis muito superiores à meta de 3%. Alguns críticos da postura agressiva do Banco Central alegam que a alta da inflação aconteceu em boa parte por choques de oferta, como, por exemplo, os que afetam os alimentos e, em particular, a carne.

A doutrina atual dos bancos centrais é de que a política monetária não deve combater os efeitos diretos (ou primários) dos choques de oferta, já que os instrumentos de que a autoridade monetária dispõe tem impacto apenas pelo lado da demanda. Porém, é certo combater os efeitos secundários do choque de oferta, isto é, a contaminação dos preços da economia em geral pela alta de preços nos segmentos afetados (por exemplo, alimentos e carne). No caso dos efeitos secundários, os instrumentos pelo lado da demanda dos BCs, como a taxa básica de juros, funcionam.

Um estudo recém-publicado pelo Banco para Compensações Internacionais (BIS na sigla em inglês, instituição que reúne os bancos centrais do mundo) mostra que os sistemas de metas de inflação em diversos países desenvolvidos estão cumprindo bem a doutrina descrita de forma simplificada acima. Suas políticas monetárias têm se voltado muito mais para combater choques de demanda do que choques de oferta.

Embora o trabalho não inclua bancos centrais de países emergentes, ainda assim se trata de uma boa notícia. A pesquisa mostra que sistemas de meta de inflação bem implementados e com bom funcionamento - o que se pode dizer que seja o caso brasileiro - "entregam" o que se espera deles: uma política monetária sofisticada, que não pune injustificadamente a economia e o emprego para tentar neutralizar na marra os choques de oferta.

O nome do estudo é (tradução do inglês) "Regras de Taylor com metas: respostas de política monetária à inflação puxada pela demanda e pela oferta". Os autores são os economistas Boris Hofman, Cristina Manea e Benoit Mojon.

A regra de Taylor, de forma bem simplificada, prescreve alta dos juros quando a inflação se eleva acima da meta ou o crescimento vai acima do potencial, e vice-versa.

Os bancos centrais incluídos no 'paper' são os de Austrália, Canadá, zona do euro, Coreia do Sul, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos. Analisando as décadas recentes, os autores usam um fato diferenciador entre choques de demanda e de oferta para discriminar a ocorrência de ambos (que frequentemente coincidem no tempo) naqueles países.

Essa diferença é que o choque de demanda move a inflação e o produto na mesma direção, enquanto o de oferta os move em direções opostas. Por exemplo, um choque de demanda provocado pelo expansionismo fiscal tanto acelera a inflação quanto turbina a atividade econômica. Já uma grande alta do preço da gasolina, se tomada apenas pelo seu efeito específico, aumenta a inflação de forma imediata, mas se constitui num freio à atividade. A razão para esse segundo impacto é que o aumento da renda consumida em combustível significa uma queda equivalente na renda que é consumida no restante dos produtos.

Os autores analisaram também a política monetária daqueles países no surto inflacionário pós-Covid, que teve como característica combinar poderosos choques de oferta e de demanda. Nesse caso, nesses países desenvolvidos, a reação da política monetária inicialmente foi lenta, mas se acelerou até o nível adequado do ponto de vista da regra de Taylor.

Seria interessante estender essa pesquisa para BCs de países emergentes, como o Brasil (que, aliás, saiu na frente no combate ao surto inflacionário da Covid). A indicação, de qualquer forma, como já mencionado, é que a moderna prática de política monetária em sistemas de meta de inflação está bem calibrada em termos do inevitável - e politicamente complicado - equilíbrio entre combater a inflação e não prejudicar demais a atividade econômica e o emprego.

Isso é mais um sinal de que, ao contrário da declaração recente de Lula de que o único problema do Brasil é a taxa de juro (com a implicação de que o responsável pelo único problema é o Banco Central), é bem provável que a política monetária seja das poucas coisas no Brasil de hoje que não são problemáticas. Os juros estão altos por causa da política fiscal, de responsabilidade do governo e do Congresso, e na qual o BC não apita nada.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 18/12/2024, quarta-feira.

O Brasil está em meio a um intenso processo de aperto monetário para tentar controlar pressões inflacionárias que levaram o IPCA e as expectativas para níveis muito superiores à meta de 3%. Alguns críticos da postura agressiva do Banco Central alegam que a alta da inflação aconteceu em boa parte por choques de oferta, como, por exemplo, os que afetam os alimentos e, em particular, a carne.

A doutrina atual dos bancos centrais é de que a política monetária não deve combater os efeitos diretos (ou primários) dos choques de oferta, já que os instrumentos de que a autoridade monetária dispõe tem impacto apenas pelo lado da demanda. Porém, é certo combater os efeitos secundários do choque de oferta, isto é, a contaminação dos preços da economia em geral pela alta de preços nos segmentos afetados (por exemplo, alimentos e carne). No caso dos efeitos secundários, os instrumentos pelo lado da demanda dos BCs, como a taxa básica de juros, funcionam.

Um estudo recém-publicado pelo Banco para Compensações Internacionais (BIS na sigla em inglês, instituição que reúne os bancos centrais do mundo) mostra que os sistemas de metas de inflação em diversos países desenvolvidos estão cumprindo bem a doutrina descrita de forma simplificada acima. Suas políticas monetárias têm se voltado muito mais para combater choques de demanda do que choques de oferta.

Embora o trabalho não inclua bancos centrais de países emergentes, ainda assim se trata de uma boa notícia. A pesquisa mostra que sistemas de meta de inflação bem implementados e com bom funcionamento - o que se pode dizer que seja o caso brasileiro - "entregam" o que se espera deles: uma política monetária sofisticada, que não pune injustificadamente a economia e o emprego para tentar neutralizar na marra os choques de oferta.

O nome do estudo é (tradução do inglês) "Regras de Taylor com metas: respostas de política monetária à inflação puxada pela demanda e pela oferta". Os autores são os economistas Boris Hofman, Cristina Manea e Benoit Mojon.

A regra de Taylor, de forma bem simplificada, prescreve alta dos juros quando a inflação se eleva acima da meta ou o crescimento vai acima do potencial, e vice-versa.

Os bancos centrais incluídos no 'paper' são os de Austrália, Canadá, zona do euro, Coreia do Sul, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos. Analisando as décadas recentes, os autores usam um fato diferenciador entre choques de demanda e de oferta para discriminar a ocorrência de ambos (que frequentemente coincidem no tempo) naqueles países.

Essa diferença é que o choque de demanda move a inflação e o produto na mesma direção, enquanto o de oferta os move em direções opostas. Por exemplo, um choque de demanda provocado pelo expansionismo fiscal tanto acelera a inflação quanto turbina a atividade econômica. Já uma grande alta do preço da gasolina, se tomada apenas pelo seu efeito específico, aumenta a inflação de forma imediata, mas se constitui num freio à atividade. A razão para esse segundo impacto é que o aumento da renda consumida em combustível significa uma queda equivalente na renda que é consumida no restante dos produtos.

Os autores analisaram também a política monetária daqueles países no surto inflacionário pós-Covid, que teve como característica combinar poderosos choques de oferta e de demanda. Nesse caso, nesses países desenvolvidos, a reação da política monetária inicialmente foi lenta, mas se acelerou até o nível adequado do ponto de vista da regra de Taylor.

Seria interessante estender essa pesquisa para BCs de países emergentes, como o Brasil (que, aliás, saiu na frente no combate ao surto inflacionário da Covid). A indicação, de qualquer forma, como já mencionado, é que a moderna prática de política monetária em sistemas de meta de inflação está bem calibrada em termos do inevitável - e politicamente complicado - equilíbrio entre combater a inflação e não prejudicar demais a atividade econômica e o emprego.

Isso é mais um sinal de que, ao contrário da declaração recente de Lula de que o único problema do Brasil é a taxa de juro (com a implicação de que o responsável pelo único problema é o Banco Central), é bem provável que a política monetária seja das poucas coisas no Brasil de hoje que não são problemáticas. Os juros estão altos por causa da política fiscal, de responsabilidade do governo e do Congresso, e na qual o BC não apita nada.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 18/12/2024, quarta-feira.

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