Na quinta-feira passada, 14/11, foi divulgado que o IBC-Br de setembro subiu 0,84%, perto do teto das estimativas (0,90%) do Projeções Broadcast, e muito acima da mediana de 0,56%.
É mais um sinal de que a economia brasileira vinha muito aquecida pelo menos até setembro, quando o Banco Central (BC) iniciou mais um ciclo de aperto monetário. Desde o início de 2023, a expectativa de crescimento do PIB em 2024 mais que dobrou: de 1,5% para os atuais 3,1%, segundo o Focus do BC.
A primeira preocupação com o fato de que a economia brasileira vem crescendo acima do seu potencial - que não passa de 1,5% nas avaliações mais otimistas - é com a inflação. O IPCA acumulado em 12 meses até outubro foi de 4,76%, acima do teto de tolerância de 1,5 ponto porcentual (pp) em torno da meta de 3%.
Naquele mesmo período (do início de 2023 até agora), a expectativa de IPCA para 2024 saiu de 3,69 para 4,64%, também acima do teto de tolerância. Hoje, as expectativas para prazos mais longos, incluindo até 2027 (3,5%), estão bastante desancoradas.
Mas se a inflação costuma ser o grande foco quando há desequilíbrio na economia, uma outra forma como um país "acomoda" a atividade crescendo acima do potencial é por meio do canal externo. As exportações líquidas (das importações) caem, porque o sobreaquecimento faz com que produtos que seriam exportados sejam consumidos internamente e, principalmente, faz com que as importações cresçam mais rápido.
O economista Samuel Pessôa (Julius Baer Family Office e IBRE-FGV) nota que, o grande desequilíbrio que precedeu a arrasadora recessão de 2014-16 manifestou-se em uma multiplicidade de dimensões: inflação, mercado de trabalho superaquecido, tarifas públicas artificialmente contidas, estatais (Petrobrás, principalmente) superalavancadas, política parafiscal levada até o limite (centenas de bilhões de empréstimos do Tesouro ao BNDES), contabilidade criativa, Estados com freios da União removidos e ampliando dívidas e, finalmente, uma enorme reversão na direção negativa do saldo de contas correntes do País - e, particularmente, uma enorme reversão também das exportações líquidas como percentual do PIB.
Pessôa observa que, entre 2006 e 2013, as exportações líquidas de 4,3% do PIB para -3,9%, a preços constantes de 1995.
"Temo que estejamos no início do mesmo caminho", comenta o economista. O sobreaquecimento econômico agora deve-se em boa parte aos fortes impulsos fiscais desde o início do terceiro mandato de Lula.
Pessôa acrescenta que, no primeiro semestre de 2024, o quantum importado cresceu 14%, na comparação ano a ano. No terceiro trimestre de 2024, a expansão na mesma base de comparação foi de 22%. Em setembro, houve aceleração para quase 25%.
As exportações líquidas, continua o pesquisador, caíram de 1,5% do PIB no quarto trimestre de 2023 para 1,1% no segundo trimestre de 2024. O recuo pode parecer modesto comparado à radical reversão das exportações líquidas entre 2006 e 2013, mencionada acima. Mas Pessôa nota que o ritmo é parecido.
Na reversão que antecedeu a superrecessão de 2006-2013, as exportações líquidas se reduziram a um ritmo médio de 0,26 pp do PIB por trimestre. Já o ritmo trimestral de queda entre o quarto trimestre de 2023 e o segundo de 2024 foi de 0,22pp do PIB.
"Com os dados do terceiro trimestre, esse ritmo deve se intensificar", aponta Pessôa.
Para o economista, a política econômica do atual governo pode - como na fase da nova matriz econômica - "estar testando os limites da economia, o que acaba por bater na inflação e nas exportações líquidas".
Pessôa não quer dizer que um processo de mesma intensidade esteja em curso nos dois períodos, mas alerta que a direção é a mesma. A questão é se, daqui em diante, o governo vai agir com firmeza para evitar que o desequilíbrio econômico se aprofunde.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 19/11/2024, terça-feira.