Economia e políticas públicas

Opinião|O velho 'Consenso' ainda funciona


Dois estudos recém publicados indicam que reformas pró-mercado e estabilidade macroeconômica ajudam países emergentes a crescer. Exatamente como pregava o demonizado "Consenso de Washington".

Por Fernando Dantas

Em tempos de forte contestação ao "neoliberalismo", em que tensões geopolíticas travam a globalização e relançam políticas de intervenção estatal em diversos países mundo afora, dois estudos recentes mostram que as velhas receitas do "Consenso de Washington" ainda funcionam.

O primeiro deles, realizado por um grupo de economistas do FMI (os participantes Gabriela Cugat e Carlo Pizzinelli resumiram os achados no Blog do FMI), indica que as reformas pró-mercado funcionam para estabilizar as dívidas e fomentar o crescimento em países emergentes. Na estimativa dos autores, países que fizeram reformas levaram suas relações dívida-PIB a cair em média três pontos porcentuais, ao longo de um período de vários anos (naturalmente comparados aos que não fizeram).

Cugat e Pizzinelli citam, como exemplos de reformas pró-mercado, a redução de barreiras de entrada nos mercados de serviços básicos (o marco do saneamento no Brasil e as tentativas do atual governo de enfraquecê-lo vêm à mente nesse tópico), o estabelecimento de arcabouços regulatórios e de supervisão financeira e a redução de restrições no mercado cambial e aos fluxos de capitais.

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Segundo os economistas do FMI, a queda da relação dívida/PIB associada às reformas pró-mercado advém não apenas do crescimento do PIB, mas também da melhora das finanças públicas por meio de maiores receitas tributárias e menores custos financeiros. Eles acrescentam que o efeito que eles estimaram das reformas pró-mercado no endividamento público é de ordem comparável ao impacto de grandes consolidações fiscais que foi analisado em capítulos das últimas edições do Panorama Econômico Global e do Monitor Fiscal, importantes documentos do FMI.

Os resultados encontrados pelos autores provêm da análise da Base de Dados de Reformas Estruturais do FMI, que cobre 90 economias avançadas e emergentes ao longo dos últimos 40 anos, com foco em cinco áreas amplas: política comercial, finanças domésticas, finanças externas, mercado de produtos e mercado de trabalho.

Os autores fazem a ressalva de que, por vezes, algumas reformas pró-mercado podem ter efeito contrário ao desejado nas contas fiscais, como a redução de barreiras comerciais. Por exemplo, reduzir tarifas alfandegárias pode, pelo menos no curto prazo, diminuir a arrecadação tributária e, assim, aumentar a dívida (um ponto válido para países muito dependentes fiscalmente de tarifas de importação, o que não parece ser o caso do Brasil). Mas os economistas acrescentam que aquele efeito negativo pode ser parcialmente anulado no longo prazo pelo aumento da atividade econômica.

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O estudo também encontra que reformas pró-mercado funcionam melhor em países que são competentes em arrecadar impostos (sem dúvida é o caso do Brasil), partem de níveis iniciais de dívida maiores (também o nosso caso) e implementam as reformas durante um período de expansão econômica (que parece estar se iniciando agora no Brasil).

Os autores finalmente apontam que os países devem levar em consideração fatores como o tamanho das dívidas e a desigualdade para decidir como os ganhos fiscais das reformas devem ser alocados entre redução do endividamento, gastos que estimulem o crescimento e despesas sociais. Já sair gastando de qualquer jeito quando a situação fiscal melhor enfraquece os efeitos benéficos das reformas pró-mercado.

O segundo estudo mencionado na abertura desta coluna é dos economistas Haarom Mumtaz e Franz Ulrich Ruch, do Banco Mundial. O trabalho investiga o efeito da incerteza sobre as políticas que afetam os gastos do governo e as taxas de juros reais em 54 economias avançadas, emergentes e em desenvolvimento. Incerteza, no caso, é a incapacidade de prever os movimentos daquelas políticas públicas.

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Com um trabalho econométrico sofisticado, os autores encontram que um choque de aumento de incerteza sobre os gastos de governo correspondente a um desvio-padrão (medida comumente usada em estatística) reduz o PIB cumulativamente em 1 ponto porcentual (pp) e leva a uma aumento marginal da inflação, após dois anos. Já um choque de um desvio padrão de aumento de incerteza sobre a taxa de juro real (mais especificamente, incerteza sobre a política pública que impacta diretamente o juro real, isto é, a política monetária) reduz o PIB em 1,3pp após dois anos, ao mesmo tempo em que eleva a inflação em 0,5pp.

A conclusão que se pode tirar dos dois estudos é que a velha e batida receita de estabilizar a macroeconomia (evitando surpresas na área fiscal e monetária) e tocar uma agenda de reformas pró-mercado pode não parecer a coisa mais original e descolada do mundo, mas ajuda o País a melhorar na prática.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 15/9/2023, sexta-feira.

Em tempos de forte contestação ao "neoliberalismo", em que tensões geopolíticas travam a globalização e relançam políticas de intervenção estatal em diversos países mundo afora, dois estudos recentes mostram que as velhas receitas do "Consenso de Washington" ainda funcionam.

O primeiro deles, realizado por um grupo de economistas do FMI (os participantes Gabriela Cugat e Carlo Pizzinelli resumiram os achados no Blog do FMI), indica que as reformas pró-mercado funcionam para estabilizar as dívidas e fomentar o crescimento em países emergentes. Na estimativa dos autores, países que fizeram reformas levaram suas relações dívida-PIB a cair em média três pontos porcentuais, ao longo de um período de vários anos (naturalmente comparados aos que não fizeram).

Cugat e Pizzinelli citam, como exemplos de reformas pró-mercado, a redução de barreiras de entrada nos mercados de serviços básicos (o marco do saneamento no Brasil e as tentativas do atual governo de enfraquecê-lo vêm à mente nesse tópico), o estabelecimento de arcabouços regulatórios e de supervisão financeira e a redução de restrições no mercado cambial e aos fluxos de capitais.

Segundo os economistas do FMI, a queda da relação dívida/PIB associada às reformas pró-mercado advém não apenas do crescimento do PIB, mas também da melhora das finanças públicas por meio de maiores receitas tributárias e menores custos financeiros. Eles acrescentam que o efeito que eles estimaram das reformas pró-mercado no endividamento público é de ordem comparável ao impacto de grandes consolidações fiscais que foi analisado em capítulos das últimas edições do Panorama Econômico Global e do Monitor Fiscal, importantes documentos do FMI.

Os resultados encontrados pelos autores provêm da análise da Base de Dados de Reformas Estruturais do FMI, que cobre 90 economias avançadas e emergentes ao longo dos últimos 40 anos, com foco em cinco áreas amplas: política comercial, finanças domésticas, finanças externas, mercado de produtos e mercado de trabalho.

Os autores fazem a ressalva de que, por vezes, algumas reformas pró-mercado podem ter efeito contrário ao desejado nas contas fiscais, como a redução de barreiras comerciais. Por exemplo, reduzir tarifas alfandegárias pode, pelo menos no curto prazo, diminuir a arrecadação tributária e, assim, aumentar a dívida (um ponto válido para países muito dependentes fiscalmente de tarifas de importação, o que não parece ser o caso do Brasil). Mas os economistas acrescentam que aquele efeito negativo pode ser parcialmente anulado no longo prazo pelo aumento da atividade econômica.

O estudo também encontra que reformas pró-mercado funcionam melhor em países que são competentes em arrecadar impostos (sem dúvida é o caso do Brasil), partem de níveis iniciais de dívida maiores (também o nosso caso) e implementam as reformas durante um período de expansão econômica (que parece estar se iniciando agora no Brasil).

Os autores finalmente apontam que os países devem levar em consideração fatores como o tamanho das dívidas e a desigualdade para decidir como os ganhos fiscais das reformas devem ser alocados entre redução do endividamento, gastos que estimulem o crescimento e despesas sociais. Já sair gastando de qualquer jeito quando a situação fiscal melhor enfraquece os efeitos benéficos das reformas pró-mercado.

O segundo estudo mencionado na abertura desta coluna é dos economistas Haarom Mumtaz e Franz Ulrich Ruch, do Banco Mundial. O trabalho investiga o efeito da incerteza sobre as políticas que afetam os gastos do governo e as taxas de juros reais em 54 economias avançadas, emergentes e em desenvolvimento. Incerteza, no caso, é a incapacidade de prever os movimentos daquelas políticas públicas.

Com um trabalho econométrico sofisticado, os autores encontram que um choque de aumento de incerteza sobre os gastos de governo correspondente a um desvio-padrão (medida comumente usada em estatística) reduz o PIB cumulativamente em 1 ponto porcentual (pp) e leva a uma aumento marginal da inflação, após dois anos. Já um choque de um desvio padrão de aumento de incerteza sobre a taxa de juro real (mais especificamente, incerteza sobre a política pública que impacta diretamente o juro real, isto é, a política monetária) reduz o PIB em 1,3pp após dois anos, ao mesmo tempo em que eleva a inflação em 0,5pp.

A conclusão que se pode tirar dos dois estudos é que a velha e batida receita de estabilizar a macroeconomia (evitando surpresas na área fiscal e monetária) e tocar uma agenda de reformas pró-mercado pode não parecer a coisa mais original e descolada do mundo, mas ajuda o País a melhorar na prática.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 15/9/2023, sexta-feira.

Em tempos de forte contestação ao "neoliberalismo", em que tensões geopolíticas travam a globalização e relançam políticas de intervenção estatal em diversos países mundo afora, dois estudos recentes mostram que as velhas receitas do "Consenso de Washington" ainda funcionam.

O primeiro deles, realizado por um grupo de economistas do FMI (os participantes Gabriela Cugat e Carlo Pizzinelli resumiram os achados no Blog do FMI), indica que as reformas pró-mercado funcionam para estabilizar as dívidas e fomentar o crescimento em países emergentes. Na estimativa dos autores, países que fizeram reformas levaram suas relações dívida-PIB a cair em média três pontos porcentuais, ao longo de um período de vários anos (naturalmente comparados aos que não fizeram).

Cugat e Pizzinelli citam, como exemplos de reformas pró-mercado, a redução de barreiras de entrada nos mercados de serviços básicos (o marco do saneamento no Brasil e as tentativas do atual governo de enfraquecê-lo vêm à mente nesse tópico), o estabelecimento de arcabouços regulatórios e de supervisão financeira e a redução de restrições no mercado cambial e aos fluxos de capitais.

Segundo os economistas do FMI, a queda da relação dívida/PIB associada às reformas pró-mercado advém não apenas do crescimento do PIB, mas também da melhora das finanças públicas por meio de maiores receitas tributárias e menores custos financeiros. Eles acrescentam que o efeito que eles estimaram das reformas pró-mercado no endividamento público é de ordem comparável ao impacto de grandes consolidações fiscais que foi analisado em capítulos das últimas edições do Panorama Econômico Global e do Monitor Fiscal, importantes documentos do FMI.

Os resultados encontrados pelos autores provêm da análise da Base de Dados de Reformas Estruturais do FMI, que cobre 90 economias avançadas e emergentes ao longo dos últimos 40 anos, com foco em cinco áreas amplas: política comercial, finanças domésticas, finanças externas, mercado de produtos e mercado de trabalho.

Os autores fazem a ressalva de que, por vezes, algumas reformas pró-mercado podem ter efeito contrário ao desejado nas contas fiscais, como a redução de barreiras comerciais. Por exemplo, reduzir tarifas alfandegárias pode, pelo menos no curto prazo, diminuir a arrecadação tributária e, assim, aumentar a dívida (um ponto válido para países muito dependentes fiscalmente de tarifas de importação, o que não parece ser o caso do Brasil). Mas os economistas acrescentam que aquele efeito negativo pode ser parcialmente anulado no longo prazo pelo aumento da atividade econômica.

O estudo também encontra que reformas pró-mercado funcionam melhor em países que são competentes em arrecadar impostos (sem dúvida é o caso do Brasil), partem de níveis iniciais de dívida maiores (também o nosso caso) e implementam as reformas durante um período de expansão econômica (que parece estar se iniciando agora no Brasil).

Os autores finalmente apontam que os países devem levar em consideração fatores como o tamanho das dívidas e a desigualdade para decidir como os ganhos fiscais das reformas devem ser alocados entre redução do endividamento, gastos que estimulem o crescimento e despesas sociais. Já sair gastando de qualquer jeito quando a situação fiscal melhor enfraquece os efeitos benéficos das reformas pró-mercado.

O segundo estudo mencionado na abertura desta coluna é dos economistas Haarom Mumtaz e Franz Ulrich Ruch, do Banco Mundial. O trabalho investiga o efeito da incerteza sobre as políticas que afetam os gastos do governo e as taxas de juros reais em 54 economias avançadas, emergentes e em desenvolvimento. Incerteza, no caso, é a incapacidade de prever os movimentos daquelas políticas públicas.

Com um trabalho econométrico sofisticado, os autores encontram que um choque de aumento de incerteza sobre os gastos de governo correspondente a um desvio-padrão (medida comumente usada em estatística) reduz o PIB cumulativamente em 1 ponto porcentual (pp) e leva a uma aumento marginal da inflação, após dois anos. Já um choque de um desvio padrão de aumento de incerteza sobre a taxa de juro real (mais especificamente, incerteza sobre a política pública que impacta diretamente o juro real, isto é, a política monetária) reduz o PIB em 1,3pp após dois anos, ao mesmo tempo em que eleva a inflação em 0,5pp.

A conclusão que se pode tirar dos dois estudos é que a velha e batida receita de estabilizar a macroeconomia (evitando surpresas na área fiscal e monetária) e tocar uma agenda de reformas pró-mercado pode não parecer a coisa mais original e descolada do mundo, mas ajuda o País a melhorar na prática.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 15/9/2023, sexta-feira.

Em tempos de forte contestação ao "neoliberalismo", em que tensões geopolíticas travam a globalização e relançam políticas de intervenção estatal em diversos países mundo afora, dois estudos recentes mostram que as velhas receitas do "Consenso de Washington" ainda funcionam.

O primeiro deles, realizado por um grupo de economistas do FMI (os participantes Gabriela Cugat e Carlo Pizzinelli resumiram os achados no Blog do FMI), indica que as reformas pró-mercado funcionam para estabilizar as dívidas e fomentar o crescimento em países emergentes. Na estimativa dos autores, países que fizeram reformas levaram suas relações dívida-PIB a cair em média três pontos porcentuais, ao longo de um período de vários anos (naturalmente comparados aos que não fizeram).

Cugat e Pizzinelli citam, como exemplos de reformas pró-mercado, a redução de barreiras de entrada nos mercados de serviços básicos (o marco do saneamento no Brasil e as tentativas do atual governo de enfraquecê-lo vêm à mente nesse tópico), o estabelecimento de arcabouços regulatórios e de supervisão financeira e a redução de restrições no mercado cambial e aos fluxos de capitais.

Segundo os economistas do FMI, a queda da relação dívida/PIB associada às reformas pró-mercado advém não apenas do crescimento do PIB, mas também da melhora das finanças públicas por meio de maiores receitas tributárias e menores custos financeiros. Eles acrescentam que o efeito que eles estimaram das reformas pró-mercado no endividamento público é de ordem comparável ao impacto de grandes consolidações fiscais que foi analisado em capítulos das últimas edições do Panorama Econômico Global e do Monitor Fiscal, importantes documentos do FMI.

Os resultados encontrados pelos autores provêm da análise da Base de Dados de Reformas Estruturais do FMI, que cobre 90 economias avançadas e emergentes ao longo dos últimos 40 anos, com foco em cinco áreas amplas: política comercial, finanças domésticas, finanças externas, mercado de produtos e mercado de trabalho.

Os autores fazem a ressalva de que, por vezes, algumas reformas pró-mercado podem ter efeito contrário ao desejado nas contas fiscais, como a redução de barreiras comerciais. Por exemplo, reduzir tarifas alfandegárias pode, pelo menos no curto prazo, diminuir a arrecadação tributária e, assim, aumentar a dívida (um ponto válido para países muito dependentes fiscalmente de tarifas de importação, o que não parece ser o caso do Brasil). Mas os economistas acrescentam que aquele efeito negativo pode ser parcialmente anulado no longo prazo pelo aumento da atividade econômica.

O estudo também encontra que reformas pró-mercado funcionam melhor em países que são competentes em arrecadar impostos (sem dúvida é o caso do Brasil), partem de níveis iniciais de dívida maiores (também o nosso caso) e implementam as reformas durante um período de expansão econômica (que parece estar se iniciando agora no Brasil).

Os autores finalmente apontam que os países devem levar em consideração fatores como o tamanho das dívidas e a desigualdade para decidir como os ganhos fiscais das reformas devem ser alocados entre redução do endividamento, gastos que estimulem o crescimento e despesas sociais. Já sair gastando de qualquer jeito quando a situação fiscal melhor enfraquece os efeitos benéficos das reformas pró-mercado.

O segundo estudo mencionado na abertura desta coluna é dos economistas Haarom Mumtaz e Franz Ulrich Ruch, do Banco Mundial. O trabalho investiga o efeito da incerteza sobre as políticas que afetam os gastos do governo e as taxas de juros reais em 54 economias avançadas, emergentes e em desenvolvimento. Incerteza, no caso, é a incapacidade de prever os movimentos daquelas políticas públicas.

Com um trabalho econométrico sofisticado, os autores encontram que um choque de aumento de incerteza sobre os gastos de governo correspondente a um desvio-padrão (medida comumente usada em estatística) reduz o PIB cumulativamente em 1 ponto porcentual (pp) e leva a uma aumento marginal da inflação, após dois anos. Já um choque de um desvio padrão de aumento de incerteza sobre a taxa de juro real (mais especificamente, incerteza sobre a política pública que impacta diretamente o juro real, isto é, a política monetária) reduz o PIB em 1,3pp após dois anos, ao mesmo tempo em que eleva a inflação em 0,5pp.

A conclusão que se pode tirar dos dois estudos é que a velha e batida receita de estabilizar a macroeconomia (evitando surpresas na área fiscal e monetária) e tocar uma agenda de reformas pró-mercado pode não parecer a coisa mais original e descolada do mundo, mas ajuda o País a melhorar na prática.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 15/9/2023, sexta-feira.

Em tempos de forte contestação ao "neoliberalismo", em que tensões geopolíticas travam a globalização e relançam políticas de intervenção estatal em diversos países mundo afora, dois estudos recentes mostram que as velhas receitas do "Consenso de Washington" ainda funcionam.

O primeiro deles, realizado por um grupo de economistas do FMI (os participantes Gabriela Cugat e Carlo Pizzinelli resumiram os achados no Blog do FMI), indica que as reformas pró-mercado funcionam para estabilizar as dívidas e fomentar o crescimento em países emergentes. Na estimativa dos autores, países que fizeram reformas levaram suas relações dívida-PIB a cair em média três pontos porcentuais, ao longo de um período de vários anos (naturalmente comparados aos que não fizeram).

Cugat e Pizzinelli citam, como exemplos de reformas pró-mercado, a redução de barreiras de entrada nos mercados de serviços básicos (o marco do saneamento no Brasil e as tentativas do atual governo de enfraquecê-lo vêm à mente nesse tópico), o estabelecimento de arcabouços regulatórios e de supervisão financeira e a redução de restrições no mercado cambial e aos fluxos de capitais.

Segundo os economistas do FMI, a queda da relação dívida/PIB associada às reformas pró-mercado advém não apenas do crescimento do PIB, mas também da melhora das finanças públicas por meio de maiores receitas tributárias e menores custos financeiros. Eles acrescentam que o efeito que eles estimaram das reformas pró-mercado no endividamento público é de ordem comparável ao impacto de grandes consolidações fiscais que foi analisado em capítulos das últimas edições do Panorama Econômico Global e do Monitor Fiscal, importantes documentos do FMI.

Os resultados encontrados pelos autores provêm da análise da Base de Dados de Reformas Estruturais do FMI, que cobre 90 economias avançadas e emergentes ao longo dos últimos 40 anos, com foco em cinco áreas amplas: política comercial, finanças domésticas, finanças externas, mercado de produtos e mercado de trabalho.

Os autores fazem a ressalva de que, por vezes, algumas reformas pró-mercado podem ter efeito contrário ao desejado nas contas fiscais, como a redução de barreiras comerciais. Por exemplo, reduzir tarifas alfandegárias pode, pelo menos no curto prazo, diminuir a arrecadação tributária e, assim, aumentar a dívida (um ponto válido para países muito dependentes fiscalmente de tarifas de importação, o que não parece ser o caso do Brasil). Mas os economistas acrescentam que aquele efeito negativo pode ser parcialmente anulado no longo prazo pelo aumento da atividade econômica.

O estudo também encontra que reformas pró-mercado funcionam melhor em países que são competentes em arrecadar impostos (sem dúvida é o caso do Brasil), partem de níveis iniciais de dívida maiores (também o nosso caso) e implementam as reformas durante um período de expansão econômica (que parece estar se iniciando agora no Brasil).

Os autores finalmente apontam que os países devem levar em consideração fatores como o tamanho das dívidas e a desigualdade para decidir como os ganhos fiscais das reformas devem ser alocados entre redução do endividamento, gastos que estimulem o crescimento e despesas sociais. Já sair gastando de qualquer jeito quando a situação fiscal melhor enfraquece os efeitos benéficos das reformas pró-mercado.

O segundo estudo mencionado na abertura desta coluna é dos economistas Haarom Mumtaz e Franz Ulrich Ruch, do Banco Mundial. O trabalho investiga o efeito da incerteza sobre as políticas que afetam os gastos do governo e as taxas de juros reais em 54 economias avançadas, emergentes e em desenvolvimento. Incerteza, no caso, é a incapacidade de prever os movimentos daquelas políticas públicas.

Com um trabalho econométrico sofisticado, os autores encontram que um choque de aumento de incerteza sobre os gastos de governo correspondente a um desvio-padrão (medida comumente usada em estatística) reduz o PIB cumulativamente em 1 ponto porcentual (pp) e leva a uma aumento marginal da inflação, após dois anos. Já um choque de um desvio padrão de aumento de incerteza sobre a taxa de juro real (mais especificamente, incerteza sobre a política pública que impacta diretamente o juro real, isto é, a política monetária) reduz o PIB em 1,3pp após dois anos, ao mesmo tempo em que eleva a inflação em 0,5pp.

A conclusão que se pode tirar dos dois estudos é que a velha e batida receita de estabilizar a macroeconomia (evitando surpresas na área fiscal e monetária) e tocar uma agenda de reformas pró-mercado pode não parecer a coisa mais original e descolada do mundo, mas ajuda o País a melhorar na prática.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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