Economia e políticas públicas

Opinião|Produtividade despencou na indústria brasileira - mas será mesmo?


Trabalho de Edmar Bacha, Victor Terziani, Claudio Considera e Eduardo Guimarães mostra grande recuo, mas Bráulio Borges sugere reexame de números das contas nacionais.

Por Fernando Dantas

Trabalho econométrico em progresso dos economistas Edmar Bacha, Victor Terziani, Claudio Considera e Eduardo Guimarães mostra uma fotografia surpreendente da desindustrialização brasileira entre 1995 e 2022: da queda de 5,4 pontos porcentuais (pp) da participação da indústria de transformação no PIB, 3,5pp (ou 2/3) se devem à perda relativa de produtividade da indústria, com efeitos da doença holandesa (sobrevalorização) e outros bem menos expressivos.

Na visão de Bacha e de vários outros economistas, essa queda de produtividade relativa da indústria pode estar ligada à falta de exposição do setor no Brasil à competição internacional, mas esta é uma questão ainda a ser mais bem investigada.

O economista Bráulio Borges, da LCA e do IBRE-FGV, interlocutor de Bacha e dos autores do trabalho, considera, no entanto, que o desempenho da produtividade na indústria é tão drasticamente ruim que é preciso se certificar melhor sobre se não há problemas de mensuração.

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Antes de entrar nesse tema, Borges observa que o envelhecimento demográfico extremamente veloz do Brasil pode ser um fator a mais de desindustrialização, já que os idosos consomem mais serviços do que bens, relativamente ao padrão das outras faixas etárias. Outra questão é a persistência (histerese) dos efeitos nocivos da valorização cambial mesmo depois que ela foi revertida, como mostrado em recente estudo sobre a Colômbia.

Finalmente, Borges estranha que a produtividade relativa da indústria caia quase 30 anos consecutivos, enquanto a de "outros serviços" (metade dos quais informais e tipicamente pegando os serviços menos sofisticados) no mesmo período tenha ficado estável, até subindo ligeiramente.

Ele observa, que, embora o Brasil ainda possa ser considerado um país relativamente fechado, não houve um grande e ininterrupto fechamento naquele período e, na verdade, a indústria nacional foi mais exposta à competição internacional, sobretudo chinesa.

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Além do mais, os outros serviços, já mencionados, que tiveram desempenho de produtividade melhor do que a da indústria, são basicamente imunes à competição internacional, por serem non-tradables.

Borges vem apontando há muitos anos problemas com o deflator do PIB brasileiro, que tende a correr acima dos índices de inflação. Um deflator maior, para um mesmo valor nominal do produto, significa que esse é menor.

No caso da indústria - no caso, como um todo, incluindo a extrativa, mas a de transformação representa cerca de 90% -, os dois economistas estão desenvolvendo um trabalho de estimar os volumes com deflatores alternativos.

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A ideia é fazer a conta produto a produto, mas, num primeiro exercício mais agregado, utilizando o IPA-DI da indústria da FGV como deflator da indústria, eles encontram um valor adicionado do setor crescendo 2,5% ao ano de 1994 a 2021, em vez do número de apenas 0,9% que sai dos indicadores oficiais do IBGE.

Isso faria com que a queda relativa de produtividade de 23% no período se transformasse num aumento de 40%. Obviamente, o PIB como um todo também teria crescido mais no período.

O governo Lula aposta na reindustrialização por meio de política industrial. Mas antes de tudo é necessário ter um bom diagnóstico da desindustrialização. Os trabalhos e debate de economistas como Bacha, Borges e outros são fundamentais para que se comece a entender melhor o problema.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 13/8/2024, terça-feira.

Trabalho econométrico em progresso dos economistas Edmar Bacha, Victor Terziani, Claudio Considera e Eduardo Guimarães mostra uma fotografia surpreendente da desindustrialização brasileira entre 1995 e 2022: da queda de 5,4 pontos porcentuais (pp) da participação da indústria de transformação no PIB, 3,5pp (ou 2/3) se devem à perda relativa de produtividade da indústria, com efeitos da doença holandesa (sobrevalorização) e outros bem menos expressivos.

Na visão de Bacha e de vários outros economistas, essa queda de produtividade relativa da indústria pode estar ligada à falta de exposição do setor no Brasil à competição internacional, mas esta é uma questão ainda a ser mais bem investigada.

O economista Bráulio Borges, da LCA e do IBRE-FGV, interlocutor de Bacha e dos autores do trabalho, considera, no entanto, que o desempenho da produtividade na indústria é tão drasticamente ruim que é preciso se certificar melhor sobre se não há problemas de mensuração.

Antes de entrar nesse tema, Borges observa que o envelhecimento demográfico extremamente veloz do Brasil pode ser um fator a mais de desindustrialização, já que os idosos consomem mais serviços do que bens, relativamente ao padrão das outras faixas etárias. Outra questão é a persistência (histerese) dos efeitos nocivos da valorização cambial mesmo depois que ela foi revertida, como mostrado em recente estudo sobre a Colômbia.

Finalmente, Borges estranha que a produtividade relativa da indústria caia quase 30 anos consecutivos, enquanto a de "outros serviços" (metade dos quais informais e tipicamente pegando os serviços menos sofisticados) no mesmo período tenha ficado estável, até subindo ligeiramente.

Ele observa, que, embora o Brasil ainda possa ser considerado um país relativamente fechado, não houve um grande e ininterrupto fechamento naquele período e, na verdade, a indústria nacional foi mais exposta à competição internacional, sobretudo chinesa.

Além do mais, os outros serviços, já mencionados, que tiveram desempenho de produtividade melhor do que a da indústria, são basicamente imunes à competição internacional, por serem non-tradables.

Borges vem apontando há muitos anos problemas com o deflator do PIB brasileiro, que tende a correr acima dos índices de inflação. Um deflator maior, para um mesmo valor nominal do produto, significa que esse é menor.

No caso da indústria - no caso, como um todo, incluindo a extrativa, mas a de transformação representa cerca de 90% -, os dois economistas estão desenvolvendo um trabalho de estimar os volumes com deflatores alternativos.

A ideia é fazer a conta produto a produto, mas, num primeiro exercício mais agregado, utilizando o IPA-DI da indústria da FGV como deflator da indústria, eles encontram um valor adicionado do setor crescendo 2,5% ao ano de 1994 a 2021, em vez do número de apenas 0,9% que sai dos indicadores oficiais do IBGE.

Isso faria com que a queda relativa de produtividade de 23% no período se transformasse num aumento de 40%. Obviamente, o PIB como um todo também teria crescido mais no período.

O governo Lula aposta na reindustrialização por meio de política industrial. Mas antes de tudo é necessário ter um bom diagnóstico da desindustrialização. Os trabalhos e debate de economistas como Bacha, Borges e outros são fundamentais para que se comece a entender melhor o problema.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 13/8/2024, terça-feira.

Trabalho econométrico em progresso dos economistas Edmar Bacha, Victor Terziani, Claudio Considera e Eduardo Guimarães mostra uma fotografia surpreendente da desindustrialização brasileira entre 1995 e 2022: da queda de 5,4 pontos porcentuais (pp) da participação da indústria de transformação no PIB, 3,5pp (ou 2/3) se devem à perda relativa de produtividade da indústria, com efeitos da doença holandesa (sobrevalorização) e outros bem menos expressivos.

Na visão de Bacha e de vários outros economistas, essa queda de produtividade relativa da indústria pode estar ligada à falta de exposição do setor no Brasil à competição internacional, mas esta é uma questão ainda a ser mais bem investigada.

O economista Bráulio Borges, da LCA e do IBRE-FGV, interlocutor de Bacha e dos autores do trabalho, considera, no entanto, que o desempenho da produtividade na indústria é tão drasticamente ruim que é preciso se certificar melhor sobre se não há problemas de mensuração.

Antes de entrar nesse tema, Borges observa que o envelhecimento demográfico extremamente veloz do Brasil pode ser um fator a mais de desindustrialização, já que os idosos consomem mais serviços do que bens, relativamente ao padrão das outras faixas etárias. Outra questão é a persistência (histerese) dos efeitos nocivos da valorização cambial mesmo depois que ela foi revertida, como mostrado em recente estudo sobre a Colômbia.

Finalmente, Borges estranha que a produtividade relativa da indústria caia quase 30 anos consecutivos, enquanto a de "outros serviços" (metade dos quais informais e tipicamente pegando os serviços menos sofisticados) no mesmo período tenha ficado estável, até subindo ligeiramente.

Ele observa, que, embora o Brasil ainda possa ser considerado um país relativamente fechado, não houve um grande e ininterrupto fechamento naquele período e, na verdade, a indústria nacional foi mais exposta à competição internacional, sobretudo chinesa.

Além do mais, os outros serviços, já mencionados, que tiveram desempenho de produtividade melhor do que a da indústria, são basicamente imunes à competição internacional, por serem non-tradables.

Borges vem apontando há muitos anos problemas com o deflator do PIB brasileiro, que tende a correr acima dos índices de inflação. Um deflator maior, para um mesmo valor nominal do produto, significa que esse é menor.

No caso da indústria - no caso, como um todo, incluindo a extrativa, mas a de transformação representa cerca de 90% -, os dois economistas estão desenvolvendo um trabalho de estimar os volumes com deflatores alternativos.

A ideia é fazer a conta produto a produto, mas, num primeiro exercício mais agregado, utilizando o IPA-DI da indústria da FGV como deflator da indústria, eles encontram um valor adicionado do setor crescendo 2,5% ao ano de 1994 a 2021, em vez do número de apenas 0,9% que sai dos indicadores oficiais do IBGE.

Isso faria com que a queda relativa de produtividade de 23% no período se transformasse num aumento de 40%. Obviamente, o PIB como um todo também teria crescido mais no período.

O governo Lula aposta na reindustrialização por meio de política industrial. Mas antes de tudo é necessário ter um bom diagnóstico da desindustrialização. Os trabalhos e debate de economistas como Bacha, Borges e outros são fundamentais para que se comece a entender melhor o problema.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 13/8/2024, terça-feira.

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