Em diversos países, incluindo os Estados Unidos e o Brasil, a produtividade do trabalho se elevou durante a pandemia. Essa foi uma reação "contracíclica", que chamou a atenção dos especialistas, porque normalmente a produtividade cai durante recessões.
Em recente "Boletim do BIS", os economistas Deniz Igan, Tom Rosewall e Phurichai Rungcharoenkitkul analisam a tendência da produtividade nos Estados Unidos e em diversos países avançados e emergentes durante e após a pandemia. O Banco para Compensações Internacionais, BIS na sigla em inglês, com sede na Basileia, na Suíça, é uma instituição que agrega autoridades dos bancos centrais e órgãos reguladores do sistema financeiro do mundo inteiro.
Reações contracíclicas da produtividade em relação a recessões e expansões ocorrem tipicamente, explicam os economistas, quando existe muita flexibilidade no mercado de trabalho dentro dos setores, e entre eles. Assim, durante a recessão, trabalhadores e empresas menos produtivos saem do mercado, numa espécie de "limpeza", o que faz com que a média da produtividade aumente. Quando a economia volta a crescer, a produtividade volta à sua tendência de longo prazo, dada pelo progresso tecnológico, razão entre capital e trabalho e qualidade da mão de obra.
Esse costuma ser o padrão nos Estados Unidos, uma economia muito flexível. Mas então por que, se perguntam os economistas, esse padrão ocorreu durante a pandemia no mundo inteiro, incluindo os muitos países que protegeram os empregos com esquemas de apoio governamental e, portanto, não tiveram a flexibilidade norte-americana?
Uma das explicações, eles prosseguem, foi a realocação setorial da economia durante a fase de quarentenas, com fechamento de postos de trabalho em setores de intenso contato humano e menos produtivos, como acomodação, e com aumento de postos de trabalho em setores mais produtivos (como manufaturas). A reversão pós-pandemia desse efeito também ajuda a explicar o recuo subsequente da produtividade na maioria dos países.
Mas os autores observam que, na maior parte das economias, ao fim e ao cabo a produtividade voltou a tendência de crescimento pré pandemia ou até a menos do que ela, no período que se seguiu à Covid-19. Uma notável exceção foram justamente os Estados Unidos, em que o crescimento da produtividade se manteve forte depois da pandemia.
Segundo os pesquisadores do BIS, esse bom desempenho norte-americano pode ter como uma das causas o forte investimento, por sua vez ligado ao dinamismo econômico e à flexibilidade do mercado de trabalho.
Os economistas consideram que o tamanho e o tipo de estímulo fiscal dos Estados Unidos durante a pandemia podem ter contribuído para esse resultado. O fato de as transferências terem sido para as famílias, e não para as empresas (para manterem postos de trabalho), contribuiu para melhor pareamento entre trabalhadores e postos de trabalho dentro dos setores, e para a criação de novos negócios.
Eles consideram ainda que os maciços incentivos para os setores de alta tecnologia e energia limpa (a política industrial de Joe Biden) incentivaram a tomada de risco em inovação e atraíram o setor privado para as oportunidades nesses setores. Finalmente, como fator menor, mas mesmo assim relevante, eles apontam a retomada do fluxo imigratório para os Estados Unidos após a interrupção pela pandemia.
Os autores observam que, pré-pandemia, a tendência de baixo crescimento da produtividade mundo afora pode estar ligada à diluição do capital ("capital shallowing") pelo subinvestimento. Principalmente nos países avanços, esse fator, ligado às consequências da grande crise financeira global de 2008-09, é estimado de ser responsável por até metade da desaceleração da produtividade na década de 2010.
Já a pandemia deixou um legado negativo em termos de melhora do capital humano (sobretudo pelas perdas de escolarização), que afeta com especial intensidade os países emergentes.
Outros desafios ao aumento da produtividade em termos globais são o envelhecimento demográfico (principalmente na Europa e na Ásia) e a fragmentação do comércio internacional, típicos dos tempos atuais.
Pelo lado positivo há o avanço da inteligência artificial, com estudos indicando que seu uso aumenta a produtividade do trabalho em tarefas mais demandantes de habilidades cognitivas, afetando positivamente algumas empresas. Porém, como os autores notam, tudo ainda é muito incerto em relação à IA, e, no passado, tecnologias muito promissoras demoraram a ter impactos concretos na produtividade, e, quando o tiveram, foi de forma muito desigual entre setores e países.
Com o viés de serem economistas do BIS, os autores se preocupam particularmente com o fato de que o lento aumento de produtividade na maior parte do mundo no pós-pandemia atrapalha a convergência da inflação para as metas. É sabido que ganhos salariais que não acompanham o aumento da produtividade são combustível inflacionário.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 8/10/2024, terça-feira.