Analisando-se o comunicado da S&P fica claro que os pecados capitais que levaram ao rebaixamento situam-se principalmente na área fiscal, em relação à qual a agência repete as críticas que o grosso dos analistas de mercado vêm fazendo há muito tempo: perda deliberada de transparência, combinada com piora dos resultados e uma atividade turbinada no âmbito extra-orçamentário, com os empréstimos de centenas de bilhões de reais do Tesouro ao BNDES.
Toda essa farra fiscal, porém, poderia não ser tão comprometedora se, simultaneamente a ela, a economia não tivesse escorregado para uma armadilha de baixo crescimento, alta inflação e elevado déficit em conta corrente. Como coloca a S&P, uma política fiscal deteriorada combinada a uma economia que cresce pouco e ainda assim pressiona preços e contas externas deixa o Brasil com "espaço diminuído (...) para manobrar em face dos choques externos".
Em outras palavras, o governo consumiu as margens de segurança da política econômica numa tentativa vã de reacender a chama do crescimento, mas tudo o que conseguiu foi deixar a economia brasileira mais frágil.
O rebaixamento da S&P certamente tem um conteúdo simbólico forte, por ser a primeira vez em muitos anos que o Brasil recua um degrau - segundo uma agência de rating - na marcha de estabilização e fortalecimento desde que foi superada a dramática crise de 2002 e 2003.
A decisão da S&P vai alimentar o jogo político no ano eleitoral, ainda que sabiamente tenha procurado se antecipar aos momentos mais acirrados da campanha. É previsível que forças ligadas ao governo lembrem o vexame das agências de rating durante a grande crise global, quando não identificaram o perigo iminente de países, instituições e instrumentos financeiros, como forma de desqualificar a decisão de ontem. É curioso que não dissessem o mesmo enquanto se sucediam os upgrades do Brasil. De qualquer forma, as agências, com todos os seus erros, mantêm sua influência e são levadas a sério, e é um erro menosprezar seus movimentos.
Do outro lado do campo político, também há risco de superestimar as consequências do downgrade. O Brasil mantém o grau de investimento, que é o nível a partir do qual importantes investidores institucionais externos podem aplicar no País, e, de certa forma, o rebaixamento já estava antecipado (pelo menos parcialmente) em indicadores como o credit default swap (CDS), uma espécie de seguro de crédito. O movimento da S&P não significa que o Brasil esteja na iminência de uma crise aguda, mas sim que houve uma deterioração de fundamentos, que já não justificam a nota anterior.
Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada ontem, segunda-feira, 24/3/14, pela AE-News/Broadcast