Economia e políticas públicas

Opinião|Restaram os serviços para os emergentes


Economista Dani Rodrik, tradicional defensor da política industrial, agora pensa ser inevitável que países em desenvolvimento melhorem a produtividade dos serviços. Junto a colega, ele analisa alguns caminhos para isso.

Por Fernando Dantas

Enquanto o atual governo brasileiro levanta a bandeira da reindustrialização como um dos ingredientes básicos para fazer o País escapar da "armadilha da renda média", o economista Dani Rodrik, famoso por ser um defensor não heterodoxo de política industrial, dá crescentes sinais de que está abandonando esse barco.

Não é que Rodrik tenha deixado de acreditar que a forte industrialização tenha sido um dos fatores de decolagem econômica dos tigres asiáticos (e, numa fase anterior, do mundo desenvolvido), mas sim que pensa que essa janela já se fechou. A razão é que a indústria atual gera muito pouco emprego no mundo em desenvolvimento.

Assim, o que restaria como estratégia de crescimento sustentável seria tentar melhorar a qualidade dos empregos e das empresas do setor de serviços, que é responsável pela maior parte das economias modernas. Nos países em desenvolvimento, porém, a maior parte dos serviços é precária, informal e de baixa produtividade. O upgrade dos serviços também ajudaria a diminuir a desigualdade social nas nações não desenvolvidas.

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Rodrik, professor de Harvard, acaba de publicar um estudo com o economista Rohan Sandhu, também de Harvard, em que aprofunda essa ideia e aponta caminhos para tornar mais produtivo o setor de serviços no mundo emergente.

Segundo os autores, "o desafio é aumentar a produtividade em serviços intensivos em trabalho, como varejo, cuidados e serviços pessoais e públicos, nos quais nós tivemos sucesso limitado, em parte porque esses serviços nunca foram alvos explícitos de políticas de desenvolvimento".

Eles exemplificam por que é mais difícil aumentar a produtividade em diversos tipos de serviço do que na indústria. Enquanto nesta última a evolução do maquinário torna possível multiplicar em inúmeras vezes a produção com a mesma quantidade de capital e trabalho envolvida, em tarefas como um corte de cabelo pelo barbeiro ou a regência de uma sinfonia de Beethoven pelo maestro, o tempo gasto é similar ao de centenas de anos atrás. O problema, porém, é que, com a porta da indústria como motor do desenvolvimento fechada, não há outro remédio que não o de tentar elevar a produtividade dos serviços.

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Os economistas definem quatro estratégias para aumentar a produtividade dos serviços. A primeira é fazer com que as empresas grandes e modernas desse setor - como cadeias de supermercados ou plataformas de serviços na internet -expandam sua presença e seu nível de emprego. A segunda é tentar melhorar a produtividade das pequenas empresas de serviços (muitas vezes informais, e que dominam o setor no mundo em desenvolvimento) por meio de programas públicos como treino de gestão, acesso a crédito ou subsídios, infraestrutura e assistência tecnológica.

A terceira estratégia é prover empresas e trabalhadores do setor de serviços com ferramentas digitais que complementem o trabalho de pessoas de baixa qualificação. A quarta alternativa se centra nos trabalhadores de baixa qualificação, e vai de treinamento a uma série de programas para aumentar a empregabilidade, a duração no emprego e a possibilidade de promoção desse tipo de mão de obra.

Rodrik e Sandhu analisaram 20 experiências concretas no mundo em desenvolvimento (oito na África, oito do Sul e Leste da Ásia, quatro da América Latina e uma da Europa) dos tipos de iniciativa listados acima. Dessas 20, eles destacaram quatro para detalhar no estudo: expansão do emprego, em parceria com o governo, do Uber e da plataforma de táxi Ola na Índia; treino de gestão e financiamento para pequenas empresas na Nigéria; um aplicativo de celular de apoio a trabalhadores de baixa qualificação em saúde na Índia; e treinamento e programas de assessoria de carreira e estágios para trabalhadores pouco escolarizados na África do Sul.

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Uma das conclusões a partir desses e outros casos estudados pelos pesquisadores é que a visão tradicional de oferecer treinamento aos trabalhadores e deixar as empresas criarem os postos de trabalho não é suficiente. As políticas públicas também têm que ser voltadas para a criação de empregos mais produtivos.

Dessa forma, é preciso uma coordenação estreita entre governos e empresas do setor privado. No primeiro caso mencionado, de estímulo ao aumento de emprego pelas plataformas de transporte na Índia, o governo produziu e disponibilizou dados sobre desemprego de jovens para as empresas envolvidas. O governo também, a partir do envolvimento com as empresas, desburocratizou o licenciamento de táxis.

No caso das pequenas empresas na Nigéria, o apoio exigia um plano de negócios e uma avaliação em diversas etapas de metas de criação de emprego, viabilidade dos planos, experiência e capacidade gerencial e lucratividade. Eles contrastam o efeito positivo desse programa com os impactos bem menores em termos de emprego e lucratividade de um programa em Sri Lanka que apenas subsidiava a folha de microempresas urbanas.

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Já o programa de aplicativo de celular para os trabalhadores de saúde na Índia aumentou a produtividade e a capacitação do público alvo. Uma das lições de todos esses casos, segundo os autores, é que "programas de emprego provavelmente serão menos efetivos se o componente de produtividade for negligenciado".

Eles acrescentam que programas de treinamento bem-sucedidos requerem substancial intermediação de postos de trabalho e coordenação junto às empresas para entender sua necessidade de trabalhadores, formular em conjunto o treinamento, estabelecer estágios e regimes de aprendizado e até, em alguns casos, levar as empresas a repensarem que tipo de capacitação necessitam.

E é preciso também identificar com precisão em que setores há defasagem de capacitação entre a necessidade das empresas e o que o mercado de trabalho oferece. Os economistas acrescentam que a maior parte desses programas é implementado em nível local, das municipalidades, e não em termos nacionais. Finalmente, é preciso que os diversos níveis de governo e seus variados órgãos se articulem de forma eficiente e racional, internamente e entre si.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 30/8/2024, terça-feira.

Enquanto o atual governo brasileiro levanta a bandeira da reindustrialização como um dos ingredientes básicos para fazer o País escapar da "armadilha da renda média", o economista Dani Rodrik, famoso por ser um defensor não heterodoxo de política industrial, dá crescentes sinais de que está abandonando esse barco.

Não é que Rodrik tenha deixado de acreditar que a forte industrialização tenha sido um dos fatores de decolagem econômica dos tigres asiáticos (e, numa fase anterior, do mundo desenvolvido), mas sim que pensa que essa janela já se fechou. A razão é que a indústria atual gera muito pouco emprego no mundo em desenvolvimento.

Assim, o que restaria como estratégia de crescimento sustentável seria tentar melhorar a qualidade dos empregos e das empresas do setor de serviços, que é responsável pela maior parte das economias modernas. Nos países em desenvolvimento, porém, a maior parte dos serviços é precária, informal e de baixa produtividade. O upgrade dos serviços também ajudaria a diminuir a desigualdade social nas nações não desenvolvidas.

Rodrik, professor de Harvard, acaba de publicar um estudo com o economista Rohan Sandhu, também de Harvard, em que aprofunda essa ideia e aponta caminhos para tornar mais produtivo o setor de serviços no mundo emergente.

Segundo os autores, "o desafio é aumentar a produtividade em serviços intensivos em trabalho, como varejo, cuidados e serviços pessoais e públicos, nos quais nós tivemos sucesso limitado, em parte porque esses serviços nunca foram alvos explícitos de políticas de desenvolvimento".

Eles exemplificam por que é mais difícil aumentar a produtividade em diversos tipos de serviço do que na indústria. Enquanto nesta última a evolução do maquinário torna possível multiplicar em inúmeras vezes a produção com a mesma quantidade de capital e trabalho envolvida, em tarefas como um corte de cabelo pelo barbeiro ou a regência de uma sinfonia de Beethoven pelo maestro, o tempo gasto é similar ao de centenas de anos atrás. O problema, porém, é que, com a porta da indústria como motor do desenvolvimento fechada, não há outro remédio que não o de tentar elevar a produtividade dos serviços.

Os economistas definem quatro estratégias para aumentar a produtividade dos serviços. A primeira é fazer com que as empresas grandes e modernas desse setor - como cadeias de supermercados ou plataformas de serviços na internet -expandam sua presença e seu nível de emprego. A segunda é tentar melhorar a produtividade das pequenas empresas de serviços (muitas vezes informais, e que dominam o setor no mundo em desenvolvimento) por meio de programas públicos como treino de gestão, acesso a crédito ou subsídios, infraestrutura e assistência tecnológica.

A terceira estratégia é prover empresas e trabalhadores do setor de serviços com ferramentas digitais que complementem o trabalho de pessoas de baixa qualificação. A quarta alternativa se centra nos trabalhadores de baixa qualificação, e vai de treinamento a uma série de programas para aumentar a empregabilidade, a duração no emprego e a possibilidade de promoção desse tipo de mão de obra.

Rodrik e Sandhu analisaram 20 experiências concretas no mundo em desenvolvimento (oito na África, oito do Sul e Leste da Ásia, quatro da América Latina e uma da Europa) dos tipos de iniciativa listados acima. Dessas 20, eles destacaram quatro para detalhar no estudo: expansão do emprego, em parceria com o governo, do Uber e da plataforma de táxi Ola na Índia; treino de gestão e financiamento para pequenas empresas na Nigéria; um aplicativo de celular de apoio a trabalhadores de baixa qualificação em saúde na Índia; e treinamento e programas de assessoria de carreira e estágios para trabalhadores pouco escolarizados na África do Sul.

Uma das conclusões a partir desses e outros casos estudados pelos pesquisadores é que a visão tradicional de oferecer treinamento aos trabalhadores e deixar as empresas criarem os postos de trabalho não é suficiente. As políticas públicas também têm que ser voltadas para a criação de empregos mais produtivos.

Dessa forma, é preciso uma coordenação estreita entre governos e empresas do setor privado. No primeiro caso mencionado, de estímulo ao aumento de emprego pelas plataformas de transporte na Índia, o governo produziu e disponibilizou dados sobre desemprego de jovens para as empresas envolvidas. O governo também, a partir do envolvimento com as empresas, desburocratizou o licenciamento de táxis.

No caso das pequenas empresas na Nigéria, o apoio exigia um plano de negócios e uma avaliação em diversas etapas de metas de criação de emprego, viabilidade dos planos, experiência e capacidade gerencial e lucratividade. Eles contrastam o efeito positivo desse programa com os impactos bem menores em termos de emprego e lucratividade de um programa em Sri Lanka que apenas subsidiava a folha de microempresas urbanas.

Já o programa de aplicativo de celular para os trabalhadores de saúde na Índia aumentou a produtividade e a capacitação do público alvo. Uma das lições de todos esses casos, segundo os autores, é que "programas de emprego provavelmente serão menos efetivos se o componente de produtividade for negligenciado".

Eles acrescentam que programas de treinamento bem-sucedidos requerem substancial intermediação de postos de trabalho e coordenação junto às empresas para entender sua necessidade de trabalhadores, formular em conjunto o treinamento, estabelecer estágios e regimes de aprendizado e até, em alguns casos, levar as empresas a repensarem que tipo de capacitação necessitam.

E é preciso também identificar com precisão em que setores há defasagem de capacitação entre a necessidade das empresas e o que o mercado de trabalho oferece. Os economistas acrescentam que a maior parte desses programas é implementado em nível local, das municipalidades, e não em termos nacionais. Finalmente, é preciso que os diversos níveis de governo e seus variados órgãos se articulem de forma eficiente e racional, internamente e entre si.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 30/8/2024, terça-feira.

Enquanto o atual governo brasileiro levanta a bandeira da reindustrialização como um dos ingredientes básicos para fazer o País escapar da "armadilha da renda média", o economista Dani Rodrik, famoso por ser um defensor não heterodoxo de política industrial, dá crescentes sinais de que está abandonando esse barco.

Não é que Rodrik tenha deixado de acreditar que a forte industrialização tenha sido um dos fatores de decolagem econômica dos tigres asiáticos (e, numa fase anterior, do mundo desenvolvido), mas sim que pensa que essa janela já se fechou. A razão é que a indústria atual gera muito pouco emprego no mundo em desenvolvimento.

Assim, o que restaria como estratégia de crescimento sustentável seria tentar melhorar a qualidade dos empregos e das empresas do setor de serviços, que é responsável pela maior parte das economias modernas. Nos países em desenvolvimento, porém, a maior parte dos serviços é precária, informal e de baixa produtividade. O upgrade dos serviços também ajudaria a diminuir a desigualdade social nas nações não desenvolvidas.

Rodrik, professor de Harvard, acaba de publicar um estudo com o economista Rohan Sandhu, também de Harvard, em que aprofunda essa ideia e aponta caminhos para tornar mais produtivo o setor de serviços no mundo emergente.

Segundo os autores, "o desafio é aumentar a produtividade em serviços intensivos em trabalho, como varejo, cuidados e serviços pessoais e públicos, nos quais nós tivemos sucesso limitado, em parte porque esses serviços nunca foram alvos explícitos de políticas de desenvolvimento".

Eles exemplificam por que é mais difícil aumentar a produtividade em diversos tipos de serviço do que na indústria. Enquanto nesta última a evolução do maquinário torna possível multiplicar em inúmeras vezes a produção com a mesma quantidade de capital e trabalho envolvida, em tarefas como um corte de cabelo pelo barbeiro ou a regência de uma sinfonia de Beethoven pelo maestro, o tempo gasto é similar ao de centenas de anos atrás. O problema, porém, é que, com a porta da indústria como motor do desenvolvimento fechada, não há outro remédio que não o de tentar elevar a produtividade dos serviços.

Os economistas definem quatro estratégias para aumentar a produtividade dos serviços. A primeira é fazer com que as empresas grandes e modernas desse setor - como cadeias de supermercados ou plataformas de serviços na internet -expandam sua presença e seu nível de emprego. A segunda é tentar melhorar a produtividade das pequenas empresas de serviços (muitas vezes informais, e que dominam o setor no mundo em desenvolvimento) por meio de programas públicos como treino de gestão, acesso a crédito ou subsídios, infraestrutura e assistência tecnológica.

A terceira estratégia é prover empresas e trabalhadores do setor de serviços com ferramentas digitais que complementem o trabalho de pessoas de baixa qualificação. A quarta alternativa se centra nos trabalhadores de baixa qualificação, e vai de treinamento a uma série de programas para aumentar a empregabilidade, a duração no emprego e a possibilidade de promoção desse tipo de mão de obra.

Rodrik e Sandhu analisaram 20 experiências concretas no mundo em desenvolvimento (oito na África, oito do Sul e Leste da Ásia, quatro da América Latina e uma da Europa) dos tipos de iniciativa listados acima. Dessas 20, eles destacaram quatro para detalhar no estudo: expansão do emprego, em parceria com o governo, do Uber e da plataforma de táxi Ola na Índia; treino de gestão e financiamento para pequenas empresas na Nigéria; um aplicativo de celular de apoio a trabalhadores de baixa qualificação em saúde na Índia; e treinamento e programas de assessoria de carreira e estágios para trabalhadores pouco escolarizados na África do Sul.

Uma das conclusões a partir desses e outros casos estudados pelos pesquisadores é que a visão tradicional de oferecer treinamento aos trabalhadores e deixar as empresas criarem os postos de trabalho não é suficiente. As políticas públicas também têm que ser voltadas para a criação de empregos mais produtivos.

Dessa forma, é preciso uma coordenação estreita entre governos e empresas do setor privado. No primeiro caso mencionado, de estímulo ao aumento de emprego pelas plataformas de transporte na Índia, o governo produziu e disponibilizou dados sobre desemprego de jovens para as empresas envolvidas. O governo também, a partir do envolvimento com as empresas, desburocratizou o licenciamento de táxis.

No caso das pequenas empresas na Nigéria, o apoio exigia um plano de negócios e uma avaliação em diversas etapas de metas de criação de emprego, viabilidade dos planos, experiência e capacidade gerencial e lucratividade. Eles contrastam o efeito positivo desse programa com os impactos bem menores em termos de emprego e lucratividade de um programa em Sri Lanka que apenas subsidiava a folha de microempresas urbanas.

Já o programa de aplicativo de celular para os trabalhadores de saúde na Índia aumentou a produtividade e a capacitação do público alvo. Uma das lições de todos esses casos, segundo os autores, é que "programas de emprego provavelmente serão menos efetivos se o componente de produtividade for negligenciado".

Eles acrescentam que programas de treinamento bem-sucedidos requerem substancial intermediação de postos de trabalho e coordenação junto às empresas para entender sua necessidade de trabalhadores, formular em conjunto o treinamento, estabelecer estágios e regimes de aprendizado e até, em alguns casos, levar as empresas a repensarem que tipo de capacitação necessitam.

E é preciso também identificar com precisão em que setores há defasagem de capacitação entre a necessidade das empresas e o que o mercado de trabalho oferece. Os economistas acrescentam que a maior parte desses programas é implementado em nível local, das municipalidades, e não em termos nacionais. Finalmente, é preciso que os diversos níveis de governo e seus variados órgãos se articulem de forma eficiente e racional, internamente e entre si.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 30/8/2024, terça-feira.

Enquanto o atual governo brasileiro levanta a bandeira da reindustrialização como um dos ingredientes básicos para fazer o País escapar da "armadilha da renda média", o economista Dani Rodrik, famoso por ser um defensor não heterodoxo de política industrial, dá crescentes sinais de que está abandonando esse barco.

Não é que Rodrik tenha deixado de acreditar que a forte industrialização tenha sido um dos fatores de decolagem econômica dos tigres asiáticos (e, numa fase anterior, do mundo desenvolvido), mas sim que pensa que essa janela já se fechou. A razão é que a indústria atual gera muito pouco emprego no mundo em desenvolvimento.

Assim, o que restaria como estratégia de crescimento sustentável seria tentar melhorar a qualidade dos empregos e das empresas do setor de serviços, que é responsável pela maior parte das economias modernas. Nos países em desenvolvimento, porém, a maior parte dos serviços é precária, informal e de baixa produtividade. O upgrade dos serviços também ajudaria a diminuir a desigualdade social nas nações não desenvolvidas.

Rodrik, professor de Harvard, acaba de publicar um estudo com o economista Rohan Sandhu, também de Harvard, em que aprofunda essa ideia e aponta caminhos para tornar mais produtivo o setor de serviços no mundo emergente.

Segundo os autores, "o desafio é aumentar a produtividade em serviços intensivos em trabalho, como varejo, cuidados e serviços pessoais e públicos, nos quais nós tivemos sucesso limitado, em parte porque esses serviços nunca foram alvos explícitos de políticas de desenvolvimento".

Eles exemplificam por que é mais difícil aumentar a produtividade em diversos tipos de serviço do que na indústria. Enquanto nesta última a evolução do maquinário torna possível multiplicar em inúmeras vezes a produção com a mesma quantidade de capital e trabalho envolvida, em tarefas como um corte de cabelo pelo barbeiro ou a regência de uma sinfonia de Beethoven pelo maestro, o tempo gasto é similar ao de centenas de anos atrás. O problema, porém, é que, com a porta da indústria como motor do desenvolvimento fechada, não há outro remédio que não o de tentar elevar a produtividade dos serviços.

Os economistas definem quatro estratégias para aumentar a produtividade dos serviços. A primeira é fazer com que as empresas grandes e modernas desse setor - como cadeias de supermercados ou plataformas de serviços na internet -expandam sua presença e seu nível de emprego. A segunda é tentar melhorar a produtividade das pequenas empresas de serviços (muitas vezes informais, e que dominam o setor no mundo em desenvolvimento) por meio de programas públicos como treino de gestão, acesso a crédito ou subsídios, infraestrutura e assistência tecnológica.

A terceira estratégia é prover empresas e trabalhadores do setor de serviços com ferramentas digitais que complementem o trabalho de pessoas de baixa qualificação. A quarta alternativa se centra nos trabalhadores de baixa qualificação, e vai de treinamento a uma série de programas para aumentar a empregabilidade, a duração no emprego e a possibilidade de promoção desse tipo de mão de obra.

Rodrik e Sandhu analisaram 20 experiências concretas no mundo em desenvolvimento (oito na África, oito do Sul e Leste da Ásia, quatro da América Latina e uma da Europa) dos tipos de iniciativa listados acima. Dessas 20, eles destacaram quatro para detalhar no estudo: expansão do emprego, em parceria com o governo, do Uber e da plataforma de táxi Ola na Índia; treino de gestão e financiamento para pequenas empresas na Nigéria; um aplicativo de celular de apoio a trabalhadores de baixa qualificação em saúde na Índia; e treinamento e programas de assessoria de carreira e estágios para trabalhadores pouco escolarizados na África do Sul.

Uma das conclusões a partir desses e outros casos estudados pelos pesquisadores é que a visão tradicional de oferecer treinamento aos trabalhadores e deixar as empresas criarem os postos de trabalho não é suficiente. As políticas públicas também têm que ser voltadas para a criação de empregos mais produtivos.

Dessa forma, é preciso uma coordenação estreita entre governos e empresas do setor privado. No primeiro caso mencionado, de estímulo ao aumento de emprego pelas plataformas de transporte na Índia, o governo produziu e disponibilizou dados sobre desemprego de jovens para as empresas envolvidas. O governo também, a partir do envolvimento com as empresas, desburocratizou o licenciamento de táxis.

No caso das pequenas empresas na Nigéria, o apoio exigia um plano de negócios e uma avaliação em diversas etapas de metas de criação de emprego, viabilidade dos planos, experiência e capacidade gerencial e lucratividade. Eles contrastam o efeito positivo desse programa com os impactos bem menores em termos de emprego e lucratividade de um programa em Sri Lanka que apenas subsidiava a folha de microempresas urbanas.

Já o programa de aplicativo de celular para os trabalhadores de saúde na Índia aumentou a produtividade e a capacitação do público alvo. Uma das lições de todos esses casos, segundo os autores, é que "programas de emprego provavelmente serão menos efetivos se o componente de produtividade for negligenciado".

Eles acrescentam que programas de treinamento bem-sucedidos requerem substancial intermediação de postos de trabalho e coordenação junto às empresas para entender sua necessidade de trabalhadores, formular em conjunto o treinamento, estabelecer estágios e regimes de aprendizado e até, em alguns casos, levar as empresas a repensarem que tipo de capacitação necessitam.

E é preciso também identificar com precisão em que setores há defasagem de capacitação entre a necessidade das empresas e o que o mercado de trabalho oferece. Os economistas acrescentam que a maior parte desses programas é implementado em nível local, das municipalidades, e não em termos nacionais. Finalmente, é preciso que os diversos níveis de governo e seus variados órgãos se articulem de forma eficiente e racional, internamente e entre si.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 30/8/2024, terça-feira.

Enquanto o atual governo brasileiro levanta a bandeira da reindustrialização como um dos ingredientes básicos para fazer o País escapar da "armadilha da renda média", o economista Dani Rodrik, famoso por ser um defensor não heterodoxo de política industrial, dá crescentes sinais de que está abandonando esse barco.

Não é que Rodrik tenha deixado de acreditar que a forte industrialização tenha sido um dos fatores de decolagem econômica dos tigres asiáticos (e, numa fase anterior, do mundo desenvolvido), mas sim que pensa que essa janela já se fechou. A razão é que a indústria atual gera muito pouco emprego no mundo em desenvolvimento.

Assim, o que restaria como estratégia de crescimento sustentável seria tentar melhorar a qualidade dos empregos e das empresas do setor de serviços, que é responsável pela maior parte das economias modernas. Nos países em desenvolvimento, porém, a maior parte dos serviços é precária, informal e de baixa produtividade. O upgrade dos serviços também ajudaria a diminuir a desigualdade social nas nações não desenvolvidas.

Rodrik, professor de Harvard, acaba de publicar um estudo com o economista Rohan Sandhu, também de Harvard, em que aprofunda essa ideia e aponta caminhos para tornar mais produtivo o setor de serviços no mundo emergente.

Segundo os autores, "o desafio é aumentar a produtividade em serviços intensivos em trabalho, como varejo, cuidados e serviços pessoais e públicos, nos quais nós tivemos sucesso limitado, em parte porque esses serviços nunca foram alvos explícitos de políticas de desenvolvimento".

Eles exemplificam por que é mais difícil aumentar a produtividade em diversos tipos de serviço do que na indústria. Enquanto nesta última a evolução do maquinário torna possível multiplicar em inúmeras vezes a produção com a mesma quantidade de capital e trabalho envolvida, em tarefas como um corte de cabelo pelo barbeiro ou a regência de uma sinfonia de Beethoven pelo maestro, o tempo gasto é similar ao de centenas de anos atrás. O problema, porém, é que, com a porta da indústria como motor do desenvolvimento fechada, não há outro remédio que não o de tentar elevar a produtividade dos serviços.

Os economistas definem quatro estratégias para aumentar a produtividade dos serviços. A primeira é fazer com que as empresas grandes e modernas desse setor - como cadeias de supermercados ou plataformas de serviços na internet -expandam sua presença e seu nível de emprego. A segunda é tentar melhorar a produtividade das pequenas empresas de serviços (muitas vezes informais, e que dominam o setor no mundo em desenvolvimento) por meio de programas públicos como treino de gestão, acesso a crédito ou subsídios, infraestrutura e assistência tecnológica.

A terceira estratégia é prover empresas e trabalhadores do setor de serviços com ferramentas digitais que complementem o trabalho de pessoas de baixa qualificação. A quarta alternativa se centra nos trabalhadores de baixa qualificação, e vai de treinamento a uma série de programas para aumentar a empregabilidade, a duração no emprego e a possibilidade de promoção desse tipo de mão de obra.

Rodrik e Sandhu analisaram 20 experiências concretas no mundo em desenvolvimento (oito na África, oito do Sul e Leste da Ásia, quatro da América Latina e uma da Europa) dos tipos de iniciativa listados acima. Dessas 20, eles destacaram quatro para detalhar no estudo: expansão do emprego, em parceria com o governo, do Uber e da plataforma de táxi Ola na Índia; treino de gestão e financiamento para pequenas empresas na Nigéria; um aplicativo de celular de apoio a trabalhadores de baixa qualificação em saúde na Índia; e treinamento e programas de assessoria de carreira e estágios para trabalhadores pouco escolarizados na África do Sul.

Uma das conclusões a partir desses e outros casos estudados pelos pesquisadores é que a visão tradicional de oferecer treinamento aos trabalhadores e deixar as empresas criarem os postos de trabalho não é suficiente. As políticas públicas também têm que ser voltadas para a criação de empregos mais produtivos.

Dessa forma, é preciso uma coordenação estreita entre governos e empresas do setor privado. No primeiro caso mencionado, de estímulo ao aumento de emprego pelas plataformas de transporte na Índia, o governo produziu e disponibilizou dados sobre desemprego de jovens para as empresas envolvidas. O governo também, a partir do envolvimento com as empresas, desburocratizou o licenciamento de táxis.

No caso das pequenas empresas na Nigéria, o apoio exigia um plano de negócios e uma avaliação em diversas etapas de metas de criação de emprego, viabilidade dos planos, experiência e capacidade gerencial e lucratividade. Eles contrastam o efeito positivo desse programa com os impactos bem menores em termos de emprego e lucratividade de um programa em Sri Lanka que apenas subsidiava a folha de microempresas urbanas.

Já o programa de aplicativo de celular para os trabalhadores de saúde na Índia aumentou a produtividade e a capacitação do público alvo. Uma das lições de todos esses casos, segundo os autores, é que "programas de emprego provavelmente serão menos efetivos se o componente de produtividade for negligenciado".

Eles acrescentam que programas de treinamento bem-sucedidos requerem substancial intermediação de postos de trabalho e coordenação junto às empresas para entender sua necessidade de trabalhadores, formular em conjunto o treinamento, estabelecer estágios e regimes de aprendizado e até, em alguns casos, levar as empresas a repensarem que tipo de capacitação necessitam.

E é preciso também identificar com precisão em que setores há defasagem de capacitação entre a necessidade das empresas e o que o mercado de trabalho oferece. Os economistas acrescentam que a maior parte desses programas é implementado em nível local, das municipalidades, e não em termos nacionais. Finalmente, é preciso que os diversos níveis de governo e seus variados órgãos se articulem de forma eficiente e racional, internamente e entre si.

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