Economia e políticas públicas

Opinião|Risco econômico de Trump está sendo exagerado?


Alguns analistas não veem razão para alarme com eleição do novo presidente norte-americano, e consideram inclusive que, do ponto de vista econômico, pode haver algumas melhoras.

Por Fernando Dantas

A eleição de Donald Trump para mais um mandato presidencial fez soar vários alarmes de perigo econômico mundo afora. Para muitos analistas, a combinação de imposição de altas tarifas e expulsão em massa de imigrantes ilegais vai atiçar de novo a fogueira inflacionária. E daí vêm alta de juros, instabilidade econômica e problemas agravados no ambiente internacional para emergentes como o Brasil. A vontade de Trump de cortar impostos, por sua vez, piora a situação fiscal dos Estados Unidos, ampliando todos esses problemas.

A coluna leva a sério esses riscos, que já foram tema neste espaço mais de uma vez. Mas é sempre útil prestar atenção ao contraditório, nem que seja para refinar as próprias convicções e argumentos.

E há, de fato, vozes na comunidade de analistas e do mercado financeiro que divergem desses prognósticos mais alarmantes sobre o risco econômico de Trump. Uma delas é a do economista Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central, com carreira no mercado financeiro internacional e hoje professor da Georgetown University, em Washington DC.

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Ele alerta que, em primeiro lugar, é preciso distinguir a retórica de campanha de Trump de seu plano de governo. Segundo Volpon, os democratas têm dificuldade de entender que uma das principais armas eleitorais de Trump é falar coisas exageradas e ultrajantes para provocar uma forte reação nos seus adversários.

"Não há nada que deixe um eleitor do Trump mais feliz do que ver um democrata furioso", nota o economista.

Mas Volpon nota que o presidente eleito dos Estados Unidos tem de fato algumas convicções firmes, como a de crer que uma política tarifária agressiva deve ser adotada como ferramenta de negociações comerciais.

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O analista lembra que, em seu primeiro mandato, Trump renegociou o Nafta (acordo de livre comércio dos EUA, Canadá e México) "na marra", ameaçando os outros dois países como drásticas elevações de tarifas. No caso da China, as negociações não foram bem-sucedidas, e elevadas tarifas foram impostas pelos Estados Unidos - mas a política foi mantida e aprofundada por Biden, lembra Volpon.

Ele prevê que os EUA vão voltar a usar ameaças tarifárias como arma de negociação e que deve haver aumentos. Por outro lado, Volpon pensa que essas altas não serão na proporção alardeada na campanha, porque "haverá uma equipe de economistas e tecnocratas para mostrar ao presidente o trade-off entre tarifas e inflação".

O economista considera que o fato de a alta da inflação e do nível de preços ser apontada como uma das principais causas da derrota de Kamala Harris deve reforçar no novo governo a cautela em relação à inflação.

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Em relação à parte fiscal, Volpon pensa que a ideia de que grandes déficits não são grande problema para os Estados Unidos é compartilhada hoje por republicanos e democratas, e ele não vê muita diferença em relação ao que ocorreria com a vitória de Harris. A capacidade de os Estados Unidos se financiarem indefinidamente permanece como uma questão importante, mas, para o economista, "não deve ser o fim do mundo". Ele recorda que, por volta de 1985 e de 2000, ocorreram picos dos déficits gêmeos (fiscal e externo) norte-americanos.

Um fator positivo para o mercado no governo Trump, de acordo com Volpon, é a interação no campo de reforma do Estado e de desregulamentação (do setor de alta tecnologia, em particular) que pode ser trazida pela ação do vice-presidente, JD Vance, e de megaempreendedores e bilionários envolvidos na campanha, como Elon Musk e Peter Thiel - os três crias do setor de altíssima tecnologia.

Volpon crê que Vance será um vice nada decorativo, a começar pela avançada idade de Trump. Musk estaria indicado para liderar a reforma de Estado, mas há dúvida sobre como poderia conciliar esse trabalho ao longo do tempo com a gestão do seu império de empresas. De qualquer forma, principalmente pela atuação de Vance de dentro do governo, poderia haver avanços significativos de gestão pública e desregulamentação.

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Alexandre Manoel, economista-chefe da gestora AZ Quest, e que vê as previsões pessimistas sobre a economia com Trump como possivelmente exageradas, nota que Musk pode vir a ser uma espécie de "ministro da Gestão (equivalente a Esther Dweck no Brasil). O homem mais rico do mundo provavelmente gostaria de deixar uma marca nessa passagem pelo setor público, e Manoel vê chance de uma reforma administrativa com grande economia fiscal. Segundo ele, os gastos com folha no governo dos EUA e de outros países desenvolvidos fica na faixa de 1/3 a 1/5 da arrecadação. Nesse sentido, Manoel vê até chances de melhora no fiscal.

Esse é um dos fatores pelos quais o analista da AZ Quest considera que o risco inflacionário de Trump pode estar sendo exagerado. Outra razão é que o presidente eleito vai desregulamentar e facilitar (inclusive por sua intenção de frear a transição energética) a exploração de petróleo e gás, o que pode baixar o preço da commodity mais importante do mundo - sendo, portanto, um desdobramento desinflacionário.

Manoel nota que diminuir a velocidade da transição energética envolve um equilíbrio entre objetivos de curto e longo prazo. No curto e mesmo no médio, reduzir a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética encarece logística e insumos, sendo, por exemplo, uma das causas da alta global de preços de alimentos, que pesa particularmente para os pobres.

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O economista da AZ Quest também vê a necessidade e diferenciar campanha e governo em temas como protecionismo e imigração. Ele lembra que, como costuma ser o caso de empreendedores bilionários, Trump parece alguém eminentemente pragmático, que muda de ideia se determinado caminho está se provando errado.

Manoel exemplifica com a pandemia, no início da qual tanto Trump quanto Bolsonaro manifestaram ceticismo em relação à gravidade do problema e à eficácia das vacinas. Mas enquanto Bolsonaro permaneceu na mesma postura (o Brasil comprou vacinas, mas o ex-presidente continuou a se mostrar cético e relutante), Trump deu uma guinada de 180 graus e partiu para uma estratégia superagressiva de aquisição de vacinas.

"O Trump desiste facilmente de ideias que se provam erradas, como é comum entre aqueles que têm e fazem muito dinheiro", analisa o economista.

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Até na questão do ambiente geopolítico global, Manoel pondera que, no primeiro governo Trump, "ao seu jeito", o presidente eleito conseguiu criar um clima internacional menos aguerrido, quando se pensa, por exemplo, nas tensões atuais entre Estados Unidos e China.

Já em relação à questão democrática, Tony Volpon não vê nenhum risco nesse segundo governo Trump. Segundo o ex-diretor do BC, o presidente eleito de fato se considerou "roubado" na eleição de 2020, mas agora, com sua vitória em 2024, está "vingado". Volpon pensa que os republicanos são uma nova maioria nos Estados Unidos, com chance inclusive de ter supremacia no Senado (já conquistada) e no Congresso (ainda falta ver o fechamento da eleição para a Câmara). Nessa situação tão confortável, pergunta-se Volpon, "para que pensar em golpe?"

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 6/11/2024, quarta-feira.

A eleição de Donald Trump para mais um mandato presidencial fez soar vários alarmes de perigo econômico mundo afora. Para muitos analistas, a combinação de imposição de altas tarifas e expulsão em massa de imigrantes ilegais vai atiçar de novo a fogueira inflacionária. E daí vêm alta de juros, instabilidade econômica e problemas agravados no ambiente internacional para emergentes como o Brasil. A vontade de Trump de cortar impostos, por sua vez, piora a situação fiscal dos Estados Unidos, ampliando todos esses problemas.

A coluna leva a sério esses riscos, que já foram tema neste espaço mais de uma vez. Mas é sempre útil prestar atenção ao contraditório, nem que seja para refinar as próprias convicções e argumentos.

E há, de fato, vozes na comunidade de analistas e do mercado financeiro que divergem desses prognósticos mais alarmantes sobre o risco econômico de Trump. Uma delas é a do economista Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central, com carreira no mercado financeiro internacional e hoje professor da Georgetown University, em Washington DC.

Ele alerta que, em primeiro lugar, é preciso distinguir a retórica de campanha de Trump de seu plano de governo. Segundo Volpon, os democratas têm dificuldade de entender que uma das principais armas eleitorais de Trump é falar coisas exageradas e ultrajantes para provocar uma forte reação nos seus adversários.

"Não há nada que deixe um eleitor do Trump mais feliz do que ver um democrata furioso", nota o economista.

Mas Volpon nota que o presidente eleito dos Estados Unidos tem de fato algumas convicções firmes, como a de crer que uma política tarifária agressiva deve ser adotada como ferramenta de negociações comerciais.

O analista lembra que, em seu primeiro mandato, Trump renegociou o Nafta (acordo de livre comércio dos EUA, Canadá e México) "na marra", ameaçando os outros dois países como drásticas elevações de tarifas. No caso da China, as negociações não foram bem-sucedidas, e elevadas tarifas foram impostas pelos Estados Unidos - mas a política foi mantida e aprofundada por Biden, lembra Volpon.

Ele prevê que os EUA vão voltar a usar ameaças tarifárias como arma de negociação e que deve haver aumentos. Por outro lado, Volpon pensa que essas altas não serão na proporção alardeada na campanha, porque "haverá uma equipe de economistas e tecnocratas para mostrar ao presidente o trade-off entre tarifas e inflação".

O economista considera que o fato de a alta da inflação e do nível de preços ser apontada como uma das principais causas da derrota de Kamala Harris deve reforçar no novo governo a cautela em relação à inflação.

Em relação à parte fiscal, Volpon pensa que a ideia de que grandes déficits não são grande problema para os Estados Unidos é compartilhada hoje por republicanos e democratas, e ele não vê muita diferença em relação ao que ocorreria com a vitória de Harris. A capacidade de os Estados Unidos se financiarem indefinidamente permanece como uma questão importante, mas, para o economista, "não deve ser o fim do mundo". Ele recorda que, por volta de 1985 e de 2000, ocorreram picos dos déficits gêmeos (fiscal e externo) norte-americanos.

Um fator positivo para o mercado no governo Trump, de acordo com Volpon, é a interação no campo de reforma do Estado e de desregulamentação (do setor de alta tecnologia, em particular) que pode ser trazida pela ação do vice-presidente, JD Vance, e de megaempreendedores e bilionários envolvidos na campanha, como Elon Musk e Peter Thiel - os três crias do setor de altíssima tecnologia.

Volpon crê que Vance será um vice nada decorativo, a começar pela avançada idade de Trump. Musk estaria indicado para liderar a reforma de Estado, mas há dúvida sobre como poderia conciliar esse trabalho ao longo do tempo com a gestão do seu império de empresas. De qualquer forma, principalmente pela atuação de Vance de dentro do governo, poderia haver avanços significativos de gestão pública e desregulamentação.

Alexandre Manoel, economista-chefe da gestora AZ Quest, e que vê as previsões pessimistas sobre a economia com Trump como possivelmente exageradas, nota que Musk pode vir a ser uma espécie de "ministro da Gestão (equivalente a Esther Dweck no Brasil). O homem mais rico do mundo provavelmente gostaria de deixar uma marca nessa passagem pelo setor público, e Manoel vê chance de uma reforma administrativa com grande economia fiscal. Segundo ele, os gastos com folha no governo dos EUA e de outros países desenvolvidos fica na faixa de 1/3 a 1/5 da arrecadação. Nesse sentido, Manoel vê até chances de melhora no fiscal.

Esse é um dos fatores pelos quais o analista da AZ Quest considera que o risco inflacionário de Trump pode estar sendo exagerado. Outra razão é que o presidente eleito vai desregulamentar e facilitar (inclusive por sua intenção de frear a transição energética) a exploração de petróleo e gás, o que pode baixar o preço da commodity mais importante do mundo - sendo, portanto, um desdobramento desinflacionário.

Manoel nota que diminuir a velocidade da transição energética envolve um equilíbrio entre objetivos de curto e longo prazo. No curto e mesmo no médio, reduzir a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética encarece logística e insumos, sendo, por exemplo, uma das causas da alta global de preços de alimentos, que pesa particularmente para os pobres.

O economista da AZ Quest também vê a necessidade e diferenciar campanha e governo em temas como protecionismo e imigração. Ele lembra que, como costuma ser o caso de empreendedores bilionários, Trump parece alguém eminentemente pragmático, que muda de ideia se determinado caminho está se provando errado.

Manoel exemplifica com a pandemia, no início da qual tanto Trump quanto Bolsonaro manifestaram ceticismo em relação à gravidade do problema e à eficácia das vacinas. Mas enquanto Bolsonaro permaneceu na mesma postura (o Brasil comprou vacinas, mas o ex-presidente continuou a se mostrar cético e relutante), Trump deu uma guinada de 180 graus e partiu para uma estratégia superagressiva de aquisição de vacinas.

"O Trump desiste facilmente de ideias que se provam erradas, como é comum entre aqueles que têm e fazem muito dinheiro", analisa o economista.

Até na questão do ambiente geopolítico global, Manoel pondera que, no primeiro governo Trump, "ao seu jeito", o presidente eleito conseguiu criar um clima internacional menos aguerrido, quando se pensa, por exemplo, nas tensões atuais entre Estados Unidos e China.

Já em relação à questão democrática, Tony Volpon não vê nenhum risco nesse segundo governo Trump. Segundo o ex-diretor do BC, o presidente eleito de fato se considerou "roubado" na eleição de 2020, mas agora, com sua vitória em 2024, está "vingado". Volpon pensa que os republicanos são uma nova maioria nos Estados Unidos, com chance inclusive de ter supremacia no Senado (já conquistada) e no Congresso (ainda falta ver o fechamento da eleição para a Câmara). Nessa situação tão confortável, pergunta-se Volpon, "para que pensar em golpe?"

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 6/11/2024, quarta-feira.

A eleição de Donald Trump para mais um mandato presidencial fez soar vários alarmes de perigo econômico mundo afora. Para muitos analistas, a combinação de imposição de altas tarifas e expulsão em massa de imigrantes ilegais vai atiçar de novo a fogueira inflacionária. E daí vêm alta de juros, instabilidade econômica e problemas agravados no ambiente internacional para emergentes como o Brasil. A vontade de Trump de cortar impostos, por sua vez, piora a situação fiscal dos Estados Unidos, ampliando todos esses problemas.

A coluna leva a sério esses riscos, que já foram tema neste espaço mais de uma vez. Mas é sempre útil prestar atenção ao contraditório, nem que seja para refinar as próprias convicções e argumentos.

E há, de fato, vozes na comunidade de analistas e do mercado financeiro que divergem desses prognósticos mais alarmantes sobre o risco econômico de Trump. Uma delas é a do economista Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central, com carreira no mercado financeiro internacional e hoje professor da Georgetown University, em Washington DC.

Ele alerta que, em primeiro lugar, é preciso distinguir a retórica de campanha de Trump de seu plano de governo. Segundo Volpon, os democratas têm dificuldade de entender que uma das principais armas eleitorais de Trump é falar coisas exageradas e ultrajantes para provocar uma forte reação nos seus adversários.

"Não há nada que deixe um eleitor do Trump mais feliz do que ver um democrata furioso", nota o economista.

Mas Volpon nota que o presidente eleito dos Estados Unidos tem de fato algumas convicções firmes, como a de crer que uma política tarifária agressiva deve ser adotada como ferramenta de negociações comerciais.

O analista lembra que, em seu primeiro mandato, Trump renegociou o Nafta (acordo de livre comércio dos EUA, Canadá e México) "na marra", ameaçando os outros dois países como drásticas elevações de tarifas. No caso da China, as negociações não foram bem-sucedidas, e elevadas tarifas foram impostas pelos Estados Unidos - mas a política foi mantida e aprofundada por Biden, lembra Volpon.

Ele prevê que os EUA vão voltar a usar ameaças tarifárias como arma de negociação e que deve haver aumentos. Por outro lado, Volpon pensa que essas altas não serão na proporção alardeada na campanha, porque "haverá uma equipe de economistas e tecnocratas para mostrar ao presidente o trade-off entre tarifas e inflação".

O economista considera que o fato de a alta da inflação e do nível de preços ser apontada como uma das principais causas da derrota de Kamala Harris deve reforçar no novo governo a cautela em relação à inflação.

Em relação à parte fiscal, Volpon pensa que a ideia de que grandes déficits não são grande problema para os Estados Unidos é compartilhada hoje por republicanos e democratas, e ele não vê muita diferença em relação ao que ocorreria com a vitória de Harris. A capacidade de os Estados Unidos se financiarem indefinidamente permanece como uma questão importante, mas, para o economista, "não deve ser o fim do mundo". Ele recorda que, por volta de 1985 e de 2000, ocorreram picos dos déficits gêmeos (fiscal e externo) norte-americanos.

Um fator positivo para o mercado no governo Trump, de acordo com Volpon, é a interação no campo de reforma do Estado e de desregulamentação (do setor de alta tecnologia, em particular) que pode ser trazida pela ação do vice-presidente, JD Vance, e de megaempreendedores e bilionários envolvidos na campanha, como Elon Musk e Peter Thiel - os três crias do setor de altíssima tecnologia.

Volpon crê que Vance será um vice nada decorativo, a começar pela avançada idade de Trump. Musk estaria indicado para liderar a reforma de Estado, mas há dúvida sobre como poderia conciliar esse trabalho ao longo do tempo com a gestão do seu império de empresas. De qualquer forma, principalmente pela atuação de Vance de dentro do governo, poderia haver avanços significativos de gestão pública e desregulamentação.

Alexandre Manoel, economista-chefe da gestora AZ Quest, e que vê as previsões pessimistas sobre a economia com Trump como possivelmente exageradas, nota que Musk pode vir a ser uma espécie de "ministro da Gestão (equivalente a Esther Dweck no Brasil). O homem mais rico do mundo provavelmente gostaria de deixar uma marca nessa passagem pelo setor público, e Manoel vê chance de uma reforma administrativa com grande economia fiscal. Segundo ele, os gastos com folha no governo dos EUA e de outros países desenvolvidos fica na faixa de 1/3 a 1/5 da arrecadação. Nesse sentido, Manoel vê até chances de melhora no fiscal.

Esse é um dos fatores pelos quais o analista da AZ Quest considera que o risco inflacionário de Trump pode estar sendo exagerado. Outra razão é que o presidente eleito vai desregulamentar e facilitar (inclusive por sua intenção de frear a transição energética) a exploração de petróleo e gás, o que pode baixar o preço da commodity mais importante do mundo - sendo, portanto, um desdobramento desinflacionário.

Manoel nota que diminuir a velocidade da transição energética envolve um equilíbrio entre objetivos de curto e longo prazo. No curto e mesmo no médio, reduzir a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética encarece logística e insumos, sendo, por exemplo, uma das causas da alta global de preços de alimentos, que pesa particularmente para os pobres.

O economista da AZ Quest também vê a necessidade e diferenciar campanha e governo em temas como protecionismo e imigração. Ele lembra que, como costuma ser o caso de empreendedores bilionários, Trump parece alguém eminentemente pragmático, que muda de ideia se determinado caminho está se provando errado.

Manoel exemplifica com a pandemia, no início da qual tanto Trump quanto Bolsonaro manifestaram ceticismo em relação à gravidade do problema e à eficácia das vacinas. Mas enquanto Bolsonaro permaneceu na mesma postura (o Brasil comprou vacinas, mas o ex-presidente continuou a se mostrar cético e relutante), Trump deu uma guinada de 180 graus e partiu para uma estratégia superagressiva de aquisição de vacinas.

"O Trump desiste facilmente de ideias que se provam erradas, como é comum entre aqueles que têm e fazem muito dinheiro", analisa o economista.

Até na questão do ambiente geopolítico global, Manoel pondera que, no primeiro governo Trump, "ao seu jeito", o presidente eleito conseguiu criar um clima internacional menos aguerrido, quando se pensa, por exemplo, nas tensões atuais entre Estados Unidos e China.

Já em relação à questão democrática, Tony Volpon não vê nenhum risco nesse segundo governo Trump. Segundo o ex-diretor do BC, o presidente eleito de fato se considerou "roubado" na eleição de 2020, mas agora, com sua vitória em 2024, está "vingado". Volpon pensa que os republicanos são uma nova maioria nos Estados Unidos, com chance inclusive de ter supremacia no Senado (já conquistada) e no Congresso (ainda falta ver o fechamento da eleição para a Câmara). Nessa situação tão confortável, pergunta-se Volpon, "para que pensar em golpe?"

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 6/11/2024, quarta-feira.

A eleição de Donald Trump para mais um mandato presidencial fez soar vários alarmes de perigo econômico mundo afora. Para muitos analistas, a combinação de imposição de altas tarifas e expulsão em massa de imigrantes ilegais vai atiçar de novo a fogueira inflacionária. E daí vêm alta de juros, instabilidade econômica e problemas agravados no ambiente internacional para emergentes como o Brasil. A vontade de Trump de cortar impostos, por sua vez, piora a situação fiscal dos Estados Unidos, ampliando todos esses problemas.

A coluna leva a sério esses riscos, que já foram tema neste espaço mais de uma vez. Mas é sempre útil prestar atenção ao contraditório, nem que seja para refinar as próprias convicções e argumentos.

E há, de fato, vozes na comunidade de analistas e do mercado financeiro que divergem desses prognósticos mais alarmantes sobre o risco econômico de Trump. Uma delas é a do economista Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central, com carreira no mercado financeiro internacional e hoje professor da Georgetown University, em Washington DC.

Ele alerta que, em primeiro lugar, é preciso distinguir a retórica de campanha de Trump de seu plano de governo. Segundo Volpon, os democratas têm dificuldade de entender que uma das principais armas eleitorais de Trump é falar coisas exageradas e ultrajantes para provocar uma forte reação nos seus adversários.

"Não há nada que deixe um eleitor do Trump mais feliz do que ver um democrata furioso", nota o economista.

Mas Volpon nota que o presidente eleito dos Estados Unidos tem de fato algumas convicções firmes, como a de crer que uma política tarifária agressiva deve ser adotada como ferramenta de negociações comerciais.

O analista lembra que, em seu primeiro mandato, Trump renegociou o Nafta (acordo de livre comércio dos EUA, Canadá e México) "na marra", ameaçando os outros dois países como drásticas elevações de tarifas. No caso da China, as negociações não foram bem-sucedidas, e elevadas tarifas foram impostas pelos Estados Unidos - mas a política foi mantida e aprofundada por Biden, lembra Volpon.

Ele prevê que os EUA vão voltar a usar ameaças tarifárias como arma de negociação e que deve haver aumentos. Por outro lado, Volpon pensa que essas altas não serão na proporção alardeada na campanha, porque "haverá uma equipe de economistas e tecnocratas para mostrar ao presidente o trade-off entre tarifas e inflação".

O economista considera que o fato de a alta da inflação e do nível de preços ser apontada como uma das principais causas da derrota de Kamala Harris deve reforçar no novo governo a cautela em relação à inflação.

Em relação à parte fiscal, Volpon pensa que a ideia de que grandes déficits não são grande problema para os Estados Unidos é compartilhada hoje por republicanos e democratas, e ele não vê muita diferença em relação ao que ocorreria com a vitória de Harris. A capacidade de os Estados Unidos se financiarem indefinidamente permanece como uma questão importante, mas, para o economista, "não deve ser o fim do mundo". Ele recorda que, por volta de 1985 e de 2000, ocorreram picos dos déficits gêmeos (fiscal e externo) norte-americanos.

Um fator positivo para o mercado no governo Trump, de acordo com Volpon, é a interação no campo de reforma do Estado e de desregulamentação (do setor de alta tecnologia, em particular) que pode ser trazida pela ação do vice-presidente, JD Vance, e de megaempreendedores e bilionários envolvidos na campanha, como Elon Musk e Peter Thiel - os três crias do setor de altíssima tecnologia.

Volpon crê que Vance será um vice nada decorativo, a começar pela avançada idade de Trump. Musk estaria indicado para liderar a reforma de Estado, mas há dúvida sobre como poderia conciliar esse trabalho ao longo do tempo com a gestão do seu império de empresas. De qualquer forma, principalmente pela atuação de Vance de dentro do governo, poderia haver avanços significativos de gestão pública e desregulamentação.

Alexandre Manoel, economista-chefe da gestora AZ Quest, e que vê as previsões pessimistas sobre a economia com Trump como possivelmente exageradas, nota que Musk pode vir a ser uma espécie de "ministro da Gestão (equivalente a Esther Dweck no Brasil). O homem mais rico do mundo provavelmente gostaria de deixar uma marca nessa passagem pelo setor público, e Manoel vê chance de uma reforma administrativa com grande economia fiscal. Segundo ele, os gastos com folha no governo dos EUA e de outros países desenvolvidos fica na faixa de 1/3 a 1/5 da arrecadação. Nesse sentido, Manoel vê até chances de melhora no fiscal.

Esse é um dos fatores pelos quais o analista da AZ Quest considera que o risco inflacionário de Trump pode estar sendo exagerado. Outra razão é que o presidente eleito vai desregulamentar e facilitar (inclusive por sua intenção de frear a transição energética) a exploração de petróleo e gás, o que pode baixar o preço da commodity mais importante do mundo - sendo, portanto, um desdobramento desinflacionário.

Manoel nota que diminuir a velocidade da transição energética envolve um equilíbrio entre objetivos de curto e longo prazo. No curto e mesmo no médio, reduzir a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética encarece logística e insumos, sendo, por exemplo, uma das causas da alta global de preços de alimentos, que pesa particularmente para os pobres.

O economista da AZ Quest também vê a necessidade e diferenciar campanha e governo em temas como protecionismo e imigração. Ele lembra que, como costuma ser o caso de empreendedores bilionários, Trump parece alguém eminentemente pragmático, que muda de ideia se determinado caminho está se provando errado.

Manoel exemplifica com a pandemia, no início da qual tanto Trump quanto Bolsonaro manifestaram ceticismo em relação à gravidade do problema e à eficácia das vacinas. Mas enquanto Bolsonaro permaneceu na mesma postura (o Brasil comprou vacinas, mas o ex-presidente continuou a se mostrar cético e relutante), Trump deu uma guinada de 180 graus e partiu para uma estratégia superagressiva de aquisição de vacinas.

"O Trump desiste facilmente de ideias que se provam erradas, como é comum entre aqueles que têm e fazem muito dinheiro", analisa o economista.

Até na questão do ambiente geopolítico global, Manoel pondera que, no primeiro governo Trump, "ao seu jeito", o presidente eleito conseguiu criar um clima internacional menos aguerrido, quando se pensa, por exemplo, nas tensões atuais entre Estados Unidos e China.

Já em relação à questão democrática, Tony Volpon não vê nenhum risco nesse segundo governo Trump. Segundo o ex-diretor do BC, o presidente eleito de fato se considerou "roubado" na eleição de 2020, mas agora, com sua vitória em 2024, está "vingado". Volpon pensa que os republicanos são uma nova maioria nos Estados Unidos, com chance inclusive de ter supremacia no Senado (já conquistada) e no Congresso (ainda falta ver o fechamento da eleição para a Câmara). Nessa situação tão confortável, pergunta-se Volpon, "para que pensar em golpe?"

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 6/11/2024, quarta-feira.

A eleição de Donald Trump para mais um mandato presidencial fez soar vários alarmes de perigo econômico mundo afora. Para muitos analistas, a combinação de imposição de altas tarifas e expulsão em massa de imigrantes ilegais vai atiçar de novo a fogueira inflacionária. E daí vêm alta de juros, instabilidade econômica e problemas agravados no ambiente internacional para emergentes como o Brasil. A vontade de Trump de cortar impostos, por sua vez, piora a situação fiscal dos Estados Unidos, ampliando todos esses problemas.

A coluna leva a sério esses riscos, que já foram tema neste espaço mais de uma vez. Mas é sempre útil prestar atenção ao contraditório, nem que seja para refinar as próprias convicções e argumentos.

E há, de fato, vozes na comunidade de analistas e do mercado financeiro que divergem desses prognósticos mais alarmantes sobre o risco econômico de Trump. Uma delas é a do economista Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central, com carreira no mercado financeiro internacional e hoje professor da Georgetown University, em Washington DC.

Ele alerta que, em primeiro lugar, é preciso distinguir a retórica de campanha de Trump de seu plano de governo. Segundo Volpon, os democratas têm dificuldade de entender que uma das principais armas eleitorais de Trump é falar coisas exageradas e ultrajantes para provocar uma forte reação nos seus adversários.

"Não há nada que deixe um eleitor do Trump mais feliz do que ver um democrata furioso", nota o economista.

Mas Volpon nota que o presidente eleito dos Estados Unidos tem de fato algumas convicções firmes, como a de crer que uma política tarifária agressiva deve ser adotada como ferramenta de negociações comerciais.

O analista lembra que, em seu primeiro mandato, Trump renegociou o Nafta (acordo de livre comércio dos EUA, Canadá e México) "na marra", ameaçando os outros dois países como drásticas elevações de tarifas. No caso da China, as negociações não foram bem-sucedidas, e elevadas tarifas foram impostas pelos Estados Unidos - mas a política foi mantida e aprofundada por Biden, lembra Volpon.

Ele prevê que os EUA vão voltar a usar ameaças tarifárias como arma de negociação e que deve haver aumentos. Por outro lado, Volpon pensa que essas altas não serão na proporção alardeada na campanha, porque "haverá uma equipe de economistas e tecnocratas para mostrar ao presidente o trade-off entre tarifas e inflação".

O economista considera que o fato de a alta da inflação e do nível de preços ser apontada como uma das principais causas da derrota de Kamala Harris deve reforçar no novo governo a cautela em relação à inflação.

Em relação à parte fiscal, Volpon pensa que a ideia de que grandes déficits não são grande problema para os Estados Unidos é compartilhada hoje por republicanos e democratas, e ele não vê muita diferença em relação ao que ocorreria com a vitória de Harris. A capacidade de os Estados Unidos se financiarem indefinidamente permanece como uma questão importante, mas, para o economista, "não deve ser o fim do mundo". Ele recorda que, por volta de 1985 e de 2000, ocorreram picos dos déficits gêmeos (fiscal e externo) norte-americanos.

Um fator positivo para o mercado no governo Trump, de acordo com Volpon, é a interação no campo de reforma do Estado e de desregulamentação (do setor de alta tecnologia, em particular) que pode ser trazida pela ação do vice-presidente, JD Vance, e de megaempreendedores e bilionários envolvidos na campanha, como Elon Musk e Peter Thiel - os três crias do setor de altíssima tecnologia.

Volpon crê que Vance será um vice nada decorativo, a começar pela avançada idade de Trump. Musk estaria indicado para liderar a reforma de Estado, mas há dúvida sobre como poderia conciliar esse trabalho ao longo do tempo com a gestão do seu império de empresas. De qualquer forma, principalmente pela atuação de Vance de dentro do governo, poderia haver avanços significativos de gestão pública e desregulamentação.

Alexandre Manoel, economista-chefe da gestora AZ Quest, e que vê as previsões pessimistas sobre a economia com Trump como possivelmente exageradas, nota que Musk pode vir a ser uma espécie de "ministro da Gestão (equivalente a Esther Dweck no Brasil). O homem mais rico do mundo provavelmente gostaria de deixar uma marca nessa passagem pelo setor público, e Manoel vê chance de uma reforma administrativa com grande economia fiscal. Segundo ele, os gastos com folha no governo dos EUA e de outros países desenvolvidos fica na faixa de 1/3 a 1/5 da arrecadação. Nesse sentido, Manoel vê até chances de melhora no fiscal.

Esse é um dos fatores pelos quais o analista da AZ Quest considera que o risco inflacionário de Trump pode estar sendo exagerado. Outra razão é que o presidente eleito vai desregulamentar e facilitar (inclusive por sua intenção de frear a transição energética) a exploração de petróleo e gás, o que pode baixar o preço da commodity mais importante do mundo - sendo, portanto, um desdobramento desinflacionário.

Manoel nota que diminuir a velocidade da transição energética envolve um equilíbrio entre objetivos de curto e longo prazo. No curto e mesmo no médio, reduzir a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética encarece logística e insumos, sendo, por exemplo, uma das causas da alta global de preços de alimentos, que pesa particularmente para os pobres.

O economista da AZ Quest também vê a necessidade e diferenciar campanha e governo em temas como protecionismo e imigração. Ele lembra que, como costuma ser o caso de empreendedores bilionários, Trump parece alguém eminentemente pragmático, que muda de ideia se determinado caminho está se provando errado.

Manoel exemplifica com a pandemia, no início da qual tanto Trump quanto Bolsonaro manifestaram ceticismo em relação à gravidade do problema e à eficácia das vacinas. Mas enquanto Bolsonaro permaneceu na mesma postura (o Brasil comprou vacinas, mas o ex-presidente continuou a se mostrar cético e relutante), Trump deu uma guinada de 180 graus e partiu para uma estratégia superagressiva de aquisição de vacinas.

"O Trump desiste facilmente de ideias que se provam erradas, como é comum entre aqueles que têm e fazem muito dinheiro", analisa o economista.

Até na questão do ambiente geopolítico global, Manoel pondera que, no primeiro governo Trump, "ao seu jeito", o presidente eleito conseguiu criar um clima internacional menos aguerrido, quando se pensa, por exemplo, nas tensões atuais entre Estados Unidos e China.

Já em relação à questão democrática, Tony Volpon não vê nenhum risco nesse segundo governo Trump. Segundo o ex-diretor do BC, o presidente eleito de fato se considerou "roubado" na eleição de 2020, mas agora, com sua vitória em 2024, está "vingado". Volpon pensa que os republicanos são uma nova maioria nos Estados Unidos, com chance inclusive de ter supremacia no Senado (já conquistada) e no Congresso (ainda falta ver o fechamento da eleição para a Câmara). Nessa situação tão confortável, pergunta-se Volpon, "para que pensar em golpe?"

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 6/11/2024, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas

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