Empresas teriam papel mais positivo se não brigassem por benefício individual, diz professor da FGV


Economista Fernando Veloso afirma que, sem o bônus demográfico, produtividade será crucial para o crescimento e a competitividade do País daqui para frente

Por Renée Pereira
Atualização:
Entrevista comFernando VelosoEconomista e pesquisador do Ibre/FGV

Na lanterna em termos de produtividade, o Brasil perde para seus pares emergentes e para os vizinhos latino-americanos, como Argentina e Chile. Hoje, para fazer um mesmo serviço, o País precisa de três trabalhadores a mais que os Estados Unidos. Isso acaba corroendo a competitividade em relação ao mercado internacional.

Na opinião do economista Fernando Veloso, pesquisador da FGV/Ibre, a produtividade do Brasil é muito ruim diante do potencial de crescimento. “Não faz sentido a produtividade do Brasil continuar caindo num mundo onde novas tecnologias estão surgindo.” Segundo ele, apesar das reformas (trabalhista e da Previdência) e das mudanças ocorridas nos últimos anos, o efeito na produtividade ainda não apareceu.

Ele avalia que a melhora no indicador não é só papel do governo, mas também das empresas, que precisam deixar de lado o individualismo e o sentimento de proteção. “Foram muitos anos sem reforma. O que aconteceu foi que as empresas, na tentativa de tentar lidar com a situação, foram criando proteção cada vez maior.”

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Fernando Veloso, pesquisador da FGV/Ibre Foto: Werther Santana/Estadão

O pesquisador destaca também que, com o envelhecimento da população, o País precisa se preparar para esse novo cenário. “Isso vai ter efeito na reforma da Previdência, por exemplo. Provavelmente vamos ter de pensar em uma nova reforma daqui um tempo se confirmar essa aceleração do envelhecimento. É uma preocupação para o futuro.”

Confira a seguir a entrevista concedida ao Estadão:

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Os dados do Censo mostram que o Brasil teve o menor crescimento da população em 150 anos. Quais os reflexos disso para a economia?

O crescimento da população foi menor do que se esperava. E já existem previsões de que a população pode começar a cair já na primeira metade da próxima década. Do ponto de vista de PIB, afeta receitas do governo e capacidade de prover serviços públicos. Isso é uma má notícia, pois nas últimas década o Brasil tem crescido, principalmente, incorporando mão de obra no processo produtivo. Tivemos o fenômeno do bônus demográfico e agora vamos precisar avaliar como fica. O bônus demográfico era o fato de que a população em idade para trabalhar estava crescendo mais rápido que a população como um todo. Houve enorme incorporação de pessoas no processo produtivo. Na nossa estimativa, isso já tinha se esgotado. Houve aumento também da taxa de participação, principalmente das mulheres, nas últimas décadas. E isso foi muito importante para aumentar o produto. Agora o resultado do Censo torna mais relevante ainda a questão da produtividade.

Como fica daqui para frente?

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De forma simplificada, se o País quer crescer, ele pode crescer incorporando mais pessoas ao processo produtivo ou fazendo com que as pessoas gerem mais produto, que cada hora trabalhada gere mais produto. Se esse processo de incorporação de pessoas já estava dando sinais de esgotamento, e o Censo aparentemente reforça isso, o que sobra é produtividade. A única forma de o País crescer de forma sustentável vai ser melhorando a produção de cada pessoa. É isso que vai gerar aumento de salário, e gerar capacidade do próprio setor público para atender as demandas da sociedade. Acredito que a produtividade, que já era crucial nesse sentido, vai ficar ainda mais evidente daqui pra frente.

E como a gente munda essa trajetória? Como podemos ser mais produtivo?

O que é mais preocupante é que a produtividade tem crescido muito pouco. Desde os anos 80, cresce cerca de meio por cento ao ano. Na recessão, entre 2014 a 2016, teve uma queda grande. Depois cresceu um pouquinho em 2019 e na pandemia voltou a cair. Teve o resultado excepcional do Agro no primeiro trimestre deste ano, mas se não fosse isso, a produtividade teria caído novamente. Quando olhamos os dados mais recentes é ainda pior do que já vinha de décadas passadas. E é mais preocupante porque um país emergente como o Brasil deveria ter um crescimento até maior que o dos Estados Unidos, em termos de produtividade. Por que o Brasil adota tecnologias existentes e os Estados Unidos têm de criar, o que é mais difícil do que usar o que já existe. Isso acontece com China, Índia, mas no Brasil não.

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Por que isso ocorre?

Isso é um resultado de três fatores. O primeiro tem a ver com o que a gente chama de capital humano. É basicamente escolaridade e experiência da força de trabalho. No Brasil, apesar de todas as dificuldades em educação, as pessoas estão estudando mais. Houve uma melhoria significativa de 1995 para cá na composição educacional. Temos uma parcela bem maior de pessoas com o ensino médio completo e ensino superior. Não é o ideal, mas melhorou. A gente fala da questão do envelhecimento da população, que traz uma série de problemas, mas do ponto de vista do mercado de trabalho, pelo menos, foi positivo, pois os trabalhadores com mais experiência em geral são mais produtivos. Isso tem a ver com educação e qualificação profissional. Agora tem os desafios da inteligência artificial que vão tornar ainda mais necessário avançar nessa área. Então a mensagem é a seguinte: o Brasil melhorou, mas tem muito que avançar ainda, principalmente na qualidade do ensino. Outro ponto está relacionado ao ambientes de negócios no qual as empresas operam. Envolve sistema tributário, caótico e cheio de insegurança jurídica; infraestrutura, cara e precária; e economia fechada, em que o Brasil exporta e importa pouco. Importar pouco também não é bom porque a gente deveria importar tecnologia, máquinas.

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As empresas são muito protegidas?

Sim. Acho que a indústria em particular sofre com isso e acaba ficando menos produtiva. Temos ainda a questão de crédito, com juros e spread altos. Temos um ambiente de negócio no Brasil muito difícil. É complicado empreender no País. É caro, complexo e com muita insegurança jurídica. Quando os empresários não têm segurança jurídica, a reação natural é não investir. Isso traz efeitos muito negativos para a produtividade. E finalmente, o terceiro bloco tem a ver com a questão macroeconômica, principalmente a questão fiscal. Temos agora a discussão do arcabouço, já tivemos a questão do teto de gastos. Mas o fato é que temos uma enorme dificuldade para encontrar solução que minimamente sinalize para a sociedade, empresários e trabalhadores que a nossa dívida pública vai ficar estável ao longo do tempo em relação ao PIB. Estávamos avançando com o teto de gastos e reforma da Previdência em 2019. Aí veio a pandemia e os gastos aumentaram extraordinariamente em 2020, o que era natural. Mas, de lá para cá, a gente não tem lidado bem com a situação. Inúmeros furos no teto e agora estamos discutindo o arcabouço. Por que isso é negativo para produtividade? Novamente, tem a ideia de insegurança. A decisão de investir, de abrir um novo negócio, contratar trabalhadores, comprar uma máquina, tudo isso é afetado pela incerteza que o empresário tem sobre os rumos da economia.

A aprovação da reforma tributária trará mais produtividade para o País?

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Não é automático, porque tem um período de transição. Vai ser implementado ao longo do tempo. Por outro lado, economia funciona com base em expectativas. Por exemplo, quando teve a aprovação do teto de gastos, foi praticamente imediato o efeito nas taxas de juros antes mesmo que o gasto fosse controlado. Obviamente que os empresários e as pessoas acreditam nas medidas, tem de ser crível. Acho que, no caso da reforma tributária, isso também pode ocorrer. Então pode haver uma antecipação do efeito. Não é instantâneo, mas as empresas começam a trabalhar de uma forma diferente, começam a investir já pensando no futuro.

O sr. falou da questão do envelhecimento da população. O efeito não é contrário? Não provoca queda na produtividade?

O jovem tem pouca experiência, por isso é tão difícil de se inserir no mercado de trabalho. Os empresários são mais relutantes em contratar profissionais sem experiência. Mas, a partir de um determinado momento, o crescimento da idade junto com a maior experiência contribui para aumentar a produtividade dos salários. Mas não é pra sempre. Diria que isso vale até a faixa dos 60, 65 anos, que é a faixa internacional em que a pessoa está plenamente no mercado de trabalho. Depois dos 65 anos, aí realmente a gente já começa a ver a queda da produtividade de novo. Então é uma janela de oportunidade. É por isso que chama bônus demográfico. Ele não dura para sempre. Mas se a parcela da população idosa crescer, aí vamos ter menos gente no mercado de trabalho e teremos um problema.

Qual o horizonte dessa mudança?

Não está no horizonte imediato, mas é algo que a gente deveria se preocupar. Por outro lado, não sabemos o que vem pela frente com as novas tecnologias, que podem trazer grandes benefícios para a saúde. Temos também a inteligência artificial que poderá ajudar bastante. As pessoas podem até ficar mais tempo no mercado de trabalho. De qualquer forma, o País precisa se preparar para esse novo cenário, de envelhecimento da população. Isso vai ter efeito na reforma da Previdência, por exemplo. Provavelmente vamos ter de pensar em uma nova reforma daqui um tempo se confirmar essa aceleração do envelhecimento. É uma preocupação para o futuro.

Qual o peso da educação na produtividade?

Diria que tem um peso grande ainda. Acabou de sair o resultado de um exame internacional para crianças na faixa de 9 a 10 anos e o Brasil foi muito mal. No Pisa, conhecido internacional nas áreas de matemática, ciências e leitura, o Brasil sempre vai muito mal. Então em termos internacionais, o País tem muito a melhorar ainda, na qualidade e também no acesso. Por exemplo, a gente está discutindo a reforma do ensino médio - que agora foi suspensa, espero que temporariamente. É uma reforma muito importante, porque existe uma evasão no ensino médio muito grande. Então nós precisamos reter esses alunos no ensino médio e não só olhando para a faculdade, mas também para ensino técnico. Tem muita coisa para melhorar e que prejudica a produtividade. Mas é sempre bom olhar da perspectiva tanto do copo meio cheio como do copo meio vazio. Meio vazio porque tem muito para melhorar ainda e meio vazio porque tivemos melhorias perceptíveis nas últimas décadas.

Qual a responsabilidade das empresas em todo esse processo de melhoria da produtividade?

As empresas têm papel central. Tem a questão do ambiente de negócios, que é mais externo, mas tem a parte mais interna das empresas, que é muito importante. São as decisões de inovar. O Brasil inova muito pouco. Estamos falando de Inteligência artificial e tem muita coisa que o Brasil poderia estar fazendo na área de inovação e capacitação na mão de obra. Não é só o governo que deve capacitar mão de obra. As empresas têm de ter um papel ativo também nesse sentido. O Brasil aprovou muitas reformas de 2016 para cá. Teve a reforma trabalhista, muita coisa no mercado bancário, Open Finance, cadastro positivo, agora estamos falando de reforma tributária, teve a questão da autonomia do Banco Central, que não tem exatamente a ver com a empresa, mas ajuda a criar um ambiente de segurança. Tivemos o marco do saneamento, projetos na área de ferrovia, navegação de cabotagem. Muita coisa foi aprovada e ainda não vimos resultado perceptível dessas reformas na produtividade. Tem várias razões para isso, como a questão da insegurança jurídica e da turbulência política e fiscal. Nesse cenário, as empresas se sentem inseguras para investir. Mas outra razão é que as próprias empresas precisam mudar sua forma de operar e criar novas oportunidades de negócio.

O sr. vê alguma melhora?

Vejo um potencial significativo. O que é esse potencial? As reformas que já foram aprovadas criaram novas oportunidades para as empresas e para o País. Tem também as novas tecnologias que estão surgindo. Se a reforma tributária for aprovada e tivermos um arcabouço fiscal minimamente razoável, há uma possibilidade de melhorar sensivelmente. Mas isso é o potencial. Não é automático. Para que esse potencial seja realizado depende das empresas e do governo não atrapalhar. Porque o governo também anda questionando algumas reformas já feitas, como o marco do saneamento e a privatização da Eletrobras. Se o governo não questionar essas reformas e aprovar novas, vejo boas possibilidades.

Como o sr. classifica a produtividade do Brasil hoje, ruim ou muito ruim?

Eu eu diria que é muito ruim em termos relativos. Um país como o Brasil, com o potencial que tem de crescimento, reformas já feitas e necessidades em termos sociais, deveria ser muito melhor. Não faz sentido a produtividade do Brasil continuar caindo num mundo onde novas tecnologias estão surgindo. O Brasil podia estar adotando essas tecnologias e reduzindo a distância para os países mais ricos. Mas vamos olhar pelo lado do copo meio cheio: as reformas e mudanças criaram potencial para melhorar a produtividade. Mas não é automático.

Então qual o problema? Novamente, qual seria o papel das empresas? Falta boa vontade?

Elas poderiam ter um papel mais positivo. Nas últimas décadas, vimos algumas reformas no governo de Fernando Henrique Cardoso e no início do governo Lula. Depois ficou muito tempo sem reforma. E o que aconteceu foi que as empresas, na tentativa de tentar lidar com a situação, foram criando proteção cada vez maior. As gestões Lula 2 e Dilma (Rousseff) deram muita proteção para as empresas em relação à competição externa, subsídio de crédito e inúmeras isenções tributárias. As empresas partiram para a solução individual. Cada empresa, cada setor tentando garantir o seu ambiente, querendo pagar menos impostos e juros mais baixos. Elas precisam desistir dessa agenda, que é muito negativa, e brigar mais por algo como uma reforma tributária abrangente, que é essa do Congresso, com um IVA com poucas exceções ou nenhuma. A gente vê isso na discussão do IVA. Toda hora determinado setor quer uma alíquota mais baixa. O papel das empresas pode ser mais positivo se, em vez de brigarem pelo seu benefício individual ou setorial, elas brigarem por uma melhoria para economia como todo. É a única solução, porque essa tentativa de se proteger com benefício próprio não deu certo no passado e acho tem ficado claro que não vai funcionar de novo. Por isso, a reforma tributária é tão importante, porque ela rompe essa lógica “do meu primeiro”. Todo mundo tem de pagar impostos e tem de ser igual. A competição com o mundo lá fora não deve ser na base de proteção. Tem de ser na base da tecnologia, dos investimentos em capital humano. O problema não é boa vontade, mas a preocupação com o imediatismo. Precisamos de uma agenda mais horizontal, que seja boa para todo mundo. Isso terá um efeito muito melhor sobre a produtividade.

Na lanterna em termos de produtividade, o Brasil perde para seus pares emergentes e para os vizinhos latino-americanos, como Argentina e Chile. Hoje, para fazer um mesmo serviço, o País precisa de três trabalhadores a mais que os Estados Unidos. Isso acaba corroendo a competitividade em relação ao mercado internacional.

Na opinião do economista Fernando Veloso, pesquisador da FGV/Ibre, a produtividade do Brasil é muito ruim diante do potencial de crescimento. “Não faz sentido a produtividade do Brasil continuar caindo num mundo onde novas tecnologias estão surgindo.” Segundo ele, apesar das reformas (trabalhista e da Previdência) e das mudanças ocorridas nos últimos anos, o efeito na produtividade ainda não apareceu.

Ele avalia que a melhora no indicador não é só papel do governo, mas também das empresas, que precisam deixar de lado o individualismo e o sentimento de proteção. “Foram muitos anos sem reforma. O que aconteceu foi que as empresas, na tentativa de tentar lidar com a situação, foram criando proteção cada vez maior.”

Fernando Veloso, pesquisador da FGV/Ibre Foto: Werther Santana/Estadão

O pesquisador destaca também que, com o envelhecimento da população, o País precisa se preparar para esse novo cenário. “Isso vai ter efeito na reforma da Previdência, por exemplo. Provavelmente vamos ter de pensar em uma nova reforma daqui um tempo se confirmar essa aceleração do envelhecimento. É uma preocupação para o futuro.”

Confira a seguir a entrevista concedida ao Estadão:

Os dados do Censo mostram que o Brasil teve o menor crescimento da população em 150 anos. Quais os reflexos disso para a economia?

O crescimento da população foi menor do que se esperava. E já existem previsões de que a população pode começar a cair já na primeira metade da próxima década. Do ponto de vista de PIB, afeta receitas do governo e capacidade de prover serviços públicos. Isso é uma má notícia, pois nas últimas década o Brasil tem crescido, principalmente, incorporando mão de obra no processo produtivo. Tivemos o fenômeno do bônus demográfico e agora vamos precisar avaliar como fica. O bônus demográfico era o fato de que a população em idade para trabalhar estava crescendo mais rápido que a população como um todo. Houve enorme incorporação de pessoas no processo produtivo. Na nossa estimativa, isso já tinha se esgotado. Houve aumento também da taxa de participação, principalmente das mulheres, nas últimas décadas. E isso foi muito importante para aumentar o produto. Agora o resultado do Censo torna mais relevante ainda a questão da produtividade.

Como fica daqui para frente?

De forma simplificada, se o País quer crescer, ele pode crescer incorporando mais pessoas ao processo produtivo ou fazendo com que as pessoas gerem mais produto, que cada hora trabalhada gere mais produto. Se esse processo de incorporação de pessoas já estava dando sinais de esgotamento, e o Censo aparentemente reforça isso, o que sobra é produtividade. A única forma de o País crescer de forma sustentável vai ser melhorando a produção de cada pessoa. É isso que vai gerar aumento de salário, e gerar capacidade do próprio setor público para atender as demandas da sociedade. Acredito que a produtividade, que já era crucial nesse sentido, vai ficar ainda mais evidente daqui pra frente.

E como a gente munda essa trajetória? Como podemos ser mais produtivo?

O que é mais preocupante é que a produtividade tem crescido muito pouco. Desde os anos 80, cresce cerca de meio por cento ao ano. Na recessão, entre 2014 a 2016, teve uma queda grande. Depois cresceu um pouquinho em 2019 e na pandemia voltou a cair. Teve o resultado excepcional do Agro no primeiro trimestre deste ano, mas se não fosse isso, a produtividade teria caído novamente. Quando olhamos os dados mais recentes é ainda pior do que já vinha de décadas passadas. E é mais preocupante porque um país emergente como o Brasil deveria ter um crescimento até maior que o dos Estados Unidos, em termos de produtividade. Por que o Brasil adota tecnologias existentes e os Estados Unidos têm de criar, o que é mais difícil do que usar o que já existe. Isso acontece com China, Índia, mas no Brasil não.

Por que isso ocorre?

Isso é um resultado de três fatores. O primeiro tem a ver com o que a gente chama de capital humano. É basicamente escolaridade e experiência da força de trabalho. No Brasil, apesar de todas as dificuldades em educação, as pessoas estão estudando mais. Houve uma melhoria significativa de 1995 para cá na composição educacional. Temos uma parcela bem maior de pessoas com o ensino médio completo e ensino superior. Não é o ideal, mas melhorou. A gente fala da questão do envelhecimento da população, que traz uma série de problemas, mas do ponto de vista do mercado de trabalho, pelo menos, foi positivo, pois os trabalhadores com mais experiência em geral são mais produtivos. Isso tem a ver com educação e qualificação profissional. Agora tem os desafios da inteligência artificial que vão tornar ainda mais necessário avançar nessa área. Então a mensagem é a seguinte: o Brasil melhorou, mas tem muito que avançar ainda, principalmente na qualidade do ensino. Outro ponto está relacionado ao ambientes de negócios no qual as empresas operam. Envolve sistema tributário, caótico e cheio de insegurança jurídica; infraestrutura, cara e precária; e economia fechada, em que o Brasil exporta e importa pouco. Importar pouco também não é bom porque a gente deveria importar tecnologia, máquinas.

As empresas são muito protegidas?

Sim. Acho que a indústria em particular sofre com isso e acaba ficando menos produtiva. Temos ainda a questão de crédito, com juros e spread altos. Temos um ambiente de negócio no Brasil muito difícil. É complicado empreender no País. É caro, complexo e com muita insegurança jurídica. Quando os empresários não têm segurança jurídica, a reação natural é não investir. Isso traz efeitos muito negativos para a produtividade. E finalmente, o terceiro bloco tem a ver com a questão macroeconômica, principalmente a questão fiscal. Temos agora a discussão do arcabouço, já tivemos a questão do teto de gastos. Mas o fato é que temos uma enorme dificuldade para encontrar solução que minimamente sinalize para a sociedade, empresários e trabalhadores que a nossa dívida pública vai ficar estável ao longo do tempo em relação ao PIB. Estávamos avançando com o teto de gastos e reforma da Previdência em 2019. Aí veio a pandemia e os gastos aumentaram extraordinariamente em 2020, o que era natural. Mas, de lá para cá, a gente não tem lidado bem com a situação. Inúmeros furos no teto e agora estamos discutindo o arcabouço. Por que isso é negativo para produtividade? Novamente, tem a ideia de insegurança. A decisão de investir, de abrir um novo negócio, contratar trabalhadores, comprar uma máquina, tudo isso é afetado pela incerteza que o empresário tem sobre os rumos da economia.

A aprovação da reforma tributária trará mais produtividade para o País?

Não é automático, porque tem um período de transição. Vai ser implementado ao longo do tempo. Por outro lado, economia funciona com base em expectativas. Por exemplo, quando teve a aprovação do teto de gastos, foi praticamente imediato o efeito nas taxas de juros antes mesmo que o gasto fosse controlado. Obviamente que os empresários e as pessoas acreditam nas medidas, tem de ser crível. Acho que, no caso da reforma tributária, isso também pode ocorrer. Então pode haver uma antecipação do efeito. Não é instantâneo, mas as empresas começam a trabalhar de uma forma diferente, começam a investir já pensando no futuro.

O sr. falou da questão do envelhecimento da população. O efeito não é contrário? Não provoca queda na produtividade?

O jovem tem pouca experiência, por isso é tão difícil de se inserir no mercado de trabalho. Os empresários são mais relutantes em contratar profissionais sem experiência. Mas, a partir de um determinado momento, o crescimento da idade junto com a maior experiência contribui para aumentar a produtividade dos salários. Mas não é pra sempre. Diria que isso vale até a faixa dos 60, 65 anos, que é a faixa internacional em que a pessoa está plenamente no mercado de trabalho. Depois dos 65 anos, aí realmente a gente já começa a ver a queda da produtividade de novo. Então é uma janela de oportunidade. É por isso que chama bônus demográfico. Ele não dura para sempre. Mas se a parcela da população idosa crescer, aí vamos ter menos gente no mercado de trabalho e teremos um problema.

Qual o horizonte dessa mudança?

Não está no horizonte imediato, mas é algo que a gente deveria se preocupar. Por outro lado, não sabemos o que vem pela frente com as novas tecnologias, que podem trazer grandes benefícios para a saúde. Temos também a inteligência artificial que poderá ajudar bastante. As pessoas podem até ficar mais tempo no mercado de trabalho. De qualquer forma, o País precisa se preparar para esse novo cenário, de envelhecimento da população. Isso vai ter efeito na reforma da Previdência, por exemplo. Provavelmente vamos ter de pensar em uma nova reforma daqui um tempo se confirmar essa aceleração do envelhecimento. É uma preocupação para o futuro.

Qual o peso da educação na produtividade?

Diria que tem um peso grande ainda. Acabou de sair o resultado de um exame internacional para crianças na faixa de 9 a 10 anos e o Brasil foi muito mal. No Pisa, conhecido internacional nas áreas de matemática, ciências e leitura, o Brasil sempre vai muito mal. Então em termos internacionais, o País tem muito a melhorar ainda, na qualidade e também no acesso. Por exemplo, a gente está discutindo a reforma do ensino médio - que agora foi suspensa, espero que temporariamente. É uma reforma muito importante, porque existe uma evasão no ensino médio muito grande. Então nós precisamos reter esses alunos no ensino médio e não só olhando para a faculdade, mas também para ensino técnico. Tem muita coisa para melhorar e que prejudica a produtividade. Mas é sempre bom olhar da perspectiva tanto do copo meio cheio como do copo meio vazio. Meio vazio porque tem muito para melhorar ainda e meio vazio porque tivemos melhorias perceptíveis nas últimas décadas.

Qual a responsabilidade das empresas em todo esse processo de melhoria da produtividade?

As empresas têm papel central. Tem a questão do ambiente de negócios, que é mais externo, mas tem a parte mais interna das empresas, que é muito importante. São as decisões de inovar. O Brasil inova muito pouco. Estamos falando de Inteligência artificial e tem muita coisa que o Brasil poderia estar fazendo na área de inovação e capacitação na mão de obra. Não é só o governo que deve capacitar mão de obra. As empresas têm de ter um papel ativo também nesse sentido. O Brasil aprovou muitas reformas de 2016 para cá. Teve a reforma trabalhista, muita coisa no mercado bancário, Open Finance, cadastro positivo, agora estamos falando de reforma tributária, teve a questão da autonomia do Banco Central, que não tem exatamente a ver com a empresa, mas ajuda a criar um ambiente de segurança. Tivemos o marco do saneamento, projetos na área de ferrovia, navegação de cabotagem. Muita coisa foi aprovada e ainda não vimos resultado perceptível dessas reformas na produtividade. Tem várias razões para isso, como a questão da insegurança jurídica e da turbulência política e fiscal. Nesse cenário, as empresas se sentem inseguras para investir. Mas outra razão é que as próprias empresas precisam mudar sua forma de operar e criar novas oportunidades de negócio.

O sr. vê alguma melhora?

Vejo um potencial significativo. O que é esse potencial? As reformas que já foram aprovadas criaram novas oportunidades para as empresas e para o País. Tem também as novas tecnologias que estão surgindo. Se a reforma tributária for aprovada e tivermos um arcabouço fiscal minimamente razoável, há uma possibilidade de melhorar sensivelmente. Mas isso é o potencial. Não é automático. Para que esse potencial seja realizado depende das empresas e do governo não atrapalhar. Porque o governo também anda questionando algumas reformas já feitas, como o marco do saneamento e a privatização da Eletrobras. Se o governo não questionar essas reformas e aprovar novas, vejo boas possibilidades.

Como o sr. classifica a produtividade do Brasil hoje, ruim ou muito ruim?

Eu eu diria que é muito ruim em termos relativos. Um país como o Brasil, com o potencial que tem de crescimento, reformas já feitas e necessidades em termos sociais, deveria ser muito melhor. Não faz sentido a produtividade do Brasil continuar caindo num mundo onde novas tecnologias estão surgindo. O Brasil podia estar adotando essas tecnologias e reduzindo a distância para os países mais ricos. Mas vamos olhar pelo lado do copo meio cheio: as reformas e mudanças criaram potencial para melhorar a produtividade. Mas não é automático.

Então qual o problema? Novamente, qual seria o papel das empresas? Falta boa vontade?

Elas poderiam ter um papel mais positivo. Nas últimas décadas, vimos algumas reformas no governo de Fernando Henrique Cardoso e no início do governo Lula. Depois ficou muito tempo sem reforma. E o que aconteceu foi que as empresas, na tentativa de tentar lidar com a situação, foram criando proteção cada vez maior. As gestões Lula 2 e Dilma (Rousseff) deram muita proteção para as empresas em relação à competição externa, subsídio de crédito e inúmeras isenções tributárias. As empresas partiram para a solução individual. Cada empresa, cada setor tentando garantir o seu ambiente, querendo pagar menos impostos e juros mais baixos. Elas precisam desistir dessa agenda, que é muito negativa, e brigar mais por algo como uma reforma tributária abrangente, que é essa do Congresso, com um IVA com poucas exceções ou nenhuma. A gente vê isso na discussão do IVA. Toda hora determinado setor quer uma alíquota mais baixa. O papel das empresas pode ser mais positivo se, em vez de brigarem pelo seu benefício individual ou setorial, elas brigarem por uma melhoria para economia como todo. É a única solução, porque essa tentativa de se proteger com benefício próprio não deu certo no passado e acho tem ficado claro que não vai funcionar de novo. Por isso, a reforma tributária é tão importante, porque ela rompe essa lógica “do meu primeiro”. Todo mundo tem de pagar impostos e tem de ser igual. A competição com o mundo lá fora não deve ser na base de proteção. Tem de ser na base da tecnologia, dos investimentos em capital humano. O problema não é boa vontade, mas a preocupação com o imediatismo. Precisamos de uma agenda mais horizontal, que seja boa para todo mundo. Isso terá um efeito muito melhor sobre a produtividade.

Na lanterna em termos de produtividade, o Brasil perde para seus pares emergentes e para os vizinhos latino-americanos, como Argentina e Chile. Hoje, para fazer um mesmo serviço, o País precisa de três trabalhadores a mais que os Estados Unidos. Isso acaba corroendo a competitividade em relação ao mercado internacional.

Na opinião do economista Fernando Veloso, pesquisador da FGV/Ibre, a produtividade do Brasil é muito ruim diante do potencial de crescimento. “Não faz sentido a produtividade do Brasil continuar caindo num mundo onde novas tecnologias estão surgindo.” Segundo ele, apesar das reformas (trabalhista e da Previdência) e das mudanças ocorridas nos últimos anos, o efeito na produtividade ainda não apareceu.

Ele avalia que a melhora no indicador não é só papel do governo, mas também das empresas, que precisam deixar de lado o individualismo e o sentimento de proteção. “Foram muitos anos sem reforma. O que aconteceu foi que as empresas, na tentativa de tentar lidar com a situação, foram criando proteção cada vez maior.”

Fernando Veloso, pesquisador da FGV/Ibre Foto: Werther Santana/Estadão

O pesquisador destaca também que, com o envelhecimento da população, o País precisa se preparar para esse novo cenário. “Isso vai ter efeito na reforma da Previdência, por exemplo. Provavelmente vamos ter de pensar em uma nova reforma daqui um tempo se confirmar essa aceleração do envelhecimento. É uma preocupação para o futuro.”

Confira a seguir a entrevista concedida ao Estadão:

Os dados do Censo mostram que o Brasil teve o menor crescimento da população em 150 anos. Quais os reflexos disso para a economia?

O crescimento da população foi menor do que se esperava. E já existem previsões de que a população pode começar a cair já na primeira metade da próxima década. Do ponto de vista de PIB, afeta receitas do governo e capacidade de prover serviços públicos. Isso é uma má notícia, pois nas últimas década o Brasil tem crescido, principalmente, incorporando mão de obra no processo produtivo. Tivemos o fenômeno do bônus demográfico e agora vamos precisar avaliar como fica. O bônus demográfico era o fato de que a população em idade para trabalhar estava crescendo mais rápido que a população como um todo. Houve enorme incorporação de pessoas no processo produtivo. Na nossa estimativa, isso já tinha se esgotado. Houve aumento também da taxa de participação, principalmente das mulheres, nas últimas décadas. E isso foi muito importante para aumentar o produto. Agora o resultado do Censo torna mais relevante ainda a questão da produtividade.

Como fica daqui para frente?

De forma simplificada, se o País quer crescer, ele pode crescer incorporando mais pessoas ao processo produtivo ou fazendo com que as pessoas gerem mais produto, que cada hora trabalhada gere mais produto. Se esse processo de incorporação de pessoas já estava dando sinais de esgotamento, e o Censo aparentemente reforça isso, o que sobra é produtividade. A única forma de o País crescer de forma sustentável vai ser melhorando a produção de cada pessoa. É isso que vai gerar aumento de salário, e gerar capacidade do próprio setor público para atender as demandas da sociedade. Acredito que a produtividade, que já era crucial nesse sentido, vai ficar ainda mais evidente daqui pra frente.

E como a gente munda essa trajetória? Como podemos ser mais produtivo?

O que é mais preocupante é que a produtividade tem crescido muito pouco. Desde os anos 80, cresce cerca de meio por cento ao ano. Na recessão, entre 2014 a 2016, teve uma queda grande. Depois cresceu um pouquinho em 2019 e na pandemia voltou a cair. Teve o resultado excepcional do Agro no primeiro trimestre deste ano, mas se não fosse isso, a produtividade teria caído novamente. Quando olhamos os dados mais recentes é ainda pior do que já vinha de décadas passadas. E é mais preocupante porque um país emergente como o Brasil deveria ter um crescimento até maior que o dos Estados Unidos, em termos de produtividade. Por que o Brasil adota tecnologias existentes e os Estados Unidos têm de criar, o que é mais difícil do que usar o que já existe. Isso acontece com China, Índia, mas no Brasil não.

Por que isso ocorre?

Isso é um resultado de três fatores. O primeiro tem a ver com o que a gente chama de capital humano. É basicamente escolaridade e experiência da força de trabalho. No Brasil, apesar de todas as dificuldades em educação, as pessoas estão estudando mais. Houve uma melhoria significativa de 1995 para cá na composição educacional. Temos uma parcela bem maior de pessoas com o ensino médio completo e ensino superior. Não é o ideal, mas melhorou. A gente fala da questão do envelhecimento da população, que traz uma série de problemas, mas do ponto de vista do mercado de trabalho, pelo menos, foi positivo, pois os trabalhadores com mais experiência em geral são mais produtivos. Isso tem a ver com educação e qualificação profissional. Agora tem os desafios da inteligência artificial que vão tornar ainda mais necessário avançar nessa área. Então a mensagem é a seguinte: o Brasil melhorou, mas tem muito que avançar ainda, principalmente na qualidade do ensino. Outro ponto está relacionado ao ambientes de negócios no qual as empresas operam. Envolve sistema tributário, caótico e cheio de insegurança jurídica; infraestrutura, cara e precária; e economia fechada, em que o Brasil exporta e importa pouco. Importar pouco também não é bom porque a gente deveria importar tecnologia, máquinas.

As empresas são muito protegidas?

Sim. Acho que a indústria em particular sofre com isso e acaba ficando menos produtiva. Temos ainda a questão de crédito, com juros e spread altos. Temos um ambiente de negócio no Brasil muito difícil. É complicado empreender no País. É caro, complexo e com muita insegurança jurídica. Quando os empresários não têm segurança jurídica, a reação natural é não investir. Isso traz efeitos muito negativos para a produtividade. E finalmente, o terceiro bloco tem a ver com a questão macroeconômica, principalmente a questão fiscal. Temos agora a discussão do arcabouço, já tivemos a questão do teto de gastos. Mas o fato é que temos uma enorme dificuldade para encontrar solução que minimamente sinalize para a sociedade, empresários e trabalhadores que a nossa dívida pública vai ficar estável ao longo do tempo em relação ao PIB. Estávamos avançando com o teto de gastos e reforma da Previdência em 2019. Aí veio a pandemia e os gastos aumentaram extraordinariamente em 2020, o que era natural. Mas, de lá para cá, a gente não tem lidado bem com a situação. Inúmeros furos no teto e agora estamos discutindo o arcabouço. Por que isso é negativo para produtividade? Novamente, tem a ideia de insegurança. A decisão de investir, de abrir um novo negócio, contratar trabalhadores, comprar uma máquina, tudo isso é afetado pela incerteza que o empresário tem sobre os rumos da economia.

A aprovação da reforma tributária trará mais produtividade para o País?

Não é automático, porque tem um período de transição. Vai ser implementado ao longo do tempo. Por outro lado, economia funciona com base em expectativas. Por exemplo, quando teve a aprovação do teto de gastos, foi praticamente imediato o efeito nas taxas de juros antes mesmo que o gasto fosse controlado. Obviamente que os empresários e as pessoas acreditam nas medidas, tem de ser crível. Acho que, no caso da reforma tributária, isso também pode ocorrer. Então pode haver uma antecipação do efeito. Não é instantâneo, mas as empresas começam a trabalhar de uma forma diferente, começam a investir já pensando no futuro.

O sr. falou da questão do envelhecimento da população. O efeito não é contrário? Não provoca queda na produtividade?

O jovem tem pouca experiência, por isso é tão difícil de se inserir no mercado de trabalho. Os empresários são mais relutantes em contratar profissionais sem experiência. Mas, a partir de um determinado momento, o crescimento da idade junto com a maior experiência contribui para aumentar a produtividade dos salários. Mas não é pra sempre. Diria que isso vale até a faixa dos 60, 65 anos, que é a faixa internacional em que a pessoa está plenamente no mercado de trabalho. Depois dos 65 anos, aí realmente a gente já começa a ver a queda da produtividade de novo. Então é uma janela de oportunidade. É por isso que chama bônus demográfico. Ele não dura para sempre. Mas se a parcela da população idosa crescer, aí vamos ter menos gente no mercado de trabalho e teremos um problema.

Qual o horizonte dessa mudança?

Não está no horizonte imediato, mas é algo que a gente deveria se preocupar. Por outro lado, não sabemos o que vem pela frente com as novas tecnologias, que podem trazer grandes benefícios para a saúde. Temos também a inteligência artificial que poderá ajudar bastante. As pessoas podem até ficar mais tempo no mercado de trabalho. De qualquer forma, o País precisa se preparar para esse novo cenário, de envelhecimento da população. Isso vai ter efeito na reforma da Previdência, por exemplo. Provavelmente vamos ter de pensar em uma nova reforma daqui um tempo se confirmar essa aceleração do envelhecimento. É uma preocupação para o futuro.

Qual o peso da educação na produtividade?

Diria que tem um peso grande ainda. Acabou de sair o resultado de um exame internacional para crianças na faixa de 9 a 10 anos e o Brasil foi muito mal. No Pisa, conhecido internacional nas áreas de matemática, ciências e leitura, o Brasil sempre vai muito mal. Então em termos internacionais, o País tem muito a melhorar ainda, na qualidade e também no acesso. Por exemplo, a gente está discutindo a reforma do ensino médio - que agora foi suspensa, espero que temporariamente. É uma reforma muito importante, porque existe uma evasão no ensino médio muito grande. Então nós precisamos reter esses alunos no ensino médio e não só olhando para a faculdade, mas também para ensino técnico. Tem muita coisa para melhorar e que prejudica a produtividade. Mas é sempre bom olhar da perspectiva tanto do copo meio cheio como do copo meio vazio. Meio vazio porque tem muito para melhorar ainda e meio vazio porque tivemos melhorias perceptíveis nas últimas décadas.

Qual a responsabilidade das empresas em todo esse processo de melhoria da produtividade?

As empresas têm papel central. Tem a questão do ambiente de negócios, que é mais externo, mas tem a parte mais interna das empresas, que é muito importante. São as decisões de inovar. O Brasil inova muito pouco. Estamos falando de Inteligência artificial e tem muita coisa que o Brasil poderia estar fazendo na área de inovação e capacitação na mão de obra. Não é só o governo que deve capacitar mão de obra. As empresas têm de ter um papel ativo também nesse sentido. O Brasil aprovou muitas reformas de 2016 para cá. Teve a reforma trabalhista, muita coisa no mercado bancário, Open Finance, cadastro positivo, agora estamos falando de reforma tributária, teve a questão da autonomia do Banco Central, que não tem exatamente a ver com a empresa, mas ajuda a criar um ambiente de segurança. Tivemos o marco do saneamento, projetos na área de ferrovia, navegação de cabotagem. Muita coisa foi aprovada e ainda não vimos resultado perceptível dessas reformas na produtividade. Tem várias razões para isso, como a questão da insegurança jurídica e da turbulência política e fiscal. Nesse cenário, as empresas se sentem inseguras para investir. Mas outra razão é que as próprias empresas precisam mudar sua forma de operar e criar novas oportunidades de negócio.

O sr. vê alguma melhora?

Vejo um potencial significativo. O que é esse potencial? As reformas que já foram aprovadas criaram novas oportunidades para as empresas e para o País. Tem também as novas tecnologias que estão surgindo. Se a reforma tributária for aprovada e tivermos um arcabouço fiscal minimamente razoável, há uma possibilidade de melhorar sensivelmente. Mas isso é o potencial. Não é automático. Para que esse potencial seja realizado depende das empresas e do governo não atrapalhar. Porque o governo também anda questionando algumas reformas já feitas, como o marco do saneamento e a privatização da Eletrobras. Se o governo não questionar essas reformas e aprovar novas, vejo boas possibilidades.

Como o sr. classifica a produtividade do Brasil hoje, ruim ou muito ruim?

Eu eu diria que é muito ruim em termos relativos. Um país como o Brasil, com o potencial que tem de crescimento, reformas já feitas e necessidades em termos sociais, deveria ser muito melhor. Não faz sentido a produtividade do Brasil continuar caindo num mundo onde novas tecnologias estão surgindo. O Brasil podia estar adotando essas tecnologias e reduzindo a distância para os países mais ricos. Mas vamos olhar pelo lado do copo meio cheio: as reformas e mudanças criaram potencial para melhorar a produtividade. Mas não é automático.

Então qual o problema? Novamente, qual seria o papel das empresas? Falta boa vontade?

Elas poderiam ter um papel mais positivo. Nas últimas décadas, vimos algumas reformas no governo de Fernando Henrique Cardoso e no início do governo Lula. Depois ficou muito tempo sem reforma. E o que aconteceu foi que as empresas, na tentativa de tentar lidar com a situação, foram criando proteção cada vez maior. As gestões Lula 2 e Dilma (Rousseff) deram muita proteção para as empresas em relação à competição externa, subsídio de crédito e inúmeras isenções tributárias. As empresas partiram para a solução individual. Cada empresa, cada setor tentando garantir o seu ambiente, querendo pagar menos impostos e juros mais baixos. Elas precisam desistir dessa agenda, que é muito negativa, e brigar mais por algo como uma reforma tributária abrangente, que é essa do Congresso, com um IVA com poucas exceções ou nenhuma. A gente vê isso na discussão do IVA. Toda hora determinado setor quer uma alíquota mais baixa. O papel das empresas pode ser mais positivo se, em vez de brigarem pelo seu benefício individual ou setorial, elas brigarem por uma melhoria para economia como todo. É a única solução, porque essa tentativa de se proteger com benefício próprio não deu certo no passado e acho tem ficado claro que não vai funcionar de novo. Por isso, a reforma tributária é tão importante, porque ela rompe essa lógica “do meu primeiro”. Todo mundo tem de pagar impostos e tem de ser igual. A competição com o mundo lá fora não deve ser na base de proteção. Tem de ser na base da tecnologia, dos investimentos em capital humano. O problema não é boa vontade, mas a preocupação com o imediatismo. Precisamos de uma agenda mais horizontal, que seja boa para todo mundo. Isso terá um efeito muito melhor sobre a produtividade.

Na lanterna em termos de produtividade, o Brasil perde para seus pares emergentes e para os vizinhos latino-americanos, como Argentina e Chile. Hoje, para fazer um mesmo serviço, o País precisa de três trabalhadores a mais que os Estados Unidos. Isso acaba corroendo a competitividade em relação ao mercado internacional.

Na opinião do economista Fernando Veloso, pesquisador da FGV/Ibre, a produtividade do Brasil é muito ruim diante do potencial de crescimento. “Não faz sentido a produtividade do Brasil continuar caindo num mundo onde novas tecnologias estão surgindo.” Segundo ele, apesar das reformas (trabalhista e da Previdência) e das mudanças ocorridas nos últimos anos, o efeito na produtividade ainda não apareceu.

Ele avalia que a melhora no indicador não é só papel do governo, mas também das empresas, que precisam deixar de lado o individualismo e o sentimento de proteção. “Foram muitos anos sem reforma. O que aconteceu foi que as empresas, na tentativa de tentar lidar com a situação, foram criando proteção cada vez maior.”

Fernando Veloso, pesquisador da FGV/Ibre Foto: Werther Santana/Estadão

O pesquisador destaca também que, com o envelhecimento da população, o País precisa se preparar para esse novo cenário. “Isso vai ter efeito na reforma da Previdência, por exemplo. Provavelmente vamos ter de pensar em uma nova reforma daqui um tempo se confirmar essa aceleração do envelhecimento. É uma preocupação para o futuro.”

Confira a seguir a entrevista concedida ao Estadão:

Os dados do Censo mostram que o Brasil teve o menor crescimento da população em 150 anos. Quais os reflexos disso para a economia?

O crescimento da população foi menor do que se esperava. E já existem previsões de que a população pode começar a cair já na primeira metade da próxima década. Do ponto de vista de PIB, afeta receitas do governo e capacidade de prover serviços públicos. Isso é uma má notícia, pois nas últimas década o Brasil tem crescido, principalmente, incorporando mão de obra no processo produtivo. Tivemos o fenômeno do bônus demográfico e agora vamos precisar avaliar como fica. O bônus demográfico era o fato de que a população em idade para trabalhar estava crescendo mais rápido que a população como um todo. Houve enorme incorporação de pessoas no processo produtivo. Na nossa estimativa, isso já tinha se esgotado. Houve aumento também da taxa de participação, principalmente das mulheres, nas últimas décadas. E isso foi muito importante para aumentar o produto. Agora o resultado do Censo torna mais relevante ainda a questão da produtividade.

Como fica daqui para frente?

De forma simplificada, se o País quer crescer, ele pode crescer incorporando mais pessoas ao processo produtivo ou fazendo com que as pessoas gerem mais produto, que cada hora trabalhada gere mais produto. Se esse processo de incorporação de pessoas já estava dando sinais de esgotamento, e o Censo aparentemente reforça isso, o que sobra é produtividade. A única forma de o País crescer de forma sustentável vai ser melhorando a produção de cada pessoa. É isso que vai gerar aumento de salário, e gerar capacidade do próprio setor público para atender as demandas da sociedade. Acredito que a produtividade, que já era crucial nesse sentido, vai ficar ainda mais evidente daqui pra frente.

E como a gente munda essa trajetória? Como podemos ser mais produtivo?

O que é mais preocupante é que a produtividade tem crescido muito pouco. Desde os anos 80, cresce cerca de meio por cento ao ano. Na recessão, entre 2014 a 2016, teve uma queda grande. Depois cresceu um pouquinho em 2019 e na pandemia voltou a cair. Teve o resultado excepcional do Agro no primeiro trimestre deste ano, mas se não fosse isso, a produtividade teria caído novamente. Quando olhamos os dados mais recentes é ainda pior do que já vinha de décadas passadas. E é mais preocupante porque um país emergente como o Brasil deveria ter um crescimento até maior que o dos Estados Unidos, em termos de produtividade. Por que o Brasil adota tecnologias existentes e os Estados Unidos têm de criar, o que é mais difícil do que usar o que já existe. Isso acontece com China, Índia, mas no Brasil não.

Por que isso ocorre?

Isso é um resultado de três fatores. O primeiro tem a ver com o que a gente chama de capital humano. É basicamente escolaridade e experiência da força de trabalho. No Brasil, apesar de todas as dificuldades em educação, as pessoas estão estudando mais. Houve uma melhoria significativa de 1995 para cá na composição educacional. Temos uma parcela bem maior de pessoas com o ensino médio completo e ensino superior. Não é o ideal, mas melhorou. A gente fala da questão do envelhecimento da população, que traz uma série de problemas, mas do ponto de vista do mercado de trabalho, pelo menos, foi positivo, pois os trabalhadores com mais experiência em geral são mais produtivos. Isso tem a ver com educação e qualificação profissional. Agora tem os desafios da inteligência artificial que vão tornar ainda mais necessário avançar nessa área. Então a mensagem é a seguinte: o Brasil melhorou, mas tem muito que avançar ainda, principalmente na qualidade do ensino. Outro ponto está relacionado ao ambientes de negócios no qual as empresas operam. Envolve sistema tributário, caótico e cheio de insegurança jurídica; infraestrutura, cara e precária; e economia fechada, em que o Brasil exporta e importa pouco. Importar pouco também não é bom porque a gente deveria importar tecnologia, máquinas.

As empresas são muito protegidas?

Sim. Acho que a indústria em particular sofre com isso e acaba ficando menos produtiva. Temos ainda a questão de crédito, com juros e spread altos. Temos um ambiente de negócio no Brasil muito difícil. É complicado empreender no País. É caro, complexo e com muita insegurança jurídica. Quando os empresários não têm segurança jurídica, a reação natural é não investir. Isso traz efeitos muito negativos para a produtividade. E finalmente, o terceiro bloco tem a ver com a questão macroeconômica, principalmente a questão fiscal. Temos agora a discussão do arcabouço, já tivemos a questão do teto de gastos. Mas o fato é que temos uma enorme dificuldade para encontrar solução que minimamente sinalize para a sociedade, empresários e trabalhadores que a nossa dívida pública vai ficar estável ao longo do tempo em relação ao PIB. Estávamos avançando com o teto de gastos e reforma da Previdência em 2019. Aí veio a pandemia e os gastos aumentaram extraordinariamente em 2020, o que era natural. Mas, de lá para cá, a gente não tem lidado bem com a situação. Inúmeros furos no teto e agora estamos discutindo o arcabouço. Por que isso é negativo para produtividade? Novamente, tem a ideia de insegurança. A decisão de investir, de abrir um novo negócio, contratar trabalhadores, comprar uma máquina, tudo isso é afetado pela incerteza que o empresário tem sobre os rumos da economia.

A aprovação da reforma tributária trará mais produtividade para o País?

Não é automático, porque tem um período de transição. Vai ser implementado ao longo do tempo. Por outro lado, economia funciona com base em expectativas. Por exemplo, quando teve a aprovação do teto de gastos, foi praticamente imediato o efeito nas taxas de juros antes mesmo que o gasto fosse controlado. Obviamente que os empresários e as pessoas acreditam nas medidas, tem de ser crível. Acho que, no caso da reforma tributária, isso também pode ocorrer. Então pode haver uma antecipação do efeito. Não é instantâneo, mas as empresas começam a trabalhar de uma forma diferente, começam a investir já pensando no futuro.

O sr. falou da questão do envelhecimento da população. O efeito não é contrário? Não provoca queda na produtividade?

O jovem tem pouca experiência, por isso é tão difícil de se inserir no mercado de trabalho. Os empresários são mais relutantes em contratar profissionais sem experiência. Mas, a partir de um determinado momento, o crescimento da idade junto com a maior experiência contribui para aumentar a produtividade dos salários. Mas não é pra sempre. Diria que isso vale até a faixa dos 60, 65 anos, que é a faixa internacional em que a pessoa está plenamente no mercado de trabalho. Depois dos 65 anos, aí realmente a gente já começa a ver a queda da produtividade de novo. Então é uma janela de oportunidade. É por isso que chama bônus demográfico. Ele não dura para sempre. Mas se a parcela da população idosa crescer, aí vamos ter menos gente no mercado de trabalho e teremos um problema.

Qual o horizonte dessa mudança?

Não está no horizonte imediato, mas é algo que a gente deveria se preocupar. Por outro lado, não sabemos o que vem pela frente com as novas tecnologias, que podem trazer grandes benefícios para a saúde. Temos também a inteligência artificial que poderá ajudar bastante. As pessoas podem até ficar mais tempo no mercado de trabalho. De qualquer forma, o País precisa se preparar para esse novo cenário, de envelhecimento da população. Isso vai ter efeito na reforma da Previdência, por exemplo. Provavelmente vamos ter de pensar em uma nova reforma daqui um tempo se confirmar essa aceleração do envelhecimento. É uma preocupação para o futuro.

Qual o peso da educação na produtividade?

Diria que tem um peso grande ainda. Acabou de sair o resultado de um exame internacional para crianças na faixa de 9 a 10 anos e o Brasil foi muito mal. No Pisa, conhecido internacional nas áreas de matemática, ciências e leitura, o Brasil sempre vai muito mal. Então em termos internacionais, o País tem muito a melhorar ainda, na qualidade e também no acesso. Por exemplo, a gente está discutindo a reforma do ensino médio - que agora foi suspensa, espero que temporariamente. É uma reforma muito importante, porque existe uma evasão no ensino médio muito grande. Então nós precisamos reter esses alunos no ensino médio e não só olhando para a faculdade, mas também para ensino técnico. Tem muita coisa para melhorar e que prejudica a produtividade. Mas é sempre bom olhar da perspectiva tanto do copo meio cheio como do copo meio vazio. Meio vazio porque tem muito para melhorar ainda e meio vazio porque tivemos melhorias perceptíveis nas últimas décadas.

Qual a responsabilidade das empresas em todo esse processo de melhoria da produtividade?

As empresas têm papel central. Tem a questão do ambiente de negócios, que é mais externo, mas tem a parte mais interna das empresas, que é muito importante. São as decisões de inovar. O Brasil inova muito pouco. Estamos falando de Inteligência artificial e tem muita coisa que o Brasil poderia estar fazendo na área de inovação e capacitação na mão de obra. Não é só o governo que deve capacitar mão de obra. As empresas têm de ter um papel ativo também nesse sentido. O Brasil aprovou muitas reformas de 2016 para cá. Teve a reforma trabalhista, muita coisa no mercado bancário, Open Finance, cadastro positivo, agora estamos falando de reforma tributária, teve a questão da autonomia do Banco Central, que não tem exatamente a ver com a empresa, mas ajuda a criar um ambiente de segurança. Tivemos o marco do saneamento, projetos na área de ferrovia, navegação de cabotagem. Muita coisa foi aprovada e ainda não vimos resultado perceptível dessas reformas na produtividade. Tem várias razões para isso, como a questão da insegurança jurídica e da turbulência política e fiscal. Nesse cenário, as empresas se sentem inseguras para investir. Mas outra razão é que as próprias empresas precisam mudar sua forma de operar e criar novas oportunidades de negócio.

O sr. vê alguma melhora?

Vejo um potencial significativo. O que é esse potencial? As reformas que já foram aprovadas criaram novas oportunidades para as empresas e para o País. Tem também as novas tecnologias que estão surgindo. Se a reforma tributária for aprovada e tivermos um arcabouço fiscal minimamente razoável, há uma possibilidade de melhorar sensivelmente. Mas isso é o potencial. Não é automático. Para que esse potencial seja realizado depende das empresas e do governo não atrapalhar. Porque o governo também anda questionando algumas reformas já feitas, como o marco do saneamento e a privatização da Eletrobras. Se o governo não questionar essas reformas e aprovar novas, vejo boas possibilidades.

Como o sr. classifica a produtividade do Brasil hoje, ruim ou muito ruim?

Eu eu diria que é muito ruim em termos relativos. Um país como o Brasil, com o potencial que tem de crescimento, reformas já feitas e necessidades em termos sociais, deveria ser muito melhor. Não faz sentido a produtividade do Brasil continuar caindo num mundo onde novas tecnologias estão surgindo. O Brasil podia estar adotando essas tecnologias e reduzindo a distância para os países mais ricos. Mas vamos olhar pelo lado do copo meio cheio: as reformas e mudanças criaram potencial para melhorar a produtividade. Mas não é automático.

Então qual o problema? Novamente, qual seria o papel das empresas? Falta boa vontade?

Elas poderiam ter um papel mais positivo. Nas últimas décadas, vimos algumas reformas no governo de Fernando Henrique Cardoso e no início do governo Lula. Depois ficou muito tempo sem reforma. E o que aconteceu foi que as empresas, na tentativa de tentar lidar com a situação, foram criando proteção cada vez maior. As gestões Lula 2 e Dilma (Rousseff) deram muita proteção para as empresas em relação à competição externa, subsídio de crédito e inúmeras isenções tributárias. As empresas partiram para a solução individual. Cada empresa, cada setor tentando garantir o seu ambiente, querendo pagar menos impostos e juros mais baixos. Elas precisam desistir dessa agenda, que é muito negativa, e brigar mais por algo como uma reforma tributária abrangente, que é essa do Congresso, com um IVA com poucas exceções ou nenhuma. A gente vê isso na discussão do IVA. Toda hora determinado setor quer uma alíquota mais baixa. O papel das empresas pode ser mais positivo se, em vez de brigarem pelo seu benefício individual ou setorial, elas brigarem por uma melhoria para economia como todo. É a única solução, porque essa tentativa de se proteger com benefício próprio não deu certo no passado e acho tem ficado claro que não vai funcionar de novo. Por isso, a reforma tributária é tão importante, porque ela rompe essa lógica “do meu primeiro”. Todo mundo tem de pagar impostos e tem de ser igual. A competição com o mundo lá fora não deve ser na base de proteção. Tem de ser na base da tecnologia, dos investimentos em capital humano. O problema não é boa vontade, mas a preocupação com o imediatismo. Precisamos de uma agenda mais horizontal, que seja boa para todo mundo. Isso terá um efeito muito melhor sobre a produtividade.

Na lanterna em termos de produtividade, o Brasil perde para seus pares emergentes e para os vizinhos latino-americanos, como Argentina e Chile. Hoje, para fazer um mesmo serviço, o País precisa de três trabalhadores a mais que os Estados Unidos. Isso acaba corroendo a competitividade em relação ao mercado internacional.

Na opinião do economista Fernando Veloso, pesquisador da FGV/Ibre, a produtividade do Brasil é muito ruim diante do potencial de crescimento. “Não faz sentido a produtividade do Brasil continuar caindo num mundo onde novas tecnologias estão surgindo.” Segundo ele, apesar das reformas (trabalhista e da Previdência) e das mudanças ocorridas nos últimos anos, o efeito na produtividade ainda não apareceu.

Ele avalia que a melhora no indicador não é só papel do governo, mas também das empresas, que precisam deixar de lado o individualismo e o sentimento de proteção. “Foram muitos anos sem reforma. O que aconteceu foi que as empresas, na tentativa de tentar lidar com a situação, foram criando proteção cada vez maior.”

Fernando Veloso, pesquisador da FGV/Ibre Foto: Werther Santana/Estadão

O pesquisador destaca também que, com o envelhecimento da população, o País precisa se preparar para esse novo cenário. “Isso vai ter efeito na reforma da Previdência, por exemplo. Provavelmente vamos ter de pensar em uma nova reforma daqui um tempo se confirmar essa aceleração do envelhecimento. É uma preocupação para o futuro.”

Confira a seguir a entrevista concedida ao Estadão:

Os dados do Censo mostram que o Brasil teve o menor crescimento da população em 150 anos. Quais os reflexos disso para a economia?

O crescimento da população foi menor do que se esperava. E já existem previsões de que a população pode começar a cair já na primeira metade da próxima década. Do ponto de vista de PIB, afeta receitas do governo e capacidade de prover serviços públicos. Isso é uma má notícia, pois nas últimas década o Brasil tem crescido, principalmente, incorporando mão de obra no processo produtivo. Tivemos o fenômeno do bônus demográfico e agora vamos precisar avaliar como fica. O bônus demográfico era o fato de que a população em idade para trabalhar estava crescendo mais rápido que a população como um todo. Houve enorme incorporação de pessoas no processo produtivo. Na nossa estimativa, isso já tinha se esgotado. Houve aumento também da taxa de participação, principalmente das mulheres, nas últimas décadas. E isso foi muito importante para aumentar o produto. Agora o resultado do Censo torna mais relevante ainda a questão da produtividade.

Como fica daqui para frente?

De forma simplificada, se o País quer crescer, ele pode crescer incorporando mais pessoas ao processo produtivo ou fazendo com que as pessoas gerem mais produto, que cada hora trabalhada gere mais produto. Se esse processo de incorporação de pessoas já estava dando sinais de esgotamento, e o Censo aparentemente reforça isso, o que sobra é produtividade. A única forma de o País crescer de forma sustentável vai ser melhorando a produção de cada pessoa. É isso que vai gerar aumento de salário, e gerar capacidade do próprio setor público para atender as demandas da sociedade. Acredito que a produtividade, que já era crucial nesse sentido, vai ficar ainda mais evidente daqui pra frente.

E como a gente munda essa trajetória? Como podemos ser mais produtivo?

O que é mais preocupante é que a produtividade tem crescido muito pouco. Desde os anos 80, cresce cerca de meio por cento ao ano. Na recessão, entre 2014 a 2016, teve uma queda grande. Depois cresceu um pouquinho em 2019 e na pandemia voltou a cair. Teve o resultado excepcional do Agro no primeiro trimestre deste ano, mas se não fosse isso, a produtividade teria caído novamente. Quando olhamos os dados mais recentes é ainda pior do que já vinha de décadas passadas. E é mais preocupante porque um país emergente como o Brasil deveria ter um crescimento até maior que o dos Estados Unidos, em termos de produtividade. Por que o Brasil adota tecnologias existentes e os Estados Unidos têm de criar, o que é mais difícil do que usar o que já existe. Isso acontece com China, Índia, mas no Brasil não.

Por que isso ocorre?

Isso é um resultado de três fatores. O primeiro tem a ver com o que a gente chama de capital humano. É basicamente escolaridade e experiência da força de trabalho. No Brasil, apesar de todas as dificuldades em educação, as pessoas estão estudando mais. Houve uma melhoria significativa de 1995 para cá na composição educacional. Temos uma parcela bem maior de pessoas com o ensino médio completo e ensino superior. Não é o ideal, mas melhorou. A gente fala da questão do envelhecimento da população, que traz uma série de problemas, mas do ponto de vista do mercado de trabalho, pelo menos, foi positivo, pois os trabalhadores com mais experiência em geral são mais produtivos. Isso tem a ver com educação e qualificação profissional. Agora tem os desafios da inteligência artificial que vão tornar ainda mais necessário avançar nessa área. Então a mensagem é a seguinte: o Brasil melhorou, mas tem muito que avançar ainda, principalmente na qualidade do ensino. Outro ponto está relacionado ao ambientes de negócios no qual as empresas operam. Envolve sistema tributário, caótico e cheio de insegurança jurídica; infraestrutura, cara e precária; e economia fechada, em que o Brasil exporta e importa pouco. Importar pouco também não é bom porque a gente deveria importar tecnologia, máquinas.

As empresas são muito protegidas?

Sim. Acho que a indústria em particular sofre com isso e acaba ficando menos produtiva. Temos ainda a questão de crédito, com juros e spread altos. Temos um ambiente de negócio no Brasil muito difícil. É complicado empreender no País. É caro, complexo e com muita insegurança jurídica. Quando os empresários não têm segurança jurídica, a reação natural é não investir. Isso traz efeitos muito negativos para a produtividade. E finalmente, o terceiro bloco tem a ver com a questão macroeconômica, principalmente a questão fiscal. Temos agora a discussão do arcabouço, já tivemos a questão do teto de gastos. Mas o fato é que temos uma enorme dificuldade para encontrar solução que minimamente sinalize para a sociedade, empresários e trabalhadores que a nossa dívida pública vai ficar estável ao longo do tempo em relação ao PIB. Estávamos avançando com o teto de gastos e reforma da Previdência em 2019. Aí veio a pandemia e os gastos aumentaram extraordinariamente em 2020, o que era natural. Mas, de lá para cá, a gente não tem lidado bem com a situação. Inúmeros furos no teto e agora estamos discutindo o arcabouço. Por que isso é negativo para produtividade? Novamente, tem a ideia de insegurança. A decisão de investir, de abrir um novo negócio, contratar trabalhadores, comprar uma máquina, tudo isso é afetado pela incerteza que o empresário tem sobre os rumos da economia.

A aprovação da reforma tributária trará mais produtividade para o País?

Não é automático, porque tem um período de transição. Vai ser implementado ao longo do tempo. Por outro lado, economia funciona com base em expectativas. Por exemplo, quando teve a aprovação do teto de gastos, foi praticamente imediato o efeito nas taxas de juros antes mesmo que o gasto fosse controlado. Obviamente que os empresários e as pessoas acreditam nas medidas, tem de ser crível. Acho que, no caso da reforma tributária, isso também pode ocorrer. Então pode haver uma antecipação do efeito. Não é instantâneo, mas as empresas começam a trabalhar de uma forma diferente, começam a investir já pensando no futuro.

O sr. falou da questão do envelhecimento da população. O efeito não é contrário? Não provoca queda na produtividade?

O jovem tem pouca experiência, por isso é tão difícil de se inserir no mercado de trabalho. Os empresários são mais relutantes em contratar profissionais sem experiência. Mas, a partir de um determinado momento, o crescimento da idade junto com a maior experiência contribui para aumentar a produtividade dos salários. Mas não é pra sempre. Diria que isso vale até a faixa dos 60, 65 anos, que é a faixa internacional em que a pessoa está plenamente no mercado de trabalho. Depois dos 65 anos, aí realmente a gente já começa a ver a queda da produtividade de novo. Então é uma janela de oportunidade. É por isso que chama bônus demográfico. Ele não dura para sempre. Mas se a parcela da população idosa crescer, aí vamos ter menos gente no mercado de trabalho e teremos um problema.

Qual o horizonte dessa mudança?

Não está no horizonte imediato, mas é algo que a gente deveria se preocupar. Por outro lado, não sabemos o que vem pela frente com as novas tecnologias, que podem trazer grandes benefícios para a saúde. Temos também a inteligência artificial que poderá ajudar bastante. As pessoas podem até ficar mais tempo no mercado de trabalho. De qualquer forma, o País precisa se preparar para esse novo cenário, de envelhecimento da população. Isso vai ter efeito na reforma da Previdência, por exemplo. Provavelmente vamos ter de pensar em uma nova reforma daqui um tempo se confirmar essa aceleração do envelhecimento. É uma preocupação para o futuro.

Qual o peso da educação na produtividade?

Diria que tem um peso grande ainda. Acabou de sair o resultado de um exame internacional para crianças na faixa de 9 a 10 anos e o Brasil foi muito mal. No Pisa, conhecido internacional nas áreas de matemática, ciências e leitura, o Brasil sempre vai muito mal. Então em termos internacionais, o País tem muito a melhorar ainda, na qualidade e também no acesso. Por exemplo, a gente está discutindo a reforma do ensino médio - que agora foi suspensa, espero que temporariamente. É uma reforma muito importante, porque existe uma evasão no ensino médio muito grande. Então nós precisamos reter esses alunos no ensino médio e não só olhando para a faculdade, mas também para ensino técnico. Tem muita coisa para melhorar e que prejudica a produtividade. Mas é sempre bom olhar da perspectiva tanto do copo meio cheio como do copo meio vazio. Meio vazio porque tem muito para melhorar ainda e meio vazio porque tivemos melhorias perceptíveis nas últimas décadas.

Qual a responsabilidade das empresas em todo esse processo de melhoria da produtividade?

As empresas têm papel central. Tem a questão do ambiente de negócios, que é mais externo, mas tem a parte mais interna das empresas, que é muito importante. São as decisões de inovar. O Brasil inova muito pouco. Estamos falando de Inteligência artificial e tem muita coisa que o Brasil poderia estar fazendo na área de inovação e capacitação na mão de obra. Não é só o governo que deve capacitar mão de obra. As empresas têm de ter um papel ativo também nesse sentido. O Brasil aprovou muitas reformas de 2016 para cá. Teve a reforma trabalhista, muita coisa no mercado bancário, Open Finance, cadastro positivo, agora estamos falando de reforma tributária, teve a questão da autonomia do Banco Central, que não tem exatamente a ver com a empresa, mas ajuda a criar um ambiente de segurança. Tivemos o marco do saneamento, projetos na área de ferrovia, navegação de cabotagem. Muita coisa foi aprovada e ainda não vimos resultado perceptível dessas reformas na produtividade. Tem várias razões para isso, como a questão da insegurança jurídica e da turbulência política e fiscal. Nesse cenário, as empresas se sentem inseguras para investir. Mas outra razão é que as próprias empresas precisam mudar sua forma de operar e criar novas oportunidades de negócio.

O sr. vê alguma melhora?

Vejo um potencial significativo. O que é esse potencial? As reformas que já foram aprovadas criaram novas oportunidades para as empresas e para o País. Tem também as novas tecnologias que estão surgindo. Se a reforma tributária for aprovada e tivermos um arcabouço fiscal minimamente razoável, há uma possibilidade de melhorar sensivelmente. Mas isso é o potencial. Não é automático. Para que esse potencial seja realizado depende das empresas e do governo não atrapalhar. Porque o governo também anda questionando algumas reformas já feitas, como o marco do saneamento e a privatização da Eletrobras. Se o governo não questionar essas reformas e aprovar novas, vejo boas possibilidades.

Como o sr. classifica a produtividade do Brasil hoje, ruim ou muito ruim?

Eu eu diria que é muito ruim em termos relativos. Um país como o Brasil, com o potencial que tem de crescimento, reformas já feitas e necessidades em termos sociais, deveria ser muito melhor. Não faz sentido a produtividade do Brasil continuar caindo num mundo onde novas tecnologias estão surgindo. O Brasil podia estar adotando essas tecnologias e reduzindo a distância para os países mais ricos. Mas vamos olhar pelo lado do copo meio cheio: as reformas e mudanças criaram potencial para melhorar a produtividade. Mas não é automático.

Então qual o problema? Novamente, qual seria o papel das empresas? Falta boa vontade?

Elas poderiam ter um papel mais positivo. Nas últimas décadas, vimos algumas reformas no governo de Fernando Henrique Cardoso e no início do governo Lula. Depois ficou muito tempo sem reforma. E o que aconteceu foi que as empresas, na tentativa de tentar lidar com a situação, foram criando proteção cada vez maior. As gestões Lula 2 e Dilma (Rousseff) deram muita proteção para as empresas em relação à competição externa, subsídio de crédito e inúmeras isenções tributárias. As empresas partiram para a solução individual. Cada empresa, cada setor tentando garantir o seu ambiente, querendo pagar menos impostos e juros mais baixos. Elas precisam desistir dessa agenda, que é muito negativa, e brigar mais por algo como uma reforma tributária abrangente, que é essa do Congresso, com um IVA com poucas exceções ou nenhuma. A gente vê isso na discussão do IVA. Toda hora determinado setor quer uma alíquota mais baixa. O papel das empresas pode ser mais positivo se, em vez de brigarem pelo seu benefício individual ou setorial, elas brigarem por uma melhoria para economia como todo. É a única solução, porque essa tentativa de se proteger com benefício próprio não deu certo no passado e acho tem ficado claro que não vai funcionar de novo. Por isso, a reforma tributária é tão importante, porque ela rompe essa lógica “do meu primeiro”. Todo mundo tem de pagar impostos e tem de ser igual. A competição com o mundo lá fora não deve ser na base de proteção. Tem de ser na base da tecnologia, dos investimentos em capital humano. O problema não é boa vontade, mas a preocupação com o imediatismo. Precisamos de uma agenda mais horizontal, que seja boa para todo mundo. Isso terá um efeito muito melhor sobre a produtividade.

Entrevista por Renée Pereira

São Paulo

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