O sistema tributário instituído pela Constituição de 1988, embora elaborado por técnicos de alto nível, já nasceu torto em função dos legítimos embates políticos – como os que ora se assiste quando se tenta reformá-lo - e foi derretendo ao longo das décadas.
Além dos aleijões de nascença, a gestão do sistema foi, passo a passo, tornando-o um pesadelo: guerra fiscal, sanha arrecadatória, políticas tributárias esdrúxulas, decisões judiciais exóticas e o que resta hoje – e que se pretende mudar - é um amontoado de distorções que ferem todos os princípios que devem orientar um sistema tributário: neutralidade, simplicidade, segurança jurídica, Justiça fiscal etc.
É de se atentar para dois aspectos fundamentais que orientam o processo de reforma tributária: 1) modelos elaborados por equipes técnicas são, meramente, ponto de partida para o embate político, legítimo, do qual resultará a forma definitiva da estrutura tributária possível e, 2) não há reforma tributária neutra; sempre haverá redistribuição do peso tributário entre setores, extratos sociais, regiões e entes federativos.
Não surpreendem, pois, as escaramuças retóricas regionais entre governadores e entre prefeitos que buscam preservar ou aumentar seu quinhão tributário e que estressam o equilíbrio federativo. Muitas distorções do atual sistema tributário brasileiro estão sendo mantidas, como os benefícios à Zona Franca de Manaus e o tratamento (enormemente) diferenciado às pequenas e medias empresas, afora o faroeste pela “meia entrada” ou “entrada grátis” que já polui o texto da PEC com um sem-número de exceções, benefícios, regimes especiais e quejandas, que quebram a desejada neutralidade do sistema.
Claro que a aritmética da manutenção da receita tributária imporá aumento da alíquota padrão dos setores que ficam de fora da festa da “meia entrada”. A conta total haverá de ser paga, só muda o pato que a pagará. Além da briga setorial, há, também, o conflito entre as camadas federativas. Estados reivindicam fundos federais compensatórios por perdas de receita decorrentes da reforma e a União só conseguirá recompor seu orçamento com aumento de seus próprios tributos. Vale dizer, com aumento da carga tributária global. Aí, todos os patos pagaremos a conta.
Sem dúvida, a PEC já em fase final de tramitação não é a dos sonhos, mas sua aprovação representará o fim do pesadelo e enorme passo da economia brasileira rumo à modernidade com o fim da guerra fiscal, eliminação de cumulatividades, desoneração dos investimentos, redução dos custos de conformidade e maior segurança jurídica.
Ex-coordenador da Administração Tributária paulista e sócio-diretor da CP Consultores Associados.