O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está apostando num retorno ao “capitalismo de Estado” e recorrendo às obras públicas como um dos pilares de seu governo para impulsionar a economia brasileira, segundo reportagem publicada nesta semana pelo jornal Financial Times (FT). O texto analisa as estratégias do governo para a área.
A publicação cita como exemplo de apostas do presidente a retomada da expansão da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que foi um símbolo de “desperdício, corrupção e incompetência” durante os governos do PT. Em 2014, a construção foi interrompida com apenas metade da instalação planejada.
Segundo o jornal, desde que Lula voltou ao poder, ele tem tentado fortalecer o papel do Estado para elevar o padrão de vida da população, aumentando investimento em assistência social, flexibilizando restrições de gastos públicos e prometendo melhorias na infraestrutura. Críticos ouvidos pelo jornal afirmam, entretanto, que a abordagem ameaça “reviver um modelo desacreditado de desenvolvimento estatista que deu errado no passado”, escreve o FT.
Defensores do modelo afirmam, por outro lado, que o País está bem posicionado para cumprir seu potencial e ressaltam o desempenho positivo no primeiro ano de governo, como redução do desemprego, da inflação e o crescimento econômico.
Mas investidores e economistas ainda parecem céticos, segundo o jornal, em relação ao controle das contas públicas, o que torna difícil a redução da taxa básica de juros, a Selic, em 11,75% atualmente.
O desafio do País está na escolha entre seguir um caminho macroeconômico mais moderado ou intensificar os gastos para tentar impulsionar o crescimento, afirma a publicação.
O economista-chefe para o Brasil no Barclays, Roberto Secemski, afirma à publicação que a renda per capita ainda não retornou aos níveis de 2013, e que o “País precisa de uma maior produtividade e investimentos de capital, o que seria mais viável com taxas de juros mais baixas. O problema reside na postura fiscal frouxa do Brasil.”
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Já Abinadade Santos, secretário-geral do sindicato dos metalúrgicos, no Recife, acredita que o presidente tem capacidade para gerir a situação, mas que é preciso corrigir os erros do passado.
Petrobras
A reportagem destaca como as indústrias naval e petroleira foram parte da política industrial de Lula, “o último boom e colapso do País”, e menciona o esquema de propina para contratos da Petrobras que levou à prisão diversos políticos e empresários.
“Houve um coro de denúncias e um desmantelamento completo do que havia sido considerado um futuro muito promissor para a região”, diz Ecio Costa, professor de economia da Universidade Federal de Pernambuco, ao Financial Times.
A Petrobras tem planos de fazer novos pedidos a estaleiros nacionais à medida que busca a expansão da produção offshore para colocar o Brasil entre os principais produtores de petróleo. “Mas, para ter sucesso, a indústria terá que superar fatores que anteriormente a deixaram lutando para ser competitiva e cumprir prazos”, escreve o jornal.
Reforma tributária
A aprovação da reforma tributária foi destacada pela reportagem pela sua boa recepção no mercado, com a S&P elevando a classificação soberana do Brasil em um nível, embora ainda abaixo do grau de investimento.
Mesmo assim, o jornal salienta que o desafio ainda é grande, com a produtividade crescendo pouco no País. Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, afirma à publicação que o Brasil provavelmente se beneficiará no curto prazo com o afrouxamento monetário internacional.
“Mas a capacidade limitada do País de criar impulso interno para a atividade deve manter o crescimento do PIB em taxas modestas”, acrescenta. A economia expandiu a uma taxa anual de apenas 0,5% em média na última década.
Programa de Aceleração do Crescimento
Outra “fórmula antiga” do governo Lula é o novo programa de obras públicas do governo, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), aponta o Financial Times. No PAC 1, apenas 25% dos projetos foram entregues, enquanto no PAC 2 a cifra foi de 36%.
O jornal coloca que funcionários da administração federal dizem que, desta vez, será diferente, com prioridade para a conclusão de projetos inacabados e maior participação do setor privado por meio de concessões e parcerias.
Questão climática
O jornal ainda ressalta outro foco do governo: a promoção de empreendimentos que combatam o aquecimento global. Entre eles está a repressão a desmatadores, o incentivo para a economia verde e o potencial para energias renováveis, em especial o hidrogênio verde.
A reportagem cita o caso da fabricante chinesa de automóveis BYD, que começará a produzir carros elétricos no Nordeste, como parte de um investimento de R$ 3 bilhões. Para ajudar a produção nacional, o governo está impondo tarifas sobre carros elétricos importados. Porém, alguns economistas estão cautelosos em relação ao protecionismo.
“Subsídios e incentivos a setores tendem a durar mais do que se imagina, com um impacto menor do que o esperado”, diz Gustavo Arruda, economista do BNP Paribas, em entrevista à reportagem.
Endividamento
A dívida pública, atualmente em 74% do PIB, é relativamente alta para uma economia emergente, diz o jornal. Isso pode ter efeitos em cascata na inflação e na confiança do investidor, segundo alguns especialistas ouvidos pelo jornal.
“Embora não estejamos esperando (que a situação fiscal) desencadeie uma crise, o aumento do endividamento continuará expondo as fragilidades do Brasil”, diz Arruda. “A necessidade de ajuste fiscal no futuro pode conter os investimentos do setor privado.”
Para Paulo Bilyk, CEO da gestora de ativos Rio Bravo Investimentos, também entrevistado pelo FT, a questão mais crítica para o investidor é a estabilidade fiscal. “Todos terão que ficar de olho nos pecados do passado que estão tentando ser repetidos.”, destaca.