Fonte trilionária de lítio para carros elétricos pode favorecer Talibã e seus parceiros chineses


Afeganistão pode conter vastas reservas do mineral fundamental para a transição energética e se tornar a futura principal fornecedora do material no mundo

Por Gerry Shih e Lorenzo Tugnoli

THE WASHINGTON POST – Sayed Wali Sajid passou anos lutando contra soldados americanos nas colinas áridas e campos férteis do Vale do rio Pech, um dos palcos de mais mortes da insurgência de 20 anos. Mas nada confundiu mais o líder talibã, segundo ele mesmo, como a nova onda de estrangeiros que começaram a aparecer, um após o outro, no final de 2021.

Certa vez, Sajid viu um estrangeiro caminhando sozinho por um caminho onde extremistas do Estado Islâmico eram conhecidos por sequestrar forasteiros. Outra vez, cinco homens e mulheres escaparam dos soldados de Sajid no escuro para vasculhar a montanha. Os recém-chegados, lembrou Sajid, eram tontos, persistentes, quase irredutíveis em sua busca por algo que poucos moradores locais acreditavam ter qualquer valor.

“Os chineses eram inacreditáveis”, disse Sajid, rindo da lembrança. “Primeiro, eles não nos disseram o que queriam. Mas, depois, vi a empolgação nos olhos deles e o entusiasmo, e foi aí que entendi a palavra ‘lítio’.”

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Uma década antes, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, orientado por pesquisas de geólogos do governo americano, concluiu que a enorme riqueza de lítio e outros minerais escondidos no Afeganistão poderia valer o equivalente a US$ 1 trilhão, mais do que o suficiente para sustentar o governo frágil do país.

Em um memorando de 2010, a Força-Tarefa para Operações de Negócios e Estabilidade do Pentágono, que analisou o potencial de desenvolvimento do Afeganistão, apelidou o país de “Arábia Saudita do lítio”. Um ano depois, o Serviço Geológico dos EUA publicou um mapa que mostrava a localização das principais reservas e destacou a magnitude da riqueza subterrânea, dizendo que o Afeganistão “poderia ser considerado como a futura principal fonte de lítio do mundo”.

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Trabalhadores coletam material para a produção de aço em siderúrgica chinesa em Cabul, em maio deste ano Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Entretanto, agora, numa grande reviravolta da história afegã moderna, é o Talibã – que derrubou o governo apoiado pelos EUA há dois anos – que está finalmente querendo explorar essas vastas reservas de lítio, num momento em que a crescente popularidade global dos veículos elétricos está provocando uma necessidade urgente do mineral, um ingrediente vital de suas baterias. Até 2040, a demanda por lítio pode aumentar 40 vezes em relação aos níveis de 2020, de acordo com a Agência Internacional de Energia.

O Afeganistão continua sob intensa pressão internacional – isolado politicamente e sobrecarregado com sanções dos EUA e multilaterais devido a preocupações com os direitos humanos, em particular com a repressão contra as mulheres e a ligação do Talibã com o terrorismo.

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A promessa extraordinária de lítio, contudo, poderia frustrar os esforços ocidentais para pressionar o Talibã a mudar seu comportamento extremista. E com os EUA ausentes no Afeganistão, são as empresas chinesas que agora estão se posicionando agressivamente para aproveitar uma colheita inesperada de lítio aqui – e, ao fazer isso, aumentar ainda mais o domínio da China sobre grande parte da cadeia de suprimentos global de minerais para veículos elétricos.

A crescente demanda por lítio faz parte de uma busca no mundo inteiro por uma variedade de metais utilizados na fabricação de veículos elétricos, considerados amplamente como cruciais para a transição energética. Mas a mineração e o tratamento de minerais como o níquel, o cobalto e o manganês muitas vezes são acompanhados de consequências não intencionais – por exemplo, danos aos trabalhadores, às comunidades nas imediações e ao meio ambiente.

No Afeganistão, essas consequências parecem ser geopolíticas: o possível enriquecimento de um Talibã em grande parte rejeitado e outra vantagem para a China numa concorrência feroz e estratégica.

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Mineiros trabalham para extrair pedras preciosas em uma mina no Vale Parun, no Afeganistão Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Na época em que Cabul foi tomada pelos talibãs em agosto de 2021, um aumento súbito estremeceu o mercado mundial de lítio. O preço do mineral disparou oito vezes de 2021 a 2022, atraindo centenas de empresários chineses da mineração para o Afeganistão.

Em entrevistas, representantes do Talibã, empresários chineses e seus intermediários afegãos descreveram um frenesi que lembrava a corrida do ouro do século 19. Comerciantes chineses que viajam pelo mundo lotaram os hotéis de Cabul, correndo para extrair lítio no interior do país. Os executivos chineses pediram para se reunir com líderes talibãs para tentar conseguir direitos de exploração das reservas. Em janeiro, oficiais do Talibã prenderam um empresário chinês por supostamente contrabandear mil toneladas de minério de lítio da província de Konar para a China pelo Paquistão.

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Os líderes talibãs interromperam a mineração e o comércio de lítio nos últimos meses, enquanto tentam negociar uma concessão com uma empresa estrangeira, e os chineses são vistos como os principais concorrentes. Mas, mesmo depois de fechar um acordo, a extração pode levar anos até começar de verdade devido ao desafio de levar o lítio para o mercado, alertam especialistas da indústria. Não há estradas pavimentadas que liguem as montanhas íngremes e ricas em minerais das províncias de Konar e Nuristão, no nordeste do Afeganistão, ao restante do mundo; enquanto isso, reservas abundantes e mais acessíveis podem ser encontradas em países como Chile e Austrália.

Mas o que é certo, de acordo com os afegãos, chineses e também americanos, é que o Afeganistão está no meio de uma transição radical depois de décadas de guerra. E enquanto o Talibã for ostracizado pelo ocidente, segundo eles, o Afeganistão vai se deixar levar, por necessidade, se não por escolha, pela China.

“Em um universo alternativo, nossos projetos poderiam estar gerando empregos significativos e receita fiscal dentro de anos que proporcionariam uma base econômica e capacitariam o povo afegão a governar a si mesmo”, disse Paul A. Brinkley, ex-vice-secretário de Defesa dos EUA que supervisionou a Força-Tarefa para Operações de Negócios e Estabilidade até deixar o cargo em 2011; a iniciativa foi extinta pouco tempo depois.

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Em vez disso, segundo Brinkley: “Teremos empresas chinesas extraindo lítio para alimentar uma cadeia de suprimentos que acabará por vendê-lo de volta para o ocidente, tudo isso em um mundo onde simplesmente não há lítio suficiente”.

Nesar Ahmad Safi dirige lentamente em paralelo ao rio Pech uma picape Toyota desgastada, explicando em detalhes as duas forças que influenciam há muito tempo a vida na província de Konar: a guerra – e as minas.

“Os americanos o chamavam de Vale da Morte”, disse ele, apontando com a cabeça para a abertura ampla do Vale Korengal. Ao lado de uma curva do rio de curso rápido estavam as paredes altas e cinzentas da base militar de Nangalam, outrora o posto militar mais remoto do vale e agora um vestígio da presença dos EUA.

Yu Minghui, empresário coproprietário da primeira siderúrgica do Afeganistão, tem licenças para um parque industrial de pouco mais de 200 hectares fora de Cabul Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Uma hora depois da base abandonada, o vale torna-se íngreme e rochoso, e as montanhas cobertas de neve da província vizinha de Nuristão podem ser vistas. Safi aponta para dezenas de pequenos poços perfurados nas encostas que lembram pontos de tinta em um pergaminho marrom. Desde a antiguidade, as minas têm sido uma fonte complementar de renda para as famílias de agricultores, que extraem pedras preciosas como quartzo, turmalina e kunzita (um cristal transparente como vidro e arroxeado) e as vendem para os bazares das regiões sul e central da Ásia.

Enquanto extraem kunzita de alta qualidade, os mineiros costumam descartar pilhas de rocha leitosa. Os moradores locais chamavam essa parte descartada de “takhtapat” – resíduos de kunzita. Mas os geólogos a conhecem como espodumênio, um minério que apresenta lítio em sua composição. “Ninguém sabia o valor dos resíduos de kunzita até a chegada dos empresários chineses”, disse Safi, ex-chefe de um conselho do vilarejo que agora trabalha como representante dos mineiros locais. “Eles ficaram empolgados, então todo mundo ficou animado.”

No ano passado, recordaram Safi e outros afegãos da região, alguns comerciantes chineses compraram o máximo de minério possível, despachando caminhões transbordando pela estrada esburacada por crateras de bombas do vale. Outros garimpeiros chineses testaram a rocha com espectrômetros portáteis e manifestaram dúvidas de que o teor de lítio fosse alto o suficiente para viabilizar a mineração em escala industrial, disse Safi.

Na década de 1960, geólogos soviéticos relataram pela primeira vez reservas consideráveis de lítio em grandes rochas cristalinas chamadas pegmatitos ao longo da cordilheira Indocuche. Depois da invasão dos EUA em 2001, as equipes do Serviço Geológico americano que trabalhavam como parte da força-tarefa do Pentágono aventuraram-se sob a escolta dos fuzileiros navais pelos lagos com crosta de sal no sul do Afeganistão, onde encontraram um teor de lítio tão elevado que rivalizava com as reservas de água salgada do Chile e da Argentina, alguns dos maiores produtores de lítio do mundo. Eles também calcularam, por meio de aerofotogrametria, que Konar e Nuristão eram ricas em rochas contendo lítio, mas os vales eram perigosos demais para serem visitados, disse Christopher Wnuk, ex-geólogo do Serviço Geológico americano que participou do estudo do Pentágono. Até hoje, a dimensão exata das reservas de lítio do Afeganistão permanece desconhecida.

“Como geólogo, nunca vi nada como o Afeganistão”, disse Wnuk, que agora trabalha em projetos de mineração do setor privado na Ásia e na África. “Pode muito bem ser o lugar com o maior acúmulo de minerais do planeta. Mas o trabalho geológico básico simplesmente ainda não foi feito.”

Mesmo que as montanhas do Afeganistão revelem conter lítio de alta qualidade, as minas só serão viáveis do ponto de vista econômico se novas estradas, ferrovias, usinas de tratamento de minério e usinas de energia forem construídas em torno delas.

Isso não é um problema, segundo os estrategistas da China.

“O Afeganistão não tem uma base industrial, [mas] tem grandes recursos minerais, e nenhum ocidental pode competir com os chineses quando o assunto é construir infraestruturas e suportar dificuldades”, disse Zhou Bo, coronel aposentado do exército chinês que é agora especialista em segurança internacional na Universidade Tsinghua.

Em uma rara entrevista, Shahabuddin Delawar, ministro de Minas e Petróleo do Afeganistão e líder sênior do Talibã, disse aos jornalistas do Washington Post que apenas 24 horas antes, representantes de uma empresa chinesa tinham estado em seu escritório apresentando os detalhes de uma proposta de US$ 10 bilhões que incluía promessas de construir uma fábrica de tratamento de minério de lítio e fábricas de baterias no Afeganistão, modernizar as estradas nas montanhas há muito tempo negligenciadas e criar dezenas de milhares de empregos para os moradores locais. Seu ministério se referiu à empresa chinesa como Gochin.

Delawar não detalhou o cronograma para a decisão de qualquer concessão para mineração. Ele disse que uma comissão de funcionários seniores do Talibã liderada por Abdul Ghani Baradar, vice-primeiro-ministro para assuntos econômicos, “examinará com cuidado quaisquer boas propostas que recebermos”, acrescentando que o governo acolheria licitantes ocidentais e até mesmo dos EUA se as sanções fossem retiradas. As sanções dos EUA proíbem todas as transações com o Talibã, com exceção da ajuda humanitária.

“Sempre dissemos que se os EUA tirassem seus soldados e máquinas de matar do Afeganistão, também poderiam investir aqui”, afirmou. “A demanda por petróleo está diminuindo, mas a de lítio só aumenta. Apenas na província de Nuristão temos 2,5 milhões de toneladas. Com a extração dele, o Afeganistão pode ser um dos países mais ricos do mundo.”

A expectativa é que até 2030, quando cerca de 60% de todos os carros na China, na Europa e nos EUA serão elétricos, o mundo enfrente uma escassez de lítio, disse Henry Sanderson, editor-executivo da Benchmark Mineral Intelligence e autor de “Volt Rush: The Winners and Losers in the Race to Go Green” (Corrida de Volts: Os Vencedores e Perdedores na Corrida para a Transição Energética, em tradução livre).

“A indústria de lítio da China está em uma situação realmente invejável: eles dominam o tratamento, têm os materiais para as baterias e as fábricas, mas toda essa cadeia de suprimentos deixa de funcionar se não houver matéria-prima para alimentar a máquina industrial”, disse Sanderson. “É por isso que eles estão indo para o Afeganistão. Eles precisam garantir o máximo [de matéria-prima] que puderem.”

A primeira mensagem que saúda todos os passageiros que saem do aeroporto internacional de Cabul não está escrita em inglês ou dari. Mas em ideogramas chineses gigantes.

“A Iniciativa do Cinturão e Rota é a ponte que atravessa a China e o Afeganistão”, lê-se em um enorme outdoor voltado para o terminal, referindo-se ao programa de infraestrutura global da China. “Bem-vindo à Chinatown. Ajude a criar um parque industrial e deixe seus investimentos criarem raízes.”

O outdoor foi instalado por Yu Minghui, empresário de um vilarejo próximo ao famoso Templo Shaolin, na província chinesa de Henan, que pisou pela primeira vez em Cabul em abril de 2002, logo após a invasão liderada pelos EUA. Ele tinha 30 anos na época, disse, e chegou sabendo falar o básico em persa e com grandes ambições.

Hoje, Yu é coproprietário da primeira siderúrgica do Afeganistão e tem licenças para um parque industrial de pouco mais de 200 hectares fora de Cabul. O projeto da Chinatown que ele anuncia no aeroporto é uma torre de 10 andares que Yu imagina como uma espécie de câmara de comércio chinesa e showroom de mercadorias importadas. Ali seria possível comprar ferramentas elétricas, geradores a diesel e até mesmo mesas de escritório que as empresas chinesas talvez precisem quando chegarem ao Afeganistão para iniciar as operações de mineração. Em seu escritório em Chinatown, Yu exibe pedaços de lápis-lazúli e lítio afegãos – junto com seus contatos na política. Em uma foto emoldurada, ele aparece caminhando ao lado do irmão do ex-presidente do Afeganistão Ashraf Ghani, Hashmat. Numa fotografia mais recente, Yu está com um homem de turbante que ajudou a derrubar Ghani: o atual ministro do Comércio do Talibã, Haji Nooruddin Azizi.

No final de 2021, lembrou Yu, ele percebeu a chegada de chineses em busca de oportunidades no vácuo do pós-guerra do Afeganistão, assim como ele fez 20 anos antes. Em questão de meses, de acordo com Yu e outros residentes chineses, mais de 300 de seus compatriotas se estabeleceram em Cabul. Alguns tinham passaportes do Paquistão, de Serra Leoa ou de outros países para onde imigraram para trabalhar com mineração. Outros apareceram carregando alguns pacotes de macarrão instantâneo em suas mochilas, “querendo entrar no ramo de baterias”, lembrou Yu.

“Parecia que todos os chineses queriam vir”, disse Wang Quan, que extrai ouro no Afeganistão desde 2017. “Havia artigos na internet sobre como os russos e os americanos sempre disseram que existia lítio aqui. Naquela época, os preços do lítio eram verdadeiramente incríveis.”

Muitos chineses lotaram o Hotel Guiyuan, no centro da cidade, que tinha um restaurante movimentado de “hot pot” no nono andar. Yu Xiaozhang, proprietária chinesa de uma pousada em Cabul, disse que tinha três mesas no porão onde as pessoas jogavam mah-jongg o dia inteiro. O boom beneficiou até mesmo a comunidade de cerca de cem intérpretes afegãos em Cabul que falam mandarim fluentemente, graças ao Instituto Confúcio, administrado pelo governo chinês, da Universidade de Cabul. Eles foram contratados para ajudar nos acordos das compras de lítio em Konar.

Então, no final do ano passado, o hotel Guiyuan foi atingido em um atentado com bomba que deixou dezenas de feridos. O Estado Islâmico, que tem como alvo os chineses no Afeganistão, assumiu a responsabilidade do ato. O ataque levou a novas preocupações com a segurança dos empresários estrangeiros, aumentando os temores em relação ao clima para investimentos no país. Pouco tempo depois, o governo afegão impôs o que disse ser uma proibição temporária da venda privada de lítio enquanto negociava com mineradoras e elaborava novas leis para regulamentar o que se tornou um frenético vale-tudo.

Raffaello Pantucci, especialista nas relações entre China e Ásia Central da Escola de Estudos Internacionais de S. Rajaratnam, em Cingapura, disse que o investimento chinês em grande escala que o Talibã almeja pode não ser iminente ou transformador. Em 2007, o Afeganistão deu, por US$ 3 bilhões, a concessão durante 30 anos às minas de cobre Mes Aynak à estatal China Metalurgical Group, porém pouco trabalho foi feito até o momento.

“As grandes empresas chinesas ainda estão muito cautelosas”, disse Pantucci. “Na verdade, as relações econômicas entre China e Afeganistão serão impulsionadas não pelo Estado, mas por agentes menores do setor privado na área, assim que tiverem uma chance.”

Atualmente, um pequeno e determinado grupo de mineiros chineses ainda está em Cabul à espera da retomada do comércio de lítio.

Um deles é Yue, fumante inveterado e nascido na região chinesa da Manchúria, que já trabalhou com mineração no Paquistão, na Rússia e na Indonésia. Ele veio para o Afeganistão no final de 2021 e pretende ficar, explicou, porque o Talibã está trabalhando arduamente para garantir a segurança dos estrangeiros e até mesmo designou para ele seus próprios guarda-costas. O potencial mineral do Afeganistão é grande demais para ir embora, acrescentou.

“Depois de tantos anos de conflito, os recursos do Afeganistão estão intocados”, disse Yue, que não mencionou seu nome, apenas o sobrenome. “Nenhuma licença para mineração foi de fato concedida. Não há lugar como este na Terra.”

Yue passa a maior parte dos dias jogando mah-jongg em uma pousada, que serve macarrão Lanzhou preparado por cozinheiros afegãos. Ele ainda está se reunindo com potenciais investidores. Mas, no geral, está matando tempo até que a mineração comece novamente.

“As coisas não vão ficar paradas para sempre”, disse ele numa tarde no pátio de sua casa. “Não me importo em esperar.”

Na escuridão subterrânea, um mineiro pressionou sua broca movida a diesel contra a terra dura, cobrindo tudo – cabelo, roupas, lábios – com uma camada de poeira branca e fina. Outro inclinou-se para encher um carrinho de mão com pedras, depois o empurrou por cerca de 60 metros ao longo de um trecho com água até ter contato de novo com a luz.

Trabalhadores fazem uma pausa para o almoço do lado de fora de uma mina no vale de Parun, no Afeganistão Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Hussain Wafamel agachou-se do lado de fora, onde examinou a carga.

Ele ergueu uma pedra verde com listras: turmalina, o tipo de pedra preciosa que ele e os outros homens estavam procurando. Então pegou uma pedra branca – “takhtapat”, minério de lítio – e a jogou por cima do ombro, suspirando com pesar.

No ano passado, depois que os compradores chineses chegaram pela primeira vez, o preço do minério de lítio subiu cerca de 50 centavos de dólar por quilo, proporcionando um lucro inesperado, disse Wafamel. Era uma pena que o Talibã tivesse proibido o comércio do lítio, disse ele, porque as montanhas aqui em Nuristão estavam cheias dessa coisa.

“Temos uma mina inteira de puro ‘takhtapat’”, disse Wafamel, ex-soldado das Forças Especiais afegãs que explora a mina com seis homens de sua antiga unidade. “Poderíamos estar tirando uma tonelada por dia se [o comércio do lítio] não estivesse proibido. Em vez disso, precisamos deixá-lo para trás.”

De certa forma, a mina remota onde Wafamel e os outros homens trabalham dia e noite retrata os desafios práticos – e os sonhos de progresso – encontrados na riqueza de lítio do Afeganistão. A mina que ele explora no Vale Parun está escondida atrás de uma geleira, bem acima do rio Pech, a uma altitude de mais ou menos 3600 metros. Fora da mina, em uma clareira estreita com vista para um precipício, Wafamel reclamou de seu gerador instável e de suas brocas de má qualidade, da necessidade de transportar tudo com um burro e das dificuldades sem fim para se virar e pagar as contas.

Até dois anos atrás, Wafamel e os homens de sua equipe ganhavam cada um US$ 280 por mês no exército afegão, afirmou. Eles ficaram desempregados quando o antigo governo foi derrubado. Em um vale pobre rodeado por montanhas cobertas de pinheiros, onde a agricultura quase não rende comida suficiente para manter as famílias vivas, a única opção era ir para as montanhas. Por isso os homens aprenderam, em grande parte por conta própria, quais pedras valiam dinheiro, como preparar sacos com amônio para usar como explosivos e onde perfurar.

“Queremos uma equipe maior e equipamento adequado, alguém para mostrar como usar essas coisas”, disse Wafamel, batendo em uma máquina manchada de óleo. “Eu estaria desesperado pela chegada de uma empresa estrangeira.”

Nas últimas semanas, segundo Wafamel, ele suplicou aos funcionários do governo que permitissem a retomada da mineração de lítio. Ele disse que pela resposta deles, ficou com a esperança de que um acordo possa ser fechado com uma empresa estrangeira, possivelmente ainda este ano, e otimista de que a paz incentivaria os investimentos. “Se o morador de um vilarejo pode ir caminhando até outra província sem problemas”, disse ele, “por que os estrangeiros não iam querer investir aqui?”.

A uma distância de meio de dia de caminhada em direção a base da montanha, não muito longe do Vale da Morte, Sajid, o comandante talibã de 38 anos que atua como governador do distrito de Chapa Dara, rico em lítio, mostrou-se ainda mais otimista.

Há dezoito meses, Sajid estava aflito com a chegada dos garimpeiros chineses. Mas agora Sajid disse estar “desesperado” para que eles voltem e tragam empregos e novas infraestruturas para os moradores locais. Sentado no prédio onde trabalha e estão dois veículos automóveis multifunção de alta mobilidade (humvees) americanos apreendidos no estacionamento, Sajid disse ter ouvido rumores animadores. Um amigo e também governador do Talibã descobriu recentemente com altos funcionários em Cabul que um acordo talvez seja fechado com investidores chineses dentro de alguns meses.

Sajid já está contando com uma nova estrada asfaltada em seu distrito. Ele tem a expectativa de que novas pontes sejam construídas.

E gosta da ideia de os EUA serem derrotados mais uma vez naquele ponto remoto da cordilheira Indocuche, desta vez na disputa por minerais. “Às vezes fico feliz pelos EUA terem aplicado sanções ao Afeganistão porque as empresas americanas não podem investir em nosso lítio”, disse ele. “Na verdade, acredito que isso seja a vingança de Deus.”

Contribuíram com esta reportagem Mirwais Mohammadi, em Chapa Dara, Pei-Lin Wu, em Taipei, Taiwan, e Rick Noack, em Paris.

O correspondente Gerry Shih e o fotógrafo Lorenzo Tugnoli dirigiram durante 15 horas da capital do Afeganistão, Cabul, ao longo de estradas cobertas por pedregulhos, até o remoto nordeste do país para investigar sua indústria de lítio, caminhando duas horas até uma montanha para chegar às minas. Shih é o chefe da sucursal do Washington Post em Nova Délhi, responsável pela cobertura de grande parte do sul da Ásia, e Tugnoli é um fotógrafo freelancer, que colabora com frequência para o Post, vencedor do Prêmio Pulitzer e vive em Barcelona./Tradução de Romina Cácia

THE WASHINGTON POST – Sayed Wali Sajid passou anos lutando contra soldados americanos nas colinas áridas e campos férteis do Vale do rio Pech, um dos palcos de mais mortes da insurgência de 20 anos. Mas nada confundiu mais o líder talibã, segundo ele mesmo, como a nova onda de estrangeiros que começaram a aparecer, um após o outro, no final de 2021.

Certa vez, Sajid viu um estrangeiro caminhando sozinho por um caminho onde extremistas do Estado Islâmico eram conhecidos por sequestrar forasteiros. Outra vez, cinco homens e mulheres escaparam dos soldados de Sajid no escuro para vasculhar a montanha. Os recém-chegados, lembrou Sajid, eram tontos, persistentes, quase irredutíveis em sua busca por algo que poucos moradores locais acreditavam ter qualquer valor.

“Os chineses eram inacreditáveis”, disse Sajid, rindo da lembrança. “Primeiro, eles não nos disseram o que queriam. Mas, depois, vi a empolgação nos olhos deles e o entusiasmo, e foi aí que entendi a palavra ‘lítio’.”

Uma década antes, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, orientado por pesquisas de geólogos do governo americano, concluiu que a enorme riqueza de lítio e outros minerais escondidos no Afeganistão poderia valer o equivalente a US$ 1 trilhão, mais do que o suficiente para sustentar o governo frágil do país.

Em um memorando de 2010, a Força-Tarefa para Operações de Negócios e Estabilidade do Pentágono, que analisou o potencial de desenvolvimento do Afeganistão, apelidou o país de “Arábia Saudita do lítio”. Um ano depois, o Serviço Geológico dos EUA publicou um mapa que mostrava a localização das principais reservas e destacou a magnitude da riqueza subterrânea, dizendo que o Afeganistão “poderia ser considerado como a futura principal fonte de lítio do mundo”.

Trabalhadores coletam material para a produção de aço em siderúrgica chinesa em Cabul, em maio deste ano Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Entretanto, agora, numa grande reviravolta da história afegã moderna, é o Talibã – que derrubou o governo apoiado pelos EUA há dois anos – que está finalmente querendo explorar essas vastas reservas de lítio, num momento em que a crescente popularidade global dos veículos elétricos está provocando uma necessidade urgente do mineral, um ingrediente vital de suas baterias. Até 2040, a demanda por lítio pode aumentar 40 vezes em relação aos níveis de 2020, de acordo com a Agência Internacional de Energia.

O Afeganistão continua sob intensa pressão internacional – isolado politicamente e sobrecarregado com sanções dos EUA e multilaterais devido a preocupações com os direitos humanos, em particular com a repressão contra as mulheres e a ligação do Talibã com o terrorismo.

A promessa extraordinária de lítio, contudo, poderia frustrar os esforços ocidentais para pressionar o Talibã a mudar seu comportamento extremista. E com os EUA ausentes no Afeganistão, são as empresas chinesas que agora estão se posicionando agressivamente para aproveitar uma colheita inesperada de lítio aqui – e, ao fazer isso, aumentar ainda mais o domínio da China sobre grande parte da cadeia de suprimentos global de minerais para veículos elétricos.

A crescente demanda por lítio faz parte de uma busca no mundo inteiro por uma variedade de metais utilizados na fabricação de veículos elétricos, considerados amplamente como cruciais para a transição energética. Mas a mineração e o tratamento de minerais como o níquel, o cobalto e o manganês muitas vezes são acompanhados de consequências não intencionais – por exemplo, danos aos trabalhadores, às comunidades nas imediações e ao meio ambiente.

No Afeganistão, essas consequências parecem ser geopolíticas: o possível enriquecimento de um Talibã em grande parte rejeitado e outra vantagem para a China numa concorrência feroz e estratégica.

Mineiros trabalham para extrair pedras preciosas em uma mina no Vale Parun, no Afeganistão Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Na época em que Cabul foi tomada pelos talibãs em agosto de 2021, um aumento súbito estremeceu o mercado mundial de lítio. O preço do mineral disparou oito vezes de 2021 a 2022, atraindo centenas de empresários chineses da mineração para o Afeganistão.

Em entrevistas, representantes do Talibã, empresários chineses e seus intermediários afegãos descreveram um frenesi que lembrava a corrida do ouro do século 19. Comerciantes chineses que viajam pelo mundo lotaram os hotéis de Cabul, correndo para extrair lítio no interior do país. Os executivos chineses pediram para se reunir com líderes talibãs para tentar conseguir direitos de exploração das reservas. Em janeiro, oficiais do Talibã prenderam um empresário chinês por supostamente contrabandear mil toneladas de minério de lítio da província de Konar para a China pelo Paquistão.

Os líderes talibãs interromperam a mineração e o comércio de lítio nos últimos meses, enquanto tentam negociar uma concessão com uma empresa estrangeira, e os chineses são vistos como os principais concorrentes. Mas, mesmo depois de fechar um acordo, a extração pode levar anos até começar de verdade devido ao desafio de levar o lítio para o mercado, alertam especialistas da indústria. Não há estradas pavimentadas que liguem as montanhas íngremes e ricas em minerais das províncias de Konar e Nuristão, no nordeste do Afeganistão, ao restante do mundo; enquanto isso, reservas abundantes e mais acessíveis podem ser encontradas em países como Chile e Austrália.

Mas o que é certo, de acordo com os afegãos, chineses e também americanos, é que o Afeganistão está no meio de uma transição radical depois de décadas de guerra. E enquanto o Talibã for ostracizado pelo ocidente, segundo eles, o Afeganistão vai se deixar levar, por necessidade, se não por escolha, pela China.

“Em um universo alternativo, nossos projetos poderiam estar gerando empregos significativos e receita fiscal dentro de anos que proporcionariam uma base econômica e capacitariam o povo afegão a governar a si mesmo”, disse Paul A. Brinkley, ex-vice-secretário de Defesa dos EUA que supervisionou a Força-Tarefa para Operações de Negócios e Estabilidade até deixar o cargo em 2011; a iniciativa foi extinta pouco tempo depois.

Em vez disso, segundo Brinkley: “Teremos empresas chinesas extraindo lítio para alimentar uma cadeia de suprimentos que acabará por vendê-lo de volta para o ocidente, tudo isso em um mundo onde simplesmente não há lítio suficiente”.

Nesar Ahmad Safi dirige lentamente em paralelo ao rio Pech uma picape Toyota desgastada, explicando em detalhes as duas forças que influenciam há muito tempo a vida na província de Konar: a guerra – e as minas.

“Os americanos o chamavam de Vale da Morte”, disse ele, apontando com a cabeça para a abertura ampla do Vale Korengal. Ao lado de uma curva do rio de curso rápido estavam as paredes altas e cinzentas da base militar de Nangalam, outrora o posto militar mais remoto do vale e agora um vestígio da presença dos EUA.

Yu Minghui, empresário coproprietário da primeira siderúrgica do Afeganistão, tem licenças para um parque industrial de pouco mais de 200 hectares fora de Cabul Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Uma hora depois da base abandonada, o vale torna-se íngreme e rochoso, e as montanhas cobertas de neve da província vizinha de Nuristão podem ser vistas. Safi aponta para dezenas de pequenos poços perfurados nas encostas que lembram pontos de tinta em um pergaminho marrom. Desde a antiguidade, as minas têm sido uma fonte complementar de renda para as famílias de agricultores, que extraem pedras preciosas como quartzo, turmalina e kunzita (um cristal transparente como vidro e arroxeado) e as vendem para os bazares das regiões sul e central da Ásia.

Enquanto extraem kunzita de alta qualidade, os mineiros costumam descartar pilhas de rocha leitosa. Os moradores locais chamavam essa parte descartada de “takhtapat” – resíduos de kunzita. Mas os geólogos a conhecem como espodumênio, um minério que apresenta lítio em sua composição. “Ninguém sabia o valor dos resíduos de kunzita até a chegada dos empresários chineses”, disse Safi, ex-chefe de um conselho do vilarejo que agora trabalha como representante dos mineiros locais. “Eles ficaram empolgados, então todo mundo ficou animado.”

No ano passado, recordaram Safi e outros afegãos da região, alguns comerciantes chineses compraram o máximo de minério possível, despachando caminhões transbordando pela estrada esburacada por crateras de bombas do vale. Outros garimpeiros chineses testaram a rocha com espectrômetros portáteis e manifestaram dúvidas de que o teor de lítio fosse alto o suficiente para viabilizar a mineração em escala industrial, disse Safi.

Na década de 1960, geólogos soviéticos relataram pela primeira vez reservas consideráveis de lítio em grandes rochas cristalinas chamadas pegmatitos ao longo da cordilheira Indocuche. Depois da invasão dos EUA em 2001, as equipes do Serviço Geológico americano que trabalhavam como parte da força-tarefa do Pentágono aventuraram-se sob a escolta dos fuzileiros navais pelos lagos com crosta de sal no sul do Afeganistão, onde encontraram um teor de lítio tão elevado que rivalizava com as reservas de água salgada do Chile e da Argentina, alguns dos maiores produtores de lítio do mundo. Eles também calcularam, por meio de aerofotogrametria, que Konar e Nuristão eram ricas em rochas contendo lítio, mas os vales eram perigosos demais para serem visitados, disse Christopher Wnuk, ex-geólogo do Serviço Geológico americano que participou do estudo do Pentágono. Até hoje, a dimensão exata das reservas de lítio do Afeganistão permanece desconhecida.

“Como geólogo, nunca vi nada como o Afeganistão”, disse Wnuk, que agora trabalha em projetos de mineração do setor privado na Ásia e na África. “Pode muito bem ser o lugar com o maior acúmulo de minerais do planeta. Mas o trabalho geológico básico simplesmente ainda não foi feito.”

Mesmo que as montanhas do Afeganistão revelem conter lítio de alta qualidade, as minas só serão viáveis do ponto de vista econômico se novas estradas, ferrovias, usinas de tratamento de minério e usinas de energia forem construídas em torno delas.

Isso não é um problema, segundo os estrategistas da China.

“O Afeganistão não tem uma base industrial, [mas] tem grandes recursos minerais, e nenhum ocidental pode competir com os chineses quando o assunto é construir infraestruturas e suportar dificuldades”, disse Zhou Bo, coronel aposentado do exército chinês que é agora especialista em segurança internacional na Universidade Tsinghua.

Em uma rara entrevista, Shahabuddin Delawar, ministro de Minas e Petróleo do Afeganistão e líder sênior do Talibã, disse aos jornalistas do Washington Post que apenas 24 horas antes, representantes de uma empresa chinesa tinham estado em seu escritório apresentando os detalhes de uma proposta de US$ 10 bilhões que incluía promessas de construir uma fábrica de tratamento de minério de lítio e fábricas de baterias no Afeganistão, modernizar as estradas nas montanhas há muito tempo negligenciadas e criar dezenas de milhares de empregos para os moradores locais. Seu ministério se referiu à empresa chinesa como Gochin.

Delawar não detalhou o cronograma para a decisão de qualquer concessão para mineração. Ele disse que uma comissão de funcionários seniores do Talibã liderada por Abdul Ghani Baradar, vice-primeiro-ministro para assuntos econômicos, “examinará com cuidado quaisquer boas propostas que recebermos”, acrescentando que o governo acolheria licitantes ocidentais e até mesmo dos EUA se as sanções fossem retiradas. As sanções dos EUA proíbem todas as transações com o Talibã, com exceção da ajuda humanitária.

“Sempre dissemos que se os EUA tirassem seus soldados e máquinas de matar do Afeganistão, também poderiam investir aqui”, afirmou. “A demanda por petróleo está diminuindo, mas a de lítio só aumenta. Apenas na província de Nuristão temos 2,5 milhões de toneladas. Com a extração dele, o Afeganistão pode ser um dos países mais ricos do mundo.”

A expectativa é que até 2030, quando cerca de 60% de todos os carros na China, na Europa e nos EUA serão elétricos, o mundo enfrente uma escassez de lítio, disse Henry Sanderson, editor-executivo da Benchmark Mineral Intelligence e autor de “Volt Rush: The Winners and Losers in the Race to Go Green” (Corrida de Volts: Os Vencedores e Perdedores na Corrida para a Transição Energética, em tradução livre).

“A indústria de lítio da China está em uma situação realmente invejável: eles dominam o tratamento, têm os materiais para as baterias e as fábricas, mas toda essa cadeia de suprimentos deixa de funcionar se não houver matéria-prima para alimentar a máquina industrial”, disse Sanderson. “É por isso que eles estão indo para o Afeganistão. Eles precisam garantir o máximo [de matéria-prima] que puderem.”

A primeira mensagem que saúda todos os passageiros que saem do aeroporto internacional de Cabul não está escrita em inglês ou dari. Mas em ideogramas chineses gigantes.

“A Iniciativa do Cinturão e Rota é a ponte que atravessa a China e o Afeganistão”, lê-se em um enorme outdoor voltado para o terminal, referindo-se ao programa de infraestrutura global da China. “Bem-vindo à Chinatown. Ajude a criar um parque industrial e deixe seus investimentos criarem raízes.”

O outdoor foi instalado por Yu Minghui, empresário de um vilarejo próximo ao famoso Templo Shaolin, na província chinesa de Henan, que pisou pela primeira vez em Cabul em abril de 2002, logo após a invasão liderada pelos EUA. Ele tinha 30 anos na época, disse, e chegou sabendo falar o básico em persa e com grandes ambições.

Hoje, Yu é coproprietário da primeira siderúrgica do Afeganistão e tem licenças para um parque industrial de pouco mais de 200 hectares fora de Cabul. O projeto da Chinatown que ele anuncia no aeroporto é uma torre de 10 andares que Yu imagina como uma espécie de câmara de comércio chinesa e showroom de mercadorias importadas. Ali seria possível comprar ferramentas elétricas, geradores a diesel e até mesmo mesas de escritório que as empresas chinesas talvez precisem quando chegarem ao Afeganistão para iniciar as operações de mineração. Em seu escritório em Chinatown, Yu exibe pedaços de lápis-lazúli e lítio afegãos – junto com seus contatos na política. Em uma foto emoldurada, ele aparece caminhando ao lado do irmão do ex-presidente do Afeganistão Ashraf Ghani, Hashmat. Numa fotografia mais recente, Yu está com um homem de turbante que ajudou a derrubar Ghani: o atual ministro do Comércio do Talibã, Haji Nooruddin Azizi.

No final de 2021, lembrou Yu, ele percebeu a chegada de chineses em busca de oportunidades no vácuo do pós-guerra do Afeganistão, assim como ele fez 20 anos antes. Em questão de meses, de acordo com Yu e outros residentes chineses, mais de 300 de seus compatriotas se estabeleceram em Cabul. Alguns tinham passaportes do Paquistão, de Serra Leoa ou de outros países para onde imigraram para trabalhar com mineração. Outros apareceram carregando alguns pacotes de macarrão instantâneo em suas mochilas, “querendo entrar no ramo de baterias”, lembrou Yu.

“Parecia que todos os chineses queriam vir”, disse Wang Quan, que extrai ouro no Afeganistão desde 2017. “Havia artigos na internet sobre como os russos e os americanos sempre disseram que existia lítio aqui. Naquela época, os preços do lítio eram verdadeiramente incríveis.”

Muitos chineses lotaram o Hotel Guiyuan, no centro da cidade, que tinha um restaurante movimentado de “hot pot” no nono andar. Yu Xiaozhang, proprietária chinesa de uma pousada em Cabul, disse que tinha três mesas no porão onde as pessoas jogavam mah-jongg o dia inteiro. O boom beneficiou até mesmo a comunidade de cerca de cem intérpretes afegãos em Cabul que falam mandarim fluentemente, graças ao Instituto Confúcio, administrado pelo governo chinês, da Universidade de Cabul. Eles foram contratados para ajudar nos acordos das compras de lítio em Konar.

Então, no final do ano passado, o hotel Guiyuan foi atingido em um atentado com bomba que deixou dezenas de feridos. O Estado Islâmico, que tem como alvo os chineses no Afeganistão, assumiu a responsabilidade do ato. O ataque levou a novas preocupações com a segurança dos empresários estrangeiros, aumentando os temores em relação ao clima para investimentos no país. Pouco tempo depois, o governo afegão impôs o que disse ser uma proibição temporária da venda privada de lítio enquanto negociava com mineradoras e elaborava novas leis para regulamentar o que se tornou um frenético vale-tudo.

Raffaello Pantucci, especialista nas relações entre China e Ásia Central da Escola de Estudos Internacionais de S. Rajaratnam, em Cingapura, disse que o investimento chinês em grande escala que o Talibã almeja pode não ser iminente ou transformador. Em 2007, o Afeganistão deu, por US$ 3 bilhões, a concessão durante 30 anos às minas de cobre Mes Aynak à estatal China Metalurgical Group, porém pouco trabalho foi feito até o momento.

“As grandes empresas chinesas ainda estão muito cautelosas”, disse Pantucci. “Na verdade, as relações econômicas entre China e Afeganistão serão impulsionadas não pelo Estado, mas por agentes menores do setor privado na área, assim que tiverem uma chance.”

Atualmente, um pequeno e determinado grupo de mineiros chineses ainda está em Cabul à espera da retomada do comércio de lítio.

Um deles é Yue, fumante inveterado e nascido na região chinesa da Manchúria, que já trabalhou com mineração no Paquistão, na Rússia e na Indonésia. Ele veio para o Afeganistão no final de 2021 e pretende ficar, explicou, porque o Talibã está trabalhando arduamente para garantir a segurança dos estrangeiros e até mesmo designou para ele seus próprios guarda-costas. O potencial mineral do Afeganistão é grande demais para ir embora, acrescentou.

“Depois de tantos anos de conflito, os recursos do Afeganistão estão intocados”, disse Yue, que não mencionou seu nome, apenas o sobrenome. “Nenhuma licença para mineração foi de fato concedida. Não há lugar como este na Terra.”

Yue passa a maior parte dos dias jogando mah-jongg em uma pousada, que serve macarrão Lanzhou preparado por cozinheiros afegãos. Ele ainda está se reunindo com potenciais investidores. Mas, no geral, está matando tempo até que a mineração comece novamente.

“As coisas não vão ficar paradas para sempre”, disse ele numa tarde no pátio de sua casa. “Não me importo em esperar.”

Na escuridão subterrânea, um mineiro pressionou sua broca movida a diesel contra a terra dura, cobrindo tudo – cabelo, roupas, lábios – com uma camada de poeira branca e fina. Outro inclinou-se para encher um carrinho de mão com pedras, depois o empurrou por cerca de 60 metros ao longo de um trecho com água até ter contato de novo com a luz.

Trabalhadores fazem uma pausa para o almoço do lado de fora de uma mina no vale de Parun, no Afeganistão Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Hussain Wafamel agachou-se do lado de fora, onde examinou a carga.

Ele ergueu uma pedra verde com listras: turmalina, o tipo de pedra preciosa que ele e os outros homens estavam procurando. Então pegou uma pedra branca – “takhtapat”, minério de lítio – e a jogou por cima do ombro, suspirando com pesar.

No ano passado, depois que os compradores chineses chegaram pela primeira vez, o preço do minério de lítio subiu cerca de 50 centavos de dólar por quilo, proporcionando um lucro inesperado, disse Wafamel. Era uma pena que o Talibã tivesse proibido o comércio do lítio, disse ele, porque as montanhas aqui em Nuristão estavam cheias dessa coisa.

“Temos uma mina inteira de puro ‘takhtapat’”, disse Wafamel, ex-soldado das Forças Especiais afegãs que explora a mina com seis homens de sua antiga unidade. “Poderíamos estar tirando uma tonelada por dia se [o comércio do lítio] não estivesse proibido. Em vez disso, precisamos deixá-lo para trás.”

De certa forma, a mina remota onde Wafamel e os outros homens trabalham dia e noite retrata os desafios práticos – e os sonhos de progresso – encontrados na riqueza de lítio do Afeganistão. A mina que ele explora no Vale Parun está escondida atrás de uma geleira, bem acima do rio Pech, a uma altitude de mais ou menos 3600 metros. Fora da mina, em uma clareira estreita com vista para um precipício, Wafamel reclamou de seu gerador instável e de suas brocas de má qualidade, da necessidade de transportar tudo com um burro e das dificuldades sem fim para se virar e pagar as contas.

Até dois anos atrás, Wafamel e os homens de sua equipe ganhavam cada um US$ 280 por mês no exército afegão, afirmou. Eles ficaram desempregados quando o antigo governo foi derrubado. Em um vale pobre rodeado por montanhas cobertas de pinheiros, onde a agricultura quase não rende comida suficiente para manter as famílias vivas, a única opção era ir para as montanhas. Por isso os homens aprenderam, em grande parte por conta própria, quais pedras valiam dinheiro, como preparar sacos com amônio para usar como explosivos e onde perfurar.

“Queremos uma equipe maior e equipamento adequado, alguém para mostrar como usar essas coisas”, disse Wafamel, batendo em uma máquina manchada de óleo. “Eu estaria desesperado pela chegada de uma empresa estrangeira.”

Nas últimas semanas, segundo Wafamel, ele suplicou aos funcionários do governo que permitissem a retomada da mineração de lítio. Ele disse que pela resposta deles, ficou com a esperança de que um acordo possa ser fechado com uma empresa estrangeira, possivelmente ainda este ano, e otimista de que a paz incentivaria os investimentos. “Se o morador de um vilarejo pode ir caminhando até outra província sem problemas”, disse ele, “por que os estrangeiros não iam querer investir aqui?”.

A uma distância de meio de dia de caminhada em direção a base da montanha, não muito longe do Vale da Morte, Sajid, o comandante talibã de 38 anos que atua como governador do distrito de Chapa Dara, rico em lítio, mostrou-se ainda mais otimista.

Há dezoito meses, Sajid estava aflito com a chegada dos garimpeiros chineses. Mas agora Sajid disse estar “desesperado” para que eles voltem e tragam empregos e novas infraestruturas para os moradores locais. Sentado no prédio onde trabalha e estão dois veículos automóveis multifunção de alta mobilidade (humvees) americanos apreendidos no estacionamento, Sajid disse ter ouvido rumores animadores. Um amigo e também governador do Talibã descobriu recentemente com altos funcionários em Cabul que um acordo talvez seja fechado com investidores chineses dentro de alguns meses.

Sajid já está contando com uma nova estrada asfaltada em seu distrito. Ele tem a expectativa de que novas pontes sejam construídas.

E gosta da ideia de os EUA serem derrotados mais uma vez naquele ponto remoto da cordilheira Indocuche, desta vez na disputa por minerais. “Às vezes fico feliz pelos EUA terem aplicado sanções ao Afeganistão porque as empresas americanas não podem investir em nosso lítio”, disse ele. “Na verdade, acredito que isso seja a vingança de Deus.”

Contribuíram com esta reportagem Mirwais Mohammadi, em Chapa Dara, Pei-Lin Wu, em Taipei, Taiwan, e Rick Noack, em Paris.

O correspondente Gerry Shih e o fotógrafo Lorenzo Tugnoli dirigiram durante 15 horas da capital do Afeganistão, Cabul, ao longo de estradas cobertas por pedregulhos, até o remoto nordeste do país para investigar sua indústria de lítio, caminhando duas horas até uma montanha para chegar às minas. Shih é o chefe da sucursal do Washington Post em Nova Délhi, responsável pela cobertura de grande parte do sul da Ásia, e Tugnoli é um fotógrafo freelancer, que colabora com frequência para o Post, vencedor do Prêmio Pulitzer e vive em Barcelona./Tradução de Romina Cácia

THE WASHINGTON POST – Sayed Wali Sajid passou anos lutando contra soldados americanos nas colinas áridas e campos férteis do Vale do rio Pech, um dos palcos de mais mortes da insurgência de 20 anos. Mas nada confundiu mais o líder talibã, segundo ele mesmo, como a nova onda de estrangeiros que começaram a aparecer, um após o outro, no final de 2021.

Certa vez, Sajid viu um estrangeiro caminhando sozinho por um caminho onde extremistas do Estado Islâmico eram conhecidos por sequestrar forasteiros. Outra vez, cinco homens e mulheres escaparam dos soldados de Sajid no escuro para vasculhar a montanha. Os recém-chegados, lembrou Sajid, eram tontos, persistentes, quase irredutíveis em sua busca por algo que poucos moradores locais acreditavam ter qualquer valor.

“Os chineses eram inacreditáveis”, disse Sajid, rindo da lembrança. “Primeiro, eles não nos disseram o que queriam. Mas, depois, vi a empolgação nos olhos deles e o entusiasmo, e foi aí que entendi a palavra ‘lítio’.”

Uma década antes, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, orientado por pesquisas de geólogos do governo americano, concluiu que a enorme riqueza de lítio e outros minerais escondidos no Afeganistão poderia valer o equivalente a US$ 1 trilhão, mais do que o suficiente para sustentar o governo frágil do país.

Em um memorando de 2010, a Força-Tarefa para Operações de Negócios e Estabilidade do Pentágono, que analisou o potencial de desenvolvimento do Afeganistão, apelidou o país de “Arábia Saudita do lítio”. Um ano depois, o Serviço Geológico dos EUA publicou um mapa que mostrava a localização das principais reservas e destacou a magnitude da riqueza subterrânea, dizendo que o Afeganistão “poderia ser considerado como a futura principal fonte de lítio do mundo”.

Trabalhadores coletam material para a produção de aço em siderúrgica chinesa em Cabul, em maio deste ano Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Entretanto, agora, numa grande reviravolta da história afegã moderna, é o Talibã – que derrubou o governo apoiado pelos EUA há dois anos – que está finalmente querendo explorar essas vastas reservas de lítio, num momento em que a crescente popularidade global dos veículos elétricos está provocando uma necessidade urgente do mineral, um ingrediente vital de suas baterias. Até 2040, a demanda por lítio pode aumentar 40 vezes em relação aos níveis de 2020, de acordo com a Agência Internacional de Energia.

O Afeganistão continua sob intensa pressão internacional – isolado politicamente e sobrecarregado com sanções dos EUA e multilaterais devido a preocupações com os direitos humanos, em particular com a repressão contra as mulheres e a ligação do Talibã com o terrorismo.

A promessa extraordinária de lítio, contudo, poderia frustrar os esforços ocidentais para pressionar o Talibã a mudar seu comportamento extremista. E com os EUA ausentes no Afeganistão, são as empresas chinesas que agora estão se posicionando agressivamente para aproveitar uma colheita inesperada de lítio aqui – e, ao fazer isso, aumentar ainda mais o domínio da China sobre grande parte da cadeia de suprimentos global de minerais para veículos elétricos.

A crescente demanda por lítio faz parte de uma busca no mundo inteiro por uma variedade de metais utilizados na fabricação de veículos elétricos, considerados amplamente como cruciais para a transição energética. Mas a mineração e o tratamento de minerais como o níquel, o cobalto e o manganês muitas vezes são acompanhados de consequências não intencionais – por exemplo, danos aos trabalhadores, às comunidades nas imediações e ao meio ambiente.

No Afeganistão, essas consequências parecem ser geopolíticas: o possível enriquecimento de um Talibã em grande parte rejeitado e outra vantagem para a China numa concorrência feroz e estratégica.

Mineiros trabalham para extrair pedras preciosas em uma mina no Vale Parun, no Afeganistão Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Na época em que Cabul foi tomada pelos talibãs em agosto de 2021, um aumento súbito estremeceu o mercado mundial de lítio. O preço do mineral disparou oito vezes de 2021 a 2022, atraindo centenas de empresários chineses da mineração para o Afeganistão.

Em entrevistas, representantes do Talibã, empresários chineses e seus intermediários afegãos descreveram um frenesi que lembrava a corrida do ouro do século 19. Comerciantes chineses que viajam pelo mundo lotaram os hotéis de Cabul, correndo para extrair lítio no interior do país. Os executivos chineses pediram para se reunir com líderes talibãs para tentar conseguir direitos de exploração das reservas. Em janeiro, oficiais do Talibã prenderam um empresário chinês por supostamente contrabandear mil toneladas de minério de lítio da província de Konar para a China pelo Paquistão.

Os líderes talibãs interromperam a mineração e o comércio de lítio nos últimos meses, enquanto tentam negociar uma concessão com uma empresa estrangeira, e os chineses são vistos como os principais concorrentes. Mas, mesmo depois de fechar um acordo, a extração pode levar anos até começar de verdade devido ao desafio de levar o lítio para o mercado, alertam especialistas da indústria. Não há estradas pavimentadas que liguem as montanhas íngremes e ricas em minerais das províncias de Konar e Nuristão, no nordeste do Afeganistão, ao restante do mundo; enquanto isso, reservas abundantes e mais acessíveis podem ser encontradas em países como Chile e Austrália.

Mas o que é certo, de acordo com os afegãos, chineses e também americanos, é que o Afeganistão está no meio de uma transição radical depois de décadas de guerra. E enquanto o Talibã for ostracizado pelo ocidente, segundo eles, o Afeganistão vai se deixar levar, por necessidade, se não por escolha, pela China.

“Em um universo alternativo, nossos projetos poderiam estar gerando empregos significativos e receita fiscal dentro de anos que proporcionariam uma base econômica e capacitariam o povo afegão a governar a si mesmo”, disse Paul A. Brinkley, ex-vice-secretário de Defesa dos EUA que supervisionou a Força-Tarefa para Operações de Negócios e Estabilidade até deixar o cargo em 2011; a iniciativa foi extinta pouco tempo depois.

Em vez disso, segundo Brinkley: “Teremos empresas chinesas extraindo lítio para alimentar uma cadeia de suprimentos que acabará por vendê-lo de volta para o ocidente, tudo isso em um mundo onde simplesmente não há lítio suficiente”.

Nesar Ahmad Safi dirige lentamente em paralelo ao rio Pech uma picape Toyota desgastada, explicando em detalhes as duas forças que influenciam há muito tempo a vida na província de Konar: a guerra – e as minas.

“Os americanos o chamavam de Vale da Morte”, disse ele, apontando com a cabeça para a abertura ampla do Vale Korengal. Ao lado de uma curva do rio de curso rápido estavam as paredes altas e cinzentas da base militar de Nangalam, outrora o posto militar mais remoto do vale e agora um vestígio da presença dos EUA.

Yu Minghui, empresário coproprietário da primeira siderúrgica do Afeganistão, tem licenças para um parque industrial de pouco mais de 200 hectares fora de Cabul Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Uma hora depois da base abandonada, o vale torna-se íngreme e rochoso, e as montanhas cobertas de neve da província vizinha de Nuristão podem ser vistas. Safi aponta para dezenas de pequenos poços perfurados nas encostas que lembram pontos de tinta em um pergaminho marrom. Desde a antiguidade, as minas têm sido uma fonte complementar de renda para as famílias de agricultores, que extraem pedras preciosas como quartzo, turmalina e kunzita (um cristal transparente como vidro e arroxeado) e as vendem para os bazares das regiões sul e central da Ásia.

Enquanto extraem kunzita de alta qualidade, os mineiros costumam descartar pilhas de rocha leitosa. Os moradores locais chamavam essa parte descartada de “takhtapat” – resíduos de kunzita. Mas os geólogos a conhecem como espodumênio, um minério que apresenta lítio em sua composição. “Ninguém sabia o valor dos resíduos de kunzita até a chegada dos empresários chineses”, disse Safi, ex-chefe de um conselho do vilarejo que agora trabalha como representante dos mineiros locais. “Eles ficaram empolgados, então todo mundo ficou animado.”

No ano passado, recordaram Safi e outros afegãos da região, alguns comerciantes chineses compraram o máximo de minério possível, despachando caminhões transbordando pela estrada esburacada por crateras de bombas do vale. Outros garimpeiros chineses testaram a rocha com espectrômetros portáteis e manifestaram dúvidas de que o teor de lítio fosse alto o suficiente para viabilizar a mineração em escala industrial, disse Safi.

Na década de 1960, geólogos soviéticos relataram pela primeira vez reservas consideráveis de lítio em grandes rochas cristalinas chamadas pegmatitos ao longo da cordilheira Indocuche. Depois da invasão dos EUA em 2001, as equipes do Serviço Geológico americano que trabalhavam como parte da força-tarefa do Pentágono aventuraram-se sob a escolta dos fuzileiros navais pelos lagos com crosta de sal no sul do Afeganistão, onde encontraram um teor de lítio tão elevado que rivalizava com as reservas de água salgada do Chile e da Argentina, alguns dos maiores produtores de lítio do mundo. Eles também calcularam, por meio de aerofotogrametria, que Konar e Nuristão eram ricas em rochas contendo lítio, mas os vales eram perigosos demais para serem visitados, disse Christopher Wnuk, ex-geólogo do Serviço Geológico americano que participou do estudo do Pentágono. Até hoje, a dimensão exata das reservas de lítio do Afeganistão permanece desconhecida.

“Como geólogo, nunca vi nada como o Afeganistão”, disse Wnuk, que agora trabalha em projetos de mineração do setor privado na Ásia e na África. “Pode muito bem ser o lugar com o maior acúmulo de minerais do planeta. Mas o trabalho geológico básico simplesmente ainda não foi feito.”

Mesmo que as montanhas do Afeganistão revelem conter lítio de alta qualidade, as minas só serão viáveis do ponto de vista econômico se novas estradas, ferrovias, usinas de tratamento de minério e usinas de energia forem construídas em torno delas.

Isso não é um problema, segundo os estrategistas da China.

“O Afeganistão não tem uma base industrial, [mas] tem grandes recursos minerais, e nenhum ocidental pode competir com os chineses quando o assunto é construir infraestruturas e suportar dificuldades”, disse Zhou Bo, coronel aposentado do exército chinês que é agora especialista em segurança internacional na Universidade Tsinghua.

Em uma rara entrevista, Shahabuddin Delawar, ministro de Minas e Petróleo do Afeganistão e líder sênior do Talibã, disse aos jornalistas do Washington Post que apenas 24 horas antes, representantes de uma empresa chinesa tinham estado em seu escritório apresentando os detalhes de uma proposta de US$ 10 bilhões que incluía promessas de construir uma fábrica de tratamento de minério de lítio e fábricas de baterias no Afeganistão, modernizar as estradas nas montanhas há muito tempo negligenciadas e criar dezenas de milhares de empregos para os moradores locais. Seu ministério se referiu à empresa chinesa como Gochin.

Delawar não detalhou o cronograma para a decisão de qualquer concessão para mineração. Ele disse que uma comissão de funcionários seniores do Talibã liderada por Abdul Ghani Baradar, vice-primeiro-ministro para assuntos econômicos, “examinará com cuidado quaisquer boas propostas que recebermos”, acrescentando que o governo acolheria licitantes ocidentais e até mesmo dos EUA se as sanções fossem retiradas. As sanções dos EUA proíbem todas as transações com o Talibã, com exceção da ajuda humanitária.

“Sempre dissemos que se os EUA tirassem seus soldados e máquinas de matar do Afeganistão, também poderiam investir aqui”, afirmou. “A demanda por petróleo está diminuindo, mas a de lítio só aumenta. Apenas na província de Nuristão temos 2,5 milhões de toneladas. Com a extração dele, o Afeganistão pode ser um dos países mais ricos do mundo.”

A expectativa é que até 2030, quando cerca de 60% de todos os carros na China, na Europa e nos EUA serão elétricos, o mundo enfrente uma escassez de lítio, disse Henry Sanderson, editor-executivo da Benchmark Mineral Intelligence e autor de “Volt Rush: The Winners and Losers in the Race to Go Green” (Corrida de Volts: Os Vencedores e Perdedores na Corrida para a Transição Energética, em tradução livre).

“A indústria de lítio da China está em uma situação realmente invejável: eles dominam o tratamento, têm os materiais para as baterias e as fábricas, mas toda essa cadeia de suprimentos deixa de funcionar se não houver matéria-prima para alimentar a máquina industrial”, disse Sanderson. “É por isso que eles estão indo para o Afeganistão. Eles precisam garantir o máximo [de matéria-prima] que puderem.”

A primeira mensagem que saúda todos os passageiros que saem do aeroporto internacional de Cabul não está escrita em inglês ou dari. Mas em ideogramas chineses gigantes.

“A Iniciativa do Cinturão e Rota é a ponte que atravessa a China e o Afeganistão”, lê-se em um enorme outdoor voltado para o terminal, referindo-se ao programa de infraestrutura global da China. “Bem-vindo à Chinatown. Ajude a criar um parque industrial e deixe seus investimentos criarem raízes.”

O outdoor foi instalado por Yu Minghui, empresário de um vilarejo próximo ao famoso Templo Shaolin, na província chinesa de Henan, que pisou pela primeira vez em Cabul em abril de 2002, logo após a invasão liderada pelos EUA. Ele tinha 30 anos na época, disse, e chegou sabendo falar o básico em persa e com grandes ambições.

Hoje, Yu é coproprietário da primeira siderúrgica do Afeganistão e tem licenças para um parque industrial de pouco mais de 200 hectares fora de Cabul. O projeto da Chinatown que ele anuncia no aeroporto é uma torre de 10 andares que Yu imagina como uma espécie de câmara de comércio chinesa e showroom de mercadorias importadas. Ali seria possível comprar ferramentas elétricas, geradores a diesel e até mesmo mesas de escritório que as empresas chinesas talvez precisem quando chegarem ao Afeganistão para iniciar as operações de mineração. Em seu escritório em Chinatown, Yu exibe pedaços de lápis-lazúli e lítio afegãos – junto com seus contatos na política. Em uma foto emoldurada, ele aparece caminhando ao lado do irmão do ex-presidente do Afeganistão Ashraf Ghani, Hashmat. Numa fotografia mais recente, Yu está com um homem de turbante que ajudou a derrubar Ghani: o atual ministro do Comércio do Talibã, Haji Nooruddin Azizi.

No final de 2021, lembrou Yu, ele percebeu a chegada de chineses em busca de oportunidades no vácuo do pós-guerra do Afeganistão, assim como ele fez 20 anos antes. Em questão de meses, de acordo com Yu e outros residentes chineses, mais de 300 de seus compatriotas se estabeleceram em Cabul. Alguns tinham passaportes do Paquistão, de Serra Leoa ou de outros países para onde imigraram para trabalhar com mineração. Outros apareceram carregando alguns pacotes de macarrão instantâneo em suas mochilas, “querendo entrar no ramo de baterias”, lembrou Yu.

“Parecia que todos os chineses queriam vir”, disse Wang Quan, que extrai ouro no Afeganistão desde 2017. “Havia artigos na internet sobre como os russos e os americanos sempre disseram que existia lítio aqui. Naquela época, os preços do lítio eram verdadeiramente incríveis.”

Muitos chineses lotaram o Hotel Guiyuan, no centro da cidade, que tinha um restaurante movimentado de “hot pot” no nono andar. Yu Xiaozhang, proprietária chinesa de uma pousada em Cabul, disse que tinha três mesas no porão onde as pessoas jogavam mah-jongg o dia inteiro. O boom beneficiou até mesmo a comunidade de cerca de cem intérpretes afegãos em Cabul que falam mandarim fluentemente, graças ao Instituto Confúcio, administrado pelo governo chinês, da Universidade de Cabul. Eles foram contratados para ajudar nos acordos das compras de lítio em Konar.

Então, no final do ano passado, o hotel Guiyuan foi atingido em um atentado com bomba que deixou dezenas de feridos. O Estado Islâmico, que tem como alvo os chineses no Afeganistão, assumiu a responsabilidade do ato. O ataque levou a novas preocupações com a segurança dos empresários estrangeiros, aumentando os temores em relação ao clima para investimentos no país. Pouco tempo depois, o governo afegão impôs o que disse ser uma proibição temporária da venda privada de lítio enquanto negociava com mineradoras e elaborava novas leis para regulamentar o que se tornou um frenético vale-tudo.

Raffaello Pantucci, especialista nas relações entre China e Ásia Central da Escola de Estudos Internacionais de S. Rajaratnam, em Cingapura, disse que o investimento chinês em grande escala que o Talibã almeja pode não ser iminente ou transformador. Em 2007, o Afeganistão deu, por US$ 3 bilhões, a concessão durante 30 anos às minas de cobre Mes Aynak à estatal China Metalurgical Group, porém pouco trabalho foi feito até o momento.

“As grandes empresas chinesas ainda estão muito cautelosas”, disse Pantucci. “Na verdade, as relações econômicas entre China e Afeganistão serão impulsionadas não pelo Estado, mas por agentes menores do setor privado na área, assim que tiverem uma chance.”

Atualmente, um pequeno e determinado grupo de mineiros chineses ainda está em Cabul à espera da retomada do comércio de lítio.

Um deles é Yue, fumante inveterado e nascido na região chinesa da Manchúria, que já trabalhou com mineração no Paquistão, na Rússia e na Indonésia. Ele veio para o Afeganistão no final de 2021 e pretende ficar, explicou, porque o Talibã está trabalhando arduamente para garantir a segurança dos estrangeiros e até mesmo designou para ele seus próprios guarda-costas. O potencial mineral do Afeganistão é grande demais para ir embora, acrescentou.

“Depois de tantos anos de conflito, os recursos do Afeganistão estão intocados”, disse Yue, que não mencionou seu nome, apenas o sobrenome. “Nenhuma licença para mineração foi de fato concedida. Não há lugar como este na Terra.”

Yue passa a maior parte dos dias jogando mah-jongg em uma pousada, que serve macarrão Lanzhou preparado por cozinheiros afegãos. Ele ainda está se reunindo com potenciais investidores. Mas, no geral, está matando tempo até que a mineração comece novamente.

“As coisas não vão ficar paradas para sempre”, disse ele numa tarde no pátio de sua casa. “Não me importo em esperar.”

Na escuridão subterrânea, um mineiro pressionou sua broca movida a diesel contra a terra dura, cobrindo tudo – cabelo, roupas, lábios – com uma camada de poeira branca e fina. Outro inclinou-se para encher um carrinho de mão com pedras, depois o empurrou por cerca de 60 metros ao longo de um trecho com água até ter contato de novo com a luz.

Trabalhadores fazem uma pausa para o almoço do lado de fora de uma mina no vale de Parun, no Afeganistão Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Hussain Wafamel agachou-se do lado de fora, onde examinou a carga.

Ele ergueu uma pedra verde com listras: turmalina, o tipo de pedra preciosa que ele e os outros homens estavam procurando. Então pegou uma pedra branca – “takhtapat”, minério de lítio – e a jogou por cima do ombro, suspirando com pesar.

No ano passado, depois que os compradores chineses chegaram pela primeira vez, o preço do minério de lítio subiu cerca de 50 centavos de dólar por quilo, proporcionando um lucro inesperado, disse Wafamel. Era uma pena que o Talibã tivesse proibido o comércio do lítio, disse ele, porque as montanhas aqui em Nuristão estavam cheias dessa coisa.

“Temos uma mina inteira de puro ‘takhtapat’”, disse Wafamel, ex-soldado das Forças Especiais afegãs que explora a mina com seis homens de sua antiga unidade. “Poderíamos estar tirando uma tonelada por dia se [o comércio do lítio] não estivesse proibido. Em vez disso, precisamos deixá-lo para trás.”

De certa forma, a mina remota onde Wafamel e os outros homens trabalham dia e noite retrata os desafios práticos – e os sonhos de progresso – encontrados na riqueza de lítio do Afeganistão. A mina que ele explora no Vale Parun está escondida atrás de uma geleira, bem acima do rio Pech, a uma altitude de mais ou menos 3600 metros. Fora da mina, em uma clareira estreita com vista para um precipício, Wafamel reclamou de seu gerador instável e de suas brocas de má qualidade, da necessidade de transportar tudo com um burro e das dificuldades sem fim para se virar e pagar as contas.

Até dois anos atrás, Wafamel e os homens de sua equipe ganhavam cada um US$ 280 por mês no exército afegão, afirmou. Eles ficaram desempregados quando o antigo governo foi derrubado. Em um vale pobre rodeado por montanhas cobertas de pinheiros, onde a agricultura quase não rende comida suficiente para manter as famílias vivas, a única opção era ir para as montanhas. Por isso os homens aprenderam, em grande parte por conta própria, quais pedras valiam dinheiro, como preparar sacos com amônio para usar como explosivos e onde perfurar.

“Queremos uma equipe maior e equipamento adequado, alguém para mostrar como usar essas coisas”, disse Wafamel, batendo em uma máquina manchada de óleo. “Eu estaria desesperado pela chegada de uma empresa estrangeira.”

Nas últimas semanas, segundo Wafamel, ele suplicou aos funcionários do governo que permitissem a retomada da mineração de lítio. Ele disse que pela resposta deles, ficou com a esperança de que um acordo possa ser fechado com uma empresa estrangeira, possivelmente ainda este ano, e otimista de que a paz incentivaria os investimentos. “Se o morador de um vilarejo pode ir caminhando até outra província sem problemas”, disse ele, “por que os estrangeiros não iam querer investir aqui?”.

A uma distância de meio de dia de caminhada em direção a base da montanha, não muito longe do Vale da Morte, Sajid, o comandante talibã de 38 anos que atua como governador do distrito de Chapa Dara, rico em lítio, mostrou-se ainda mais otimista.

Há dezoito meses, Sajid estava aflito com a chegada dos garimpeiros chineses. Mas agora Sajid disse estar “desesperado” para que eles voltem e tragam empregos e novas infraestruturas para os moradores locais. Sentado no prédio onde trabalha e estão dois veículos automóveis multifunção de alta mobilidade (humvees) americanos apreendidos no estacionamento, Sajid disse ter ouvido rumores animadores. Um amigo e também governador do Talibã descobriu recentemente com altos funcionários em Cabul que um acordo talvez seja fechado com investidores chineses dentro de alguns meses.

Sajid já está contando com uma nova estrada asfaltada em seu distrito. Ele tem a expectativa de que novas pontes sejam construídas.

E gosta da ideia de os EUA serem derrotados mais uma vez naquele ponto remoto da cordilheira Indocuche, desta vez na disputa por minerais. “Às vezes fico feliz pelos EUA terem aplicado sanções ao Afeganistão porque as empresas americanas não podem investir em nosso lítio”, disse ele. “Na verdade, acredito que isso seja a vingança de Deus.”

Contribuíram com esta reportagem Mirwais Mohammadi, em Chapa Dara, Pei-Lin Wu, em Taipei, Taiwan, e Rick Noack, em Paris.

O correspondente Gerry Shih e o fotógrafo Lorenzo Tugnoli dirigiram durante 15 horas da capital do Afeganistão, Cabul, ao longo de estradas cobertas por pedregulhos, até o remoto nordeste do país para investigar sua indústria de lítio, caminhando duas horas até uma montanha para chegar às minas. Shih é o chefe da sucursal do Washington Post em Nova Délhi, responsável pela cobertura de grande parte do sul da Ásia, e Tugnoli é um fotógrafo freelancer, que colabora com frequência para o Post, vencedor do Prêmio Pulitzer e vive em Barcelona./Tradução de Romina Cácia

THE WASHINGTON POST – Sayed Wali Sajid passou anos lutando contra soldados americanos nas colinas áridas e campos férteis do Vale do rio Pech, um dos palcos de mais mortes da insurgência de 20 anos. Mas nada confundiu mais o líder talibã, segundo ele mesmo, como a nova onda de estrangeiros que começaram a aparecer, um após o outro, no final de 2021.

Certa vez, Sajid viu um estrangeiro caminhando sozinho por um caminho onde extremistas do Estado Islâmico eram conhecidos por sequestrar forasteiros. Outra vez, cinco homens e mulheres escaparam dos soldados de Sajid no escuro para vasculhar a montanha. Os recém-chegados, lembrou Sajid, eram tontos, persistentes, quase irredutíveis em sua busca por algo que poucos moradores locais acreditavam ter qualquer valor.

“Os chineses eram inacreditáveis”, disse Sajid, rindo da lembrança. “Primeiro, eles não nos disseram o que queriam. Mas, depois, vi a empolgação nos olhos deles e o entusiasmo, e foi aí que entendi a palavra ‘lítio’.”

Uma década antes, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, orientado por pesquisas de geólogos do governo americano, concluiu que a enorme riqueza de lítio e outros minerais escondidos no Afeganistão poderia valer o equivalente a US$ 1 trilhão, mais do que o suficiente para sustentar o governo frágil do país.

Em um memorando de 2010, a Força-Tarefa para Operações de Negócios e Estabilidade do Pentágono, que analisou o potencial de desenvolvimento do Afeganistão, apelidou o país de “Arábia Saudita do lítio”. Um ano depois, o Serviço Geológico dos EUA publicou um mapa que mostrava a localização das principais reservas e destacou a magnitude da riqueza subterrânea, dizendo que o Afeganistão “poderia ser considerado como a futura principal fonte de lítio do mundo”.

Trabalhadores coletam material para a produção de aço em siderúrgica chinesa em Cabul, em maio deste ano Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Entretanto, agora, numa grande reviravolta da história afegã moderna, é o Talibã – que derrubou o governo apoiado pelos EUA há dois anos – que está finalmente querendo explorar essas vastas reservas de lítio, num momento em que a crescente popularidade global dos veículos elétricos está provocando uma necessidade urgente do mineral, um ingrediente vital de suas baterias. Até 2040, a demanda por lítio pode aumentar 40 vezes em relação aos níveis de 2020, de acordo com a Agência Internacional de Energia.

O Afeganistão continua sob intensa pressão internacional – isolado politicamente e sobrecarregado com sanções dos EUA e multilaterais devido a preocupações com os direitos humanos, em particular com a repressão contra as mulheres e a ligação do Talibã com o terrorismo.

A promessa extraordinária de lítio, contudo, poderia frustrar os esforços ocidentais para pressionar o Talibã a mudar seu comportamento extremista. E com os EUA ausentes no Afeganistão, são as empresas chinesas que agora estão se posicionando agressivamente para aproveitar uma colheita inesperada de lítio aqui – e, ao fazer isso, aumentar ainda mais o domínio da China sobre grande parte da cadeia de suprimentos global de minerais para veículos elétricos.

A crescente demanda por lítio faz parte de uma busca no mundo inteiro por uma variedade de metais utilizados na fabricação de veículos elétricos, considerados amplamente como cruciais para a transição energética. Mas a mineração e o tratamento de minerais como o níquel, o cobalto e o manganês muitas vezes são acompanhados de consequências não intencionais – por exemplo, danos aos trabalhadores, às comunidades nas imediações e ao meio ambiente.

No Afeganistão, essas consequências parecem ser geopolíticas: o possível enriquecimento de um Talibã em grande parte rejeitado e outra vantagem para a China numa concorrência feroz e estratégica.

Mineiros trabalham para extrair pedras preciosas em uma mina no Vale Parun, no Afeganistão Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Na época em que Cabul foi tomada pelos talibãs em agosto de 2021, um aumento súbito estremeceu o mercado mundial de lítio. O preço do mineral disparou oito vezes de 2021 a 2022, atraindo centenas de empresários chineses da mineração para o Afeganistão.

Em entrevistas, representantes do Talibã, empresários chineses e seus intermediários afegãos descreveram um frenesi que lembrava a corrida do ouro do século 19. Comerciantes chineses que viajam pelo mundo lotaram os hotéis de Cabul, correndo para extrair lítio no interior do país. Os executivos chineses pediram para se reunir com líderes talibãs para tentar conseguir direitos de exploração das reservas. Em janeiro, oficiais do Talibã prenderam um empresário chinês por supostamente contrabandear mil toneladas de minério de lítio da província de Konar para a China pelo Paquistão.

Os líderes talibãs interromperam a mineração e o comércio de lítio nos últimos meses, enquanto tentam negociar uma concessão com uma empresa estrangeira, e os chineses são vistos como os principais concorrentes. Mas, mesmo depois de fechar um acordo, a extração pode levar anos até começar de verdade devido ao desafio de levar o lítio para o mercado, alertam especialistas da indústria. Não há estradas pavimentadas que liguem as montanhas íngremes e ricas em minerais das províncias de Konar e Nuristão, no nordeste do Afeganistão, ao restante do mundo; enquanto isso, reservas abundantes e mais acessíveis podem ser encontradas em países como Chile e Austrália.

Mas o que é certo, de acordo com os afegãos, chineses e também americanos, é que o Afeganistão está no meio de uma transição radical depois de décadas de guerra. E enquanto o Talibã for ostracizado pelo ocidente, segundo eles, o Afeganistão vai se deixar levar, por necessidade, se não por escolha, pela China.

“Em um universo alternativo, nossos projetos poderiam estar gerando empregos significativos e receita fiscal dentro de anos que proporcionariam uma base econômica e capacitariam o povo afegão a governar a si mesmo”, disse Paul A. Brinkley, ex-vice-secretário de Defesa dos EUA que supervisionou a Força-Tarefa para Operações de Negócios e Estabilidade até deixar o cargo em 2011; a iniciativa foi extinta pouco tempo depois.

Em vez disso, segundo Brinkley: “Teremos empresas chinesas extraindo lítio para alimentar uma cadeia de suprimentos que acabará por vendê-lo de volta para o ocidente, tudo isso em um mundo onde simplesmente não há lítio suficiente”.

Nesar Ahmad Safi dirige lentamente em paralelo ao rio Pech uma picape Toyota desgastada, explicando em detalhes as duas forças que influenciam há muito tempo a vida na província de Konar: a guerra – e as minas.

“Os americanos o chamavam de Vale da Morte”, disse ele, apontando com a cabeça para a abertura ampla do Vale Korengal. Ao lado de uma curva do rio de curso rápido estavam as paredes altas e cinzentas da base militar de Nangalam, outrora o posto militar mais remoto do vale e agora um vestígio da presença dos EUA.

Yu Minghui, empresário coproprietário da primeira siderúrgica do Afeganistão, tem licenças para um parque industrial de pouco mais de 200 hectares fora de Cabul Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Uma hora depois da base abandonada, o vale torna-se íngreme e rochoso, e as montanhas cobertas de neve da província vizinha de Nuristão podem ser vistas. Safi aponta para dezenas de pequenos poços perfurados nas encostas que lembram pontos de tinta em um pergaminho marrom. Desde a antiguidade, as minas têm sido uma fonte complementar de renda para as famílias de agricultores, que extraem pedras preciosas como quartzo, turmalina e kunzita (um cristal transparente como vidro e arroxeado) e as vendem para os bazares das regiões sul e central da Ásia.

Enquanto extraem kunzita de alta qualidade, os mineiros costumam descartar pilhas de rocha leitosa. Os moradores locais chamavam essa parte descartada de “takhtapat” – resíduos de kunzita. Mas os geólogos a conhecem como espodumênio, um minério que apresenta lítio em sua composição. “Ninguém sabia o valor dos resíduos de kunzita até a chegada dos empresários chineses”, disse Safi, ex-chefe de um conselho do vilarejo que agora trabalha como representante dos mineiros locais. “Eles ficaram empolgados, então todo mundo ficou animado.”

No ano passado, recordaram Safi e outros afegãos da região, alguns comerciantes chineses compraram o máximo de minério possível, despachando caminhões transbordando pela estrada esburacada por crateras de bombas do vale. Outros garimpeiros chineses testaram a rocha com espectrômetros portáteis e manifestaram dúvidas de que o teor de lítio fosse alto o suficiente para viabilizar a mineração em escala industrial, disse Safi.

Na década de 1960, geólogos soviéticos relataram pela primeira vez reservas consideráveis de lítio em grandes rochas cristalinas chamadas pegmatitos ao longo da cordilheira Indocuche. Depois da invasão dos EUA em 2001, as equipes do Serviço Geológico americano que trabalhavam como parte da força-tarefa do Pentágono aventuraram-se sob a escolta dos fuzileiros navais pelos lagos com crosta de sal no sul do Afeganistão, onde encontraram um teor de lítio tão elevado que rivalizava com as reservas de água salgada do Chile e da Argentina, alguns dos maiores produtores de lítio do mundo. Eles também calcularam, por meio de aerofotogrametria, que Konar e Nuristão eram ricas em rochas contendo lítio, mas os vales eram perigosos demais para serem visitados, disse Christopher Wnuk, ex-geólogo do Serviço Geológico americano que participou do estudo do Pentágono. Até hoje, a dimensão exata das reservas de lítio do Afeganistão permanece desconhecida.

“Como geólogo, nunca vi nada como o Afeganistão”, disse Wnuk, que agora trabalha em projetos de mineração do setor privado na Ásia e na África. “Pode muito bem ser o lugar com o maior acúmulo de minerais do planeta. Mas o trabalho geológico básico simplesmente ainda não foi feito.”

Mesmo que as montanhas do Afeganistão revelem conter lítio de alta qualidade, as minas só serão viáveis do ponto de vista econômico se novas estradas, ferrovias, usinas de tratamento de minério e usinas de energia forem construídas em torno delas.

Isso não é um problema, segundo os estrategistas da China.

“O Afeganistão não tem uma base industrial, [mas] tem grandes recursos minerais, e nenhum ocidental pode competir com os chineses quando o assunto é construir infraestruturas e suportar dificuldades”, disse Zhou Bo, coronel aposentado do exército chinês que é agora especialista em segurança internacional na Universidade Tsinghua.

Em uma rara entrevista, Shahabuddin Delawar, ministro de Minas e Petróleo do Afeganistão e líder sênior do Talibã, disse aos jornalistas do Washington Post que apenas 24 horas antes, representantes de uma empresa chinesa tinham estado em seu escritório apresentando os detalhes de uma proposta de US$ 10 bilhões que incluía promessas de construir uma fábrica de tratamento de minério de lítio e fábricas de baterias no Afeganistão, modernizar as estradas nas montanhas há muito tempo negligenciadas e criar dezenas de milhares de empregos para os moradores locais. Seu ministério se referiu à empresa chinesa como Gochin.

Delawar não detalhou o cronograma para a decisão de qualquer concessão para mineração. Ele disse que uma comissão de funcionários seniores do Talibã liderada por Abdul Ghani Baradar, vice-primeiro-ministro para assuntos econômicos, “examinará com cuidado quaisquer boas propostas que recebermos”, acrescentando que o governo acolheria licitantes ocidentais e até mesmo dos EUA se as sanções fossem retiradas. As sanções dos EUA proíbem todas as transações com o Talibã, com exceção da ajuda humanitária.

“Sempre dissemos que se os EUA tirassem seus soldados e máquinas de matar do Afeganistão, também poderiam investir aqui”, afirmou. “A demanda por petróleo está diminuindo, mas a de lítio só aumenta. Apenas na província de Nuristão temos 2,5 milhões de toneladas. Com a extração dele, o Afeganistão pode ser um dos países mais ricos do mundo.”

A expectativa é que até 2030, quando cerca de 60% de todos os carros na China, na Europa e nos EUA serão elétricos, o mundo enfrente uma escassez de lítio, disse Henry Sanderson, editor-executivo da Benchmark Mineral Intelligence e autor de “Volt Rush: The Winners and Losers in the Race to Go Green” (Corrida de Volts: Os Vencedores e Perdedores na Corrida para a Transição Energética, em tradução livre).

“A indústria de lítio da China está em uma situação realmente invejável: eles dominam o tratamento, têm os materiais para as baterias e as fábricas, mas toda essa cadeia de suprimentos deixa de funcionar se não houver matéria-prima para alimentar a máquina industrial”, disse Sanderson. “É por isso que eles estão indo para o Afeganistão. Eles precisam garantir o máximo [de matéria-prima] que puderem.”

A primeira mensagem que saúda todos os passageiros que saem do aeroporto internacional de Cabul não está escrita em inglês ou dari. Mas em ideogramas chineses gigantes.

“A Iniciativa do Cinturão e Rota é a ponte que atravessa a China e o Afeganistão”, lê-se em um enorme outdoor voltado para o terminal, referindo-se ao programa de infraestrutura global da China. “Bem-vindo à Chinatown. Ajude a criar um parque industrial e deixe seus investimentos criarem raízes.”

O outdoor foi instalado por Yu Minghui, empresário de um vilarejo próximo ao famoso Templo Shaolin, na província chinesa de Henan, que pisou pela primeira vez em Cabul em abril de 2002, logo após a invasão liderada pelos EUA. Ele tinha 30 anos na época, disse, e chegou sabendo falar o básico em persa e com grandes ambições.

Hoje, Yu é coproprietário da primeira siderúrgica do Afeganistão e tem licenças para um parque industrial de pouco mais de 200 hectares fora de Cabul. O projeto da Chinatown que ele anuncia no aeroporto é uma torre de 10 andares que Yu imagina como uma espécie de câmara de comércio chinesa e showroom de mercadorias importadas. Ali seria possível comprar ferramentas elétricas, geradores a diesel e até mesmo mesas de escritório que as empresas chinesas talvez precisem quando chegarem ao Afeganistão para iniciar as operações de mineração. Em seu escritório em Chinatown, Yu exibe pedaços de lápis-lazúli e lítio afegãos – junto com seus contatos na política. Em uma foto emoldurada, ele aparece caminhando ao lado do irmão do ex-presidente do Afeganistão Ashraf Ghani, Hashmat. Numa fotografia mais recente, Yu está com um homem de turbante que ajudou a derrubar Ghani: o atual ministro do Comércio do Talibã, Haji Nooruddin Azizi.

No final de 2021, lembrou Yu, ele percebeu a chegada de chineses em busca de oportunidades no vácuo do pós-guerra do Afeganistão, assim como ele fez 20 anos antes. Em questão de meses, de acordo com Yu e outros residentes chineses, mais de 300 de seus compatriotas se estabeleceram em Cabul. Alguns tinham passaportes do Paquistão, de Serra Leoa ou de outros países para onde imigraram para trabalhar com mineração. Outros apareceram carregando alguns pacotes de macarrão instantâneo em suas mochilas, “querendo entrar no ramo de baterias”, lembrou Yu.

“Parecia que todos os chineses queriam vir”, disse Wang Quan, que extrai ouro no Afeganistão desde 2017. “Havia artigos na internet sobre como os russos e os americanos sempre disseram que existia lítio aqui. Naquela época, os preços do lítio eram verdadeiramente incríveis.”

Muitos chineses lotaram o Hotel Guiyuan, no centro da cidade, que tinha um restaurante movimentado de “hot pot” no nono andar. Yu Xiaozhang, proprietária chinesa de uma pousada em Cabul, disse que tinha três mesas no porão onde as pessoas jogavam mah-jongg o dia inteiro. O boom beneficiou até mesmo a comunidade de cerca de cem intérpretes afegãos em Cabul que falam mandarim fluentemente, graças ao Instituto Confúcio, administrado pelo governo chinês, da Universidade de Cabul. Eles foram contratados para ajudar nos acordos das compras de lítio em Konar.

Então, no final do ano passado, o hotel Guiyuan foi atingido em um atentado com bomba que deixou dezenas de feridos. O Estado Islâmico, que tem como alvo os chineses no Afeganistão, assumiu a responsabilidade do ato. O ataque levou a novas preocupações com a segurança dos empresários estrangeiros, aumentando os temores em relação ao clima para investimentos no país. Pouco tempo depois, o governo afegão impôs o que disse ser uma proibição temporária da venda privada de lítio enquanto negociava com mineradoras e elaborava novas leis para regulamentar o que se tornou um frenético vale-tudo.

Raffaello Pantucci, especialista nas relações entre China e Ásia Central da Escola de Estudos Internacionais de S. Rajaratnam, em Cingapura, disse que o investimento chinês em grande escala que o Talibã almeja pode não ser iminente ou transformador. Em 2007, o Afeganistão deu, por US$ 3 bilhões, a concessão durante 30 anos às minas de cobre Mes Aynak à estatal China Metalurgical Group, porém pouco trabalho foi feito até o momento.

“As grandes empresas chinesas ainda estão muito cautelosas”, disse Pantucci. “Na verdade, as relações econômicas entre China e Afeganistão serão impulsionadas não pelo Estado, mas por agentes menores do setor privado na área, assim que tiverem uma chance.”

Atualmente, um pequeno e determinado grupo de mineiros chineses ainda está em Cabul à espera da retomada do comércio de lítio.

Um deles é Yue, fumante inveterado e nascido na região chinesa da Manchúria, que já trabalhou com mineração no Paquistão, na Rússia e na Indonésia. Ele veio para o Afeganistão no final de 2021 e pretende ficar, explicou, porque o Talibã está trabalhando arduamente para garantir a segurança dos estrangeiros e até mesmo designou para ele seus próprios guarda-costas. O potencial mineral do Afeganistão é grande demais para ir embora, acrescentou.

“Depois de tantos anos de conflito, os recursos do Afeganistão estão intocados”, disse Yue, que não mencionou seu nome, apenas o sobrenome. “Nenhuma licença para mineração foi de fato concedida. Não há lugar como este na Terra.”

Yue passa a maior parte dos dias jogando mah-jongg em uma pousada, que serve macarrão Lanzhou preparado por cozinheiros afegãos. Ele ainda está se reunindo com potenciais investidores. Mas, no geral, está matando tempo até que a mineração comece novamente.

“As coisas não vão ficar paradas para sempre”, disse ele numa tarde no pátio de sua casa. “Não me importo em esperar.”

Na escuridão subterrânea, um mineiro pressionou sua broca movida a diesel contra a terra dura, cobrindo tudo – cabelo, roupas, lábios – com uma camada de poeira branca e fina. Outro inclinou-se para encher um carrinho de mão com pedras, depois o empurrou por cerca de 60 metros ao longo de um trecho com água até ter contato de novo com a luz.

Trabalhadores fazem uma pausa para o almoço do lado de fora de uma mina no vale de Parun, no Afeganistão Foto: Lorenzo Tugnoli/The Washington Post

Hussain Wafamel agachou-se do lado de fora, onde examinou a carga.

Ele ergueu uma pedra verde com listras: turmalina, o tipo de pedra preciosa que ele e os outros homens estavam procurando. Então pegou uma pedra branca – “takhtapat”, minério de lítio – e a jogou por cima do ombro, suspirando com pesar.

No ano passado, depois que os compradores chineses chegaram pela primeira vez, o preço do minério de lítio subiu cerca de 50 centavos de dólar por quilo, proporcionando um lucro inesperado, disse Wafamel. Era uma pena que o Talibã tivesse proibido o comércio do lítio, disse ele, porque as montanhas aqui em Nuristão estavam cheias dessa coisa.

“Temos uma mina inteira de puro ‘takhtapat’”, disse Wafamel, ex-soldado das Forças Especiais afegãs que explora a mina com seis homens de sua antiga unidade. “Poderíamos estar tirando uma tonelada por dia se [o comércio do lítio] não estivesse proibido. Em vez disso, precisamos deixá-lo para trás.”

De certa forma, a mina remota onde Wafamel e os outros homens trabalham dia e noite retrata os desafios práticos – e os sonhos de progresso – encontrados na riqueza de lítio do Afeganistão. A mina que ele explora no Vale Parun está escondida atrás de uma geleira, bem acima do rio Pech, a uma altitude de mais ou menos 3600 metros. Fora da mina, em uma clareira estreita com vista para um precipício, Wafamel reclamou de seu gerador instável e de suas brocas de má qualidade, da necessidade de transportar tudo com um burro e das dificuldades sem fim para se virar e pagar as contas.

Até dois anos atrás, Wafamel e os homens de sua equipe ganhavam cada um US$ 280 por mês no exército afegão, afirmou. Eles ficaram desempregados quando o antigo governo foi derrubado. Em um vale pobre rodeado por montanhas cobertas de pinheiros, onde a agricultura quase não rende comida suficiente para manter as famílias vivas, a única opção era ir para as montanhas. Por isso os homens aprenderam, em grande parte por conta própria, quais pedras valiam dinheiro, como preparar sacos com amônio para usar como explosivos e onde perfurar.

“Queremos uma equipe maior e equipamento adequado, alguém para mostrar como usar essas coisas”, disse Wafamel, batendo em uma máquina manchada de óleo. “Eu estaria desesperado pela chegada de uma empresa estrangeira.”

Nas últimas semanas, segundo Wafamel, ele suplicou aos funcionários do governo que permitissem a retomada da mineração de lítio. Ele disse que pela resposta deles, ficou com a esperança de que um acordo possa ser fechado com uma empresa estrangeira, possivelmente ainda este ano, e otimista de que a paz incentivaria os investimentos. “Se o morador de um vilarejo pode ir caminhando até outra província sem problemas”, disse ele, “por que os estrangeiros não iam querer investir aqui?”.

A uma distância de meio de dia de caminhada em direção a base da montanha, não muito longe do Vale da Morte, Sajid, o comandante talibã de 38 anos que atua como governador do distrito de Chapa Dara, rico em lítio, mostrou-se ainda mais otimista.

Há dezoito meses, Sajid estava aflito com a chegada dos garimpeiros chineses. Mas agora Sajid disse estar “desesperado” para que eles voltem e tragam empregos e novas infraestruturas para os moradores locais. Sentado no prédio onde trabalha e estão dois veículos automóveis multifunção de alta mobilidade (humvees) americanos apreendidos no estacionamento, Sajid disse ter ouvido rumores animadores. Um amigo e também governador do Talibã descobriu recentemente com altos funcionários em Cabul que um acordo talvez seja fechado com investidores chineses dentro de alguns meses.

Sajid já está contando com uma nova estrada asfaltada em seu distrito. Ele tem a expectativa de que novas pontes sejam construídas.

E gosta da ideia de os EUA serem derrotados mais uma vez naquele ponto remoto da cordilheira Indocuche, desta vez na disputa por minerais. “Às vezes fico feliz pelos EUA terem aplicado sanções ao Afeganistão porque as empresas americanas não podem investir em nosso lítio”, disse ele. “Na verdade, acredito que isso seja a vingança de Deus.”

Contribuíram com esta reportagem Mirwais Mohammadi, em Chapa Dara, Pei-Lin Wu, em Taipei, Taiwan, e Rick Noack, em Paris.

O correspondente Gerry Shih e o fotógrafo Lorenzo Tugnoli dirigiram durante 15 horas da capital do Afeganistão, Cabul, ao longo de estradas cobertas por pedregulhos, até o remoto nordeste do país para investigar sua indústria de lítio, caminhando duas horas até uma montanha para chegar às minas. Shih é o chefe da sucursal do Washington Post em Nova Délhi, responsável pela cobertura de grande parte do sul da Ásia, e Tugnoli é um fotógrafo freelancer, que colabora com frequência para o Post, vencedor do Prêmio Pulitzer e vive em Barcelona./Tradução de Romina Cácia

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