Futuro da Saúde em discussão no 28º Congresso da Abramge


Temas como integração público-privada, tecnologia, judicialização e fraudes serão debatidos no evento

Por Abramge e Estadão Blue Studio
Atualização:

Promover a integração entre a Saúde pública e a privada é uma estratégia essencial para aprimorar o atendimento médico-hospitalar no Brasil. Esse será o tema central do 28° Congresso da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), que reunirá especialistas, líderes e gestores do setor para discutir as tendências e os desafios que moldarão o futuro da Saúde (para mais informações, acesse o site da Abramge).

Theresa May, ex-primeira-ministra da Inglaterra Foto: Divulgação/ Abramge

O Congresso terá a participação de Theresa May, ex-primeira-ministra da Inglaterra. No período em que ocupou o cargo, entre 2016 e 2019, ela liderou um amplo processo de fortalecimento do National Health Service (NHS), sistema híbrido que funciona desde 1948 e é considerado referência de integração público-privada. “Theresa May foi uma figura fundamental na transformação do Serviço Nacional de Saúde (NHS) inglês, um modelo de sucesso pela disciplina no acesso, respeito às regras e pelo caráter inclusivo”, diz Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge. “Ouvir pessoas experimentadas, como ela e os demais palestrantes e debatedores que estarão no Congresso, é muito importante na busca pelas melhores soluções para o contexto brasileiro.”

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A integração entre a Saúde pública e a privada depende, em grande parte, de tecnologias que permitam a interoperabilidade de dados – sistemas que processem e interpretem um grande volume de informações para gerar maior eficiência no atendimento e na gestão dos recursos. O planejamento em conjunto seria essencial em temas como os medicamentos de alto custo, para que toda a população tenha o mesmo direito de acesso, independentemente da posse de plano de saúde.

Judicialização e fraudes

O encontro tratará, também, de outros grandes desafios que têm impedido o Brasil de aumentar a base de beneficiários atendidos pela Saúde suplementar, patamar que se vem mantendo na casa de 50 milhões de pessoas, o mesmo já alcançado dez anos atrás. Isso ocorre, basicamente, pelo aumento dos custos dos planos – consequência, em grande parte, dos prejuízos causados pelas fraudes contra o sistema e pela judicialização indevida, conceito que a Abramge adota para descrever a utilização dos planos em situações não previstas nas regras contratuais estabelecidas pela própria agência reguladora.

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Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal Foto: Divulgação/ Abramge

Além da judicialização indevida, outro grande desafio são as fraudes contra o sistema de Saúde suplementar. Elas ocorrem de diversas formas: reembolso sem desembolso, uso indevido de carteirinha de terceiros, fracionamento de recibos, além de quebras de carência e uso de planos de saúde para fins não previstos, como tratamentos estéticos e cirurgias plásticas.

ENTREVISTA: Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge

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‘Defendemos a criação de uma agência única’

Executivo afirma que o que é bom para a Saúde suplementar é bom também para a pública; por isso, defende mais interação e equilíbrio para assegurar a sustentabilidade de todo o sistema

Fundada em 1966, a Abramge agrega 140 operadoras de Saúde suplementar – que, juntas, somam mais de 17 milhões de beneficiários de planos médico-hospitalares, cerca de 35% do total de beneficiários do setor no País. Com o propósito de garantir o acesso da população brasileira à Saúde suplementar de qualidade e sustentável, a entidade atua para ser referência na defesa e na proposição de estratégias para melhoria, integração e qualificação do sistema de saúde nacional. Seus congressos são as ocasiões em que os grandes temas do setor são debatidos. Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge, contou na entrevista a seguir a importância de trazer esse tema à tona.

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Por que a integração público-privada foi escolhida como tema central do 28º Congresso da Abramge?

Pela constatação de que existe apenas uma Saúde, com dois desenhos que dependem muito um do outro. No momento, a Saúde pública atende 75% da população brasileira e a suplementar atende 25%. Quanto mais gente tivermos no setor privado, maior será o alívio para a distribuição do orçamento do SUS (Sistema Único de Saúde), e isso é positivo para todas as partes envolvidas.

Como essa integração pode se dar na prática? Quais as ações necessárias para isso?

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Um exemplo de ação prática seria a criação de uma agência única. Na questão da incorporação de tecnologias, por exemplo, tudo o que é bom para a Saúde suplementar é bom também para a pública. Então faz cada vez mais sentido ter um olhar abrangente, que permita interação e equilíbrio para assegurar a sustentabilidade de todo o sistema diante do inevitável aumento de custos resultante do incremento tecnológico. A área da Saúde é uma das poucas em que a tecnologia traz aumento de custos. Na maioria das outras áreas, a tecnologia vem para reduzir os custos.

Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge Foto: Divulgação/ Abramge

A gestão da Saúde é um desafio global, enfrentado por todos os países. Por isso é importante olhar para outras experiências e ver possíveis caminhos que o Brasil pode trilhar e outros que precisa evitar. Que exemplos podem ser dados em ambos os sentidos?

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A grande questão é como assegurar a sustentabilidade do sistema de Saúde. Temos o exemplo negativo do Chile, onde a legislação e a regulação foram sendo flexibilizadas e isso levou ao colapso do sistema privado. Já a Inglaterra é um bom exemplo de disciplina e racionalidade na gestão dos recursos, com um sistema embasado em regras claras. Esse conjunto de práticas evita as fraudes e impede o uso indevido da Justiça para decisões que beneficiem um em detrimento da maioria. As incorporações de novas tecnologias são feitas com base em um debate técnico profundo, porque esse deve ser um tema da ciência. Por isso é tão importante a participação no Congresso da ex-primeira-ministra Theresa May, pelo exemplo que o sistema inglês nos oferece e pelo papel que ela teve no fortalecimento do NHS.

Uma das bandeiras defendidas pela Abramge é a criação de uma nova faixa de produtos que possam ser a porta de entrada ao sistema privado de Saúde. Como isso ocorreria?

Seriam planos direcionados exclusivamente a consultas e exames, procedimentos que resolvem cerca de 80% dos casos, com eventuais tratamentos, cirurgias e internações sendo buscados na Saúde pública. Com valor da mensalidade bem mais baixo, esses produtos poderiam trazer pelo menos 20 milhões de novos beneficiários para a Saúde suplementar, com vantagens para todo o sistema. A pressão sobre a rede pública seria aliviada, inclusive no que diz respeito a doenças que dependem de acompanhamento para evitar complicações, como hipertensão e diabetes.

No início de 2024, a expectativa era de que seria um ano de recuperação do equilíbrio para o sistema de Saúde suplementar brasileiro, depois de três anos de prejuízo. Isto vai mesmo acontecer?

Ainda é um pouco cedo para estabelecer isso, porque, historicamente, o primeiro e o último trimestre são um pouco melhores que o segundo e o terceiro. O que mais importa nessa análise, no entanto, é que não houve melhora substancial no ambiente, especialmente no que diz respeito a dois grandes problemas, judicialização indevida e fraudes. Diante da manutenção desse cenário, qualquer melhora nos números será apenas um paliativo.

Apesar de todos os desafios, os planos de saúde não estão entre os setores mais reclamados pelos consumidores. Isso é um indício de que os serviços prestados têm sido satisfatórios para a grande maioria dos usuários?

Esse ponto é mais uma demonstração de quanto a judicialização tem sido problemática, porque ela é completamente desproporcional ao número de reclamações. De acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os planos de assistência médica tiveram 55,3 reclamações para cada 100 mil beneficiários. Como o setor atende 51,4 milhões de brasileiros, a proporção de queixa por pessoa atendida é de 0,05%. Em contrapartida, a taxa de resolutividade das demandas foi superior a 90% no período entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, de acordo com as estatísticas mais recentes publicadas pelo Panorama da Saúde. No consumidor.gov, plataforma governamental auditada, o setor de Saúde suplementar aparece apenas como o 18º mais reclamado no período entre agosto de 2023 e agosto de 2024.

Judicialização e fraudes punem a coletividade

A Saúde suplementar brasileira vem de três anos consecutivos de prejuízo, decorrência de uma soma de fatores que formaram uma “tempestade perfeita”. Entre esses fatores, estão as consequências da pandemia de covid-19, a inflação médica, a judicialização indevida, as fraudes e o uso abusivo ou desnecessário dos recursos.

A curva de sinistros está se aproximando do patamar anterior à pandemia e, quanto à inflação médica, não há muito o que fazer: são custos que precisam ser administrados. A inflação médica sobe em ritmo superior ao da inflação geral por conta das pressões de aumento de custos de difícil previsibilidade, como a incorporação de novas tecnologias, algumas delas sem que seja averiguada a relação custo versus benefícios.

Restam, portanto, como grandes problemas a combater, a judicialização indevida, as fraudes e o desperdício provocado pelo uso abusivo ou desnecessário dos recursos. Estima-se que, somados, esses fatores sejam responsáveis por 13% das despesas totais dos planos de saúde no País, o que equivale a R$ 34 bilhões anuais.

As ações fraudulentas contra a Saúde suplementar no Brasil envolvem tanto aquelas executadas por quadrilhas criminosas externas ao sistema quanto as realizadas por integrantes do próprio sistema, por meio de superfaturamento ou da comunicação de eventos desnecessários. Em parte dos casos, há uma fronteira tênue entre fraudes deliberadas e o mau uso dos recursos do sistema, como a repetição desnecessária de exames.

Os próprios beneficiários são vítimas involuntárias das fraudes ao fornecer a senha de acesso a prestadores de serviço que se propõem a “facilitar” o processo de pedido de reembolso, o que abre o caminho para ações mal-intencionadas. Por isso as operadoras orientam os beneficiários a jamais passar o login e a senha a quem quer que seja.

Nos últimos anos, as fraudes deixaram de ser analógicas e se tornaram digitais, de tal forma que são realizadas com um potencial maior de velocidade e de alcance. Empenhadas em combatê-las, as operadoras têm investido cada vez mais em Tecnologia da Informação. Ao ser descobertas, as fraudes resultam em processos judiciais contra os autores, que costumam ser identificados, mesmo no universo digital.

Insegurança jurídica

Outro dos grandes desafios da Saúde suplementar é a judicialização indevida dos contratos, processos que normalmente envolvem medicamentos ou tratamentos de alto custo. No ano passado, as despesas decorrentes da judicialização chegaram a R$ 5,5 bilhões, mais do que o dobro do registrado apenas dois anos antes, R$ 2,5 bilhões.

Os custos da judicialização no ano passado ficaram próximos aos R$ 5,9 bilhões de prejuízo registrado pela Saúde suplementar. Sem as despesas relacionadas à judicialização, portanto, o setor estaria próximo do equilíbrio financeiro, mesmo com todos os demais fatores que têm contribuído para o déficit do sistema.

“O direito do cidadão acessar o Poder Judiciário é indiscutível, mas não podemos concordar com um tipo de judicialização que consideramos indevido e provoca uma grande insegurança jurídica, algo que afeta o equilíbrio do setor e não permite uma gestão eficaz dos recursos dos usuários”, diz Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge.

A insegurança jurídica reduz a previsibilidade do retorno sobre as atividades e os investimentos da iniciativa privada. Várias empresas globais da área de Saúde tomaram a decisão de deixar de atuar no Brasil, nos últimos anos, por causa desse cenário. “Para trazer investimentos e grandes empresas de qualquer setor, o País precisa garantir regras claras de mercado, segurança jurídica e previsibilidade. Infelizmente, o setor de Saúde no Brasil tem questões importantes a resolver nessas frentes”, lamenta Ribeiro.

Trata-se de um problema tão significativo que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, coloca a Saúde como uma das três áreas de efetiva insegurança jurídica no País. “Há uma certa lenda de que haveria insegurança jurídica no Brasil. Em matéria de estabilidade da legislação e da não retroatividade das leis, eu não veria, em sentido amplo, um problema relevante no Brasil. Mas é preciso reconhecer que há três áreas em que temos insegurança jurídica, e isso precisa ser equacionado. As três áreas são: trabalhista, tributária e da Saúde”, avalia Barroso.

Enquanto soluções estruturais são discutidas, surgem iniciativas para qualificar a judicialização e contribuir para reduzir a pressão sobre o sistema. Um exemplo foi a criação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NatJus), plataforma constantemente abastecida de novos dados para oferecer aos magistrados fundamentos e evidências científicas que possam apoiar as decisões em demandas de saúde.

Promover a integração entre a Saúde pública e a privada é uma estratégia essencial para aprimorar o atendimento médico-hospitalar no Brasil. Esse será o tema central do 28° Congresso da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), que reunirá especialistas, líderes e gestores do setor para discutir as tendências e os desafios que moldarão o futuro da Saúde (para mais informações, acesse o site da Abramge).

Theresa May, ex-primeira-ministra da Inglaterra Foto: Divulgação/ Abramge

O Congresso terá a participação de Theresa May, ex-primeira-ministra da Inglaterra. No período em que ocupou o cargo, entre 2016 e 2019, ela liderou um amplo processo de fortalecimento do National Health Service (NHS), sistema híbrido que funciona desde 1948 e é considerado referência de integração público-privada. “Theresa May foi uma figura fundamental na transformação do Serviço Nacional de Saúde (NHS) inglês, um modelo de sucesso pela disciplina no acesso, respeito às regras e pelo caráter inclusivo”, diz Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge. “Ouvir pessoas experimentadas, como ela e os demais palestrantes e debatedores que estarão no Congresso, é muito importante na busca pelas melhores soluções para o contexto brasileiro.”

A integração entre a Saúde pública e a privada depende, em grande parte, de tecnologias que permitam a interoperabilidade de dados – sistemas que processem e interpretem um grande volume de informações para gerar maior eficiência no atendimento e na gestão dos recursos. O planejamento em conjunto seria essencial em temas como os medicamentos de alto custo, para que toda a população tenha o mesmo direito de acesso, independentemente da posse de plano de saúde.

Judicialização e fraudes

O encontro tratará, também, de outros grandes desafios que têm impedido o Brasil de aumentar a base de beneficiários atendidos pela Saúde suplementar, patamar que se vem mantendo na casa de 50 milhões de pessoas, o mesmo já alcançado dez anos atrás. Isso ocorre, basicamente, pelo aumento dos custos dos planos – consequência, em grande parte, dos prejuízos causados pelas fraudes contra o sistema e pela judicialização indevida, conceito que a Abramge adota para descrever a utilização dos planos em situações não previstas nas regras contratuais estabelecidas pela própria agência reguladora.

Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal Foto: Divulgação/ Abramge

Além da judicialização indevida, outro grande desafio são as fraudes contra o sistema de Saúde suplementar. Elas ocorrem de diversas formas: reembolso sem desembolso, uso indevido de carteirinha de terceiros, fracionamento de recibos, além de quebras de carência e uso de planos de saúde para fins não previstos, como tratamentos estéticos e cirurgias plásticas.

ENTREVISTA: Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge

‘Defendemos a criação de uma agência única’

Executivo afirma que o que é bom para a Saúde suplementar é bom também para a pública; por isso, defende mais interação e equilíbrio para assegurar a sustentabilidade de todo o sistema

Fundada em 1966, a Abramge agrega 140 operadoras de Saúde suplementar – que, juntas, somam mais de 17 milhões de beneficiários de planos médico-hospitalares, cerca de 35% do total de beneficiários do setor no País. Com o propósito de garantir o acesso da população brasileira à Saúde suplementar de qualidade e sustentável, a entidade atua para ser referência na defesa e na proposição de estratégias para melhoria, integração e qualificação do sistema de saúde nacional. Seus congressos são as ocasiões em que os grandes temas do setor são debatidos. Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge, contou na entrevista a seguir a importância de trazer esse tema à tona.

Por que a integração público-privada foi escolhida como tema central do 28º Congresso da Abramge?

Pela constatação de que existe apenas uma Saúde, com dois desenhos que dependem muito um do outro. No momento, a Saúde pública atende 75% da população brasileira e a suplementar atende 25%. Quanto mais gente tivermos no setor privado, maior será o alívio para a distribuição do orçamento do SUS (Sistema Único de Saúde), e isso é positivo para todas as partes envolvidas.

Como essa integração pode se dar na prática? Quais as ações necessárias para isso?

Um exemplo de ação prática seria a criação de uma agência única. Na questão da incorporação de tecnologias, por exemplo, tudo o que é bom para a Saúde suplementar é bom também para a pública. Então faz cada vez mais sentido ter um olhar abrangente, que permita interação e equilíbrio para assegurar a sustentabilidade de todo o sistema diante do inevitável aumento de custos resultante do incremento tecnológico. A área da Saúde é uma das poucas em que a tecnologia traz aumento de custos. Na maioria das outras áreas, a tecnologia vem para reduzir os custos.

Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge Foto: Divulgação/ Abramge

A gestão da Saúde é um desafio global, enfrentado por todos os países. Por isso é importante olhar para outras experiências e ver possíveis caminhos que o Brasil pode trilhar e outros que precisa evitar. Que exemplos podem ser dados em ambos os sentidos?

A grande questão é como assegurar a sustentabilidade do sistema de Saúde. Temos o exemplo negativo do Chile, onde a legislação e a regulação foram sendo flexibilizadas e isso levou ao colapso do sistema privado. Já a Inglaterra é um bom exemplo de disciplina e racionalidade na gestão dos recursos, com um sistema embasado em regras claras. Esse conjunto de práticas evita as fraudes e impede o uso indevido da Justiça para decisões que beneficiem um em detrimento da maioria. As incorporações de novas tecnologias são feitas com base em um debate técnico profundo, porque esse deve ser um tema da ciência. Por isso é tão importante a participação no Congresso da ex-primeira-ministra Theresa May, pelo exemplo que o sistema inglês nos oferece e pelo papel que ela teve no fortalecimento do NHS.

Uma das bandeiras defendidas pela Abramge é a criação de uma nova faixa de produtos que possam ser a porta de entrada ao sistema privado de Saúde. Como isso ocorreria?

Seriam planos direcionados exclusivamente a consultas e exames, procedimentos que resolvem cerca de 80% dos casos, com eventuais tratamentos, cirurgias e internações sendo buscados na Saúde pública. Com valor da mensalidade bem mais baixo, esses produtos poderiam trazer pelo menos 20 milhões de novos beneficiários para a Saúde suplementar, com vantagens para todo o sistema. A pressão sobre a rede pública seria aliviada, inclusive no que diz respeito a doenças que dependem de acompanhamento para evitar complicações, como hipertensão e diabetes.

No início de 2024, a expectativa era de que seria um ano de recuperação do equilíbrio para o sistema de Saúde suplementar brasileiro, depois de três anos de prejuízo. Isto vai mesmo acontecer?

Ainda é um pouco cedo para estabelecer isso, porque, historicamente, o primeiro e o último trimestre são um pouco melhores que o segundo e o terceiro. O que mais importa nessa análise, no entanto, é que não houve melhora substancial no ambiente, especialmente no que diz respeito a dois grandes problemas, judicialização indevida e fraudes. Diante da manutenção desse cenário, qualquer melhora nos números será apenas um paliativo.

Apesar de todos os desafios, os planos de saúde não estão entre os setores mais reclamados pelos consumidores. Isso é um indício de que os serviços prestados têm sido satisfatórios para a grande maioria dos usuários?

Esse ponto é mais uma demonstração de quanto a judicialização tem sido problemática, porque ela é completamente desproporcional ao número de reclamações. De acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os planos de assistência médica tiveram 55,3 reclamações para cada 100 mil beneficiários. Como o setor atende 51,4 milhões de brasileiros, a proporção de queixa por pessoa atendida é de 0,05%. Em contrapartida, a taxa de resolutividade das demandas foi superior a 90% no período entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, de acordo com as estatísticas mais recentes publicadas pelo Panorama da Saúde. No consumidor.gov, plataforma governamental auditada, o setor de Saúde suplementar aparece apenas como o 18º mais reclamado no período entre agosto de 2023 e agosto de 2024.

Judicialização e fraudes punem a coletividade

A Saúde suplementar brasileira vem de três anos consecutivos de prejuízo, decorrência de uma soma de fatores que formaram uma “tempestade perfeita”. Entre esses fatores, estão as consequências da pandemia de covid-19, a inflação médica, a judicialização indevida, as fraudes e o uso abusivo ou desnecessário dos recursos.

A curva de sinistros está se aproximando do patamar anterior à pandemia e, quanto à inflação médica, não há muito o que fazer: são custos que precisam ser administrados. A inflação médica sobe em ritmo superior ao da inflação geral por conta das pressões de aumento de custos de difícil previsibilidade, como a incorporação de novas tecnologias, algumas delas sem que seja averiguada a relação custo versus benefícios.

Restam, portanto, como grandes problemas a combater, a judicialização indevida, as fraudes e o desperdício provocado pelo uso abusivo ou desnecessário dos recursos. Estima-se que, somados, esses fatores sejam responsáveis por 13% das despesas totais dos planos de saúde no País, o que equivale a R$ 34 bilhões anuais.

As ações fraudulentas contra a Saúde suplementar no Brasil envolvem tanto aquelas executadas por quadrilhas criminosas externas ao sistema quanto as realizadas por integrantes do próprio sistema, por meio de superfaturamento ou da comunicação de eventos desnecessários. Em parte dos casos, há uma fronteira tênue entre fraudes deliberadas e o mau uso dos recursos do sistema, como a repetição desnecessária de exames.

Os próprios beneficiários são vítimas involuntárias das fraudes ao fornecer a senha de acesso a prestadores de serviço que se propõem a “facilitar” o processo de pedido de reembolso, o que abre o caminho para ações mal-intencionadas. Por isso as operadoras orientam os beneficiários a jamais passar o login e a senha a quem quer que seja.

Nos últimos anos, as fraudes deixaram de ser analógicas e se tornaram digitais, de tal forma que são realizadas com um potencial maior de velocidade e de alcance. Empenhadas em combatê-las, as operadoras têm investido cada vez mais em Tecnologia da Informação. Ao ser descobertas, as fraudes resultam em processos judiciais contra os autores, que costumam ser identificados, mesmo no universo digital.

Insegurança jurídica

Outro dos grandes desafios da Saúde suplementar é a judicialização indevida dos contratos, processos que normalmente envolvem medicamentos ou tratamentos de alto custo. No ano passado, as despesas decorrentes da judicialização chegaram a R$ 5,5 bilhões, mais do que o dobro do registrado apenas dois anos antes, R$ 2,5 bilhões.

Os custos da judicialização no ano passado ficaram próximos aos R$ 5,9 bilhões de prejuízo registrado pela Saúde suplementar. Sem as despesas relacionadas à judicialização, portanto, o setor estaria próximo do equilíbrio financeiro, mesmo com todos os demais fatores que têm contribuído para o déficit do sistema.

“O direito do cidadão acessar o Poder Judiciário é indiscutível, mas não podemos concordar com um tipo de judicialização que consideramos indevido e provoca uma grande insegurança jurídica, algo que afeta o equilíbrio do setor e não permite uma gestão eficaz dos recursos dos usuários”, diz Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge.

A insegurança jurídica reduz a previsibilidade do retorno sobre as atividades e os investimentos da iniciativa privada. Várias empresas globais da área de Saúde tomaram a decisão de deixar de atuar no Brasil, nos últimos anos, por causa desse cenário. “Para trazer investimentos e grandes empresas de qualquer setor, o País precisa garantir regras claras de mercado, segurança jurídica e previsibilidade. Infelizmente, o setor de Saúde no Brasil tem questões importantes a resolver nessas frentes”, lamenta Ribeiro.

Trata-se de um problema tão significativo que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, coloca a Saúde como uma das três áreas de efetiva insegurança jurídica no País. “Há uma certa lenda de que haveria insegurança jurídica no Brasil. Em matéria de estabilidade da legislação e da não retroatividade das leis, eu não veria, em sentido amplo, um problema relevante no Brasil. Mas é preciso reconhecer que há três áreas em que temos insegurança jurídica, e isso precisa ser equacionado. As três áreas são: trabalhista, tributária e da Saúde”, avalia Barroso.

Enquanto soluções estruturais são discutidas, surgem iniciativas para qualificar a judicialização e contribuir para reduzir a pressão sobre o sistema. Um exemplo foi a criação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NatJus), plataforma constantemente abastecida de novos dados para oferecer aos magistrados fundamentos e evidências científicas que possam apoiar as decisões em demandas de saúde.

Promover a integração entre a Saúde pública e a privada é uma estratégia essencial para aprimorar o atendimento médico-hospitalar no Brasil. Esse será o tema central do 28° Congresso da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), que reunirá especialistas, líderes e gestores do setor para discutir as tendências e os desafios que moldarão o futuro da Saúde (para mais informações, acesse o site da Abramge).

Theresa May, ex-primeira-ministra da Inglaterra Foto: Divulgação/ Abramge

O Congresso terá a participação de Theresa May, ex-primeira-ministra da Inglaterra. No período em que ocupou o cargo, entre 2016 e 2019, ela liderou um amplo processo de fortalecimento do National Health Service (NHS), sistema híbrido que funciona desde 1948 e é considerado referência de integração público-privada. “Theresa May foi uma figura fundamental na transformação do Serviço Nacional de Saúde (NHS) inglês, um modelo de sucesso pela disciplina no acesso, respeito às regras e pelo caráter inclusivo”, diz Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge. “Ouvir pessoas experimentadas, como ela e os demais palestrantes e debatedores que estarão no Congresso, é muito importante na busca pelas melhores soluções para o contexto brasileiro.”

A integração entre a Saúde pública e a privada depende, em grande parte, de tecnologias que permitam a interoperabilidade de dados – sistemas que processem e interpretem um grande volume de informações para gerar maior eficiência no atendimento e na gestão dos recursos. O planejamento em conjunto seria essencial em temas como os medicamentos de alto custo, para que toda a população tenha o mesmo direito de acesso, independentemente da posse de plano de saúde.

Judicialização e fraudes

O encontro tratará, também, de outros grandes desafios que têm impedido o Brasil de aumentar a base de beneficiários atendidos pela Saúde suplementar, patamar que se vem mantendo na casa de 50 milhões de pessoas, o mesmo já alcançado dez anos atrás. Isso ocorre, basicamente, pelo aumento dos custos dos planos – consequência, em grande parte, dos prejuízos causados pelas fraudes contra o sistema e pela judicialização indevida, conceito que a Abramge adota para descrever a utilização dos planos em situações não previstas nas regras contratuais estabelecidas pela própria agência reguladora.

Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal Foto: Divulgação/ Abramge

Além da judicialização indevida, outro grande desafio são as fraudes contra o sistema de Saúde suplementar. Elas ocorrem de diversas formas: reembolso sem desembolso, uso indevido de carteirinha de terceiros, fracionamento de recibos, além de quebras de carência e uso de planos de saúde para fins não previstos, como tratamentos estéticos e cirurgias plásticas.

ENTREVISTA: Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge

‘Defendemos a criação de uma agência única’

Executivo afirma que o que é bom para a Saúde suplementar é bom também para a pública; por isso, defende mais interação e equilíbrio para assegurar a sustentabilidade de todo o sistema

Fundada em 1966, a Abramge agrega 140 operadoras de Saúde suplementar – que, juntas, somam mais de 17 milhões de beneficiários de planos médico-hospitalares, cerca de 35% do total de beneficiários do setor no País. Com o propósito de garantir o acesso da população brasileira à Saúde suplementar de qualidade e sustentável, a entidade atua para ser referência na defesa e na proposição de estratégias para melhoria, integração e qualificação do sistema de saúde nacional. Seus congressos são as ocasiões em que os grandes temas do setor são debatidos. Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge, contou na entrevista a seguir a importância de trazer esse tema à tona.

Por que a integração público-privada foi escolhida como tema central do 28º Congresso da Abramge?

Pela constatação de que existe apenas uma Saúde, com dois desenhos que dependem muito um do outro. No momento, a Saúde pública atende 75% da população brasileira e a suplementar atende 25%. Quanto mais gente tivermos no setor privado, maior será o alívio para a distribuição do orçamento do SUS (Sistema Único de Saúde), e isso é positivo para todas as partes envolvidas.

Como essa integração pode se dar na prática? Quais as ações necessárias para isso?

Um exemplo de ação prática seria a criação de uma agência única. Na questão da incorporação de tecnologias, por exemplo, tudo o que é bom para a Saúde suplementar é bom também para a pública. Então faz cada vez mais sentido ter um olhar abrangente, que permita interação e equilíbrio para assegurar a sustentabilidade de todo o sistema diante do inevitável aumento de custos resultante do incremento tecnológico. A área da Saúde é uma das poucas em que a tecnologia traz aumento de custos. Na maioria das outras áreas, a tecnologia vem para reduzir os custos.

Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge Foto: Divulgação/ Abramge

A gestão da Saúde é um desafio global, enfrentado por todos os países. Por isso é importante olhar para outras experiências e ver possíveis caminhos que o Brasil pode trilhar e outros que precisa evitar. Que exemplos podem ser dados em ambos os sentidos?

A grande questão é como assegurar a sustentabilidade do sistema de Saúde. Temos o exemplo negativo do Chile, onde a legislação e a regulação foram sendo flexibilizadas e isso levou ao colapso do sistema privado. Já a Inglaterra é um bom exemplo de disciplina e racionalidade na gestão dos recursos, com um sistema embasado em regras claras. Esse conjunto de práticas evita as fraudes e impede o uso indevido da Justiça para decisões que beneficiem um em detrimento da maioria. As incorporações de novas tecnologias são feitas com base em um debate técnico profundo, porque esse deve ser um tema da ciência. Por isso é tão importante a participação no Congresso da ex-primeira-ministra Theresa May, pelo exemplo que o sistema inglês nos oferece e pelo papel que ela teve no fortalecimento do NHS.

Uma das bandeiras defendidas pela Abramge é a criação de uma nova faixa de produtos que possam ser a porta de entrada ao sistema privado de Saúde. Como isso ocorreria?

Seriam planos direcionados exclusivamente a consultas e exames, procedimentos que resolvem cerca de 80% dos casos, com eventuais tratamentos, cirurgias e internações sendo buscados na Saúde pública. Com valor da mensalidade bem mais baixo, esses produtos poderiam trazer pelo menos 20 milhões de novos beneficiários para a Saúde suplementar, com vantagens para todo o sistema. A pressão sobre a rede pública seria aliviada, inclusive no que diz respeito a doenças que dependem de acompanhamento para evitar complicações, como hipertensão e diabetes.

No início de 2024, a expectativa era de que seria um ano de recuperação do equilíbrio para o sistema de Saúde suplementar brasileiro, depois de três anos de prejuízo. Isto vai mesmo acontecer?

Ainda é um pouco cedo para estabelecer isso, porque, historicamente, o primeiro e o último trimestre são um pouco melhores que o segundo e o terceiro. O que mais importa nessa análise, no entanto, é que não houve melhora substancial no ambiente, especialmente no que diz respeito a dois grandes problemas, judicialização indevida e fraudes. Diante da manutenção desse cenário, qualquer melhora nos números será apenas um paliativo.

Apesar de todos os desafios, os planos de saúde não estão entre os setores mais reclamados pelos consumidores. Isso é um indício de que os serviços prestados têm sido satisfatórios para a grande maioria dos usuários?

Esse ponto é mais uma demonstração de quanto a judicialização tem sido problemática, porque ela é completamente desproporcional ao número de reclamações. De acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os planos de assistência médica tiveram 55,3 reclamações para cada 100 mil beneficiários. Como o setor atende 51,4 milhões de brasileiros, a proporção de queixa por pessoa atendida é de 0,05%. Em contrapartida, a taxa de resolutividade das demandas foi superior a 90% no período entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, de acordo com as estatísticas mais recentes publicadas pelo Panorama da Saúde. No consumidor.gov, plataforma governamental auditada, o setor de Saúde suplementar aparece apenas como o 18º mais reclamado no período entre agosto de 2023 e agosto de 2024.

Judicialização e fraudes punem a coletividade

A Saúde suplementar brasileira vem de três anos consecutivos de prejuízo, decorrência de uma soma de fatores que formaram uma “tempestade perfeita”. Entre esses fatores, estão as consequências da pandemia de covid-19, a inflação médica, a judicialização indevida, as fraudes e o uso abusivo ou desnecessário dos recursos.

A curva de sinistros está se aproximando do patamar anterior à pandemia e, quanto à inflação médica, não há muito o que fazer: são custos que precisam ser administrados. A inflação médica sobe em ritmo superior ao da inflação geral por conta das pressões de aumento de custos de difícil previsibilidade, como a incorporação de novas tecnologias, algumas delas sem que seja averiguada a relação custo versus benefícios.

Restam, portanto, como grandes problemas a combater, a judicialização indevida, as fraudes e o desperdício provocado pelo uso abusivo ou desnecessário dos recursos. Estima-se que, somados, esses fatores sejam responsáveis por 13% das despesas totais dos planos de saúde no País, o que equivale a R$ 34 bilhões anuais.

As ações fraudulentas contra a Saúde suplementar no Brasil envolvem tanto aquelas executadas por quadrilhas criminosas externas ao sistema quanto as realizadas por integrantes do próprio sistema, por meio de superfaturamento ou da comunicação de eventos desnecessários. Em parte dos casos, há uma fronteira tênue entre fraudes deliberadas e o mau uso dos recursos do sistema, como a repetição desnecessária de exames.

Os próprios beneficiários são vítimas involuntárias das fraudes ao fornecer a senha de acesso a prestadores de serviço que se propõem a “facilitar” o processo de pedido de reembolso, o que abre o caminho para ações mal-intencionadas. Por isso as operadoras orientam os beneficiários a jamais passar o login e a senha a quem quer que seja.

Nos últimos anos, as fraudes deixaram de ser analógicas e se tornaram digitais, de tal forma que são realizadas com um potencial maior de velocidade e de alcance. Empenhadas em combatê-las, as operadoras têm investido cada vez mais em Tecnologia da Informação. Ao ser descobertas, as fraudes resultam em processos judiciais contra os autores, que costumam ser identificados, mesmo no universo digital.

Insegurança jurídica

Outro dos grandes desafios da Saúde suplementar é a judicialização indevida dos contratos, processos que normalmente envolvem medicamentos ou tratamentos de alto custo. No ano passado, as despesas decorrentes da judicialização chegaram a R$ 5,5 bilhões, mais do que o dobro do registrado apenas dois anos antes, R$ 2,5 bilhões.

Os custos da judicialização no ano passado ficaram próximos aos R$ 5,9 bilhões de prejuízo registrado pela Saúde suplementar. Sem as despesas relacionadas à judicialização, portanto, o setor estaria próximo do equilíbrio financeiro, mesmo com todos os demais fatores que têm contribuído para o déficit do sistema.

“O direito do cidadão acessar o Poder Judiciário é indiscutível, mas não podemos concordar com um tipo de judicialização que consideramos indevido e provoca uma grande insegurança jurídica, algo que afeta o equilíbrio do setor e não permite uma gestão eficaz dos recursos dos usuários”, diz Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge.

A insegurança jurídica reduz a previsibilidade do retorno sobre as atividades e os investimentos da iniciativa privada. Várias empresas globais da área de Saúde tomaram a decisão de deixar de atuar no Brasil, nos últimos anos, por causa desse cenário. “Para trazer investimentos e grandes empresas de qualquer setor, o País precisa garantir regras claras de mercado, segurança jurídica e previsibilidade. Infelizmente, o setor de Saúde no Brasil tem questões importantes a resolver nessas frentes”, lamenta Ribeiro.

Trata-se de um problema tão significativo que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, coloca a Saúde como uma das três áreas de efetiva insegurança jurídica no País. “Há uma certa lenda de que haveria insegurança jurídica no Brasil. Em matéria de estabilidade da legislação e da não retroatividade das leis, eu não veria, em sentido amplo, um problema relevante no Brasil. Mas é preciso reconhecer que há três áreas em que temos insegurança jurídica, e isso precisa ser equacionado. As três áreas são: trabalhista, tributária e da Saúde”, avalia Barroso.

Enquanto soluções estruturais são discutidas, surgem iniciativas para qualificar a judicialização e contribuir para reduzir a pressão sobre o sistema. Um exemplo foi a criação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NatJus), plataforma constantemente abastecida de novos dados para oferecer aos magistrados fundamentos e evidências científicas que possam apoiar as decisões em demandas de saúde.

Promover a integração entre a Saúde pública e a privada é uma estratégia essencial para aprimorar o atendimento médico-hospitalar no Brasil. Esse será o tema central do 28° Congresso da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), que reunirá especialistas, líderes e gestores do setor para discutir as tendências e os desafios que moldarão o futuro da Saúde (para mais informações, acesse o site da Abramge).

Theresa May, ex-primeira-ministra da Inglaterra Foto: Divulgação/ Abramge

O Congresso terá a participação de Theresa May, ex-primeira-ministra da Inglaterra. No período em que ocupou o cargo, entre 2016 e 2019, ela liderou um amplo processo de fortalecimento do National Health Service (NHS), sistema híbrido que funciona desde 1948 e é considerado referência de integração público-privada. “Theresa May foi uma figura fundamental na transformação do Serviço Nacional de Saúde (NHS) inglês, um modelo de sucesso pela disciplina no acesso, respeito às regras e pelo caráter inclusivo”, diz Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge. “Ouvir pessoas experimentadas, como ela e os demais palestrantes e debatedores que estarão no Congresso, é muito importante na busca pelas melhores soluções para o contexto brasileiro.”

A integração entre a Saúde pública e a privada depende, em grande parte, de tecnologias que permitam a interoperabilidade de dados – sistemas que processem e interpretem um grande volume de informações para gerar maior eficiência no atendimento e na gestão dos recursos. O planejamento em conjunto seria essencial em temas como os medicamentos de alto custo, para que toda a população tenha o mesmo direito de acesso, independentemente da posse de plano de saúde.

Judicialização e fraudes

O encontro tratará, também, de outros grandes desafios que têm impedido o Brasil de aumentar a base de beneficiários atendidos pela Saúde suplementar, patamar que se vem mantendo na casa de 50 milhões de pessoas, o mesmo já alcançado dez anos atrás. Isso ocorre, basicamente, pelo aumento dos custos dos planos – consequência, em grande parte, dos prejuízos causados pelas fraudes contra o sistema e pela judicialização indevida, conceito que a Abramge adota para descrever a utilização dos planos em situações não previstas nas regras contratuais estabelecidas pela própria agência reguladora.

Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal Foto: Divulgação/ Abramge

Além da judicialização indevida, outro grande desafio são as fraudes contra o sistema de Saúde suplementar. Elas ocorrem de diversas formas: reembolso sem desembolso, uso indevido de carteirinha de terceiros, fracionamento de recibos, além de quebras de carência e uso de planos de saúde para fins não previstos, como tratamentos estéticos e cirurgias plásticas.

ENTREVISTA: Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge

‘Defendemos a criação de uma agência única’

Executivo afirma que o que é bom para a Saúde suplementar é bom também para a pública; por isso, defende mais interação e equilíbrio para assegurar a sustentabilidade de todo o sistema

Fundada em 1966, a Abramge agrega 140 operadoras de Saúde suplementar – que, juntas, somam mais de 17 milhões de beneficiários de planos médico-hospitalares, cerca de 35% do total de beneficiários do setor no País. Com o propósito de garantir o acesso da população brasileira à Saúde suplementar de qualidade e sustentável, a entidade atua para ser referência na defesa e na proposição de estratégias para melhoria, integração e qualificação do sistema de saúde nacional. Seus congressos são as ocasiões em que os grandes temas do setor são debatidos. Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge, contou na entrevista a seguir a importância de trazer esse tema à tona.

Por que a integração público-privada foi escolhida como tema central do 28º Congresso da Abramge?

Pela constatação de que existe apenas uma Saúde, com dois desenhos que dependem muito um do outro. No momento, a Saúde pública atende 75% da população brasileira e a suplementar atende 25%. Quanto mais gente tivermos no setor privado, maior será o alívio para a distribuição do orçamento do SUS (Sistema Único de Saúde), e isso é positivo para todas as partes envolvidas.

Como essa integração pode se dar na prática? Quais as ações necessárias para isso?

Um exemplo de ação prática seria a criação de uma agência única. Na questão da incorporação de tecnologias, por exemplo, tudo o que é bom para a Saúde suplementar é bom também para a pública. Então faz cada vez mais sentido ter um olhar abrangente, que permita interação e equilíbrio para assegurar a sustentabilidade de todo o sistema diante do inevitável aumento de custos resultante do incremento tecnológico. A área da Saúde é uma das poucas em que a tecnologia traz aumento de custos. Na maioria das outras áreas, a tecnologia vem para reduzir os custos.

Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge Foto: Divulgação/ Abramge

A gestão da Saúde é um desafio global, enfrentado por todos os países. Por isso é importante olhar para outras experiências e ver possíveis caminhos que o Brasil pode trilhar e outros que precisa evitar. Que exemplos podem ser dados em ambos os sentidos?

A grande questão é como assegurar a sustentabilidade do sistema de Saúde. Temos o exemplo negativo do Chile, onde a legislação e a regulação foram sendo flexibilizadas e isso levou ao colapso do sistema privado. Já a Inglaterra é um bom exemplo de disciplina e racionalidade na gestão dos recursos, com um sistema embasado em regras claras. Esse conjunto de práticas evita as fraudes e impede o uso indevido da Justiça para decisões que beneficiem um em detrimento da maioria. As incorporações de novas tecnologias são feitas com base em um debate técnico profundo, porque esse deve ser um tema da ciência. Por isso é tão importante a participação no Congresso da ex-primeira-ministra Theresa May, pelo exemplo que o sistema inglês nos oferece e pelo papel que ela teve no fortalecimento do NHS.

Uma das bandeiras defendidas pela Abramge é a criação de uma nova faixa de produtos que possam ser a porta de entrada ao sistema privado de Saúde. Como isso ocorreria?

Seriam planos direcionados exclusivamente a consultas e exames, procedimentos que resolvem cerca de 80% dos casos, com eventuais tratamentos, cirurgias e internações sendo buscados na Saúde pública. Com valor da mensalidade bem mais baixo, esses produtos poderiam trazer pelo menos 20 milhões de novos beneficiários para a Saúde suplementar, com vantagens para todo o sistema. A pressão sobre a rede pública seria aliviada, inclusive no que diz respeito a doenças que dependem de acompanhamento para evitar complicações, como hipertensão e diabetes.

No início de 2024, a expectativa era de que seria um ano de recuperação do equilíbrio para o sistema de Saúde suplementar brasileiro, depois de três anos de prejuízo. Isto vai mesmo acontecer?

Ainda é um pouco cedo para estabelecer isso, porque, historicamente, o primeiro e o último trimestre são um pouco melhores que o segundo e o terceiro. O que mais importa nessa análise, no entanto, é que não houve melhora substancial no ambiente, especialmente no que diz respeito a dois grandes problemas, judicialização indevida e fraudes. Diante da manutenção desse cenário, qualquer melhora nos números será apenas um paliativo.

Apesar de todos os desafios, os planos de saúde não estão entre os setores mais reclamados pelos consumidores. Isso é um indício de que os serviços prestados têm sido satisfatórios para a grande maioria dos usuários?

Esse ponto é mais uma demonstração de quanto a judicialização tem sido problemática, porque ela é completamente desproporcional ao número de reclamações. De acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os planos de assistência médica tiveram 55,3 reclamações para cada 100 mil beneficiários. Como o setor atende 51,4 milhões de brasileiros, a proporção de queixa por pessoa atendida é de 0,05%. Em contrapartida, a taxa de resolutividade das demandas foi superior a 90% no período entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, de acordo com as estatísticas mais recentes publicadas pelo Panorama da Saúde. No consumidor.gov, plataforma governamental auditada, o setor de Saúde suplementar aparece apenas como o 18º mais reclamado no período entre agosto de 2023 e agosto de 2024.

Judicialização e fraudes punem a coletividade

A Saúde suplementar brasileira vem de três anos consecutivos de prejuízo, decorrência de uma soma de fatores que formaram uma “tempestade perfeita”. Entre esses fatores, estão as consequências da pandemia de covid-19, a inflação médica, a judicialização indevida, as fraudes e o uso abusivo ou desnecessário dos recursos.

A curva de sinistros está se aproximando do patamar anterior à pandemia e, quanto à inflação médica, não há muito o que fazer: são custos que precisam ser administrados. A inflação médica sobe em ritmo superior ao da inflação geral por conta das pressões de aumento de custos de difícil previsibilidade, como a incorporação de novas tecnologias, algumas delas sem que seja averiguada a relação custo versus benefícios.

Restam, portanto, como grandes problemas a combater, a judicialização indevida, as fraudes e o desperdício provocado pelo uso abusivo ou desnecessário dos recursos. Estima-se que, somados, esses fatores sejam responsáveis por 13% das despesas totais dos planos de saúde no País, o que equivale a R$ 34 bilhões anuais.

As ações fraudulentas contra a Saúde suplementar no Brasil envolvem tanto aquelas executadas por quadrilhas criminosas externas ao sistema quanto as realizadas por integrantes do próprio sistema, por meio de superfaturamento ou da comunicação de eventos desnecessários. Em parte dos casos, há uma fronteira tênue entre fraudes deliberadas e o mau uso dos recursos do sistema, como a repetição desnecessária de exames.

Os próprios beneficiários são vítimas involuntárias das fraudes ao fornecer a senha de acesso a prestadores de serviço que se propõem a “facilitar” o processo de pedido de reembolso, o que abre o caminho para ações mal-intencionadas. Por isso as operadoras orientam os beneficiários a jamais passar o login e a senha a quem quer que seja.

Nos últimos anos, as fraudes deixaram de ser analógicas e se tornaram digitais, de tal forma que são realizadas com um potencial maior de velocidade e de alcance. Empenhadas em combatê-las, as operadoras têm investido cada vez mais em Tecnologia da Informação. Ao ser descobertas, as fraudes resultam em processos judiciais contra os autores, que costumam ser identificados, mesmo no universo digital.

Insegurança jurídica

Outro dos grandes desafios da Saúde suplementar é a judicialização indevida dos contratos, processos que normalmente envolvem medicamentos ou tratamentos de alto custo. No ano passado, as despesas decorrentes da judicialização chegaram a R$ 5,5 bilhões, mais do que o dobro do registrado apenas dois anos antes, R$ 2,5 bilhões.

Os custos da judicialização no ano passado ficaram próximos aos R$ 5,9 bilhões de prejuízo registrado pela Saúde suplementar. Sem as despesas relacionadas à judicialização, portanto, o setor estaria próximo do equilíbrio financeiro, mesmo com todos os demais fatores que têm contribuído para o déficit do sistema.

“O direito do cidadão acessar o Poder Judiciário é indiscutível, mas não podemos concordar com um tipo de judicialização que consideramos indevido e provoca uma grande insegurança jurídica, algo que afeta o equilíbrio do setor e não permite uma gestão eficaz dos recursos dos usuários”, diz Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge.

A insegurança jurídica reduz a previsibilidade do retorno sobre as atividades e os investimentos da iniciativa privada. Várias empresas globais da área de Saúde tomaram a decisão de deixar de atuar no Brasil, nos últimos anos, por causa desse cenário. “Para trazer investimentos e grandes empresas de qualquer setor, o País precisa garantir regras claras de mercado, segurança jurídica e previsibilidade. Infelizmente, o setor de Saúde no Brasil tem questões importantes a resolver nessas frentes”, lamenta Ribeiro.

Trata-se de um problema tão significativo que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, coloca a Saúde como uma das três áreas de efetiva insegurança jurídica no País. “Há uma certa lenda de que haveria insegurança jurídica no Brasil. Em matéria de estabilidade da legislação e da não retroatividade das leis, eu não veria, em sentido amplo, um problema relevante no Brasil. Mas é preciso reconhecer que há três áreas em que temos insegurança jurídica, e isso precisa ser equacionado. As três áreas são: trabalhista, tributária e da Saúde”, avalia Barroso.

Enquanto soluções estruturais são discutidas, surgem iniciativas para qualificar a judicialização e contribuir para reduzir a pressão sobre o sistema. Um exemplo foi a criação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NatJus), plataforma constantemente abastecida de novos dados para oferecer aos magistrados fundamentos e evidências científicas que possam apoiar as decisões em demandas de saúde.

Promover a integração entre a Saúde pública e a privada é uma estratégia essencial para aprimorar o atendimento médico-hospitalar no Brasil. Esse será o tema central do 28° Congresso da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), que reunirá especialistas, líderes e gestores do setor para discutir as tendências e os desafios que moldarão o futuro da Saúde (para mais informações, acesse o site da Abramge).

Theresa May, ex-primeira-ministra da Inglaterra Foto: Divulgação/ Abramge

O Congresso terá a participação de Theresa May, ex-primeira-ministra da Inglaterra. No período em que ocupou o cargo, entre 2016 e 2019, ela liderou um amplo processo de fortalecimento do National Health Service (NHS), sistema híbrido que funciona desde 1948 e é considerado referência de integração público-privada. “Theresa May foi uma figura fundamental na transformação do Serviço Nacional de Saúde (NHS) inglês, um modelo de sucesso pela disciplina no acesso, respeito às regras e pelo caráter inclusivo”, diz Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge. “Ouvir pessoas experimentadas, como ela e os demais palestrantes e debatedores que estarão no Congresso, é muito importante na busca pelas melhores soluções para o contexto brasileiro.”

A integração entre a Saúde pública e a privada depende, em grande parte, de tecnologias que permitam a interoperabilidade de dados – sistemas que processem e interpretem um grande volume de informações para gerar maior eficiência no atendimento e na gestão dos recursos. O planejamento em conjunto seria essencial em temas como os medicamentos de alto custo, para que toda a população tenha o mesmo direito de acesso, independentemente da posse de plano de saúde.

Judicialização e fraudes

O encontro tratará, também, de outros grandes desafios que têm impedido o Brasil de aumentar a base de beneficiários atendidos pela Saúde suplementar, patamar que se vem mantendo na casa de 50 milhões de pessoas, o mesmo já alcançado dez anos atrás. Isso ocorre, basicamente, pelo aumento dos custos dos planos – consequência, em grande parte, dos prejuízos causados pelas fraudes contra o sistema e pela judicialização indevida, conceito que a Abramge adota para descrever a utilização dos planos em situações não previstas nas regras contratuais estabelecidas pela própria agência reguladora.

Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal Foto: Divulgação/ Abramge

Além da judicialização indevida, outro grande desafio são as fraudes contra o sistema de Saúde suplementar. Elas ocorrem de diversas formas: reembolso sem desembolso, uso indevido de carteirinha de terceiros, fracionamento de recibos, além de quebras de carência e uso de planos de saúde para fins não previstos, como tratamentos estéticos e cirurgias plásticas.

ENTREVISTA: Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge

‘Defendemos a criação de uma agência única’

Executivo afirma que o que é bom para a Saúde suplementar é bom também para a pública; por isso, defende mais interação e equilíbrio para assegurar a sustentabilidade de todo o sistema

Fundada em 1966, a Abramge agrega 140 operadoras de Saúde suplementar – que, juntas, somam mais de 17 milhões de beneficiários de planos médico-hospitalares, cerca de 35% do total de beneficiários do setor no País. Com o propósito de garantir o acesso da população brasileira à Saúde suplementar de qualidade e sustentável, a entidade atua para ser referência na defesa e na proposição de estratégias para melhoria, integração e qualificação do sistema de saúde nacional. Seus congressos são as ocasiões em que os grandes temas do setor são debatidos. Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge, contou na entrevista a seguir a importância de trazer esse tema à tona.

Por que a integração público-privada foi escolhida como tema central do 28º Congresso da Abramge?

Pela constatação de que existe apenas uma Saúde, com dois desenhos que dependem muito um do outro. No momento, a Saúde pública atende 75% da população brasileira e a suplementar atende 25%. Quanto mais gente tivermos no setor privado, maior será o alívio para a distribuição do orçamento do SUS (Sistema Único de Saúde), e isso é positivo para todas as partes envolvidas.

Como essa integração pode se dar na prática? Quais as ações necessárias para isso?

Um exemplo de ação prática seria a criação de uma agência única. Na questão da incorporação de tecnologias, por exemplo, tudo o que é bom para a Saúde suplementar é bom também para a pública. Então faz cada vez mais sentido ter um olhar abrangente, que permita interação e equilíbrio para assegurar a sustentabilidade de todo o sistema diante do inevitável aumento de custos resultante do incremento tecnológico. A área da Saúde é uma das poucas em que a tecnologia traz aumento de custos. Na maioria das outras áreas, a tecnologia vem para reduzir os custos.

Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge Foto: Divulgação/ Abramge

A gestão da Saúde é um desafio global, enfrentado por todos os países. Por isso é importante olhar para outras experiências e ver possíveis caminhos que o Brasil pode trilhar e outros que precisa evitar. Que exemplos podem ser dados em ambos os sentidos?

A grande questão é como assegurar a sustentabilidade do sistema de Saúde. Temos o exemplo negativo do Chile, onde a legislação e a regulação foram sendo flexibilizadas e isso levou ao colapso do sistema privado. Já a Inglaterra é um bom exemplo de disciplina e racionalidade na gestão dos recursos, com um sistema embasado em regras claras. Esse conjunto de práticas evita as fraudes e impede o uso indevido da Justiça para decisões que beneficiem um em detrimento da maioria. As incorporações de novas tecnologias são feitas com base em um debate técnico profundo, porque esse deve ser um tema da ciência. Por isso é tão importante a participação no Congresso da ex-primeira-ministra Theresa May, pelo exemplo que o sistema inglês nos oferece e pelo papel que ela teve no fortalecimento do NHS.

Uma das bandeiras defendidas pela Abramge é a criação de uma nova faixa de produtos que possam ser a porta de entrada ao sistema privado de Saúde. Como isso ocorreria?

Seriam planos direcionados exclusivamente a consultas e exames, procedimentos que resolvem cerca de 80% dos casos, com eventuais tratamentos, cirurgias e internações sendo buscados na Saúde pública. Com valor da mensalidade bem mais baixo, esses produtos poderiam trazer pelo menos 20 milhões de novos beneficiários para a Saúde suplementar, com vantagens para todo o sistema. A pressão sobre a rede pública seria aliviada, inclusive no que diz respeito a doenças que dependem de acompanhamento para evitar complicações, como hipertensão e diabetes.

No início de 2024, a expectativa era de que seria um ano de recuperação do equilíbrio para o sistema de Saúde suplementar brasileiro, depois de três anos de prejuízo. Isto vai mesmo acontecer?

Ainda é um pouco cedo para estabelecer isso, porque, historicamente, o primeiro e o último trimestre são um pouco melhores que o segundo e o terceiro. O que mais importa nessa análise, no entanto, é que não houve melhora substancial no ambiente, especialmente no que diz respeito a dois grandes problemas, judicialização indevida e fraudes. Diante da manutenção desse cenário, qualquer melhora nos números será apenas um paliativo.

Apesar de todos os desafios, os planos de saúde não estão entre os setores mais reclamados pelos consumidores. Isso é um indício de que os serviços prestados têm sido satisfatórios para a grande maioria dos usuários?

Esse ponto é mais uma demonstração de quanto a judicialização tem sido problemática, porque ela é completamente desproporcional ao número de reclamações. De acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os planos de assistência médica tiveram 55,3 reclamações para cada 100 mil beneficiários. Como o setor atende 51,4 milhões de brasileiros, a proporção de queixa por pessoa atendida é de 0,05%. Em contrapartida, a taxa de resolutividade das demandas foi superior a 90% no período entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, de acordo com as estatísticas mais recentes publicadas pelo Panorama da Saúde. No consumidor.gov, plataforma governamental auditada, o setor de Saúde suplementar aparece apenas como o 18º mais reclamado no período entre agosto de 2023 e agosto de 2024.

Judicialização e fraudes punem a coletividade

A Saúde suplementar brasileira vem de três anos consecutivos de prejuízo, decorrência de uma soma de fatores que formaram uma “tempestade perfeita”. Entre esses fatores, estão as consequências da pandemia de covid-19, a inflação médica, a judicialização indevida, as fraudes e o uso abusivo ou desnecessário dos recursos.

A curva de sinistros está se aproximando do patamar anterior à pandemia e, quanto à inflação médica, não há muito o que fazer: são custos que precisam ser administrados. A inflação médica sobe em ritmo superior ao da inflação geral por conta das pressões de aumento de custos de difícil previsibilidade, como a incorporação de novas tecnologias, algumas delas sem que seja averiguada a relação custo versus benefícios.

Restam, portanto, como grandes problemas a combater, a judicialização indevida, as fraudes e o desperdício provocado pelo uso abusivo ou desnecessário dos recursos. Estima-se que, somados, esses fatores sejam responsáveis por 13% das despesas totais dos planos de saúde no País, o que equivale a R$ 34 bilhões anuais.

As ações fraudulentas contra a Saúde suplementar no Brasil envolvem tanto aquelas executadas por quadrilhas criminosas externas ao sistema quanto as realizadas por integrantes do próprio sistema, por meio de superfaturamento ou da comunicação de eventos desnecessários. Em parte dos casos, há uma fronteira tênue entre fraudes deliberadas e o mau uso dos recursos do sistema, como a repetição desnecessária de exames.

Os próprios beneficiários são vítimas involuntárias das fraudes ao fornecer a senha de acesso a prestadores de serviço que se propõem a “facilitar” o processo de pedido de reembolso, o que abre o caminho para ações mal-intencionadas. Por isso as operadoras orientam os beneficiários a jamais passar o login e a senha a quem quer que seja.

Nos últimos anos, as fraudes deixaram de ser analógicas e se tornaram digitais, de tal forma que são realizadas com um potencial maior de velocidade e de alcance. Empenhadas em combatê-las, as operadoras têm investido cada vez mais em Tecnologia da Informação. Ao ser descobertas, as fraudes resultam em processos judiciais contra os autores, que costumam ser identificados, mesmo no universo digital.

Insegurança jurídica

Outro dos grandes desafios da Saúde suplementar é a judicialização indevida dos contratos, processos que normalmente envolvem medicamentos ou tratamentos de alto custo. No ano passado, as despesas decorrentes da judicialização chegaram a R$ 5,5 bilhões, mais do que o dobro do registrado apenas dois anos antes, R$ 2,5 bilhões.

Os custos da judicialização no ano passado ficaram próximos aos R$ 5,9 bilhões de prejuízo registrado pela Saúde suplementar. Sem as despesas relacionadas à judicialização, portanto, o setor estaria próximo do equilíbrio financeiro, mesmo com todos os demais fatores que têm contribuído para o déficit do sistema.

“O direito do cidadão acessar o Poder Judiciário é indiscutível, mas não podemos concordar com um tipo de judicialização que consideramos indevido e provoca uma grande insegurança jurídica, algo que afeta o equilíbrio do setor e não permite uma gestão eficaz dos recursos dos usuários”, diz Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge.

A insegurança jurídica reduz a previsibilidade do retorno sobre as atividades e os investimentos da iniciativa privada. Várias empresas globais da área de Saúde tomaram a decisão de deixar de atuar no Brasil, nos últimos anos, por causa desse cenário. “Para trazer investimentos e grandes empresas de qualquer setor, o País precisa garantir regras claras de mercado, segurança jurídica e previsibilidade. Infelizmente, o setor de Saúde no Brasil tem questões importantes a resolver nessas frentes”, lamenta Ribeiro.

Trata-se de um problema tão significativo que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, coloca a Saúde como uma das três áreas de efetiva insegurança jurídica no País. “Há uma certa lenda de que haveria insegurança jurídica no Brasil. Em matéria de estabilidade da legislação e da não retroatividade das leis, eu não veria, em sentido amplo, um problema relevante no Brasil. Mas é preciso reconhecer que há três áreas em que temos insegurança jurídica, e isso precisa ser equacionado. As três áreas são: trabalhista, tributária e da Saúde”, avalia Barroso.

Enquanto soluções estruturais são discutidas, surgem iniciativas para qualificar a judicialização e contribuir para reduzir a pressão sobre o sistema. Um exemplo foi a criação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NatJus), plataforma constantemente abastecida de novos dados para oferecer aos magistrados fundamentos e evidências científicas que possam apoiar as decisões em demandas de saúde.

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