‘Mercado vai aceitar até R$ 100 bilhões em gastos extras’, diz analista político


Lucas de Aragão, da Arko Advice, diz que, depois, investidores começariam a pressionar o governo por uma redução de gastos de forma estrutural; leia a entrevista

Por Adriana Fernandes
Atualização:

BRASÍLIA - O analista político Lucas de Aragão, sócio da Arko Advice, que faz consultoria para empresas, bancos e fundos de investimentos nacionais e estrangeiros, relata que os investidores aceitariam uma expansão de gastos adicional de R$ 80 bilhões a R$ 100 bilhões pelo próximo presidente, mas não mais que esse valor.

“Assusta com R$ 100 bilhões, mas aceitam. Depois começariam a pressionar mais por algo que venha para reduzir gastos de forma estrutural”, diz Aragão.

Na entrevista, o analista político detalha três pontos que os investidores mais querem saber em relação à atuação do próximo governo: detalhes sobre a nova âncora fiscal, se haveria mudança na lei das estatais e se os parlamentares do Centrão serão suscetíveis a responder às pressões do mercado financeiro.

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“Se recuariam quando o mercado reagir muito mal a uma proposta ou uma votação, como já aconteceu em alguns momentos”, avalia o sócio da Arko. Veja os principais trechos da entrevista.

Lucas de Aragão, sócio da Arko Advice Foto: Felipe Rau/Estadão - 6/10/2017

Existe de fato uma ansiedade dos investidores e agentes do mercado em querer saber detalhes das regras fiscais. O que eles querem saber?

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Sim, eu percebo isso. Estive em Nova York, onde eu fui fazer uma rodada com clientes estrangeiros para falar disso. É sempre mais natural que eles perguntem mais sobre o Lula do que sobre Bolsonaro. Assim como perguntavam mais do Bolsonaro em 2018. Bolsonaro é o atual presidente e eles têm mais dúvidas normalmente sobre a oposição.

Quais são as maiores dúvidas?

Diria que são três as principais questões. Ambos já deram sinais de mudança no teto de gastos (regra atual que atrela o crescimento das despesas à inflação). A primeira dúvida é qual vai ser a âncora fiscal que mantenha a trajetória da dívida de maneira mais equilibrada. A segunda dúvida é em relação à lei das estatais e as empresas estatais como um todo. Como ficariam a Petrobras e o Banco do Brasil num eventual governo do PT. Como ficaria o PPI, a política de paridade internacional? Haveria um presidente (das estatais) mais político? Se isso teria que passar pelo Congresso com uma mudança da lei das estatais ou não? Em terceiro lugar está o interesse muito alto em relação ao Congresso. A quanto anda o nível de debate fiscal, se melhorou ou não? Quão mais suscetível os parlamentares do Centrão estarão em ouvir as pressões e os recados do mercado. Se recuariam quando o mercado reagir muito mal a uma proposta ou uma votação, como já aconteceu em alguns momentos.

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Por que os investidores cobram mais do ex-presidente Lula do que de Bolsonaro, já que o presidente adotou medidas populistas para ganhar a eleição?

Não é bem binário assim. O primeiro ponto é que eles tendem a perguntar mais sobre o desconhecido. E hoje o Lula é mais desconhecido do que o Bolsonaro, que está no poder. Um segundo ponto é que existe uma visão geral no mercado que o macro brasileiro (quadro da economia) está decente, com uma relação dívida pública/PIB em que a trajetória não é empinada para cima, com menos gastos do funcionalismo público. Com questões fiscais que preocupam, sim, principalmente do ponto de vista de herança em relação ao modo (como foi feito) do que necessariamente com o gasto. Vamos pegar, por exemplo, a questão do Auxílio Brasil aumentado através de uma PEC no período eleitoral. Não se preocuparam tanto porque isso não alterou a trajetória da dívida, mas preocupou porque eles imaginavam que não aconteceria por causa da lei eleitoral e pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Então, é um cenário de mixed feelings (sentimentos misturados).

Tanto Bolsonaro como Lula já acenaram que vão precisar de mais gastos em 2023 para cumprir as promessas de campanha, como Auxílio Brasil de R$ 600. Como os investidores avaliam essa licença para gastar?

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Eles sabem que ambos prometeram e já precificaram claramente – todos com quem eu converso – que vai ter Auxílio Brasil de R$ 600 até dezembro de 2023. Eles imaginam esse gasto adicional na casa de R$ 50 bilhões. Eu percebo por alguns fundos que não tem um número mágico. Passei os últimos dias conversando com uns economistas chefes de bancos e fundos relevantes, além de estrangeiros, e a percepção geral é de que R$ 80 bilhões até R$ 100 bilhões o mercado até aceita. Assusta com R$ 100 bilhões, mas aceita, depois começaria a pressionar mais por algo que venha para reduzir gastos de forma estrutural.

De que forma?

Vai começar a ter uma cobrança não só em relação à ancoragem fiscal, mas de onde virão as contrapartidas. Pode começar a azedar (o humor) se não vier uma discussão que mostre que vai ter algum tipo de redução de gasto constante e estrutural. Seja com uma reforma administrativa (reestruturação do RH do Estado), ou com algum outro gasto recorrente que poderia ser diminuído. Uma das coisas que preocupa os investidores quando falam do governo do PT é de tentar usar ali um waiver (licença para gastar) acima de R$ 100 bilhões para novos gastos.

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Tem duas propostas na equipe do Lula e duas no Ministério da Economia para substituir o teto de gastos. Os investidores discutem o nível de detalhe dessas propostas?

Eu converso muito com ambas as campanhas e eu vejo no PT que as pessoas mais pragmáticas sabem que vão precisar falar de uma regra de ancoragem fiscal. A tendência é ter uma regra de controle de gastos. Mesmo que não seja por vontade própria, ideologia, por mudança de pensamento, mas pode vir na base da queda de braço.

O que se espera da agenda econômica do Congresso com o resultado que saiu das urnas?

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O desenho que saiu das urnas deixou um aquário possível de captura de apoio bem maior para o Bolsonaro do que para o Lula. Fizemos um levantamento chamado de a “Cara do Centrão”, no qual analisamos todos os eleitos do Centrão e claramente há muito mais “pró-Bolsonaro” e “inclinado a Bolsonaro” do que “pró-Lula” e “inclinado a Lula”. A base aliada inicial do Bolsonaro é maior do que a do Lula. Para chegar a uma maioria simples, o Bolsonaro tem mais caminho, mas isso não inviabiliza uma maioria em caso de vitória de Lula. Ainda têm muitos deputados independentes e deputados do Centrão que podem negociar de um lado ou de outro, que dariam a Lula uma maioria. O número de possíveis deputados a serem capturados pela base do Lula é menor e isso encarece o apoio e faz com que o Lula tenha que mudar a sua forma de apresentar as suas propostas e de dialogar. Outra coisa: o Lula vai ter uma oposição que ele nunca teve antes, que vai bater na questão fiscal. Eu vejo com toda certeza, estando em Brasília e indo ao Congresso semanalmente falando com os líderes e os parlamentares, que o nível do debate fiscal melhorou.

Por que você acha isso?

Não significa que a melhoria do debate fiscal signifique um Congresso fiscalista. Não é uma questão binária. Eles estão mais interessados nesse assunto e têm mais diálogo com o mercado financeiro. O nível de autonomia do Congresso aumentou brutalmente. Ele é menos refém de um presidencialismo imperial. Em época de orçamento, o Palácio virava quase uma romaria. Hoje, com o orçamento impositivo de bancada, a própria RP-19 (orçamento secreto) e um bom acesso ao relator, cada deputado já tem um valor muito relevante para executar individualmente e de bancada. Eu conversei com dois presidentes de partido do Centrão que me falaram com todas as letras que tirar o teto de gastos sem deixar uma nova âncora é muito problemático.

O que pode sair primeiro da pauta econômica em 2023?

Em caso de vitória do Lula, vamos ter uma discussão sobre o teto de gastos e uma nova âncora fiscal e reforma tributária, ainda que seja mais demorada. Em caso de vitória do Bolsonaro, pode ter uma discussão sobre reforma administrativa e de tributação de dividendos.

BRASÍLIA - O analista político Lucas de Aragão, sócio da Arko Advice, que faz consultoria para empresas, bancos e fundos de investimentos nacionais e estrangeiros, relata que os investidores aceitariam uma expansão de gastos adicional de R$ 80 bilhões a R$ 100 bilhões pelo próximo presidente, mas não mais que esse valor.

“Assusta com R$ 100 bilhões, mas aceitam. Depois começariam a pressionar mais por algo que venha para reduzir gastos de forma estrutural”, diz Aragão.

Na entrevista, o analista político detalha três pontos que os investidores mais querem saber em relação à atuação do próximo governo: detalhes sobre a nova âncora fiscal, se haveria mudança na lei das estatais e se os parlamentares do Centrão serão suscetíveis a responder às pressões do mercado financeiro.

“Se recuariam quando o mercado reagir muito mal a uma proposta ou uma votação, como já aconteceu em alguns momentos”, avalia o sócio da Arko. Veja os principais trechos da entrevista.

Lucas de Aragão, sócio da Arko Advice Foto: Felipe Rau/Estadão - 6/10/2017

Existe de fato uma ansiedade dos investidores e agentes do mercado em querer saber detalhes das regras fiscais. O que eles querem saber?

Sim, eu percebo isso. Estive em Nova York, onde eu fui fazer uma rodada com clientes estrangeiros para falar disso. É sempre mais natural que eles perguntem mais sobre o Lula do que sobre Bolsonaro. Assim como perguntavam mais do Bolsonaro em 2018. Bolsonaro é o atual presidente e eles têm mais dúvidas normalmente sobre a oposição.

Quais são as maiores dúvidas?

Diria que são três as principais questões. Ambos já deram sinais de mudança no teto de gastos (regra atual que atrela o crescimento das despesas à inflação). A primeira dúvida é qual vai ser a âncora fiscal que mantenha a trajetória da dívida de maneira mais equilibrada. A segunda dúvida é em relação à lei das estatais e as empresas estatais como um todo. Como ficariam a Petrobras e o Banco do Brasil num eventual governo do PT. Como ficaria o PPI, a política de paridade internacional? Haveria um presidente (das estatais) mais político? Se isso teria que passar pelo Congresso com uma mudança da lei das estatais ou não? Em terceiro lugar está o interesse muito alto em relação ao Congresso. A quanto anda o nível de debate fiscal, se melhorou ou não? Quão mais suscetível os parlamentares do Centrão estarão em ouvir as pressões e os recados do mercado. Se recuariam quando o mercado reagir muito mal a uma proposta ou uma votação, como já aconteceu em alguns momentos.

Por que os investidores cobram mais do ex-presidente Lula do que de Bolsonaro, já que o presidente adotou medidas populistas para ganhar a eleição?

Não é bem binário assim. O primeiro ponto é que eles tendem a perguntar mais sobre o desconhecido. E hoje o Lula é mais desconhecido do que o Bolsonaro, que está no poder. Um segundo ponto é que existe uma visão geral no mercado que o macro brasileiro (quadro da economia) está decente, com uma relação dívida pública/PIB em que a trajetória não é empinada para cima, com menos gastos do funcionalismo público. Com questões fiscais que preocupam, sim, principalmente do ponto de vista de herança em relação ao modo (como foi feito) do que necessariamente com o gasto. Vamos pegar, por exemplo, a questão do Auxílio Brasil aumentado através de uma PEC no período eleitoral. Não se preocuparam tanto porque isso não alterou a trajetória da dívida, mas preocupou porque eles imaginavam que não aconteceria por causa da lei eleitoral e pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Então, é um cenário de mixed feelings (sentimentos misturados).

Tanto Bolsonaro como Lula já acenaram que vão precisar de mais gastos em 2023 para cumprir as promessas de campanha, como Auxílio Brasil de R$ 600. Como os investidores avaliam essa licença para gastar?

Eles sabem que ambos prometeram e já precificaram claramente – todos com quem eu converso – que vai ter Auxílio Brasil de R$ 600 até dezembro de 2023. Eles imaginam esse gasto adicional na casa de R$ 50 bilhões. Eu percebo por alguns fundos que não tem um número mágico. Passei os últimos dias conversando com uns economistas chefes de bancos e fundos relevantes, além de estrangeiros, e a percepção geral é de que R$ 80 bilhões até R$ 100 bilhões o mercado até aceita. Assusta com R$ 100 bilhões, mas aceita, depois começaria a pressionar mais por algo que venha para reduzir gastos de forma estrutural.

De que forma?

Vai começar a ter uma cobrança não só em relação à ancoragem fiscal, mas de onde virão as contrapartidas. Pode começar a azedar (o humor) se não vier uma discussão que mostre que vai ter algum tipo de redução de gasto constante e estrutural. Seja com uma reforma administrativa (reestruturação do RH do Estado), ou com algum outro gasto recorrente que poderia ser diminuído. Uma das coisas que preocupa os investidores quando falam do governo do PT é de tentar usar ali um waiver (licença para gastar) acima de R$ 100 bilhões para novos gastos.

Tem duas propostas na equipe do Lula e duas no Ministério da Economia para substituir o teto de gastos. Os investidores discutem o nível de detalhe dessas propostas?

Eu converso muito com ambas as campanhas e eu vejo no PT que as pessoas mais pragmáticas sabem que vão precisar falar de uma regra de ancoragem fiscal. A tendência é ter uma regra de controle de gastos. Mesmo que não seja por vontade própria, ideologia, por mudança de pensamento, mas pode vir na base da queda de braço.

O que se espera da agenda econômica do Congresso com o resultado que saiu das urnas?

O desenho que saiu das urnas deixou um aquário possível de captura de apoio bem maior para o Bolsonaro do que para o Lula. Fizemos um levantamento chamado de a “Cara do Centrão”, no qual analisamos todos os eleitos do Centrão e claramente há muito mais “pró-Bolsonaro” e “inclinado a Bolsonaro” do que “pró-Lula” e “inclinado a Lula”. A base aliada inicial do Bolsonaro é maior do que a do Lula. Para chegar a uma maioria simples, o Bolsonaro tem mais caminho, mas isso não inviabiliza uma maioria em caso de vitória de Lula. Ainda têm muitos deputados independentes e deputados do Centrão que podem negociar de um lado ou de outro, que dariam a Lula uma maioria. O número de possíveis deputados a serem capturados pela base do Lula é menor e isso encarece o apoio e faz com que o Lula tenha que mudar a sua forma de apresentar as suas propostas e de dialogar. Outra coisa: o Lula vai ter uma oposição que ele nunca teve antes, que vai bater na questão fiscal. Eu vejo com toda certeza, estando em Brasília e indo ao Congresso semanalmente falando com os líderes e os parlamentares, que o nível do debate fiscal melhorou.

Por que você acha isso?

Não significa que a melhoria do debate fiscal signifique um Congresso fiscalista. Não é uma questão binária. Eles estão mais interessados nesse assunto e têm mais diálogo com o mercado financeiro. O nível de autonomia do Congresso aumentou brutalmente. Ele é menos refém de um presidencialismo imperial. Em época de orçamento, o Palácio virava quase uma romaria. Hoje, com o orçamento impositivo de bancada, a própria RP-19 (orçamento secreto) e um bom acesso ao relator, cada deputado já tem um valor muito relevante para executar individualmente e de bancada. Eu conversei com dois presidentes de partido do Centrão que me falaram com todas as letras que tirar o teto de gastos sem deixar uma nova âncora é muito problemático.

O que pode sair primeiro da pauta econômica em 2023?

Em caso de vitória do Lula, vamos ter uma discussão sobre o teto de gastos e uma nova âncora fiscal e reforma tributária, ainda que seja mais demorada. Em caso de vitória do Bolsonaro, pode ter uma discussão sobre reforma administrativa e de tributação de dividendos.

BRASÍLIA - O analista político Lucas de Aragão, sócio da Arko Advice, que faz consultoria para empresas, bancos e fundos de investimentos nacionais e estrangeiros, relata que os investidores aceitariam uma expansão de gastos adicional de R$ 80 bilhões a R$ 100 bilhões pelo próximo presidente, mas não mais que esse valor.

“Assusta com R$ 100 bilhões, mas aceitam. Depois começariam a pressionar mais por algo que venha para reduzir gastos de forma estrutural”, diz Aragão.

Na entrevista, o analista político detalha três pontos que os investidores mais querem saber em relação à atuação do próximo governo: detalhes sobre a nova âncora fiscal, se haveria mudança na lei das estatais e se os parlamentares do Centrão serão suscetíveis a responder às pressões do mercado financeiro.

“Se recuariam quando o mercado reagir muito mal a uma proposta ou uma votação, como já aconteceu em alguns momentos”, avalia o sócio da Arko. Veja os principais trechos da entrevista.

Lucas de Aragão, sócio da Arko Advice Foto: Felipe Rau/Estadão - 6/10/2017

Existe de fato uma ansiedade dos investidores e agentes do mercado em querer saber detalhes das regras fiscais. O que eles querem saber?

Sim, eu percebo isso. Estive em Nova York, onde eu fui fazer uma rodada com clientes estrangeiros para falar disso. É sempre mais natural que eles perguntem mais sobre o Lula do que sobre Bolsonaro. Assim como perguntavam mais do Bolsonaro em 2018. Bolsonaro é o atual presidente e eles têm mais dúvidas normalmente sobre a oposição.

Quais são as maiores dúvidas?

Diria que são três as principais questões. Ambos já deram sinais de mudança no teto de gastos (regra atual que atrela o crescimento das despesas à inflação). A primeira dúvida é qual vai ser a âncora fiscal que mantenha a trajetória da dívida de maneira mais equilibrada. A segunda dúvida é em relação à lei das estatais e as empresas estatais como um todo. Como ficariam a Petrobras e o Banco do Brasil num eventual governo do PT. Como ficaria o PPI, a política de paridade internacional? Haveria um presidente (das estatais) mais político? Se isso teria que passar pelo Congresso com uma mudança da lei das estatais ou não? Em terceiro lugar está o interesse muito alto em relação ao Congresso. A quanto anda o nível de debate fiscal, se melhorou ou não? Quão mais suscetível os parlamentares do Centrão estarão em ouvir as pressões e os recados do mercado. Se recuariam quando o mercado reagir muito mal a uma proposta ou uma votação, como já aconteceu em alguns momentos.

Por que os investidores cobram mais do ex-presidente Lula do que de Bolsonaro, já que o presidente adotou medidas populistas para ganhar a eleição?

Não é bem binário assim. O primeiro ponto é que eles tendem a perguntar mais sobre o desconhecido. E hoje o Lula é mais desconhecido do que o Bolsonaro, que está no poder. Um segundo ponto é que existe uma visão geral no mercado que o macro brasileiro (quadro da economia) está decente, com uma relação dívida pública/PIB em que a trajetória não é empinada para cima, com menos gastos do funcionalismo público. Com questões fiscais que preocupam, sim, principalmente do ponto de vista de herança em relação ao modo (como foi feito) do que necessariamente com o gasto. Vamos pegar, por exemplo, a questão do Auxílio Brasil aumentado através de uma PEC no período eleitoral. Não se preocuparam tanto porque isso não alterou a trajetória da dívida, mas preocupou porque eles imaginavam que não aconteceria por causa da lei eleitoral e pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Então, é um cenário de mixed feelings (sentimentos misturados).

Tanto Bolsonaro como Lula já acenaram que vão precisar de mais gastos em 2023 para cumprir as promessas de campanha, como Auxílio Brasil de R$ 600. Como os investidores avaliam essa licença para gastar?

Eles sabem que ambos prometeram e já precificaram claramente – todos com quem eu converso – que vai ter Auxílio Brasil de R$ 600 até dezembro de 2023. Eles imaginam esse gasto adicional na casa de R$ 50 bilhões. Eu percebo por alguns fundos que não tem um número mágico. Passei os últimos dias conversando com uns economistas chefes de bancos e fundos relevantes, além de estrangeiros, e a percepção geral é de que R$ 80 bilhões até R$ 100 bilhões o mercado até aceita. Assusta com R$ 100 bilhões, mas aceita, depois começaria a pressionar mais por algo que venha para reduzir gastos de forma estrutural.

De que forma?

Vai começar a ter uma cobrança não só em relação à ancoragem fiscal, mas de onde virão as contrapartidas. Pode começar a azedar (o humor) se não vier uma discussão que mostre que vai ter algum tipo de redução de gasto constante e estrutural. Seja com uma reforma administrativa (reestruturação do RH do Estado), ou com algum outro gasto recorrente que poderia ser diminuído. Uma das coisas que preocupa os investidores quando falam do governo do PT é de tentar usar ali um waiver (licença para gastar) acima de R$ 100 bilhões para novos gastos.

Tem duas propostas na equipe do Lula e duas no Ministério da Economia para substituir o teto de gastos. Os investidores discutem o nível de detalhe dessas propostas?

Eu converso muito com ambas as campanhas e eu vejo no PT que as pessoas mais pragmáticas sabem que vão precisar falar de uma regra de ancoragem fiscal. A tendência é ter uma regra de controle de gastos. Mesmo que não seja por vontade própria, ideologia, por mudança de pensamento, mas pode vir na base da queda de braço.

O que se espera da agenda econômica do Congresso com o resultado que saiu das urnas?

O desenho que saiu das urnas deixou um aquário possível de captura de apoio bem maior para o Bolsonaro do que para o Lula. Fizemos um levantamento chamado de a “Cara do Centrão”, no qual analisamos todos os eleitos do Centrão e claramente há muito mais “pró-Bolsonaro” e “inclinado a Bolsonaro” do que “pró-Lula” e “inclinado a Lula”. A base aliada inicial do Bolsonaro é maior do que a do Lula. Para chegar a uma maioria simples, o Bolsonaro tem mais caminho, mas isso não inviabiliza uma maioria em caso de vitória de Lula. Ainda têm muitos deputados independentes e deputados do Centrão que podem negociar de um lado ou de outro, que dariam a Lula uma maioria. O número de possíveis deputados a serem capturados pela base do Lula é menor e isso encarece o apoio e faz com que o Lula tenha que mudar a sua forma de apresentar as suas propostas e de dialogar. Outra coisa: o Lula vai ter uma oposição que ele nunca teve antes, que vai bater na questão fiscal. Eu vejo com toda certeza, estando em Brasília e indo ao Congresso semanalmente falando com os líderes e os parlamentares, que o nível do debate fiscal melhorou.

Por que você acha isso?

Não significa que a melhoria do debate fiscal signifique um Congresso fiscalista. Não é uma questão binária. Eles estão mais interessados nesse assunto e têm mais diálogo com o mercado financeiro. O nível de autonomia do Congresso aumentou brutalmente. Ele é menos refém de um presidencialismo imperial. Em época de orçamento, o Palácio virava quase uma romaria. Hoje, com o orçamento impositivo de bancada, a própria RP-19 (orçamento secreto) e um bom acesso ao relator, cada deputado já tem um valor muito relevante para executar individualmente e de bancada. Eu conversei com dois presidentes de partido do Centrão que me falaram com todas as letras que tirar o teto de gastos sem deixar uma nova âncora é muito problemático.

O que pode sair primeiro da pauta econômica em 2023?

Em caso de vitória do Lula, vamos ter uma discussão sobre o teto de gastos e uma nova âncora fiscal e reforma tributária, ainda que seja mais demorada. Em caso de vitória do Bolsonaro, pode ter uma discussão sobre reforma administrativa e de tributação de dividendos.

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