Como a geopolítica está complicando a mudança para a energia limpa


Destino das reservas de níquel incomparáveis da Indonésia, um mineral crucial para a fabricação de baterias para veículos elétricos, está atrelado ao conflito entre os Estados Unidos e a China

Por Peter S. Goodman
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - Ele é conhecido como o ministro de tudo. Dos escritórios do governo da capital da Indonésia às minas empoeiradas em ilhas remotas, Luhut Binsar Pandjaitan tem autoridade de comando como a principal figura na dinâmica de poder do país.

Um general de quatro estrelas que se tornou um magnata dos negócios e, depois, oficial de gabinete, Luhut almeja transformar a Indonésia num polo de produção de veículos elétricos. Mas, enquanto tenta alcançar esse objetivo primordial, ele e seu país estão cada vez mais vulneráveis a forças geopolíticas fora de seu controle. Embora esta nação insular venha há muito tempo evitando se envolver em rivalidades ideológicas, está cada vez mais presa ao conflito entre os Estados Unidos e a China.

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Em jogo está o controle do níquel, um mineral utilizado para fabricar baterias para automóveis e motocicletas elétricas – um componente central da missão de limitar as devastações causadas pelas mudanças climáticas.

A Indonésia tem as maiores reservas do planeta, o que a torna uma espécie de Arábia Saudita do níquel. Mas a extração e a refinação desses recursos dependem em grande medida do investimento e da tecnologia das empresas chinesas. E isso limitou o acesso da Indonésia aos EUA.

Indonésia tem as maiores reservas de níquel do planeta, o que a torna uma espécie de Arábia Saudita desse tipo de minério Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times
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Em Washington, o governo Biden concedeu dezenas de bilhões de dólares em créditos fiscais para estimular a produção de veículos elétricos. Para ser elegível a eles, os carros vendidos no país devem incluir uma porcentagem cada vez maior de peças e materiais produzidos em fábricas dos EUA ou em países considerados favoráveis aos interesses americanos.

Nos últimos meses, Luhut – oficialmente ministro coordenador dos Assuntos Marítimos e de Investimentos da Indonésia – implorou ao governo Biden por um acordo comercial que abranja os minerais, numa tentativa de garantir seu status como país amigo. Isso provocaria uma demanda maior por seu níquel, tornando-o elegível para os créditos fiscais americanos de acordo com a Lei de Redução da Inflação.

Ao que tudo indica, empresas de todo o mundo ganhariam incentivos para construir fundições e fábricas de veículos elétricos na Indonésia, aumentando a capacidade tecnológica do país e gerando empregos.

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Mas Luhut, na prática, a principal autoridade do governo para questões comerciais, tem sido repetidamente rechaçado por causa das preocupações americanas com o investimento chinês na indústria de níquel da Indonésia, assim como pelo incômodo com as condições de trabalho e as normas ambientais. Atualmente, em Washington, fazer frente ao poder tecnológico da China é aquele raro objetivo que conquista o apoio de todos no espectro político.

Alguns dentro do governo Biden argumentam que esta postura é imprudente. As mudanças climáticas são uma ameaça existencial. O níquel é um componente central da transição para abandono dos combustíveis fósseis, tornando o acesso aos recursos da Indonésia um objetivo de máxima urgência. Mas essa lógica não conseguiu convencer figuras poderosas do governo – sobretudo no Conselho de Segurança Nacional – que defendem que nada deve ser subordinado à limitação do poder da China.

Indonésia atraiu mais de US$ 14 bilhões em investimentos, principalmente de empresas chinesas, para fundições que transformam o níquel em produtos usados para fabricar aço inoxidável e baterias para veículos elétricos Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times
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Tudo isso explicava o tom farto de indignação de Luhut em uma manhã recente, quando reuniu apoiadores em seu escritório com fachada de vidro na casa onde vive em Jacarta, a movimentada capital da Indonésia. Do lado de fora, no jardim, pássaros cantavam em gaiolas penduradas em árvores. Dentro, o ministro de tudo lamentava os equívocos nefastos que separam o país de seu destino.

“Os EUA não entendem o que a Indonésia está fazendo”, disse ele. “É frustrante.”

Dinheiro e poder

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Aos 76 anos, Luhut continua firme, ágil e propenso ao ressentimento nacionalista. Ele rejeita veementemente a ideia de que a Indonésia – um país com quase 280 milhões de habitantes – deve escolher um lado ou colocar em risco seus negócios com os EUA.

“Este país é grande demais para se curvar a qualquer superpotência”, disse ele.

A animosidade entre os EUA e a China não era o único problema que lhe causava angústia. Ele estava indignado com a postura da União Europeia, que contestou um princípio fundamental do modelo industrial da Indonésia: a proibição da exportação de minério de níquel.

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Ao se recusar a vender seu níquel bruto ao mundo, a Indonésia atraiu mais de US$ 14 bilhões em investimentos, principalmente de empresas chinesas, para fundições que o transformam em produtos usados para fabricar aço inoxidável e baterias para veículos elétricos. Desde que a proibição foi implementada em 2014, as exportações da Indonésia de produtos de níquel cresceram mais de dez vezes, passando de US$ 30 bilhões no ano passado, de acordo com dados do governo.

Maior parte do níquel da Indonésia está em Celebes, uma ilha em forma de K, coberta por matas Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

A União Europeia alega que suas empresas estão sendo privadas de uma oportunidade justa de importar minério de níquel. Ela apresentou e ganhou um processo na Organização Mundial do Comércio, ganhando o poder de aplicar tarifas punitivas sobre as exportações da Indonésia, mesmo enquanto o país apela da decisão.

Luhut compara essa postura a uma perpetuação da era colonial, quando os holandeses, portugueses e britânicos transportavam especiarias, açúcar e outras mercadorias lucrativas para os entrepostos europeus. A proibição de exportação de níquel é uma correção, disse ele, o meio de garantir o valor da extração para os indonésios.

“É arrogância dos países europeus”, afirmou. “Talvez eles pensassem que a Indonésia ainda está colonizada. Temos o direito agora de melhorar a qualidade de vida neste país.”

O discurso dele está em sintonia com a interação natural de dinheiro e poder estatal que move há muito tempo o comércio indonésio.

Luhut ganhou sua fortuna no ramo do carvão, que continua sendo a principal forma do país gerar eletricidade. A empresa dele, a TBS Energy, negociada na bolsa de valores de Jacarta, agora é efetivamente controlada pelo sobrinho, Pandu Sjahrir, que também lidera a principal associação comercial da indústria de carvão da Indonésia. A empresa está determinada a se posicionar no centro do “ecossistema dos veículos elétricos”, de acordo com seu relatório anual mais recente.

Quase 62% das ações da TBS Energy são de uma empresa registrada em Cingapura, a Highland Strategic Holdings, que é controlada por outra holding, a qual é de propriedade de uma terceira organização, encobrindo os verdadeiros beneficiários. O nome de Luhut não aparece na papelada mantida pelos reguladores de Cingapura, mas ele disse ainda ser dono de 8% de sua antiga empresa, o que lhe proporcionaria lucrar com novas fundições.

Aliados e rivais acusam Luhut de ter participações dos lucros dos empreendimentos de níquel com investimento chinês.

“É de conhecimento geral entre as elites empresariais e políticas de Jacarta que Luhut, por meio de seus representantes, fechou acordos paralelos para si mesmo”, disse um ex-funcionário sênior do governo indonésio, que falou sob condição de anonimato porque temia retaliações.

Luhut zombou dessas alegações.

“Se eles me dessem US$ 10 milhões em dinheiro vivo, onde colocaria esse dinheiro? Não vou comprometer minha reputação por causa de US$ 10 milhões.”

Então deu um sorriso malicioso.

“Se eles me derem US$ 2 bilhões, talvez eu considere isso.”

Uma necessidade crítica

Luhut descreve seus planos para o níquel como a peça central de seus esforços para distribuir os benefícios do desenvolvimento econômico para além das maiores cidades da Indonésia, onde uma classe média próspera lota shoppings, e para as comunidades empobrecidas.

A maior parte do níquel está em Celebes, uma ilha em forma de K, coberta por matas, que é mais ou menos do tamanho de Oklahoma. Apesar de sua extensão, a ilha de Celebes é há muito tempo um ponto fora da curva em uma nação com 17 mil ilhas cujas esferas política e econômica são dominadas por aquela com maior população: Java.

Em comunidades próximas às novas fundições, muitos comemoram a chegada dos novos empregos, embora outros denunciem uma poluição terrível. Os trabalhadores locais reclamam que recebem bem menos que os chineses.

No início deste ano, cerca de três mil trabalhadores protestaram contra uma fundição em Celebes Central da PT Gunbuster Nickel Industry, subsidiária de uma empresa chinesa, a Jiangsu Delong Group. Os trabalhadores estavam furiosos com uma série de acidentes fatais e com o que descreveram como uma escassez de equipamentos de proteção e disparidades salariais. Enquanto incendiavam veículos, destruíam dormitórios e entravam em confronto com a polícia local, duas pessoas morreram, uma delas era um cidadão chinês.

Até 2035, mais de 90% de todos os produtos de níquel serão processados em países que não têm acordos de livre-comércio com os EUA, de acordo com a S&P Global Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Uma força militar especial que responde a Luhut foi enviada para o local e usou gás lacrimogêneo para dispersar a multidão.

“Precisamos garantir a segurança dos investidores”, disse Constantinus Rusmanto, então comandante da força especial e agora assessor de Luhut. “Garantimos que tudo aqui esteja adequado para o investimento.”

Mas alguns investidores estão preocupados com essas tensões – principalmente empresas da América do Norte, Europa e Austrália, onde as consequências para a reputação devido a negócios repugnantes podem ser enormes.

O aparato de segurança de Luhut é ajustado para as necessidades das empresas chinesas, onde os sindicatos são proibidos e as normas ambientais e trabalhistas podem ser facilmente contornadas. Em Washington, os relatos de revoltas em fábricas com investimento da China fortalecem aqueles que se opõem a ampliar um acordo comercial com a Indonésia.

No entanto, em Jacarta, a ideia de que a Indonésia deve pedir desculpas por seus negócios com empresas chinesas provoca chacota. Funcionários do governo dizem que estão abertos a investimentos de qualquer país que traga capital e know-how. As empresas chinesas chegaram cedo, reconhecendo a importância do níquel no ramo emergente dos veículos elétricos.

“Não estamos vendo os EUA aqui”, disse Arsjad Rasjid, presidente da Câmara de Comércio da Indonésia. “Não se trata de querermos trabalhar com os chineses. É que eles estão aqui.”

Especialistas acusam os EUA de ter mente fechada por não aceitarem um acordo comercial com a Indonésia, observando que os americanos já estão dirigindo carros com níquel extraído no país. A única dúvida é quais fábricas vão fabricar as baterias no fim: as da China, que agora compram quase todos os produtos de níquel da Indonésia, ou as novas fábricas nos EUA.

Até 2035, mais de 90% de todos os produtos de níquel serão processados em países que não têm acordos de livre-comércio com os EUA, de acordo com um estudo recente da S&P Global, empresa de pesquisa. Isso torna impossível que as fábricas de baterias americanas atendam sua demanda de níquel sem recorrer a países que não estão entre os principais parceiros comerciais dos EUA.

“De uma forma ou de outra, a Europa e os EUA precisarão do níquel da Indonésia”, disse Putra Adhiguna, especialista em veículos elétricos do Instituto de Economia Energética e Análise Financeira, na cidade Indonésia de Bandung. “Eles deveriam vir a este país para descobrir como podem se sair melhor.”

A Casa Branca se recusou a discutir os pormenores de suas conversas com as autoridades indonésias, ao mesmo tempo em que sugeriu que as deliberações ainda não acabaram.

“A Indonésia é um parceiro importante para combater as mudanças climáticas e acelerar a transição para a energia limpa”, disse Eduardo Maia Silva, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional. “Continuamos deliberando com as partes interessadas e o Congresso sobre a implementação da Lei de Redução da Inflação, e seguimos interessados na parceria com a Indonésia, assim como com outros parceiros, para fortalecer a resiliência de nossas cadeias de suprimentos de minerais cruciais.”

Sem um acordo comercial que possa estender os créditos fiscais americanos aos minerais indonésios, muitos preveem que a chegada dos veículos elétricos será dificultada por uma divisão simples: produtores que dependem do investimento chinês e aqueles que não dependem.

Pandu, sobrinho de Luhut, administra uma startup chamada Electrum, que está desenvolvendo uma motocicleta elétrica ajustada para as manobras nos lendários engarrafamentos de Jacarta. A empresa é uma joint venture entre a antiga empresa de Luhut, a TBS, e a GoTo, uma empresa digital que inclui a Gojek, uma plataforma popular para serviços de transporte.

A Electrum está construindo uma fábrica em Java Ocidental para montar as motocicletas usando peças importadas da China. Mas Pandu prevê, mais cedo ou mais tarde, valer-se das fábricas nacionais.

Para ele, a chave é manter firme a proibição de exportação de níquel e atrair investimentos estrangeiros.

“O mercado na Indonésia é grande o bastante”, disse ele.

Planos Alternativos

Numa tarde recente, Luhut sentou-se na ponta da mesa de reuniões de seu gabinete, encarando meia dúzia de conselheiros. Eles começaram a almoçar a comida servida em outra mesa – gado gado, uma salada de legumes coberta com molho de amendoim; rendang, pedaços de carne cozida picante; arroz frito.

A conversa girou em torno de como persuadir a Tesla, a pioneira dos carros elétricos, a abrir uma fábrica na Indonésia. Luhut estava prestes a visitar os EUA para implorar isso ao temperamental CEO da montadora, Elon Musk.

Os assessores temiam que a Tesla não viesse para o país, pois a maior parte da eletricidade na Indonésia é gerada por carvão. Entretanto, tinham esperança devido ao fato da Ford Motor recentemente ter entrado numa joint venture para construir uma fábrica de processamento de níquel na ilha de Celebs. A energia para esta fábrica deve ser fornecida por uma hidrelétrica.

Desde 2014, exportações da Indonésia de produtos de níquel cresceram mais de dez vezes, passando de US$ 30 bilhões no ano passado, de acordo com dados do governo Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Uma parede do lado de fora do escritório de Luhut exibia uma foto sua com trajes militares de gala, recebendo uma medalha em uma Academia das Forças Especiais na Carolina do Norte, no fim da década de 1970. O pai dele frequentou Cornell e Columbia antes de trabalhar como engenheiro para a petrolífera americana Caltex. Luhut estudou políticas públicas na Universidade George Washington e teve uma vida feliz na capital dos EUA, disse ele. O filho vive em Nova York e a neta está matriculada em Georgetown.

Ele se sente à vontade nos EUA, disse, descrevendo uma afinidade nacional.

Contudo, na China, ele desfruta de um respeito extraordinário.

“Eles sabem como lidar com a gente”, disse ele. “Eles sabem como nos tratar.”

Wang Yi, ministro das Relações Exteriores da China, cuida de seu itinerário quando visita o país, organizando reuniões com executivos de empresas interessadas em investir na Indonésia, disse Luhut. Mesmo durante a pandemia, quando era preciso ficar de quarentena durante 14 dias depois de um encontro presencial com um estrangeiro, ele pôde visitar qualquer um que quisesse.

Luhut e seus assessores discutiram um anúncio pendente: uma redução drástica das taxas sobre importações de veículos elétricos para dar à Tesla um gostinho do mercado indonésio.

No entanto, na semana seguinte, a Tesla anunciou planos de construir uma sede no sudeste asiático, na Malásia, rival ferrenha da Indonésia, obrigando Luhut a lidar com o vexame.

Ele estava preparando um plano B, redobrando os esforços para atrair a BYD, a maior fabricante de veículos elétricos da China.

Seus assessores reconheceram discretamente que os créditos fiscais americanos não estavam virando realidade, não com a resistência no Congresso depois do governo Biden fechar um acordo sobre minerais com o Japão.

O ministro de tudo estava completamente absorto pela venda de níquel.

“Estamos mirando basicamente nos EUA”, disse ele. “Mas se no fim os americanos disserem: ‘não queremos aceitar’, tudo bem, vamos procurar outros lugares.”/Colaboração de Muktita Suhartono; tradução de Romina Cácia

THE NEW YORK TIMES - Ele é conhecido como o ministro de tudo. Dos escritórios do governo da capital da Indonésia às minas empoeiradas em ilhas remotas, Luhut Binsar Pandjaitan tem autoridade de comando como a principal figura na dinâmica de poder do país.

Um general de quatro estrelas que se tornou um magnata dos negócios e, depois, oficial de gabinete, Luhut almeja transformar a Indonésia num polo de produção de veículos elétricos. Mas, enquanto tenta alcançar esse objetivo primordial, ele e seu país estão cada vez mais vulneráveis a forças geopolíticas fora de seu controle. Embora esta nação insular venha há muito tempo evitando se envolver em rivalidades ideológicas, está cada vez mais presa ao conflito entre os Estados Unidos e a China.

Em jogo está o controle do níquel, um mineral utilizado para fabricar baterias para automóveis e motocicletas elétricas – um componente central da missão de limitar as devastações causadas pelas mudanças climáticas.

A Indonésia tem as maiores reservas do planeta, o que a torna uma espécie de Arábia Saudita do níquel. Mas a extração e a refinação desses recursos dependem em grande medida do investimento e da tecnologia das empresas chinesas. E isso limitou o acesso da Indonésia aos EUA.

Indonésia tem as maiores reservas de níquel do planeta, o que a torna uma espécie de Arábia Saudita desse tipo de minério Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Em Washington, o governo Biden concedeu dezenas de bilhões de dólares em créditos fiscais para estimular a produção de veículos elétricos. Para ser elegível a eles, os carros vendidos no país devem incluir uma porcentagem cada vez maior de peças e materiais produzidos em fábricas dos EUA ou em países considerados favoráveis aos interesses americanos.

Nos últimos meses, Luhut – oficialmente ministro coordenador dos Assuntos Marítimos e de Investimentos da Indonésia – implorou ao governo Biden por um acordo comercial que abranja os minerais, numa tentativa de garantir seu status como país amigo. Isso provocaria uma demanda maior por seu níquel, tornando-o elegível para os créditos fiscais americanos de acordo com a Lei de Redução da Inflação.

Ao que tudo indica, empresas de todo o mundo ganhariam incentivos para construir fundições e fábricas de veículos elétricos na Indonésia, aumentando a capacidade tecnológica do país e gerando empregos.

Mas Luhut, na prática, a principal autoridade do governo para questões comerciais, tem sido repetidamente rechaçado por causa das preocupações americanas com o investimento chinês na indústria de níquel da Indonésia, assim como pelo incômodo com as condições de trabalho e as normas ambientais. Atualmente, em Washington, fazer frente ao poder tecnológico da China é aquele raro objetivo que conquista o apoio de todos no espectro político.

Alguns dentro do governo Biden argumentam que esta postura é imprudente. As mudanças climáticas são uma ameaça existencial. O níquel é um componente central da transição para abandono dos combustíveis fósseis, tornando o acesso aos recursos da Indonésia um objetivo de máxima urgência. Mas essa lógica não conseguiu convencer figuras poderosas do governo – sobretudo no Conselho de Segurança Nacional – que defendem que nada deve ser subordinado à limitação do poder da China.

Indonésia atraiu mais de US$ 14 bilhões em investimentos, principalmente de empresas chinesas, para fundições que transformam o níquel em produtos usados para fabricar aço inoxidável e baterias para veículos elétricos Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Tudo isso explicava o tom farto de indignação de Luhut em uma manhã recente, quando reuniu apoiadores em seu escritório com fachada de vidro na casa onde vive em Jacarta, a movimentada capital da Indonésia. Do lado de fora, no jardim, pássaros cantavam em gaiolas penduradas em árvores. Dentro, o ministro de tudo lamentava os equívocos nefastos que separam o país de seu destino.

“Os EUA não entendem o que a Indonésia está fazendo”, disse ele. “É frustrante.”

Dinheiro e poder

Aos 76 anos, Luhut continua firme, ágil e propenso ao ressentimento nacionalista. Ele rejeita veementemente a ideia de que a Indonésia – um país com quase 280 milhões de habitantes – deve escolher um lado ou colocar em risco seus negócios com os EUA.

“Este país é grande demais para se curvar a qualquer superpotência”, disse ele.

A animosidade entre os EUA e a China não era o único problema que lhe causava angústia. Ele estava indignado com a postura da União Europeia, que contestou um princípio fundamental do modelo industrial da Indonésia: a proibição da exportação de minério de níquel.

Ao se recusar a vender seu níquel bruto ao mundo, a Indonésia atraiu mais de US$ 14 bilhões em investimentos, principalmente de empresas chinesas, para fundições que o transformam em produtos usados para fabricar aço inoxidável e baterias para veículos elétricos. Desde que a proibição foi implementada em 2014, as exportações da Indonésia de produtos de níquel cresceram mais de dez vezes, passando de US$ 30 bilhões no ano passado, de acordo com dados do governo.

Maior parte do níquel da Indonésia está em Celebes, uma ilha em forma de K, coberta por matas Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

A União Europeia alega que suas empresas estão sendo privadas de uma oportunidade justa de importar minério de níquel. Ela apresentou e ganhou um processo na Organização Mundial do Comércio, ganhando o poder de aplicar tarifas punitivas sobre as exportações da Indonésia, mesmo enquanto o país apela da decisão.

Luhut compara essa postura a uma perpetuação da era colonial, quando os holandeses, portugueses e britânicos transportavam especiarias, açúcar e outras mercadorias lucrativas para os entrepostos europeus. A proibição de exportação de níquel é uma correção, disse ele, o meio de garantir o valor da extração para os indonésios.

“É arrogância dos países europeus”, afirmou. “Talvez eles pensassem que a Indonésia ainda está colonizada. Temos o direito agora de melhorar a qualidade de vida neste país.”

O discurso dele está em sintonia com a interação natural de dinheiro e poder estatal que move há muito tempo o comércio indonésio.

Luhut ganhou sua fortuna no ramo do carvão, que continua sendo a principal forma do país gerar eletricidade. A empresa dele, a TBS Energy, negociada na bolsa de valores de Jacarta, agora é efetivamente controlada pelo sobrinho, Pandu Sjahrir, que também lidera a principal associação comercial da indústria de carvão da Indonésia. A empresa está determinada a se posicionar no centro do “ecossistema dos veículos elétricos”, de acordo com seu relatório anual mais recente.

Quase 62% das ações da TBS Energy são de uma empresa registrada em Cingapura, a Highland Strategic Holdings, que é controlada por outra holding, a qual é de propriedade de uma terceira organização, encobrindo os verdadeiros beneficiários. O nome de Luhut não aparece na papelada mantida pelos reguladores de Cingapura, mas ele disse ainda ser dono de 8% de sua antiga empresa, o que lhe proporcionaria lucrar com novas fundições.

Aliados e rivais acusam Luhut de ter participações dos lucros dos empreendimentos de níquel com investimento chinês.

“É de conhecimento geral entre as elites empresariais e políticas de Jacarta que Luhut, por meio de seus representantes, fechou acordos paralelos para si mesmo”, disse um ex-funcionário sênior do governo indonésio, que falou sob condição de anonimato porque temia retaliações.

Luhut zombou dessas alegações.

“Se eles me dessem US$ 10 milhões em dinheiro vivo, onde colocaria esse dinheiro? Não vou comprometer minha reputação por causa de US$ 10 milhões.”

Então deu um sorriso malicioso.

“Se eles me derem US$ 2 bilhões, talvez eu considere isso.”

Uma necessidade crítica

Luhut descreve seus planos para o níquel como a peça central de seus esforços para distribuir os benefícios do desenvolvimento econômico para além das maiores cidades da Indonésia, onde uma classe média próspera lota shoppings, e para as comunidades empobrecidas.

A maior parte do níquel está em Celebes, uma ilha em forma de K, coberta por matas, que é mais ou menos do tamanho de Oklahoma. Apesar de sua extensão, a ilha de Celebes é há muito tempo um ponto fora da curva em uma nação com 17 mil ilhas cujas esferas política e econômica são dominadas por aquela com maior população: Java.

Em comunidades próximas às novas fundições, muitos comemoram a chegada dos novos empregos, embora outros denunciem uma poluição terrível. Os trabalhadores locais reclamam que recebem bem menos que os chineses.

No início deste ano, cerca de três mil trabalhadores protestaram contra uma fundição em Celebes Central da PT Gunbuster Nickel Industry, subsidiária de uma empresa chinesa, a Jiangsu Delong Group. Os trabalhadores estavam furiosos com uma série de acidentes fatais e com o que descreveram como uma escassez de equipamentos de proteção e disparidades salariais. Enquanto incendiavam veículos, destruíam dormitórios e entravam em confronto com a polícia local, duas pessoas morreram, uma delas era um cidadão chinês.

Até 2035, mais de 90% de todos os produtos de níquel serão processados em países que não têm acordos de livre-comércio com os EUA, de acordo com a S&P Global Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Uma força militar especial que responde a Luhut foi enviada para o local e usou gás lacrimogêneo para dispersar a multidão.

“Precisamos garantir a segurança dos investidores”, disse Constantinus Rusmanto, então comandante da força especial e agora assessor de Luhut. “Garantimos que tudo aqui esteja adequado para o investimento.”

Mas alguns investidores estão preocupados com essas tensões – principalmente empresas da América do Norte, Europa e Austrália, onde as consequências para a reputação devido a negócios repugnantes podem ser enormes.

O aparato de segurança de Luhut é ajustado para as necessidades das empresas chinesas, onde os sindicatos são proibidos e as normas ambientais e trabalhistas podem ser facilmente contornadas. Em Washington, os relatos de revoltas em fábricas com investimento da China fortalecem aqueles que se opõem a ampliar um acordo comercial com a Indonésia.

No entanto, em Jacarta, a ideia de que a Indonésia deve pedir desculpas por seus negócios com empresas chinesas provoca chacota. Funcionários do governo dizem que estão abertos a investimentos de qualquer país que traga capital e know-how. As empresas chinesas chegaram cedo, reconhecendo a importância do níquel no ramo emergente dos veículos elétricos.

“Não estamos vendo os EUA aqui”, disse Arsjad Rasjid, presidente da Câmara de Comércio da Indonésia. “Não se trata de querermos trabalhar com os chineses. É que eles estão aqui.”

Especialistas acusam os EUA de ter mente fechada por não aceitarem um acordo comercial com a Indonésia, observando que os americanos já estão dirigindo carros com níquel extraído no país. A única dúvida é quais fábricas vão fabricar as baterias no fim: as da China, que agora compram quase todos os produtos de níquel da Indonésia, ou as novas fábricas nos EUA.

Até 2035, mais de 90% de todos os produtos de níquel serão processados em países que não têm acordos de livre-comércio com os EUA, de acordo com um estudo recente da S&P Global, empresa de pesquisa. Isso torna impossível que as fábricas de baterias americanas atendam sua demanda de níquel sem recorrer a países que não estão entre os principais parceiros comerciais dos EUA.

“De uma forma ou de outra, a Europa e os EUA precisarão do níquel da Indonésia”, disse Putra Adhiguna, especialista em veículos elétricos do Instituto de Economia Energética e Análise Financeira, na cidade Indonésia de Bandung. “Eles deveriam vir a este país para descobrir como podem se sair melhor.”

A Casa Branca se recusou a discutir os pormenores de suas conversas com as autoridades indonésias, ao mesmo tempo em que sugeriu que as deliberações ainda não acabaram.

“A Indonésia é um parceiro importante para combater as mudanças climáticas e acelerar a transição para a energia limpa”, disse Eduardo Maia Silva, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional. “Continuamos deliberando com as partes interessadas e o Congresso sobre a implementação da Lei de Redução da Inflação, e seguimos interessados na parceria com a Indonésia, assim como com outros parceiros, para fortalecer a resiliência de nossas cadeias de suprimentos de minerais cruciais.”

Sem um acordo comercial que possa estender os créditos fiscais americanos aos minerais indonésios, muitos preveem que a chegada dos veículos elétricos será dificultada por uma divisão simples: produtores que dependem do investimento chinês e aqueles que não dependem.

Pandu, sobrinho de Luhut, administra uma startup chamada Electrum, que está desenvolvendo uma motocicleta elétrica ajustada para as manobras nos lendários engarrafamentos de Jacarta. A empresa é uma joint venture entre a antiga empresa de Luhut, a TBS, e a GoTo, uma empresa digital que inclui a Gojek, uma plataforma popular para serviços de transporte.

A Electrum está construindo uma fábrica em Java Ocidental para montar as motocicletas usando peças importadas da China. Mas Pandu prevê, mais cedo ou mais tarde, valer-se das fábricas nacionais.

Para ele, a chave é manter firme a proibição de exportação de níquel e atrair investimentos estrangeiros.

“O mercado na Indonésia é grande o bastante”, disse ele.

Planos Alternativos

Numa tarde recente, Luhut sentou-se na ponta da mesa de reuniões de seu gabinete, encarando meia dúzia de conselheiros. Eles começaram a almoçar a comida servida em outra mesa – gado gado, uma salada de legumes coberta com molho de amendoim; rendang, pedaços de carne cozida picante; arroz frito.

A conversa girou em torno de como persuadir a Tesla, a pioneira dos carros elétricos, a abrir uma fábrica na Indonésia. Luhut estava prestes a visitar os EUA para implorar isso ao temperamental CEO da montadora, Elon Musk.

Os assessores temiam que a Tesla não viesse para o país, pois a maior parte da eletricidade na Indonésia é gerada por carvão. Entretanto, tinham esperança devido ao fato da Ford Motor recentemente ter entrado numa joint venture para construir uma fábrica de processamento de níquel na ilha de Celebs. A energia para esta fábrica deve ser fornecida por uma hidrelétrica.

Desde 2014, exportações da Indonésia de produtos de níquel cresceram mais de dez vezes, passando de US$ 30 bilhões no ano passado, de acordo com dados do governo Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Uma parede do lado de fora do escritório de Luhut exibia uma foto sua com trajes militares de gala, recebendo uma medalha em uma Academia das Forças Especiais na Carolina do Norte, no fim da década de 1970. O pai dele frequentou Cornell e Columbia antes de trabalhar como engenheiro para a petrolífera americana Caltex. Luhut estudou políticas públicas na Universidade George Washington e teve uma vida feliz na capital dos EUA, disse ele. O filho vive em Nova York e a neta está matriculada em Georgetown.

Ele se sente à vontade nos EUA, disse, descrevendo uma afinidade nacional.

Contudo, na China, ele desfruta de um respeito extraordinário.

“Eles sabem como lidar com a gente”, disse ele. “Eles sabem como nos tratar.”

Wang Yi, ministro das Relações Exteriores da China, cuida de seu itinerário quando visita o país, organizando reuniões com executivos de empresas interessadas em investir na Indonésia, disse Luhut. Mesmo durante a pandemia, quando era preciso ficar de quarentena durante 14 dias depois de um encontro presencial com um estrangeiro, ele pôde visitar qualquer um que quisesse.

Luhut e seus assessores discutiram um anúncio pendente: uma redução drástica das taxas sobre importações de veículos elétricos para dar à Tesla um gostinho do mercado indonésio.

No entanto, na semana seguinte, a Tesla anunciou planos de construir uma sede no sudeste asiático, na Malásia, rival ferrenha da Indonésia, obrigando Luhut a lidar com o vexame.

Ele estava preparando um plano B, redobrando os esforços para atrair a BYD, a maior fabricante de veículos elétricos da China.

Seus assessores reconheceram discretamente que os créditos fiscais americanos não estavam virando realidade, não com a resistência no Congresso depois do governo Biden fechar um acordo sobre minerais com o Japão.

O ministro de tudo estava completamente absorto pela venda de níquel.

“Estamos mirando basicamente nos EUA”, disse ele. “Mas se no fim os americanos disserem: ‘não queremos aceitar’, tudo bem, vamos procurar outros lugares.”/Colaboração de Muktita Suhartono; tradução de Romina Cácia

THE NEW YORK TIMES - Ele é conhecido como o ministro de tudo. Dos escritórios do governo da capital da Indonésia às minas empoeiradas em ilhas remotas, Luhut Binsar Pandjaitan tem autoridade de comando como a principal figura na dinâmica de poder do país.

Um general de quatro estrelas que se tornou um magnata dos negócios e, depois, oficial de gabinete, Luhut almeja transformar a Indonésia num polo de produção de veículos elétricos. Mas, enquanto tenta alcançar esse objetivo primordial, ele e seu país estão cada vez mais vulneráveis a forças geopolíticas fora de seu controle. Embora esta nação insular venha há muito tempo evitando se envolver em rivalidades ideológicas, está cada vez mais presa ao conflito entre os Estados Unidos e a China.

Em jogo está o controle do níquel, um mineral utilizado para fabricar baterias para automóveis e motocicletas elétricas – um componente central da missão de limitar as devastações causadas pelas mudanças climáticas.

A Indonésia tem as maiores reservas do planeta, o que a torna uma espécie de Arábia Saudita do níquel. Mas a extração e a refinação desses recursos dependem em grande medida do investimento e da tecnologia das empresas chinesas. E isso limitou o acesso da Indonésia aos EUA.

Indonésia tem as maiores reservas de níquel do planeta, o que a torna uma espécie de Arábia Saudita desse tipo de minério Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Em Washington, o governo Biden concedeu dezenas de bilhões de dólares em créditos fiscais para estimular a produção de veículos elétricos. Para ser elegível a eles, os carros vendidos no país devem incluir uma porcentagem cada vez maior de peças e materiais produzidos em fábricas dos EUA ou em países considerados favoráveis aos interesses americanos.

Nos últimos meses, Luhut – oficialmente ministro coordenador dos Assuntos Marítimos e de Investimentos da Indonésia – implorou ao governo Biden por um acordo comercial que abranja os minerais, numa tentativa de garantir seu status como país amigo. Isso provocaria uma demanda maior por seu níquel, tornando-o elegível para os créditos fiscais americanos de acordo com a Lei de Redução da Inflação.

Ao que tudo indica, empresas de todo o mundo ganhariam incentivos para construir fundições e fábricas de veículos elétricos na Indonésia, aumentando a capacidade tecnológica do país e gerando empregos.

Mas Luhut, na prática, a principal autoridade do governo para questões comerciais, tem sido repetidamente rechaçado por causa das preocupações americanas com o investimento chinês na indústria de níquel da Indonésia, assim como pelo incômodo com as condições de trabalho e as normas ambientais. Atualmente, em Washington, fazer frente ao poder tecnológico da China é aquele raro objetivo que conquista o apoio de todos no espectro político.

Alguns dentro do governo Biden argumentam que esta postura é imprudente. As mudanças climáticas são uma ameaça existencial. O níquel é um componente central da transição para abandono dos combustíveis fósseis, tornando o acesso aos recursos da Indonésia um objetivo de máxima urgência. Mas essa lógica não conseguiu convencer figuras poderosas do governo – sobretudo no Conselho de Segurança Nacional – que defendem que nada deve ser subordinado à limitação do poder da China.

Indonésia atraiu mais de US$ 14 bilhões em investimentos, principalmente de empresas chinesas, para fundições que transformam o níquel em produtos usados para fabricar aço inoxidável e baterias para veículos elétricos Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Tudo isso explicava o tom farto de indignação de Luhut em uma manhã recente, quando reuniu apoiadores em seu escritório com fachada de vidro na casa onde vive em Jacarta, a movimentada capital da Indonésia. Do lado de fora, no jardim, pássaros cantavam em gaiolas penduradas em árvores. Dentro, o ministro de tudo lamentava os equívocos nefastos que separam o país de seu destino.

“Os EUA não entendem o que a Indonésia está fazendo”, disse ele. “É frustrante.”

Dinheiro e poder

Aos 76 anos, Luhut continua firme, ágil e propenso ao ressentimento nacionalista. Ele rejeita veementemente a ideia de que a Indonésia – um país com quase 280 milhões de habitantes – deve escolher um lado ou colocar em risco seus negócios com os EUA.

“Este país é grande demais para se curvar a qualquer superpotência”, disse ele.

A animosidade entre os EUA e a China não era o único problema que lhe causava angústia. Ele estava indignado com a postura da União Europeia, que contestou um princípio fundamental do modelo industrial da Indonésia: a proibição da exportação de minério de níquel.

Ao se recusar a vender seu níquel bruto ao mundo, a Indonésia atraiu mais de US$ 14 bilhões em investimentos, principalmente de empresas chinesas, para fundições que o transformam em produtos usados para fabricar aço inoxidável e baterias para veículos elétricos. Desde que a proibição foi implementada em 2014, as exportações da Indonésia de produtos de níquel cresceram mais de dez vezes, passando de US$ 30 bilhões no ano passado, de acordo com dados do governo.

Maior parte do níquel da Indonésia está em Celebes, uma ilha em forma de K, coberta por matas Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

A União Europeia alega que suas empresas estão sendo privadas de uma oportunidade justa de importar minério de níquel. Ela apresentou e ganhou um processo na Organização Mundial do Comércio, ganhando o poder de aplicar tarifas punitivas sobre as exportações da Indonésia, mesmo enquanto o país apela da decisão.

Luhut compara essa postura a uma perpetuação da era colonial, quando os holandeses, portugueses e britânicos transportavam especiarias, açúcar e outras mercadorias lucrativas para os entrepostos europeus. A proibição de exportação de níquel é uma correção, disse ele, o meio de garantir o valor da extração para os indonésios.

“É arrogância dos países europeus”, afirmou. “Talvez eles pensassem que a Indonésia ainda está colonizada. Temos o direito agora de melhorar a qualidade de vida neste país.”

O discurso dele está em sintonia com a interação natural de dinheiro e poder estatal que move há muito tempo o comércio indonésio.

Luhut ganhou sua fortuna no ramo do carvão, que continua sendo a principal forma do país gerar eletricidade. A empresa dele, a TBS Energy, negociada na bolsa de valores de Jacarta, agora é efetivamente controlada pelo sobrinho, Pandu Sjahrir, que também lidera a principal associação comercial da indústria de carvão da Indonésia. A empresa está determinada a se posicionar no centro do “ecossistema dos veículos elétricos”, de acordo com seu relatório anual mais recente.

Quase 62% das ações da TBS Energy são de uma empresa registrada em Cingapura, a Highland Strategic Holdings, que é controlada por outra holding, a qual é de propriedade de uma terceira organização, encobrindo os verdadeiros beneficiários. O nome de Luhut não aparece na papelada mantida pelos reguladores de Cingapura, mas ele disse ainda ser dono de 8% de sua antiga empresa, o que lhe proporcionaria lucrar com novas fundições.

Aliados e rivais acusam Luhut de ter participações dos lucros dos empreendimentos de níquel com investimento chinês.

“É de conhecimento geral entre as elites empresariais e políticas de Jacarta que Luhut, por meio de seus representantes, fechou acordos paralelos para si mesmo”, disse um ex-funcionário sênior do governo indonésio, que falou sob condição de anonimato porque temia retaliações.

Luhut zombou dessas alegações.

“Se eles me dessem US$ 10 milhões em dinheiro vivo, onde colocaria esse dinheiro? Não vou comprometer minha reputação por causa de US$ 10 milhões.”

Então deu um sorriso malicioso.

“Se eles me derem US$ 2 bilhões, talvez eu considere isso.”

Uma necessidade crítica

Luhut descreve seus planos para o níquel como a peça central de seus esforços para distribuir os benefícios do desenvolvimento econômico para além das maiores cidades da Indonésia, onde uma classe média próspera lota shoppings, e para as comunidades empobrecidas.

A maior parte do níquel está em Celebes, uma ilha em forma de K, coberta por matas, que é mais ou menos do tamanho de Oklahoma. Apesar de sua extensão, a ilha de Celebes é há muito tempo um ponto fora da curva em uma nação com 17 mil ilhas cujas esferas política e econômica são dominadas por aquela com maior população: Java.

Em comunidades próximas às novas fundições, muitos comemoram a chegada dos novos empregos, embora outros denunciem uma poluição terrível. Os trabalhadores locais reclamam que recebem bem menos que os chineses.

No início deste ano, cerca de três mil trabalhadores protestaram contra uma fundição em Celebes Central da PT Gunbuster Nickel Industry, subsidiária de uma empresa chinesa, a Jiangsu Delong Group. Os trabalhadores estavam furiosos com uma série de acidentes fatais e com o que descreveram como uma escassez de equipamentos de proteção e disparidades salariais. Enquanto incendiavam veículos, destruíam dormitórios e entravam em confronto com a polícia local, duas pessoas morreram, uma delas era um cidadão chinês.

Até 2035, mais de 90% de todos os produtos de níquel serão processados em países que não têm acordos de livre-comércio com os EUA, de acordo com a S&P Global Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Uma força militar especial que responde a Luhut foi enviada para o local e usou gás lacrimogêneo para dispersar a multidão.

“Precisamos garantir a segurança dos investidores”, disse Constantinus Rusmanto, então comandante da força especial e agora assessor de Luhut. “Garantimos que tudo aqui esteja adequado para o investimento.”

Mas alguns investidores estão preocupados com essas tensões – principalmente empresas da América do Norte, Europa e Austrália, onde as consequências para a reputação devido a negócios repugnantes podem ser enormes.

O aparato de segurança de Luhut é ajustado para as necessidades das empresas chinesas, onde os sindicatos são proibidos e as normas ambientais e trabalhistas podem ser facilmente contornadas. Em Washington, os relatos de revoltas em fábricas com investimento da China fortalecem aqueles que se opõem a ampliar um acordo comercial com a Indonésia.

No entanto, em Jacarta, a ideia de que a Indonésia deve pedir desculpas por seus negócios com empresas chinesas provoca chacota. Funcionários do governo dizem que estão abertos a investimentos de qualquer país que traga capital e know-how. As empresas chinesas chegaram cedo, reconhecendo a importância do níquel no ramo emergente dos veículos elétricos.

“Não estamos vendo os EUA aqui”, disse Arsjad Rasjid, presidente da Câmara de Comércio da Indonésia. “Não se trata de querermos trabalhar com os chineses. É que eles estão aqui.”

Especialistas acusam os EUA de ter mente fechada por não aceitarem um acordo comercial com a Indonésia, observando que os americanos já estão dirigindo carros com níquel extraído no país. A única dúvida é quais fábricas vão fabricar as baterias no fim: as da China, que agora compram quase todos os produtos de níquel da Indonésia, ou as novas fábricas nos EUA.

Até 2035, mais de 90% de todos os produtos de níquel serão processados em países que não têm acordos de livre-comércio com os EUA, de acordo com um estudo recente da S&P Global, empresa de pesquisa. Isso torna impossível que as fábricas de baterias americanas atendam sua demanda de níquel sem recorrer a países que não estão entre os principais parceiros comerciais dos EUA.

“De uma forma ou de outra, a Europa e os EUA precisarão do níquel da Indonésia”, disse Putra Adhiguna, especialista em veículos elétricos do Instituto de Economia Energética e Análise Financeira, na cidade Indonésia de Bandung. “Eles deveriam vir a este país para descobrir como podem se sair melhor.”

A Casa Branca se recusou a discutir os pormenores de suas conversas com as autoridades indonésias, ao mesmo tempo em que sugeriu que as deliberações ainda não acabaram.

“A Indonésia é um parceiro importante para combater as mudanças climáticas e acelerar a transição para a energia limpa”, disse Eduardo Maia Silva, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional. “Continuamos deliberando com as partes interessadas e o Congresso sobre a implementação da Lei de Redução da Inflação, e seguimos interessados na parceria com a Indonésia, assim como com outros parceiros, para fortalecer a resiliência de nossas cadeias de suprimentos de minerais cruciais.”

Sem um acordo comercial que possa estender os créditos fiscais americanos aos minerais indonésios, muitos preveem que a chegada dos veículos elétricos será dificultada por uma divisão simples: produtores que dependem do investimento chinês e aqueles que não dependem.

Pandu, sobrinho de Luhut, administra uma startup chamada Electrum, que está desenvolvendo uma motocicleta elétrica ajustada para as manobras nos lendários engarrafamentos de Jacarta. A empresa é uma joint venture entre a antiga empresa de Luhut, a TBS, e a GoTo, uma empresa digital que inclui a Gojek, uma plataforma popular para serviços de transporte.

A Electrum está construindo uma fábrica em Java Ocidental para montar as motocicletas usando peças importadas da China. Mas Pandu prevê, mais cedo ou mais tarde, valer-se das fábricas nacionais.

Para ele, a chave é manter firme a proibição de exportação de níquel e atrair investimentos estrangeiros.

“O mercado na Indonésia é grande o bastante”, disse ele.

Planos Alternativos

Numa tarde recente, Luhut sentou-se na ponta da mesa de reuniões de seu gabinete, encarando meia dúzia de conselheiros. Eles começaram a almoçar a comida servida em outra mesa – gado gado, uma salada de legumes coberta com molho de amendoim; rendang, pedaços de carne cozida picante; arroz frito.

A conversa girou em torno de como persuadir a Tesla, a pioneira dos carros elétricos, a abrir uma fábrica na Indonésia. Luhut estava prestes a visitar os EUA para implorar isso ao temperamental CEO da montadora, Elon Musk.

Os assessores temiam que a Tesla não viesse para o país, pois a maior parte da eletricidade na Indonésia é gerada por carvão. Entretanto, tinham esperança devido ao fato da Ford Motor recentemente ter entrado numa joint venture para construir uma fábrica de processamento de níquel na ilha de Celebs. A energia para esta fábrica deve ser fornecida por uma hidrelétrica.

Desde 2014, exportações da Indonésia de produtos de níquel cresceram mais de dez vezes, passando de US$ 30 bilhões no ano passado, de acordo com dados do governo Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Uma parede do lado de fora do escritório de Luhut exibia uma foto sua com trajes militares de gala, recebendo uma medalha em uma Academia das Forças Especiais na Carolina do Norte, no fim da década de 1970. O pai dele frequentou Cornell e Columbia antes de trabalhar como engenheiro para a petrolífera americana Caltex. Luhut estudou políticas públicas na Universidade George Washington e teve uma vida feliz na capital dos EUA, disse ele. O filho vive em Nova York e a neta está matriculada em Georgetown.

Ele se sente à vontade nos EUA, disse, descrevendo uma afinidade nacional.

Contudo, na China, ele desfruta de um respeito extraordinário.

“Eles sabem como lidar com a gente”, disse ele. “Eles sabem como nos tratar.”

Wang Yi, ministro das Relações Exteriores da China, cuida de seu itinerário quando visita o país, organizando reuniões com executivos de empresas interessadas em investir na Indonésia, disse Luhut. Mesmo durante a pandemia, quando era preciso ficar de quarentena durante 14 dias depois de um encontro presencial com um estrangeiro, ele pôde visitar qualquer um que quisesse.

Luhut e seus assessores discutiram um anúncio pendente: uma redução drástica das taxas sobre importações de veículos elétricos para dar à Tesla um gostinho do mercado indonésio.

No entanto, na semana seguinte, a Tesla anunciou planos de construir uma sede no sudeste asiático, na Malásia, rival ferrenha da Indonésia, obrigando Luhut a lidar com o vexame.

Ele estava preparando um plano B, redobrando os esforços para atrair a BYD, a maior fabricante de veículos elétricos da China.

Seus assessores reconheceram discretamente que os créditos fiscais americanos não estavam virando realidade, não com a resistência no Congresso depois do governo Biden fechar um acordo sobre minerais com o Japão.

O ministro de tudo estava completamente absorto pela venda de níquel.

“Estamos mirando basicamente nos EUA”, disse ele. “Mas se no fim os americanos disserem: ‘não queremos aceitar’, tudo bem, vamos procurar outros lugares.”/Colaboração de Muktita Suhartono; tradução de Romina Cácia

THE NEW YORK TIMES - Ele é conhecido como o ministro de tudo. Dos escritórios do governo da capital da Indonésia às minas empoeiradas em ilhas remotas, Luhut Binsar Pandjaitan tem autoridade de comando como a principal figura na dinâmica de poder do país.

Um general de quatro estrelas que se tornou um magnata dos negócios e, depois, oficial de gabinete, Luhut almeja transformar a Indonésia num polo de produção de veículos elétricos. Mas, enquanto tenta alcançar esse objetivo primordial, ele e seu país estão cada vez mais vulneráveis a forças geopolíticas fora de seu controle. Embora esta nação insular venha há muito tempo evitando se envolver em rivalidades ideológicas, está cada vez mais presa ao conflito entre os Estados Unidos e a China.

Em jogo está o controle do níquel, um mineral utilizado para fabricar baterias para automóveis e motocicletas elétricas – um componente central da missão de limitar as devastações causadas pelas mudanças climáticas.

A Indonésia tem as maiores reservas do planeta, o que a torna uma espécie de Arábia Saudita do níquel. Mas a extração e a refinação desses recursos dependem em grande medida do investimento e da tecnologia das empresas chinesas. E isso limitou o acesso da Indonésia aos EUA.

Indonésia tem as maiores reservas de níquel do planeta, o que a torna uma espécie de Arábia Saudita desse tipo de minério Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Em Washington, o governo Biden concedeu dezenas de bilhões de dólares em créditos fiscais para estimular a produção de veículos elétricos. Para ser elegível a eles, os carros vendidos no país devem incluir uma porcentagem cada vez maior de peças e materiais produzidos em fábricas dos EUA ou em países considerados favoráveis aos interesses americanos.

Nos últimos meses, Luhut – oficialmente ministro coordenador dos Assuntos Marítimos e de Investimentos da Indonésia – implorou ao governo Biden por um acordo comercial que abranja os minerais, numa tentativa de garantir seu status como país amigo. Isso provocaria uma demanda maior por seu níquel, tornando-o elegível para os créditos fiscais americanos de acordo com a Lei de Redução da Inflação.

Ao que tudo indica, empresas de todo o mundo ganhariam incentivos para construir fundições e fábricas de veículos elétricos na Indonésia, aumentando a capacidade tecnológica do país e gerando empregos.

Mas Luhut, na prática, a principal autoridade do governo para questões comerciais, tem sido repetidamente rechaçado por causa das preocupações americanas com o investimento chinês na indústria de níquel da Indonésia, assim como pelo incômodo com as condições de trabalho e as normas ambientais. Atualmente, em Washington, fazer frente ao poder tecnológico da China é aquele raro objetivo que conquista o apoio de todos no espectro político.

Alguns dentro do governo Biden argumentam que esta postura é imprudente. As mudanças climáticas são uma ameaça existencial. O níquel é um componente central da transição para abandono dos combustíveis fósseis, tornando o acesso aos recursos da Indonésia um objetivo de máxima urgência. Mas essa lógica não conseguiu convencer figuras poderosas do governo – sobretudo no Conselho de Segurança Nacional – que defendem que nada deve ser subordinado à limitação do poder da China.

Indonésia atraiu mais de US$ 14 bilhões em investimentos, principalmente de empresas chinesas, para fundições que transformam o níquel em produtos usados para fabricar aço inoxidável e baterias para veículos elétricos Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Tudo isso explicava o tom farto de indignação de Luhut em uma manhã recente, quando reuniu apoiadores em seu escritório com fachada de vidro na casa onde vive em Jacarta, a movimentada capital da Indonésia. Do lado de fora, no jardim, pássaros cantavam em gaiolas penduradas em árvores. Dentro, o ministro de tudo lamentava os equívocos nefastos que separam o país de seu destino.

“Os EUA não entendem o que a Indonésia está fazendo”, disse ele. “É frustrante.”

Dinheiro e poder

Aos 76 anos, Luhut continua firme, ágil e propenso ao ressentimento nacionalista. Ele rejeita veementemente a ideia de que a Indonésia – um país com quase 280 milhões de habitantes – deve escolher um lado ou colocar em risco seus negócios com os EUA.

“Este país é grande demais para se curvar a qualquer superpotência”, disse ele.

A animosidade entre os EUA e a China não era o único problema que lhe causava angústia. Ele estava indignado com a postura da União Europeia, que contestou um princípio fundamental do modelo industrial da Indonésia: a proibição da exportação de minério de níquel.

Ao se recusar a vender seu níquel bruto ao mundo, a Indonésia atraiu mais de US$ 14 bilhões em investimentos, principalmente de empresas chinesas, para fundições que o transformam em produtos usados para fabricar aço inoxidável e baterias para veículos elétricos. Desde que a proibição foi implementada em 2014, as exportações da Indonésia de produtos de níquel cresceram mais de dez vezes, passando de US$ 30 bilhões no ano passado, de acordo com dados do governo.

Maior parte do níquel da Indonésia está em Celebes, uma ilha em forma de K, coberta por matas Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

A União Europeia alega que suas empresas estão sendo privadas de uma oportunidade justa de importar minério de níquel. Ela apresentou e ganhou um processo na Organização Mundial do Comércio, ganhando o poder de aplicar tarifas punitivas sobre as exportações da Indonésia, mesmo enquanto o país apela da decisão.

Luhut compara essa postura a uma perpetuação da era colonial, quando os holandeses, portugueses e britânicos transportavam especiarias, açúcar e outras mercadorias lucrativas para os entrepostos europeus. A proibição de exportação de níquel é uma correção, disse ele, o meio de garantir o valor da extração para os indonésios.

“É arrogância dos países europeus”, afirmou. “Talvez eles pensassem que a Indonésia ainda está colonizada. Temos o direito agora de melhorar a qualidade de vida neste país.”

O discurso dele está em sintonia com a interação natural de dinheiro e poder estatal que move há muito tempo o comércio indonésio.

Luhut ganhou sua fortuna no ramo do carvão, que continua sendo a principal forma do país gerar eletricidade. A empresa dele, a TBS Energy, negociada na bolsa de valores de Jacarta, agora é efetivamente controlada pelo sobrinho, Pandu Sjahrir, que também lidera a principal associação comercial da indústria de carvão da Indonésia. A empresa está determinada a se posicionar no centro do “ecossistema dos veículos elétricos”, de acordo com seu relatório anual mais recente.

Quase 62% das ações da TBS Energy são de uma empresa registrada em Cingapura, a Highland Strategic Holdings, que é controlada por outra holding, a qual é de propriedade de uma terceira organização, encobrindo os verdadeiros beneficiários. O nome de Luhut não aparece na papelada mantida pelos reguladores de Cingapura, mas ele disse ainda ser dono de 8% de sua antiga empresa, o que lhe proporcionaria lucrar com novas fundições.

Aliados e rivais acusam Luhut de ter participações dos lucros dos empreendimentos de níquel com investimento chinês.

“É de conhecimento geral entre as elites empresariais e políticas de Jacarta que Luhut, por meio de seus representantes, fechou acordos paralelos para si mesmo”, disse um ex-funcionário sênior do governo indonésio, que falou sob condição de anonimato porque temia retaliações.

Luhut zombou dessas alegações.

“Se eles me dessem US$ 10 milhões em dinheiro vivo, onde colocaria esse dinheiro? Não vou comprometer minha reputação por causa de US$ 10 milhões.”

Então deu um sorriso malicioso.

“Se eles me derem US$ 2 bilhões, talvez eu considere isso.”

Uma necessidade crítica

Luhut descreve seus planos para o níquel como a peça central de seus esforços para distribuir os benefícios do desenvolvimento econômico para além das maiores cidades da Indonésia, onde uma classe média próspera lota shoppings, e para as comunidades empobrecidas.

A maior parte do níquel está em Celebes, uma ilha em forma de K, coberta por matas, que é mais ou menos do tamanho de Oklahoma. Apesar de sua extensão, a ilha de Celebes é há muito tempo um ponto fora da curva em uma nação com 17 mil ilhas cujas esferas política e econômica são dominadas por aquela com maior população: Java.

Em comunidades próximas às novas fundições, muitos comemoram a chegada dos novos empregos, embora outros denunciem uma poluição terrível. Os trabalhadores locais reclamam que recebem bem menos que os chineses.

No início deste ano, cerca de três mil trabalhadores protestaram contra uma fundição em Celebes Central da PT Gunbuster Nickel Industry, subsidiária de uma empresa chinesa, a Jiangsu Delong Group. Os trabalhadores estavam furiosos com uma série de acidentes fatais e com o que descreveram como uma escassez de equipamentos de proteção e disparidades salariais. Enquanto incendiavam veículos, destruíam dormitórios e entravam em confronto com a polícia local, duas pessoas morreram, uma delas era um cidadão chinês.

Até 2035, mais de 90% de todos os produtos de níquel serão processados em países que não têm acordos de livre-comércio com os EUA, de acordo com a S&P Global Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Uma força militar especial que responde a Luhut foi enviada para o local e usou gás lacrimogêneo para dispersar a multidão.

“Precisamos garantir a segurança dos investidores”, disse Constantinus Rusmanto, então comandante da força especial e agora assessor de Luhut. “Garantimos que tudo aqui esteja adequado para o investimento.”

Mas alguns investidores estão preocupados com essas tensões – principalmente empresas da América do Norte, Europa e Austrália, onde as consequências para a reputação devido a negócios repugnantes podem ser enormes.

O aparato de segurança de Luhut é ajustado para as necessidades das empresas chinesas, onde os sindicatos são proibidos e as normas ambientais e trabalhistas podem ser facilmente contornadas. Em Washington, os relatos de revoltas em fábricas com investimento da China fortalecem aqueles que se opõem a ampliar um acordo comercial com a Indonésia.

No entanto, em Jacarta, a ideia de que a Indonésia deve pedir desculpas por seus negócios com empresas chinesas provoca chacota. Funcionários do governo dizem que estão abertos a investimentos de qualquer país que traga capital e know-how. As empresas chinesas chegaram cedo, reconhecendo a importância do níquel no ramo emergente dos veículos elétricos.

“Não estamos vendo os EUA aqui”, disse Arsjad Rasjid, presidente da Câmara de Comércio da Indonésia. “Não se trata de querermos trabalhar com os chineses. É que eles estão aqui.”

Especialistas acusam os EUA de ter mente fechada por não aceitarem um acordo comercial com a Indonésia, observando que os americanos já estão dirigindo carros com níquel extraído no país. A única dúvida é quais fábricas vão fabricar as baterias no fim: as da China, que agora compram quase todos os produtos de níquel da Indonésia, ou as novas fábricas nos EUA.

Até 2035, mais de 90% de todos os produtos de níquel serão processados em países que não têm acordos de livre-comércio com os EUA, de acordo com um estudo recente da S&P Global, empresa de pesquisa. Isso torna impossível que as fábricas de baterias americanas atendam sua demanda de níquel sem recorrer a países que não estão entre os principais parceiros comerciais dos EUA.

“De uma forma ou de outra, a Europa e os EUA precisarão do níquel da Indonésia”, disse Putra Adhiguna, especialista em veículos elétricos do Instituto de Economia Energética e Análise Financeira, na cidade Indonésia de Bandung. “Eles deveriam vir a este país para descobrir como podem se sair melhor.”

A Casa Branca se recusou a discutir os pormenores de suas conversas com as autoridades indonésias, ao mesmo tempo em que sugeriu que as deliberações ainda não acabaram.

“A Indonésia é um parceiro importante para combater as mudanças climáticas e acelerar a transição para a energia limpa”, disse Eduardo Maia Silva, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional. “Continuamos deliberando com as partes interessadas e o Congresso sobre a implementação da Lei de Redução da Inflação, e seguimos interessados na parceria com a Indonésia, assim como com outros parceiros, para fortalecer a resiliência de nossas cadeias de suprimentos de minerais cruciais.”

Sem um acordo comercial que possa estender os créditos fiscais americanos aos minerais indonésios, muitos preveem que a chegada dos veículos elétricos será dificultada por uma divisão simples: produtores que dependem do investimento chinês e aqueles que não dependem.

Pandu, sobrinho de Luhut, administra uma startup chamada Electrum, que está desenvolvendo uma motocicleta elétrica ajustada para as manobras nos lendários engarrafamentos de Jacarta. A empresa é uma joint venture entre a antiga empresa de Luhut, a TBS, e a GoTo, uma empresa digital que inclui a Gojek, uma plataforma popular para serviços de transporte.

A Electrum está construindo uma fábrica em Java Ocidental para montar as motocicletas usando peças importadas da China. Mas Pandu prevê, mais cedo ou mais tarde, valer-se das fábricas nacionais.

Para ele, a chave é manter firme a proibição de exportação de níquel e atrair investimentos estrangeiros.

“O mercado na Indonésia é grande o bastante”, disse ele.

Planos Alternativos

Numa tarde recente, Luhut sentou-se na ponta da mesa de reuniões de seu gabinete, encarando meia dúzia de conselheiros. Eles começaram a almoçar a comida servida em outra mesa – gado gado, uma salada de legumes coberta com molho de amendoim; rendang, pedaços de carne cozida picante; arroz frito.

A conversa girou em torno de como persuadir a Tesla, a pioneira dos carros elétricos, a abrir uma fábrica na Indonésia. Luhut estava prestes a visitar os EUA para implorar isso ao temperamental CEO da montadora, Elon Musk.

Os assessores temiam que a Tesla não viesse para o país, pois a maior parte da eletricidade na Indonésia é gerada por carvão. Entretanto, tinham esperança devido ao fato da Ford Motor recentemente ter entrado numa joint venture para construir uma fábrica de processamento de níquel na ilha de Celebs. A energia para esta fábrica deve ser fornecida por uma hidrelétrica.

Desde 2014, exportações da Indonésia de produtos de níquel cresceram mais de dez vezes, passando de US$ 30 bilhões no ano passado, de acordo com dados do governo Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Uma parede do lado de fora do escritório de Luhut exibia uma foto sua com trajes militares de gala, recebendo uma medalha em uma Academia das Forças Especiais na Carolina do Norte, no fim da década de 1970. O pai dele frequentou Cornell e Columbia antes de trabalhar como engenheiro para a petrolífera americana Caltex. Luhut estudou políticas públicas na Universidade George Washington e teve uma vida feliz na capital dos EUA, disse ele. O filho vive em Nova York e a neta está matriculada em Georgetown.

Ele se sente à vontade nos EUA, disse, descrevendo uma afinidade nacional.

Contudo, na China, ele desfruta de um respeito extraordinário.

“Eles sabem como lidar com a gente”, disse ele. “Eles sabem como nos tratar.”

Wang Yi, ministro das Relações Exteriores da China, cuida de seu itinerário quando visita o país, organizando reuniões com executivos de empresas interessadas em investir na Indonésia, disse Luhut. Mesmo durante a pandemia, quando era preciso ficar de quarentena durante 14 dias depois de um encontro presencial com um estrangeiro, ele pôde visitar qualquer um que quisesse.

Luhut e seus assessores discutiram um anúncio pendente: uma redução drástica das taxas sobre importações de veículos elétricos para dar à Tesla um gostinho do mercado indonésio.

No entanto, na semana seguinte, a Tesla anunciou planos de construir uma sede no sudeste asiático, na Malásia, rival ferrenha da Indonésia, obrigando Luhut a lidar com o vexame.

Ele estava preparando um plano B, redobrando os esforços para atrair a BYD, a maior fabricante de veículos elétricos da China.

Seus assessores reconheceram discretamente que os créditos fiscais americanos não estavam virando realidade, não com a resistência no Congresso depois do governo Biden fechar um acordo sobre minerais com o Japão.

O ministro de tudo estava completamente absorto pela venda de níquel.

“Estamos mirando basicamente nos EUA”, disse ele. “Mas se no fim os americanos disserem: ‘não queremos aceitar’, tudo bem, vamos procurar outros lugares.”/Colaboração de Muktita Suhartono; tradução de Romina Cácia

THE NEW YORK TIMES - Ele é conhecido como o ministro de tudo. Dos escritórios do governo da capital da Indonésia às minas empoeiradas em ilhas remotas, Luhut Binsar Pandjaitan tem autoridade de comando como a principal figura na dinâmica de poder do país.

Um general de quatro estrelas que se tornou um magnata dos negócios e, depois, oficial de gabinete, Luhut almeja transformar a Indonésia num polo de produção de veículos elétricos. Mas, enquanto tenta alcançar esse objetivo primordial, ele e seu país estão cada vez mais vulneráveis a forças geopolíticas fora de seu controle. Embora esta nação insular venha há muito tempo evitando se envolver em rivalidades ideológicas, está cada vez mais presa ao conflito entre os Estados Unidos e a China.

Em jogo está o controle do níquel, um mineral utilizado para fabricar baterias para automóveis e motocicletas elétricas – um componente central da missão de limitar as devastações causadas pelas mudanças climáticas.

A Indonésia tem as maiores reservas do planeta, o que a torna uma espécie de Arábia Saudita do níquel. Mas a extração e a refinação desses recursos dependem em grande medida do investimento e da tecnologia das empresas chinesas. E isso limitou o acesso da Indonésia aos EUA.

Indonésia tem as maiores reservas de níquel do planeta, o que a torna uma espécie de Arábia Saudita desse tipo de minério Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Em Washington, o governo Biden concedeu dezenas de bilhões de dólares em créditos fiscais para estimular a produção de veículos elétricos. Para ser elegível a eles, os carros vendidos no país devem incluir uma porcentagem cada vez maior de peças e materiais produzidos em fábricas dos EUA ou em países considerados favoráveis aos interesses americanos.

Nos últimos meses, Luhut – oficialmente ministro coordenador dos Assuntos Marítimos e de Investimentos da Indonésia – implorou ao governo Biden por um acordo comercial que abranja os minerais, numa tentativa de garantir seu status como país amigo. Isso provocaria uma demanda maior por seu níquel, tornando-o elegível para os créditos fiscais americanos de acordo com a Lei de Redução da Inflação.

Ao que tudo indica, empresas de todo o mundo ganhariam incentivos para construir fundições e fábricas de veículos elétricos na Indonésia, aumentando a capacidade tecnológica do país e gerando empregos.

Mas Luhut, na prática, a principal autoridade do governo para questões comerciais, tem sido repetidamente rechaçado por causa das preocupações americanas com o investimento chinês na indústria de níquel da Indonésia, assim como pelo incômodo com as condições de trabalho e as normas ambientais. Atualmente, em Washington, fazer frente ao poder tecnológico da China é aquele raro objetivo que conquista o apoio de todos no espectro político.

Alguns dentro do governo Biden argumentam que esta postura é imprudente. As mudanças climáticas são uma ameaça existencial. O níquel é um componente central da transição para abandono dos combustíveis fósseis, tornando o acesso aos recursos da Indonésia um objetivo de máxima urgência. Mas essa lógica não conseguiu convencer figuras poderosas do governo – sobretudo no Conselho de Segurança Nacional – que defendem que nada deve ser subordinado à limitação do poder da China.

Indonésia atraiu mais de US$ 14 bilhões em investimentos, principalmente de empresas chinesas, para fundições que transformam o níquel em produtos usados para fabricar aço inoxidável e baterias para veículos elétricos Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Tudo isso explicava o tom farto de indignação de Luhut em uma manhã recente, quando reuniu apoiadores em seu escritório com fachada de vidro na casa onde vive em Jacarta, a movimentada capital da Indonésia. Do lado de fora, no jardim, pássaros cantavam em gaiolas penduradas em árvores. Dentro, o ministro de tudo lamentava os equívocos nefastos que separam o país de seu destino.

“Os EUA não entendem o que a Indonésia está fazendo”, disse ele. “É frustrante.”

Dinheiro e poder

Aos 76 anos, Luhut continua firme, ágil e propenso ao ressentimento nacionalista. Ele rejeita veementemente a ideia de que a Indonésia – um país com quase 280 milhões de habitantes – deve escolher um lado ou colocar em risco seus negócios com os EUA.

“Este país é grande demais para se curvar a qualquer superpotência”, disse ele.

A animosidade entre os EUA e a China não era o único problema que lhe causava angústia. Ele estava indignado com a postura da União Europeia, que contestou um princípio fundamental do modelo industrial da Indonésia: a proibição da exportação de minério de níquel.

Ao se recusar a vender seu níquel bruto ao mundo, a Indonésia atraiu mais de US$ 14 bilhões em investimentos, principalmente de empresas chinesas, para fundições que o transformam em produtos usados para fabricar aço inoxidável e baterias para veículos elétricos. Desde que a proibição foi implementada em 2014, as exportações da Indonésia de produtos de níquel cresceram mais de dez vezes, passando de US$ 30 bilhões no ano passado, de acordo com dados do governo.

Maior parte do níquel da Indonésia está em Celebes, uma ilha em forma de K, coberta por matas Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

A União Europeia alega que suas empresas estão sendo privadas de uma oportunidade justa de importar minério de níquel. Ela apresentou e ganhou um processo na Organização Mundial do Comércio, ganhando o poder de aplicar tarifas punitivas sobre as exportações da Indonésia, mesmo enquanto o país apela da decisão.

Luhut compara essa postura a uma perpetuação da era colonial, quando os holandeses, portugueses e britânicos transportavam especiarias, açúcar e outras mercadorias lucrativas para os entrepostos europeus. A proibição de exportação de níquel é uma correção, disse ele, o meio de garantir o valor da extração para os indonésios.

“É arrogância dos países europeus”, afirmou. “Talvez eles pensassem que a Indonésia ainda está colonizada. Temos o direito agora de melhorar a qualidade de vida neste país.”

O discurso dele está em sintonia com a interação natural de dinheiro e poder estatal que move há muito tempo o comércio indonésio.

Luhut ganhou sua fortuna no ramo do carvão, que continua sendo a principal forma do país gerar eletricidade. A empresa dele, a TBS Energy, negociada na bolsa de valores de Jacarta, agora é efetivamente controlada pelo sobrinho, Pandu Sjahrir, que também lidera a principal associação comercial da indústria de carvão da Indonésia. A empresa está determinada a se posicionar no centro do “ecossistema dos veículos elétricos”, de acordo com seu relatório anual mais recente.

Quase 62% das ações da TBS Energy são de uma empresa registrada em Cingapura, a Highland Strategic Holdings, que é controlada por outra holding, a qual é de propriedade de uma terceira organização, encobrindo os verdadeiros beneficiários. O nome de Luhut não aparece na papelada mantida pelos reguladores de Cingapura, mas ele disse ainda ser dono de 8% de sua antiga empresa, o que lhe proporcionaria lucrar com novas fundições.

Aliados e rivais acusam Luhut de ter participações dos lucros dos empreendimentos de níquel com investimento chinês.

“É de conhecimento geral entre as elites empresariais e políticas de Jacarta que Luhut, por meio de seus representantes, fechou acordos paralelos para si mesmo”, disse um ex-funcionário sênior do governo indonésio, que falou sob condição de anonimato porque temia retaliações.

Luhut zombou dessas alegações.

“Se eles me dessem US$ 10 milhões em dinheiro vivo, onde colocaria esse dinheiro? Não vou comprometer minha reputação por causa de US$ 10 milhões.”

Então deu um sorriso malicioso.

“Se eles me derem US$ 2 bilhões, talvez eu considere isso.”

Uma necessidade crítica

Luhut descreve seus planos para o níquel como a peça central de seus esforços para distribuir os benefícios do desenvolvimento econômico para além das maiores cidades da Indonésia, onde uma classe média próspera lota shoppings, e para as comunidades empobrecidas.

A maior parte do níquel está em Celebes, uma ilha em forma de K, coberta por matas, que é mais ou menos do tamanho de Oklahoma. Apesar de sua extensão, a ilha de Celebes é há muito tempo um ponto fora da curva em uma nação com 17 mil ilhas cujas esferas política e econômica são dominadas por aquela com maior população: Java.

Em comunidades próximas às novas fundições, muitos comemoram a chegada dos novos empregos, embora outros denunciem uma poluição terrível. Os trabalhadores locais reclamam que recebem bem menos que os chineses.

No início deste ano, cerca de três mil trabalhadores protestaram contra uma fundição em Celebes Central da PT Gunbuster Nickel Industry, subsidiária de uma empresa chinesa, a Jiangsu Delong Group. Os trabalhadores estavam furiosos com uma série de acidentes fatais e com o que descreveram como uma escassez de equipamentos de proteção e disparidades salariais. Enquanto incendiavam veículos, destruíam dormitórios e entravam em confronto com a polícia local, duas pessoas morreram, uma delas era um cidadão chinês.

Até 2035, mais de 90% de todos os produtos de níquel serão processados em países que não têm acordos de livre-comércio com os EUA, de acordo com a S&P Global Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Uma força militar especial que responde a Luhut foi enviada para o local e usou gás lacrimogêneo para dispersar a multidão.

“Precisamos garantir a segurança dos investidores”, disse Constantinus Rusmanto, então comandante da força especial e agora assessor de Luhut. “Garantimos que tudo aqui esteja adequado para o investimento.”

Mas alguns investidores estão preocupados com essas tensões – principalmente empresas da América do Norte, Europa e Austrália, onde as consequências para a reputação devido a negócios repugnantes podem ser enormes.

O aparato de segurança de Luhut é ajustado para as necessidades das empresas chinesas, onde os sindicatos são proibidos e as normas ambientais e trabalhistas podem ser facilmente contornadas. Em Washington, os relatos de revoltas em fábricas com investimento da China fortalecem aqueles que se opõem a ampliar um acordo comercial com a Indonésia.

No entanto, em Jacarta, a ideia de que a Indonésia deve pedir desculpas por seus negócios com empresas chinesas provoca chacota. Funcionários do governo dizem que estão abertos a investimentos de qualquer país que traga capital e know-how. As empresas chinesas chegaram cedo, reconhecendo a importância do níquel no ramo emergente dos veículos elétricos.

“Não estamos vendo os EUA aqui”, disse Arsjad Rasjid, presidente da Câmara de Comércio da Indonésia. “Não se trata de querermos trabalhar com os chineses. É que eles estão aqui.”

Especialistas acusam os EUA de ter mente fechada por não aceitarem um acordo comercial com a Indonésia, observando que os americanos já estão dirigindo carros com níquel extraído no país. A única dúvida é quais fábricas vão fabricar as baterias no fim: as da China, que agora compram quase todos os produtos de níquel da Indonésia, ou as novas fábricas nos EUA.

Até 2035, mais de 90% de todos os produtos de níquel serão processados em países que não têm acordos de livre-comércio com os EUA, de acordo com um estudo recente da S&P Global, empresa de pesquisa. Isso torna impossível que as fábricas de baterias americanas atendam sua demanda de níquel sem recorrer a países que não estão entre os principais parceiros comerciais dos EUA.

“De uma forma ou de outra, a Europa e os EUA precisarão do níquel da Indonésia”, disse Putra Adhiguna, especialista em veículos elétricos do Instituto de Economia Energética e Análise Financeira, na cidade Indonésia de Bandung. “Eles deveriam vir a este país para descobrir como podem se sair melhor.”

A Casa Branca se recusou a discutir os pormenores de suas conversas com as autoridades indonésias, ao mesmo tempo em que sugeriu que as deliberações ainda não acabaram.

“A Indonésia é um parceiro importante para combater as mudanças climáticas e acelerar a transição para a energia limpa”, disse Eduardo Maia Silva, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional. “Continuamos deliberando com as partes interessadas e o Congresso sobre a implementação da Lei de Redução da Inflação, e seguimos interessados na parceria com a Indonésia, assim como com outros parceiros, para fortalecer a resiliência de nossas cadeias de suprimentos de minerais cruciais.”

Sem um acordo comercial que possa estender os créditos fiscais americanos aos minerais indonésios, muitos preveem que a chegada dos veículos elétricos será dificultada por uma divisão simples: produtores que dependem do investimento chinês e aqueles que não dependem.

Pandu, sobrinho de Luhut, administra uma startup chamada Electrum, que está desenvolvendo uma motocicleta elétrica ajustada para as manobras nos lendários engarrafamentos de Jacarta. A empresa é uma joint venture entre a antiga empresa de Luhut, a TBS, e a GoTo, uma empresa digital que inclui a Gojek, uma plataforma popular para serviços de transporte.

A Electrum está construindo uma fábrica em Java Ocidental para montar as motocicletas usando peças importadas da China. Mas Pandu prevê, mais cedo ou mais tarde, valer-se das fábricas nacionais.

Para ele, a chave é manter firme a proibição de exportação de níquel e atrair investimentos estrangeiros.

“O mercado na Indonésia é grande o bastante”, disse ele.

Planos Alternativos

Numa tarde recente, Luhut sentou-se na ponta da mesa de reuniões de seu gabinete, encarando meia dúzia de conselheiros. Eles começaram a almoçar a comida servida em outra mesa – gado gado, uma salada de legumes coberta com molho de amendoim; rendang, pedaços de carne cozida picante; arroz frito.

A conversa girou em torno de como persuadir a Tesla, a pioneira dos carros elétricos, a abrir uma fábrica na Indonésia. Luhut estava prestes a visitar os EUA para implorar isso ao temperamental CEO da montadora, Elon Musk.

Os assessores temiam que a Tesla não viesse para o país, pois a maior parte da eletricidade na Indonésia é gerada por carvão. Entretanto, tinham esperança devido ao fato da Ford Motor recentemente ter entrado numa joint venture para construir uma fábrica de processamento de níquel na ilha de Celebs. A energia para esta fábrica deve ser fornecida por uma hidrelétrica.

Desde 2014, exportações da Indonésia de produtos de níquel cresceram mais de dez vezes, passando de US$ 30 bilhões no ano passado, de acordo com dados do governo Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times

Uma parede do lado de fora do escritório de Luhut exibia uma foto sua com trajes militares de gala, recebendo uma medalha em uma Academia das Forças Especiais na Carolina do Norte, no fim da década de 1970. O pai dele frequentou Cornell e Columbia antes de trabalhar como engenheiro para a petrolífera americana Caltex. Luhut estudou políticas públicas na Universidade George Washington e teve uma vida feliz na capital dos EUA, disse ele. O filho vive em Nova York e a neta está matriculada em Georgetown.

Ele se sente à vontade nos EUA, disse, descrevendo uma afinidade nacional.

Contudo, na China, ele desfruta de um respeito extraordinário.

“Eles sabem como lidar com a gente”, disse ele. “Eles sabem como nos tratar.”

Wang Yi, ministro das Relações Exteriores da China, cuida de seu itinerário quando visita o país, organizando reuniões com executivos de empresas interessadas em investir na Indonésia, disse Luhut. Mesmo durante a pandemia, quando era preciso ficar de quarentena durante 14 dias depois de um encontro presencial com um estrangeiro, ele pôde visitar qualquer um que quisesse.

Luhut e seus assessores discutiram um anúncio pendente: uma redução drástica das taxas sobre importações de veículos elétricos para dar à Tesla um gostinho do mercado indonésio.

No entanto, na semana seguinte, a Tesla anunciou planos de construir uma sede no sudeste asiático, na Malásia, rival ferrenha da Indonésia, obrigando Luhut a lidar com o vexame.

Ele estava preparando um plano B, redobrando os esforços para atrair a BYD, a maior fabricante de veículos elétricos da China.

Seus assessores reconheceram discretamente que os créditos fiscais americanos não estavam virando realidade, não com a resistência no Congresso depois do governo Biden fechar um acordo sobre minerais com o Japão.

O ministro de tudo estava completamente absorto pela venda de níquel.

“Estamos mirando basicamente nos EUA”, disse ele. “Mas se no fim os americanos disserem: ‘não queremos aceitar’, tudo bem, vamos procurar outros lugares.”/Colaboração de Muktita Suhartono; tradução de Romina Cácia

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