Real 30 anos: ‘Brasil precisa de um Plano Real para cada setor’, diz Jorge Gerdau


Empresário que enfrentou inúmeras crises ao longo de seus 87 anos diz que é preciso se espelhar nos melhores no mundo e trabalhar estratégicas a longo prazo como o agro já fez

Por Altamiro Silva Junior
Foto: ESTADAO
Entrevista comJorge Gerdau JohannpeterEmpresário

O empresário Jorge Gerdau Johannpeter, ao longo dos seus 87 anos, passou por vários momentos da história econômica e política do Brasil. E um dos períodos mais difíceis para lidar foi o da disparada da inflação nos anos 80, para níveis que superavam 2.000% ao ano. Ao domar a inflação em poucos meses e ainda bem-sucedido 30 anos depois da implementação, o Plano Real, na avaliação de Gerdau, conseguiu um milagre. O empresário diz que esse sucesso tem de ser uma motivação para o Brasil ter um “plano real” para resolver seus problemas essenciais nos diversos setores da economia.

“O milagre que nós conseguimos no Plano Real temos que estender a mais meia dúzia de políticas governamentais. O sucesso do plano tem de ser motivação para avançar em outras coisas”, disse Gerdau ao Estadão/Broadcast, ao relembrar o período de inflação galopante, a adoção do plano e o que ainda precisa ser atacado no Brasil, um país que tem dificuldade de pensar o médio e longo prazo. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

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Como foi passar pelo momento do Plano Real? Como era o ambiente na época e quais foram os maiores desafios para sua empresa?

O Brasil tinha uma inflação gigantesca, e eu admiro como é que a gente conseguia viver e trabalhar. Era exigida grande agilidade empresarial, mas ela quase acontecia naturalmente. Nós chegamos a uma inflação de 2.500% ao ano, vivemos momentos de 7% de inflação por dia. Nesse ambiente, o maior cuidado que tínhamos era o pagamento pontual dos clientes. As correções de preço e o controle de pagamento das contas exigiam um exercício fanático de acompanhamento. Porque, caso o pagamento não fosse feito conforme previsto, entraríamos logo numa discussão de correção. O acompanhamento da pontualidade de pagamento dos clientes era um dos pontos mais delicados. Se isso desandasse, teríamos, imediatamente, uma perda enorme de valor. As decisões de risco de crédito também exigiam um acompanhamento cuidadoso pois, se tivéssemos o prazo de venda 30 dias e se houvesse uma falha nisso, teríamos um prejuízo sem possibilidades de recuperação. Era uma angústia terrível.

A inflação alta exigia maior planejamento?

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Eu não sei se a palavra é planejamento. Porque, como planejar com 2.500% de inflação? Se fosse 200%, já seria um número de louco. O importante era conseguir que o fluxo financeiro andasse. Eu diria que praticamente não se podia ter um planejamento maior e que todo planejamento estava focado em como se proteger da inflação. E as correções salariais, elas praticamente aconteciam semanalmente. E nós, no fim, éramos todos educados a conseguir viver nesse ambiente.

Houve um momento no qual o senhor percebeu que o Plano Real estava dando certo em conseguir domar a inflação?

O plano conseguiu atacar a essência da inflação. Teve o período de transição da moeda, alguns meses que esse processo andou, e, estranhamente, a moeda nova começou a funcionar. Não sei se existe uma consciência técnica ou científica proporcional ao que aconteceu, compreende? Nós passamos tantos anos com uma inflação absolutamente sem controle e como é que, de repente, começou a funcionar? Provavelmente, a angústia de acabar com a inflação começou a tomar um nível muito elevado. Acho que, quando se criou a URV, começou a se criar essa confiança.

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E sobre a equipe que tocou o plano?

Tivemos a figura do Fernando Henrique, como ministro da Fazenda, um fenômeno interessante. E a equipe que foi formada a quem, eu acho, o Brasil deveria fazer um monumento. Como eu vivi isso pessoalmente, minha gratidão é uma coisa enorme. O plano potencializou o país, sua estrutura de trabalho, desenvolvimento, visibilidade internacional. Acho que o nosso agradecimento ainda foi insuficiente, pois os anos antes do Real, eram uma loucura absoluta por causa da inflação. E a equipe conseguiu implementar o Plano Real tão extraordinário em poucos meses.

Olhando de hoje, passados 30 anos, como o senhor avalia a importância do Plano Real para a economia brasileira?

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O real é um milagre, e que está funcionando bastante bem e que talvez esteja exigindo do Banco Central um policiamento muito forte, para evitar que a inflação volte.

O operário ganha menos de 50% daquilo que custa. E ainda grande parte do seu consumo tem 25% ou 30% de carga tributária.

Faltou alguma coisa no Plano Real?

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Nós fizemos um milagre com o plano. O sucesso, no fundo, tem de ser uma motivação para repetirmos o plano em mais meia dúzia ou dez coisas. Deveríamos sentar e analisar sobre as dez coisas mais importantes e olhar o referencial do mundo. Mas, no Brasil, como não se tem clareza de propósito de médio, longo prazo, fica-se constantemente inventando coisas e remendos.

É preciso pensar mais no médio e longo prazo?

Temos feito no Movimento Brasil Competitivo um trabalho para pensar o período de três governos pela frente, em temas como competitividade, estrutura tributária. Temos quatro, cinco itens-chave, que praticamente reduzem a competitividade do País. O custo burocrático, técnico de um trabalhador, no Brasil, nos pagamentos quinzenais, o operário ganha menos de 50% daquilo que custa. E ainda grande parte do seu consumo tem 25% ou 30% de carga tributária. Então, o operário, entre o que ele custa e o seu verdadeiro poder de compra, está ao redor de 35% ou 40%. Temos um erro de julgamento, que nós calculamos a carga tributária de cima para baixo. No mundo inteiro, se calcula de baixo para cima.

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Ou seja, o Brasil precisaria de mais planos reais...

Nós buscamos o objetivo de ter moeda estável, e ele foi atingido. Agora, não basta só o real. O real é a peça-chave disso tudo. O sucesso do real tem de ser motivação para avançar em outras coisas. Se foi bem-sucedido, precisa também aproveitar isso e tentar atacar outras frentes. A maior deficiência está na educação, no meu entender. Nós poderíamos debater o que nós queremos atingir em 10 ou 20 anos. Sonho que o Brasil um dia tenha uma renda per capita igual a Portugal. Dá para se conformar que nós estamos há 10, 20 ou 30 anos com a mesma renda per capita? Faltam planos reais para vários outros setores.

E quais setores seriam prioritários?

Ao não trabalharmos outros temas com a profundidade semelhante como houve no Plano Real, pegando os seis melhores benchmarks do mundo em cada tipo de problema, como na educação, saúde, no sistema tributário, nos levou a um atraso. Olho os melhores no mundo e aonde eu quero chegar em 15, 20 anos. Não posso depender de uma improvisação criativa dos diversos políticos que não olham o mundo. A competição é com o mundo. Nós temos de repetir o real nas dez frentes estratégicas que precisam ser trabalhadas. E vou dizer, no setor primário nós conseguimos.

O empresário Jorge Gerdau Johannpeter, ao longo dos seus 87 anos, passou por vários momentos da história econômica e política do Brasil. E um dos períodos mais difíceis para lidar foi o da disparada da inflação nos anos 80, para níveis que superavam 2.000% ao ano. Ao domar a inflação em poucos meses e ainda bem-sucedido 30 anos depois da implementação, o Plano Real, na avaliação de Gerdau, conseguiu um milagre. O empresário diz que esse sucesso tem de ser uma motivação para o Brasil ter um “plano real” para resolver seus problemas essenciais nos diversos setores da economia.

“O milagre que nós conseguimos no Plano Real temos que estender a mais meia dúzia de políticas governamentais. O sucesso do plano tem de ser motivação para avançar em outras coisas”, disse Gerdau ao Estadão/Broadcast, ao relembrar o período de inflação galopante, a adoção do plano e o que ainda precisa ser atacado no Brasil, um país que tem dificuldade de pensar o médio e longo prazo. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Como foi passar pelo momento do Plano Real? Como era o ambiente na época e quais foram os maiores desafios para sua empresa?

O Brasil tinha uma inflação gigantesca, e eu admiro como é que a gente conseguia viver e trabalhar. Era exigida grande agilidade empresarial, mas ela quase acontecia naturalmente. Nós chegamos a uma inflação de 2.500% ao ano, vivemos momentos de 7% de inflação por dia. Nesse ambiente, o maior cuidado que tínhamos era o pagamento pontual dos clientes. As correções de preço e o controle de pagamento das contas exigiam um exercício fanático de acompanhamento. Porque, caso o pagamento não fosse feito conforme previsto, entraríamos logo numa discussão de correção. O acompanhamento da pontualidade de pagamento dos clientes era um dos pontos mais delicados. Se isso desandasse, teríamos, imediatamente, uma perda enorme de valor. As decisões de risco de crédito também exigiam um acompanhamento cuidadoso pois, se tivéssemos o prazo de venda 30 dias e se houvesse uma falha nisso, teríamos um prejuízo sem possibilidades de recuperação. Era uma angústia terrível.

A inflação alta exigia maior planejamento?

Eu não sei se a palavra é planejamento. Porque, como planejar com 2.500% de inflação? Se fosse 200%, já seria um número de louco. O importante era conseguir que o fluxo financeiro andasse. Eu diria que praticamente não se podia ter um planejamento maior e que todo planejamento estava focado em como se proteger da inflação. E as correções salariais, elas praticamente aconteciam semanalmente. E nós, no fim, éramos todos educados a conseguir viver nesse ambiente.

Houve um momento no qual o senhor percebeu que o Plano Real estava dando certo em conseguir domar a inflação?

O plano conseguiu atacar a essência da inflação. Teve o período de transição da moeda, alguns meses que esse processo andou, e, estranhamente, a moeda nova começou a funcionar. Não sei se existe uma consciência técnica ou científica proporcional ao que aconteceu, compreende? Nós passamos tantos anos com uma inflação absolutamente sem controle e como é que, de repente, começou a funcionar? Provavelmente, a angústia de acabar com a inflação começou a tomar um nível muito elevado. Acho que, quando se criou a URV, começou a se criar essa confiança.

E sobre a equipe que tocou o plano?

Tivemos a figura do Fernando Henrique, como ministro da Fazenda, um fenômeno interessante. E a equipe que foi formada a quem, eu acho, o Brasil deveria fazer um monumento. Como eu vivi isso pessoalmente, minha gratidão é uma coisa enorme. O plano potencializou o país, sua estrutura de trabalho, desenvolvimento, visibilidade internacional. Acho que o nosso agradecimento ainda foi insuficiente, pois os anos antes do Real, eram uma loucura absoluta por causa da inflação. E a equipe conseguiu implementar o Plano Real tão extraordinário em poucos meses.

Olhando de hoje, passados 30 anos, como o senhor avalia a importância do Plano Real para a economia brasileira?

O real é um milagre, e que está funcionando bastante bem e que talvez esteja exigindo do Banco Central um policiamento muito forte, para evitar que a inflação volte.

O operário ganha menos de 50% daquilo que custa. E ainda grande parte do seu consumo tem 25% ou 30% de carga tributária.

Faltou alguma coisa no Plano Real?

Nós fizemos um milagre com o plano. O sucesso, no fundo, tem de ser uma motivação para repetirmos o plano em mais meia dúzia ou dez coisas. Deveríamos sentar e analisar sobre as dez coisas mais importantes e olhar o referencial do mundo. Mas, no Brasil, como não se tem clareza de propósito de médio, longo prazo, fica-se constantemente inventando coisas e remendos.

É preciso pensar mais no médio e longo prazo?

Temos feito no Movimento Brasil Competitivo um trabalho para pensar o período de três governos pela frente, em temas como competitividade, estrutura tributária. Temos quatro, cinco itens-chave, que praticamente reduzem a competitividade do País. O custo burocrático, técnico de um trabalhador, no Brasil, nos pagamentos quinzenais, o operário ganha menos de 50% daquilo que custa. E ainda grande parte do seu consumo tem 25% ou 30% de carga tributária. Então, o operário, entre o que ele custa e o seu verdadeiro poder de compra, está ao redor de 35% ou 40%. Temos um erro de julgamento, que nós calculamos a carga tributária de cima para baixo. No mundo inteiro, se calcula de baixo para cima.

Ou seja, o Brasil precisaria de mais planos reais...

Nós buscamos o objetivo de ter moeda estável, e ele foi atingido. Agora, não basta só o real. O real é a peça-chave disso tudo. O sucesso do real tem de ser motivação para avançar em outras coisas. Se foi bem-sucedido, precisa também aproveitar isso e tentar atacar outras frentes. A maior deficiência está na educação, no meu entender. Nós poderíamos debater o que nós queremos atingir em 10 ou 20 anos. Sonho que o Brasil um dia tenha uma renda per capita igual a Portugal. Dá para se conformar que nós estamos há 10, 20 ou 30 anos com a mesma renda per capita? Faltam planos reais para vários outros setores.

E quais setores seriam prioritários?

Ao não trabalharmos outros temas com a profundidade semelhante como houve no Plano Real, pegando os seis melhores benchmarks do mundo em cada tipo de problema, como na educação, saúde, no sistema tributário, nos levou a um atraso. Olho os melhores no mundo e aonde eu quero chegar em 15, 20 anos. Não posso depender de uma improvisação criativa dos diversos políticos que não olham o mundo. A competição é com o mundo. Nós temos de repetir o real nas dez frentes estratégicas que precisam ser trabalhadas. E vou dizer, no setor primário nós conseguimos.

O empresário Jorge Gerdau Johannpeter, ao longo dos seus 87 anos, passou por vários momentos da história econômica e política do Brasil. E um dos períodos mais difíceis para lidar foi o da disparada da inflação nos anos 80, para níveis que superavam 2.000% ao ano. Ao domar a inflação em poucos meses e ainda bem-sucedido 30 anos depois da implementação, o Plano Real, na avaliação de Gerdau, conseguiu um milagre. O empresário diz que esse sucesso tem de ser uma motivação para o Brasil ter um “plano real” para resolver seus problemas essenciais nos diversos setores da economia.

“O milagre que nós conseguimos no Plano Real temos que estender a mais meia dúzia de políticas governamentais. O sucesso do plano tem de ser motivação para avançar em outras coisas”, disse Gerdau ao Estadão/Broadcast, ao relembrar o período de inflação galopante, a adoção do plano e o que ainda precisa ser atacado no Brasil, um país que tem dificuldade de pensar o médio e longo prazo. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Como foi passar pelo momento do Plano Real? Como era o ambiente na época e quais foram os maiores desafios para sua empresa?

O Brasil tinha uma inflação gigantesca, e eu admiro como é que a gente conseguia viver e trabalhar. Era exigida grande agilidade empresarial, mas ela quase acontecia naturalmente. Nós chegamos a uma inflação de 2.500% ao ano, vivemos momentos de 7% de inflação por dia. Nesse ambiente, o maior cuidado que tínhamos era o pagamento pontual dos clientes. As correções de preço e o controle de pagamento das contas exigiam um exercício fanático de acompanhamento. Porque, caso o pagamento não fosse feito conforme previsto, entraríamos logo numa discussão de correção. O acompanhamento da pontualidade de pagamento dos clientes era um dos pontos mais delicados. Se isso desandasse, teríamos, imediatamente, uma perda enorme de valor. As decisões de risco de crédito também exigiam um acompanhamento cuidadoso pois, se tivéssemos o prazo de venda 30 dias e se houvesse uma falha nisso, teríamos um prejuízo sem possibilidades de recuperação. Era uma angústia terrível.

A inflação alta exigia maior planejamento?

Eu não sei se a palavra é planejamento. Porque, como planejar com 2.500% de inflação? Se fosse 200%, já seria um número de louco. O importante era conseguir que o fluxo financeiro andasse. Eu diria que praticamente não se podia ter um planejamento maior e que todo planejamento estava focado em como se proteger da inflação. E as correções salariais, elas praticamente aconteciam semanalmente. E nós, no fim, éramos todos educados a conseguir viver nesse ambiente.

Houve um momento no qual o senhor percebeu que o Plano Real estava dando certo em conseguir domar a inflação?

O plano conseguiu atacar a essência da inflação. Teve o período de transição da moeda, alguns meses que esse processo andou, e, estranhamente, a moeda nova começou a funcionar. Não sei se existe uma consciência técnica ou científica proporcional ao que aconteceu, compreende? Nós passamos tantos anos com uma inflação absolutamente sem controle e como é que, de repente, começou a funcionar? Provavelmente, a angústia de acabar com a inflação começou a tomar um nível muito elevado. Acho que, quando se criou a URV, começou a se criar essa confiança.

E sobre a equipe que tocou o plano?

Tivemos a figura do Fernando Henrique, como ministro da Fazenda, um fenômeno interessante. E a equipe que foi formada a quem, eu acho, o Brasil deveria fazer um monumento. Como eu vivi isso pessoalmente, minha gratidão é uma coisa enorme. O plano potencializou o país, sua estrutura de trabalho, desenvolvimento, visibilidade internacional. Acho que o nosso agradecimento ainda foi insuficiente, pois os anos antes do Real, eram uma loucura absoluta por causa da inflação. E a equipe conseguiu implementar o Plano Real tão extraordinário em poucos meses.

Olhando de hoje, passados 30 anos, como o senhor avalia a importância do Plano Real para a economia brasileira?

O real é um milagre, e que está funcionando bastante bem e que talvez esteja exigindo do Banco Central um policiamento muito forte, para evitar que a inflação volte.

O operário ganha menos de 50% daquilo que custa. E ainda grande parte do seu consumo tem 25% ou 30% de carga tributária.

Faltou alguma coisa no Plano Real?

Nós fizemos um milagre com o plano. O sucesso, no fundo, tem de ser uma motivação para repetirmos o plano em mais meia dúzia ou dez coisas. Deveríamos sentar e analisar sobre as dez coisas mais importantes e olhar o referencial do mundo. Mas, no Brasil, como não se tem clareza de propósito de médio, longo prazo, fica-se constantemente inventando coisas e remendos.

É preciso pensar mais no médio e longo prazo?

Temos feito no Movimento Brasil Competitivo um trabalho para pensar o período de três governos pela frente, em temas como competitividade, estrutura tributária. Temos quatro, cinco itens-chave, que praticamente reduzem a competitividade do País. O custo burocrático, técnico de um trabalhador, no Brasil, nos pagamentos quinzenais, o operário ganha menos de 50% daquilo que custa. E ainda grande parte do seu consumo tem 25% ou 30% de carga tributária. Então, o operário, entre o que ele custa e o seu verdadeiro poder de compra, está ao redor de 35% ou 40%. Temos um erro de julgamento, que nós calculamos a carga tributária de cima para baixo. No mundo inteiro, se calcula de baixo para cima.

Ou seja, o Brasil precisaria de mais planos reais...

Nós buscamos o objetivo de ter moeda estável, e ele foi atingido. Agora, não basta só o real. O real é a peça-chave disso tudo. O sucesso do real tem de ser motivação para avançar em outras coisas. Se foi bem-sucedido, precisa também aproveitar isso e tentar atacar outras frentes. A maior deficiência está na educação, no meu entender. Nós poderíamos debater o que nós queremos atingir em 10 ou 20 anos. Sonho que o Brasil um dia tenha uma renda per capita igual a Portugal. Dá para se conformar que nós estamos há 10, 20 ou 30 anos com a mesma renda per capita? Faltam planos reais para vários outros setores.

E quais setores seriam prioritários?

Ao não trabalharmos outros temas com a profundidade semelhante como houve no Plano Real, pegando os seis melhores benchmarks do mundo em cada tipo de problema, como na educação, saúde, no sistema tributário, nos levou a um atraso. Olho os melhores no mundo e aonde eu quero chegar em 15, 20 anos. Não posso depender de uma improvisação criativa dos diversos políticos que não olham o mundo. A competição é com o mundo. Nós temos de repetir o real nas dez frentes estratégicas que precisam ser trabalhadas. E vou dizer, no setor primário nós conseguimos.

O empresário Jorge Gerdau Johannpeter, ao longo dos seus 87 anos, passou por vários momentos da história econômica e política do Brasil. E um dos períodos mais difíceis para lidar foi o da disparada da inflação nos anos 80, para níveis que superavam 2.000% ao ano. Ao domar a inflação em poucos meses e ainda bem-sucedido 30 anos depois da implementação, o Plano Real, na avaliação de Gerdau, conseguiu um milagre. O empresário diz que esse sucesso tem de ser uma motivação para o Brasil ter um “plano real” para resolver seus problemas essenciais nos diversos setores da economia.

“O milagre que nós conseguimos no Plano Real temos que estender a mais meia dúzia de políticas governamentais. O sucesso do plano tem de ser motivação para avançar em outras coisas”, disse Gerdau ao Estadão/Broadcast, ao relembrar o período de inflação galopante, a adoção do plano e o que ainda precisa ser atacado no Brasil, um país que tem dificuldade de pensar o médio e longo prazo. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Como foi passar pelo momento do Plano Real? Como era o ambiente na época e quais foram os maiores desafios para sua empresa?

O Brasil tinha uma inflação gigantesca, e eu admiro como é que a gente conseguia viver e trabalhar. Era exigida grande agilidade empresarial, mas ela quase acontecia naturalmente. Nós chegamos a uma inflação de 2.500% ao ano, vivemos momentos de 7% de inflação por dia. Nesse ambiente, o maior cuidado que tínhamos era o pagamento pontual dos clientes. As correções de preço e o controle de pagamento das contas exigiam um exercício fanático de acompanhamento. Porque, caso o pagamento não fosse feito conforme previsto, entraríamos logo numa discussão de correção. O acompanhamento da pontualidade de pagamento dos clientes era um dos pontos mais delicados. Se isso desandasse, teríamos, imediatamente, uma perda enorme de valor. As decisões de risco de crédito também exigiam um acompanhamento cuidadoso pois, se tivéssemos o prazo de venda 30 dias e se houvesse uma falha nisso, teríamos um prejuízo sem possibilidades de recuperação. Era uma angústia terrível.

A inflação alta exigia maior planejamento?

Eu não sei se a palavra é planejamento. Porque, como planejar com 2.500% de inflação? Se fosse 200%, já seria um número de louco. O importante era conseguir que o fluxo financeiro andasse. Eu diria que praticamente não se podia ter um planejamento maior e que todo planejamento estava focado em como se proteger da inflação. E as correções salariais, elas praticamente aconteciam semanalmente. E nós, no fim, éramos todos educados a conseguir viver nesse ambiente.

Houve um momento no qual o senhor percebeu que o Plano Real estava dando certo em conseguir domar a inflação?

O plano conseguiu atacar a essência da inflação. Teve o período de transição da moeda, alguns meses que esse processo andou, e, estranhamente, a moeda nova começou a funcionar. Não sei se existe uma consciência técnica ou científica proporcional ao que aconteceu, compreende? Nós passamos tantos anos com uma inflação absolutamente sem controle e como é que, de repente, começou a funcionar? Provavelmente, a angústia de acabar com a inflação começou a tomar um nível muito elevado. Acho que, quando se criou a URV, começou a se criar essa confiança.

E sobre a equipe que tocou o plano?

Tivemos a figura do Fernando Henrique, como ministro da Fazenda, um fenômeno interessante. E a equipe que foi formada a quem, eu acho, o Brasil deveria fazer um monumento. Como eu vivi isso pessoalmente, minha gratidão é uma coisa enorme. O plano potencializou o país, sua estrutura de trabalho, desenvolvimento, visibilidade internacional. Acho que o nosso agradecimento ainda foi insuficiente, pois os anos antes do Real, eram uma loucura absoluta por causa da inflação. E a equipe conseguiu implementar o Plano Real tão extraordinário em poucos meses.

Olhando de hoje, passados 30 anos, como o senhor avalia a importância do Plano Real para a economia brasileira?

O real é um milagre, e que está funcionando bastante bem e que talvez esteja exigindo do Banco Central um policiamento muito forte, para evitar que a inflação volte.

O operário ganha menos de 50% daquilo que custa. E ainda grande parte do seu consumo tem 25% ou 30% de carga tributária.

Faltou alguma coisa no Plano Real?

Nós fizemos um milagre com o plano. O sucesso, no fundo, tem de ser uma motivação para repetirmos o plano em mais meia dúzia ou dez coisas. Deveríamos sentar e analisar sobre as dez coisas mais importantes e olhar o referencial do mundo. Mas, no Brasil, como não se tem clareza de propósito de médio, longo prazo, fica-se constantemente inventando coisas e remendos.

É preciso pensar mais no médio e longo prazo?

Temos feito no Movimento Brasil Competitivo um trabalho para pensar o período de três governos pela frente, em temas como competitividade, estrutura tributária. Temos quatro, cinco itens-chave, que praticamente reduzem a competitividade do País. O custo burocrático, técnico de um trabalhador, no Brasil, nos pagamentos quinzenais, o operário ganha menos de 50% daquilo que custa. E ainda grande parte do seu consumo tem 25% ou 30% de carga tributária. Então, o operário, entre o que ele custa e o seu verdadeiro poder de compra, está ao redor de 35% ou 40%. Temos um erro de julgamento, que nós calculamos a carga tributária de cima para baixo. No mundo inteiro, se calcula de baixo para cima.

Ou seja, o Brasil precisaria de mais planos reais...

Nós buscamos o objetivo de ter moeda estável, e ele foi atingido. Agora, não basta só o real. O real é a peça-chave disso tudo. O sucesso do real tem de ser motivação para avançar em outras coisas. Se foi bem-sucedido, precisa também aproveitar isso e tentar atacar outras frentes. A maior deficiência está na educação, no meu entender. Nós poderíamos debater o que nós queremos atingir em 10 ou 20 anos. Sonho que o Brasil um dia tenha uma renda per capita igual a Portugal. Dá para se conformar que nós estamos há 10, 20 ou 30 anos com a mesma renda per capita? Faltam planos reais para vários outros setores.

E quais setores seriam prioritários?

Ao não trabalharmos outros temas com a profundidade semelhante como houve no Plano Real, pegando os seis melhores benchmarks do mundo em cada tipo de problema, como na educação, saúde, no sistema tributário, nos levou a um atraso. Olho os melhores no mundo e aonde eu quero chegar em 15, 20 anos. Não posso depender de uma improvisação criativa dos diversos políticos que não olham o mundo. A competição é com o mundo. Nós temos de repetir o real nas dez frentes estratégicas que precisam ser trabalhadas. E vou dizer, no setor primário nós conseguimos.

Entrevista por Altamiro Silva Junior

Altamiro Silva Junior é repórter especial do Broadcast. Responsável pela cobertura de negócios e bancos de investimento, é formado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com mestrado em Economia pela mesma universidade. Foi correspondente da Agência Estado em Nova York por quatro anos e seis meses, entre 2012 e 2017.

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