Lula dá sinais de que eventual governo seria mais parecido com o do primeiro mandato, diz Giannetti


Um dos assessores econômicos de Marina Silva nas últimas campanhas presidenciais, Giannetti declara voto em Lula e diz que próximo governo precisa definir nova âncora fiscal logo no início do mandato

Por Luiz Guilherme Gerbelli

Na avaliação do economista Eduardo Giannetti, o candidato do PT à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, vem dando sinais de que, se eleito, deve fazer um governo parecido com o seu primeiro mandato caso seja eleito. Os indícios, de acordo com ele, são a escolha de Geraldo Alckmin para a chapa presidencial, a reaproximação com Marina Silva (Rede) e o apoio de Henrique Meirelles.

“É um Lula que preservou o tripé macroeconômico e, para surpresa de tantos, aumentou o superávit primário em relação ao que vinha sendo praticado no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso”, diz Giannetti, que assessorou Marina Silva nas últimas campanhas presidenciais.

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Giannetti afirma que vai votar em Lula no segundo turno e prevê uma disputa final acirrada, embora enxergue o petista como mais chances de vencer a eleição. “Ele (Lula) é claramente favorito, porque está com uma vantagem de 6 milhões de votos, o que não é pouco”, afirma.

Na economia, o economista vê risco nas contas públicas e a necessidade de que o novo governo defina uma nova âncora fiscal logo no início do mandato.

“A âncora fiscal precisa ter um horizonte, em que se constate, que, embora a dívida pública tenha crescido muito no período recente, ela não vai continuar na mesma trajetória nos próximos anos e vai caminhar para um período de estabilidade e lento declínio.”

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Economista e professor do Insper, Eduardo Giannetti Fonseca. Foto: Gabriela Biló/Estadão

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

Como o Brasil sai das urnas?

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Em primeiríssimo lugar, a gente tem de reconhecer que, numa eleição complexa, num País vasto e continental como o Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral e o eleitorado brasileiro estão de parabéns, porque foi uma eleição muito civilizada. Em relação à disputa presidencial, não houve tanta surpresa à luz do que os institutos de pesquisa vinham indicando.

Nem com o porcentual obtido por Bolsonaro?

O Bolsonaro teve uma votação um pouco maior do que estava previsto, e o Lula teve um desempenho muito perto do que estava se imaginando por todas as pesquisas. Mas essa diferença (das pesquisas) não é só um fenômeno brasileiro. Nas duas eleições do Trump, os institutos de pesquisa americanos não conseguiram prever corretamente o que aconteceu na eleição. No primeiro caso, havia uma quase certeza da vitória da Hillary Clinton, mas ela perdeu. E no segundo caso, dava-se uma margem muito tranquila de vitória para o Biden, mas, no fim, a eleição foi muito apertada.

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Uma das hipóteses em relação ao crescimento do Bolsonaro nos últimos dias de campanha é que houve um movimento de voto útil, migrando da direita que apoia o Ciro Gomes para o Bolsonaro, ao perceber que o Ciro estava praticamente sem condição de alcançar o segundo turno.

Eu tendo a crer que a eleição no segundo turno no Brasil, se não houver nenhum imprevisto no caminho, vai repetir um pouco a experiência americana da vitória do Biden sobre o Trump.

O Lula é favorito na sua leitura?

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Ele claramente é favorito, porque está com uma vantagem de 6 milhões de votos, o que não é pouco. E se você analisar, os votos da Simone Tebet e do Ciro Gomes, devem, predominantemente, migrar para o candidato Lula. Agora, o que realmente surpreendeu foi a força do movimento da direita mais extrema na eleição de governadores, senadores e deputados. Aí, realmente, eu acho que foi uma surpresa. Precisa entender por que os institutos de pesquisa não conseguiram prever esses resultados, mas também é preciso deixar claro que não paira a menor dúvida sobre a lisura e a seriedade com que esses institutos trabalham.

Num caso de eventual vitória do Lula, como ele conseguiria implementar a sua agenda com um Congresso mais à direta?

O resultado do Congresso certamente dificulta a governabilidade de um eventual governo Lula, especialmente no caso do Senado, em que houve uma vitória muito expressiva das forças alinhadas com o chamado bolsonarismo. Por outro lado, é preciso lembrar que um presidente recém-eleito tem um grande capital político no início do mandato. Boa parte do chamado Centrão é muito maleável a essa situação inicial do mandato, em que o Executivo tem o seu poder de liderança muito forte para iniciar, pelo menos, algumas propostas de mudança.

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E um cenário de governo Bolsonaro?

O que me preocupa muito em relação ao eventual segundo mandato de Bolsonaro é que a maioria que ele, se eleito, passará a ter no Senado permite iniciar um processo de impeachment no Supremo Tribunal Federal, além de indicar novos ministros. Acho isso uma coisa extremamente preocupante e perigosa caso haja um eventual, porém, improvável cenário de reeleição do Bolsonaro.

Nos últimos quatro anos, o País viu as instituições sendo testadas, mas respondendo de alguma forma. Você acha que isso não aconteceria num segundo mandato do Bolsonaro?

Eu acho que o risco cresce substancialmente. O Bolsonaro revigorado nas urnas vai se sentir muito mais autorizado para poder fazer coisas que não pode durante o seu primeiro mandato.

E qual seria o impacto disso na economia? Neste ano, nós já vimos mudanças em regras eleitorais e fiscais.

Seja qual for o governo eleito, ele vai herdar uma situação fiscal muito delicada e que precisará ser endereçada para evitar que o País caminhe para um endividamento insustentável ao longo dos próximos anos. O governo Bolsonaro, que assumiu com um discurso de equilíbrio fiscal e de austeridade, ao longo do mandato, foi sofrendo uma guinada vertiginosa. Primeiro, houve uma aliança política com o Centrão mais ou menos na metade do mandato. É que eu chamo de populismo fiscal no momento em que houve a ameaça de um impeachment na época da pandemia. O capítulo seguinte foi a tradução do populismo político em populismo fiscal com uma série de medidas, algumas de caráter puramente eleitoreiras.

O que ajudou a conter um pouco o crescimento da dívida deste ano, apesar do aumento do gasto público, foi a inflação, mas no ano que vem já não é a mesma coisa e com um agravante. Na primeira fase de 2023, os juros continuarão muito elevados e, se for preciso manter por mais tempo essa política monetária, o serviço da dívida se torna muito elevado. Nós corremos o risco de entrar num sistema de retroalimentação da dívida pública. Então, é crucial para o início do próximo mandato que se criem as condições de credibilidade, de âncora fiscal, para que o Banco Central tenha espaço para uma redução dos juros em caráter genuíno.

O que precisa conter nesse âncora fiscal?

A âncora fiscal não se trata de um ajuste instantâneo, porque isso seria muito penoso em termos de retração da atividade econômica. A âncora fiscal precisa ter um horizonte, em que se constate, que, embora a dívida pública tenha crescido muito no período recente, ela não vai continuar na mesma trajetória nos próximos anos e vai caminhar para um período de estabilidade e lento declínio.

Ajudaria muito também um novo governo com uma excelente equipe econômica, que despertasse grande credibilidade e atraísse capitais externos. Esse choque de credibilidade promoveria uma apreciação dos ativos em real. Um real mais estável e valorizado em relação ao dólar teria um efeito muito positivo na frente inflacionária e abriria espaço para uma redução mais agressiva dos juros, o que, por sua vez, aliviaria bastante a conta de juros que o País vai ter que pagar no próximo ano.

Esse cenário tem preocupa? Nenhum dos candidatos deixa claro qual será a sua política fiscal.

Eu já participei ativamente da coordenação de programas de governo em campanha. Entendo perfeitamente a dificuldade de ser claro e específico num assunto tão delicado como é esse da âncora fiscal. Não me surpreende, portanto, que não haja o nível de concretude, de especificidade, que nós idealmente gostaríamos que houvesse.

Agora, eu entendo que o Lula, como candidato, mostrou com certa consistência de que está caminhando para um governo mais parecido com o que foi o primeiro mandato dele do que em relação ao segundo, para não falar do desastre e do descalabro que foi o governo Dilma.

Quais são esses indícios?

Primeiro, a presença do Alckmin como vice e com autoridade na campanha. Segundo, o apoio da Marina Silva com base num acordo não apenas de eleição, mas de programa para o meio ambiente. A coordenação da campanha e o próprio Lula aceitaram as propostas bastante específicas e concretas que a Marina apresentou para recuperar as instituições de cuidados do meio ambiente e delinear uma política ambiental digna desse nome para um novo governo. E por fim, aquele encontro com os presidenciáveis no qual esteve presente, entre outras pessoas, o Henrique Meirelles, que foi presidente do Banco Central no primeiro mandato do Lula, e que dá uma certa tranquilidade de que há um entendimento de que o Lula será o do primeiro mandato.

É um Lula que preservou o tripé macroeconômico e, para surpresa de tantos, aumentou o superávit primário em relação ao que vinha sendo praticado no segundo mandato Fernando Henrique Cardoso.

O sr. mencionou a necessidade de um definir um arcabouço fiscal. E qual é a agenda de médio e longo prazo?

Eu acho muito importante uma ideia que foi desenvolvida num trabalho do Edmar Bacha, que é a constatação de que, nos últimos 70 anos, só 12 países no mundo conseguiram vencer a chamada armadilha da renda média. Todos, sem exceção, superaram aumentando a ‘exportabilidade’ do seu PIB, seja de manufaturados, commodities e serviços. Ou seja, não há precedente de país que venceu a armadilha da renda média sem maior integração ao fluxo mundial de comércio.

O País precisa melhorar o ambiente de negócios, ter uma melhor infraestrutura, mas o caminho para o Brasil sair do atoleiro, no qual ele está desde, pelo menos, os anos 1980 passa por uma maior ‘exportabilidade’ do PIB. Não é à toa que a nossa produtividade está estagnada e, até mesmo, declinante de tantos anos para cá. Com 40 milhões de brasileiros vivendo um dia de cada vez na informalidade, não há como a produtividade no Brasil crescer significativamente. A nossa produtividade vai melhorar conforme nós incorporamos esse contingente, treinando, educando, tendo empregos mais produtivos.

E se você me perguntar por um prazo um pouco mais longo, o futuro do Brasil não vai ser decidido no Copom, no Ministério da Fazenda, nas profundezas do pré-sal, vai ser decidido nas milhares de salas de aula do nosso Ensino Fundamental.

A eleição deste ano marcou uma reaproximação da Marina Silva com o Lula. Isso te levar a votar nele também neste segundo turno?

Eu acho positivo que haja segundo turno no sentido bastante específico, que é a disputa pelo centro. Não me agrada uma eleição em que os dois candidatos dividem o país cada um ao seu modo. Eu jamais vou votar num candidato que elogia torturador, que faz vistas grossas para a destruição do nosso patrimônio ambiental, que não tem o menor apreço pelo conhecimento, pela educação, pela cultura, que, de fato, ameaça a nossa democracia de várias maneiras e que teve um papel simplesmente desastroso, para não dizer trágico, na gestão da pandemia. Então, eu posso garantir que vou votar no Lula no segundo turno.

Na avaliação do economista Eduardo Giannetti, o candidato do PT à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, vem dando sinais de que, se eleito, deve fazer um governo parecido com o seu primeiro mandato caso seja eleito. Os indícios, de acordo com ele, são a escolha de Geraldo Alckmin para a chapa presidencial, a reaproximação com Marina Silva (Rede) e o apoio de Henrique Meirelles.

“É um Lula que preservou o tripé macroeconômico e, para surpresa de tantos, aumentou o superávit primário em relação ao que vinha sendo praticado no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso”, diz Giannetti, que assessorou Marina Silva nas últimas campanhas presidenciais.

Giannetti afirma que vai votar em Lula no segundo turno e prevê uma disputa final acirrada, embora enxergue o petista como mais chances de vencer a eleição. “Ele (Lula) é claramente favorito, porque está com uma vantagem de 6 milhões de votos, o que não é pouco”, afirma.

Na economia, o economista vê risco nas contas públicas e a necessidade de que o novo governo defina uma nova âncora fiscal logo no início do mandato.

“A âncora fiscal precisa ter um horizonte, em que se constate, que, embora a dívida pública tenha crescido muito no período recente, ela não vai continuar na mesma trajetória nos próximos anos e vai caminhar para um período de estabilidade e lento declínio.”

Economista e professor do Insper, Eduardo Giannetti Fonseca. Foto: Gabriela Biló/Estadão

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

Como o Brasil sai das urnas?

Em primeiríssimo lugar, a gente tem de reconhecer que, numa eleição complexa, num País vasto e continental como o Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral e o eleitorado brasileiro estão de parabéns, porque foi uma eleição muito civilizada. Em relação à disputa presidencial, não houve tanta surpresa à luz do que os institutos de pesquisa vinham indicando.

Nem com o porcentual obtido por Bolsonaro?

O Bolsonaro teve uma votação um pouco maior do que estava previsto, e o Lula teve um desempenho muito perto do que estava se imaginando por todas as pesquisas. Mas essa diferença (das pesquisas) não é só um fenômeno brasileiro. Nas duas eleições do Trump, os institutos de pesquisa americanos não conseguiram prever corretamente o que aconteceu na eleição. No primeiro caso, havia uma quase certeza da vitória da Hillary Clinton, mas ela perdeu. E no segundo caso, dava-se uma margem muito tranquila de vitória para o Biden, mas, no fim, a eleição foi muito apertada.

Uma das hipóteses em relação ao crescimento do Bolsonaro nos últimos dias de campanha é que houve um movimento de voto útil, migrando da direita que apoia o Ciro Gomes para o Bolsonaro, ao perceber que o Ciro estava praticamente sem condição de alcançar o segundo turno.

Eu tendo a crer que a eleição no segundo turno no Brasil, se não houver nenhum imprevisto no caminho, vai repetir um pouco a experiência americana da vitória do Biden sobre o Trump.

O Lula é favorito na sua leitura?

Ele claramente é favorito, porque está com uma vantagem de 6 milhões de votos, o que não é pouco. E se você analisar, os votos da Simone Tebet e do Ciro Gomes, devem, predominantemente, migrar para o candidato Lula. Agora, o que realmente surpreendeu foi a força do movimento da direita mais extrema na eleição de governadores, senadores e deputados. Aí, realmente, eu acho que foi uma surpresa. Precisa entender por que os institutos de pesquisa não conseguiram prever esses resultados, mas também é preciso deixar claro que não paira a menor dúvida sobre a lisura e a seriedade com que esses institutos trabalham.

Num caso de eventual vitória do Lula, como ele conseguiria implementar a sua agenda com um Congresso mais à direta?

O resultado do Congresso certamente dificulta a governabilidade de um eventual governo Lula, especialmente no caso do Senado, em que houve uma vitória muito expressiva das forças alinhadas com o chamado bolsonarismo. Por outro lado, é preciso lembrar que um presidente recém-eleito tem um grande capital político no início do mandato. Boa parte do chamado Centrão é muito maleável a essa situação inicial do mandato, em que o Executivo tem o seu poder de liderança muito forte para iniciar, pelo menos, algumas propostas de mudança.

E um cenário de governo Bolsonaro?

O que me preocupa muito em relação ao eventual segundo mandato de Bolsonaro é que a maioria que ele, se eleito, passará a ter no Senado permite iniciar um processo de impeachment no Supremo Tribunal Federal, além de indicar novos ministros. Acho isso uma coisa extremamente preocupante e perigosa caso haja um eventual, porém, improvável cenário de reeleição do Bolsonaro.

Nos últimos quatro anos, o País viu as instituições sendo testadas, mas respondendo de alguma forma. Você acha que isso não aconteceria num segundo mandato do Bolsonaro?

Eu acho que o risco cresce substancialmente. O Bolsonaro revigorado nas urnas vai se sentir muito mais autorizado para poder fazer coisas que não pode durante o seu primeiro mandato.

E qual seria o impacto disso na economia? Neste ano, nós já vimos mudanças em regras eleitorais e fiscais.

Seja qual for o governo eleito, ele vai herdar uma situação fiscal muito delicada e que precisará ser endereçada para evitar que o País caminhe para um endividamento insustentável ao longo dos próximos anos. O governo Bolsonaro, que assumiu com um discurso de equilíbrio fiscal e de austeridade, ao longo do mandato, foi sofrendo uma guinada vertiginosa. Primeiro, houve uma aliança política com o Centrão mais ou menos na metade do mandato. É que eu chamo de populismo fiscal no momento em que houve a ameaça de um impeachment na época da pandemia. O capítulo seguinte foi a tradução do populismo político em populismo fiscal com uma série de medidas, algumas de caráter puramente eleitoreiras.

O que ajudou a conter um pouco o crescimento da dívida deste ano, apesar do aumento do gasto público, foi a inflação, mas no ano que vem já não é a mesma coisa e com um agravante. Na primeira fase de 2023, os juros continuarão muito elevados e, se for preciso manter por mais tempo essa política monetária, o serviço da dívida se torna muito elevado. Nós corremos o risco de entrar num sistema de retroalimentação da dívida pública. Então, é crucial para o início do próximo mandato que se criem as condições de credibilidade, de âncora fiscal, para que o Banco Central tenha espaço para uma redução dos juros em caráter genuíno.

O que precisa conter nesse âncora fiscal?

A âncora fiscal não se trata de um ajuste instantâneo, porque isso seria muito penoso em termos de retração da atividade econômica. A âncora fiscal precisa ter um horizonte, em que se constate, que, embora a dívida pública tenha crescido muito no período recente, ela não vai continuar na mesma trajetória nos próximos anos e vai caminhar para um período de estabilidade e lento declínio.

Ajudaria muito também um novo governo com uma excelente equipe econômica, que despertasse grande credibilidade e atraísse capitais externos. Esse choque de credibilidade promoveria uma apreciação dos ativos em real. Um real mais estável e valorizado em relação ao dólar teria um efeito muito positivo na frente inflacionária e abriria espaço para uma redução mais agressiva dos juros, o que, por sua vez, aliviaria bastante a conta de juros que o País vai ter que pagar no próximo ano.

Esse cenário tem preocupa? Nenhum dos candidatos deixa claro qual será a sua política fiscal.

Eu já participei ativamente da coordenação de programas de governo em campanha. Entendo perfeitamente a dificuldade de ser claro e específico num assunto tão delicado como é esse da âncora fiscal. Não me surpreende, portanto, que não haja o nível de concretude, de especificidade, que nós idealmente gostaríamos que houvesse.

Agora, eu entendo que o Lula, como candidato, mostrou com certa consistência de que está caminhando para um governo mais parecido com o que foi o primeiro mandato dele do que em relação ao segundo, para não falar do desastre e do descalabro que foi o governo Dilma.

Quais são esses indícios?

Primeiro, a presença do Alckmin como vice e com autoridade na campanha. Segundo, o apoio da Marina Silva com base num acordo não apenas de eleição, mas de programa para o meio ambiente. A coordenação da campanha e o próprio Lula aceitaram as propostas bastante específicas e concretas que a Marina apresentou para recuperar as instituições de cuidados do meio ambiente e delinear uma política ambiental digna desse nome para um novo governo. E por fim, aquele encontro com os presidenciáveis no qual esteve presente, entre outras pessoas, o Henrique Meirelles, que foi presidente do Banco Central no primeiro mandato do Lula, e que dá uma certa tranquilidade de que há um entendimento de que o Lula será o do primeiro mandato.

É um Lula que preservou o tripé macroeconômico e, para surpresa de tantos, aumentou o superávit primário em relação ao que vinha sendo praticado no segundo mandato Fernando Henrique Cardoso.

O sr. mencionou a necessidade de um definir um arcabouço fiscal. E qual é a agenda de médio e longo prazo?

Eu acho muito importante uma ideia que foi desenvolvida num trabalho do Edmar Bacha, que é a constatação de que, nos últimos 70 anos, só 12 países no mundo conseguiram vencer a chamada armadilha da renda média. Todos, sem exceção, superaram aumentando a ‘exportabilidade’ do seu PIB, seja de manufaturados, commodities e serviços. Ou seja, não há precedente de país que venceu a armadilha da renda média sem maior integração ao fluxo mundial de comércio.

O País precisa melhorar o ambiente de negócios, ter uma melhor infraestrutura, mas o caminho para o Brasil sair do atoleiro, no qual ele está desde, pelo menos, os anos 1980 passa por uma maior ‘exportabilidade’ do PIB. Não é à toa que a nossa produtividade está estagnada e, até mesmo, declinante de tantos anos para cá. Com 40 milhões de brasileiros vivendo um dia de cada vez na informalidade, não há como a produtividade no Brasil crescer significativamente. A nossa produtividade vai melhorar conforme nós incorporamos esse contingente, treinando, educando, tendo empregos mais produtivos.

E se você me perguntar por um prazo um pouco mais longo, o futuro do Brasil não vai ser decidido no Copom, no Ministério da Fazenda, nas profundezas do pré-sal, vai ser decidido nas milhares de salas de aula do nosso Ensino Fundamental.

A eleição deste ano marcou uma reaproximação da Marina Silva com o Lula. Isso te levar a votar nele também neste segundo turno?

Eu acho positivo que haja segundo turno no sentido bastante específico, que é a disputa pelo centro. Não me agrada uma eleição em que os dois candidatos dividem o país cada um ao seu modo. Eu jamais vou votar num candidato que elogia torturador, que faz vistas grossas para a destruição do nosso patrimônio ambiental, que não tem o menor apreço pelo conhecimento, pela educação, pela cultura, que, de fato, ameaça a nossa democracia de várias maneiras e que teve um papel simplesmente desastroso, para não dizer trágico, na gestão da pandemia. Então, eu posso garantir que vou votar no Lula no segundo turno.

Na avaliação do economista Eduardo Giannetti, o candidato do PT à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, vem dando sinais de que, se eleito, deve fazer um governo parecido com o seu primeiro mandato caso seja eleito. Os indícios, de acordo com ele, são a escolha de Geraldo Alckmin para a chapa presidencial, a reaproximação com Marina Silva (Rede) e o apoio de Henrique Meirelles.

“É um Lula que preservou o tripé macroeconômico e, para surpresa de tantos, aumentou o superávit primário em relação ao que vinha sendo praticado no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso”, diz Giannetti, que assessorou Marina Silva nas últimas campanhas presidenciais.

Giannetti afirma que vai votar em Lula no segundo turno e prevê uma disputa final acirrada, embora enxergue o petista como mais chances de vencer a eleição. “Ele (Lula) é claramente favorito, porque está com uma vantagem de 6 milhões de votos, o que não é pouco”, afirma.

Na economia, o economista vê risco nas contas públicas e a necessidade de que o novo governo defina uma nova âncora fiscal logo no início do mandato.

“A âncora fiscal precisa ter um horizonte, em que se constate, que, embora a dívida pública tenha crescido muito no período recente, ela não vai continuar na mesma trajetória nos próximos anos e vai caminhar para um período de estabilidade e lento declínio.”

Economista e professor do Insper, Eduardo Giannetti Fonseca. Foto: Gabriela Biló/Estadão

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

Como o Brasil sai das urnas?

Em primeiríssimo lugar, a gente tem de reconhecer que, numa eleição complexa, num País vasto e continental como o Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral e o eleitorado brasileiro estão de parabéns, porque foi uma eleição muito civilizada. Em relação à disputa presidencial, não houve tanta surpresa à luz do que os institutos de pesquisa vinham indicando.

Nem com o porcentual obtido por Bolsonaro?

O Bolsonaro teve uma votação um pouco maior do que estava previsto, e o Lula teve um desempenho muito perto do que estava se imaginando por todas as pesquisas. Mas essa diferença (das pesquisas) não é só um fenômeno brasileiro. Nas duas eleições do Trump, os institutos de pesquisa americanos não conseguiram prever corretamente o que aconteceu na eleição. No primeiro caso, havia uma quase certeza da vitória da Hillary Clinton, mas ela perdeu. E no segundo caso, dava-se uma margem muito tranquila de vitória para o Biden, mas, no fim, a eleição foi muito apertada.

Uma das hipóteses em relação ao crescimento do Bolsonaro nos últimos dias de campanha é que houve um movimento de voto útil, migrando da direita que apoia o Ciro Gomes para o Bolsonaro, ao perceber que o Ciro estava praticamente sem condição de alcançar o segundo turno.

Eu tendo a crer que a eleição no segundo turno no Brasil, se não houver nenhum imprevisto no caminho, vai repetir um pouco a experiência americana da vitória do Biden sobre o Trump.

O Lula é favorito na sua leitura?

Ele claramente é favorito, porque está com uma vantagem de 6 milhões de votos, o que não é pouco. E se você analisar, os votos da Simone Tebet e do Ciro Gomes, devem, predominantemente, migrar para o candidato Lula. Agora, o que realmente surpreendeu foi a força do movimento da direita mais extrema na eleição de governadores, senadores e deputados. Aí, realmente, eu acho que foi uma surpresa. Precisa entender por que os institutos de pesquisa não conseguiram prever esses resultados, mas também é preciso deixar claro que não paira a menor dúvida sobre a lisura e a seriedade com que esses institutos trabalham.

Num caso de eventual vitória do Lula, como ele conseguiria implementar a sua agenda com um Congresso mais à direta?

O resultado do Congresso certamente dificulta a governabilidade de um eventual governo Lula, especialmente no caso do Senado, em que houve uma vitória muito expressiva das forças alinhadas com o chamado bolsonarismo. Por outro lado, é preciso lembrar que um presidente recém-eleito tem um grande capital político no início do mandato. Boa parte do chamado Centrão é muito maleável a essa situação inicial do mandato, em que o Executivo tem o seu poder de liderança muito forte para iniciar, pelo menos, algumas propostas de mudança.

E um cenário de governo Bolsonaro?

O que me preocupa muito em relação ao eventual segundo mandato de Bolsonaro é que a maioria que ele, se eleito, passará a ter no Senado permite iniciar um processo de impeachment no Supremo Tribunal Federal, além de indicar novos ministros. Acho isso uma coisa extremamente preocupante e perigosa caso haja um eventual, porém, improvável cenário de reeleição do Bolsonaro.

Nos últimos quatro anos, o País viu as instituições sendo testadas, mas respondendo de alguma forma. Você acha que isso não aconteceria num segundo mandato do Bolsonaro?

Eu acho que o risco cresce substancialmente. O Bolsonaro revigorado nas urnas vai se sentir muito mais autorizado para poder fazer coisas que não pode durante o seu primeiro mandato.

E qual seria o impacto disso na economia? Neste ano, nós já vimos mudanças em regras eleitorais e fiscais.

Seja qual for o governo eleito, ele vai herdar uma situação fiscal muito delicada e que precisará ser endereçada para evitar que o País caminhe para um endividamento insustentável ao longo dos próximos anos. O governo Bolsonaro, que assumiu com um discurso de equilíbrio fiscal e de austeridade, ao longo do mandato, foi sofrendo uma guinada vertiginosa. Primeiro, houve uma aliança política com o Centrão mais ou menos na metade do mandato. É que eu chamo de populismo fiscal no momento em que houve a ameaça de um impeachment na época da pandemia. O capítulo seguinte foi a tradução do populismo político em populismo fiscal com uma série de medidas, algumas de caráter puramente eleitoreiras.

O que ajudou a conter um pouco o crescimento da dívida deste ano, apesar do aumento do gasto público, foi a inflação, mas no ano que vem já não é a mesma coisa e com um agravante. Na primeira fase de 2023, os juros continuarão muito elevados e, se for preciso manter por mais tempo essa política monetária, o serviço da dívida se torna muito elevado. Nós corremos o risco de entrar num sistema de retroalimentação da dívida pública. Então, é crucial para o início do próximo mandato que se criem as condições de credibilidade, de âncora fiscal, para que o Banco Central tenha espaço para uma redução dos juros em caráter genuíno.

O que precisa conter nesse âncora fiscal?

A âncora fiscal não se trata de um ajuste instantâneo, porque isso seria muito penoso em termos de retração da atividade econômica. A âncora fiscal precisa ter um horizonte, em que se constate, que, embora a dívida pública tenha crescido muito no período recente, ela não vai continuar na mesma trajetória nos próximos anos e vai caminhar para um período de estabilidade e lento declínio.

Ajudaria muito também um novo governo com uma excelente equipe econômica, que despertasse grande credibilidade e atraísse capitais externos. Esse choque de credibilidade promoveria uma apreciação dos ativos em real. Um real mais estável e valorizado em relação ao dólar teria um efeito muito positivo na frente inflacionária e abriria espaço para uma redução mais agressiva dos juros, o que, por sua vez, aliviaria bastante a conta de juros que o País vai ter que pagar no próximo ano.

Esse cenário tem preocupa? Nenhum dos candidatos deixa claro qual será a sua política fiscal.

Eu já participei ativamente da coordenação de programas de governo em campanha. Entendo perfeitamente a dificuldade de ser claro e específico num assunto tão delicado como é esse da âncora fiscal. Não me surpreende, portanto, que não haja o nível de concretude, de especificidade, que nós idealmente gostaríamos que houvesse.

Agora, eu entendo que o Lula, como candidato, mostrou com certa consistência de que está caminhando para um governo mais parecido com o que foi o primeiro mandato dele do que em relação ao segundo, para não falar do desastre e do descalabro que foi o governo Dilma.

Quais são esses indícios?

Primeiro, a presença do Alckmin como vice e com autoridade na campanha. Segundo, o apoio da Marina Silva com base num acordo não apenas de eleição, mas de programa para o meio ambiente. A coordenação da campanha e o próprio Lula aceitaram as propostas bastante específicas e concretas que a Marina apresentou para recuperar as instituições de cuidados do meio ambiente e delinear uma política ambiental digna desse nome para um novo governo. E por fim, aquele encontro com os presidenciáveis no qual esteve presente, entre outras pessoas, o Henrique Meirelles, que foi presidente do Banco Central no primeiro mandato do Lula, e que dá uma certa tranquilidade de que há um entendimento de que o Lula será o do primeiro mandato.

É um Lula que preservou o tripé macroeconômico e, para surpresa de tantos, aumentou o superávit primário em relação ao que vinha sendo praticado no segundo mandato Fernando Henrique Cardoso.

O sr. mencionou a necessidade de um definir um arcabouço fiscal. E qual é a agenda de médio e longo prazo?

Eu acho muito importante uma ideia que foi desenvolvida num trabalho do Edmar Bacha, que é a constatação de que, nos últimos 70 anos, só 12 países no mundo conseguiram vencer a chamada armadilha da renda média. Todos, sem exceção, superaram aumentando a ‘exportabilidade’ do seu PIB, seja de manufaturados, commodities e serviços. Ou seja, não há precedente de país que venceu a armadilha da renda média sem maior integração ao fluxo mundial de comércio.

O País precisa melhorar o ambiente de negócios, ter uma melhor infraestrutura, mas o caminho para o Brasil sair do atoleiro, no qual ele está desde, pelo menos, os anos 1980 passa por uma maior ‘exportabilidade’ do PIB. Não é à toa que a nossa produtividade está estagnada e, até mesmo, declinante de tantos anos para cá. Com 40 milhões de brasileiros vivendo um dia de cada vez na informalidade, não há como a produtividade no Brasil crescer significativamente. A nossa produtividade vai melhorar conforme nós incorporamos esse contingente, treinando, educando, tendo empregos mais produtivos.

E se você me perguntar por um prazo um pouco mais longo, o futuro do Brasil não vai ser decidido no Copom, no Ministério da Fazenda, nas profundezas do pré-sal, vai ser decidido nas milhares de salas de aula do nosso Ensino Fundamental.

A eleição deste ano marcou uma reaproximação da Marina Silva com o Lula. Isso te levar a votar nele também neste segundo turno?

Eu acho positivo que haja segundo turno no sentido bastante específico, que é a disputa pelo centro. Não me agrada uma eleição em que os dois candidatos dividem o país cada um ao seu modo. Eu jamais vou votar num candidato que elogia torturador, que faz vistas grossas para a destruição do nosso patrimônio ambiental, que não tem o menor apreço pelo conhecimento, pela educação, pela cultura, que, de fato, ameaça a nossa democracia de várias maneiras e que teve um papel simplesmente desastroso, para não dizer trágico, na gestão da pandemia. Então, eu posso garantir que vou votar no Lula no segundo turno.

Na avaliação do economista Eduardo Giannetti, o candidato do PT à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, vem dando sinais de que, se eleito, deve fazer um governo parecido com o seu primeiro mandato caso seja eleito. Os indícios, de acordo com ele, são a escolha de Geraldo Alckmin para a chapa presidencial, a reaproximação com Marina Silva (Rede) e o apoio de Henrique Meirelles.

“É um Lula que preservou o tripé macroeconômico e, para surpresa de tantos, aumentou o superávit primário em relação ao que vinha sendo praticado no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso”, diz Giannetti, que assessorou Marina Silva nas últimas campanhas presidenciais.

Giannetti afirma que vai votar em Lula no segundo turno e prevê uma disputa final acirrada, embora enxergue o petista como mais chances de vencer a eleição. “Ele (Lula) é claramente favorito, porque está com uma vantagem de 6 milhões de votos, o que não é pouco”, afirma.

Na economia, o economista vê risco nas contas públicas e a necessidade de que o novo governo defina uma nova âncora fiscal logo no início do mandato.

“A âncora fiscal precisa ter um horizonte, em que se constate, que, embora a dívida pública tenha crescido muito no período recente, ela não vai continuar na mesma trajetória nos próximos anos e vai caminhar para um período de estabilidade e lento declínio.”

Economista e professor do Insper, Eduardo Giannetti Fonseca. Foto: Gabriela Biló/Estadão

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

Como o Brasil sai das urnas?

Em primeiríssimo lugar, a gente tem de reconhecer que, numa eleição complexa, num País vasto e continental como o Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral e o eleitorado brasileiro estão de parabéns, porque foi uma eleição muito civilizada. Em relação à disputa presidencial, não houve tanta surpresa à luz do que os institutos de pesquisa vinham indicando.

Nem com o porcentual obtido por Bolsonaro?

O Bolsonaro teve uma votação um pouco maior do que estava previsto, e o Lula teve um desempenho muito perto do que estava se imaginando por todas as pesquisas. Mas essa diferença (das pesquisas) não é só um fenômeno brasileiro. Nas duas eleições do Trump, os institutos de pesquisa americanos não conseguiram prever corretamente o que aconteceu na eleição. No primeiro caso, havia uma quase certeza da vitória da Hillary Clinton, mas ela perdeu. E no segundo caso, dava-se uma margem muito tranquila de vitória para o Biden, mas, no fim, a eleição foi muito apertada.

Uma das hipóteses em relação ao crescimento do Bolsonaro nos últimos dias de campanha é que houve um movimento de voto útil, migrando da direita que apoia o Ciro Gomes para o Bolsonaro, ao perceber que o Ciro estava praticamente sem condição de alcançar o segundo turno.

Eu tendo a crer que a eleição no segundo turno no Brasil, se não houver nenhum imprevisto no caminho, vai repetir um pouco a experiência americana da vitória do Biden sobre o Trump.

O Lula é favorito na sua leitura?

Ele claramente é favorito, porque está com uma vantagem de 6 milhões de votos, o que não é pouco. E se você analisar, os votos da Simone Tebet e do Ciro Gomes, devem, predominantemente, migrar para o candidato Lula. Agora, o que realmente surpreendeu foi a força do movimento da direita mais extrema na eleição de governadores, senadores e deputados. Aí, realmente, eu acho que foi uma surpresa. Precisa entender por que os institutos de pesquisa não conseguiram prever esses resultados, mas também é preciso deixar claro que não paira a menor dúvida sobre a lisura e a seriedade com que esses institutos trabalham.

Num caso de eventual vitória do Lula, como ele conseguiria implementar a sua agenda com um Congresso mais à direta?

O resultado do Congresso certamente dificulta a governabilidade de um eventual governo Lula, especialmente no caso do Senado, em que houve uma vitória muito expressiva das forças alinhadas com o chamado bolsonarismo. Por outro lado, é preciso lembrar que um presidente recém-eleito tem um grande capital político no início do mandato. Boa parte do chamado Centrão é muito maleável a essa situação inicial do mandato, em que o Executivo tem o seu poder de liderança muito forte para iniciar, pelo menos, algumas propostas de mudança.

E um cenário de governo Bolsonaro?

O que me preocupa muito em relação ao eventual segundo mandato de Bolsonaro é que a maioria que ele, se eleito, passará a ter no Senado permite iniciar um processo de impeachment no Supremo Tribunal Federal, além de indicar novos ministros. Acho isso uma coisa extremamente preocupante e perigosa caso haja um eventual, porém, improvável cenário de reeleição do Bolsonaro.

Nos últimos quatro anos, o País viu as instituições sendo testadas, mas respondendo de alguma forma. Você acha que isso não aconteceria num segundo mandato do Bolsonaro?

Eu acho que o risco cresce substancialmente. O Bolsonaro revigorado nas urnas vai se sentir muito mais autorizado para poder fazer coisas que não pode durante o seu primeiro mandato.

E qual seria o impacto disso na economia? Neste ano, nós já vimos mudanças em regras eleitorais e fiscais.

Seja qual for o governo eleito, ele vai herdar uma situação fiscal muito delicada e que precisará ser endereçada para evitar que o País caminhe para um endividamento insustentável ao longo dos próximos anos. O governo Bolsonaro, que assumiu com um discurso de equilíbrio fiscal e de austeridade, ao longo do mandato, foi sofrendo uma guinada vertiginosa. Primeiro, houve uma aliança política com o Centrão mais ou menos na metade do mandato. É que eu chamo de populismo fiscal no momento em que houve a ameaça de um impeachment na época da pandemia. O capítulo seguinte foi a tradução do populismo político em populismo fiscal com uma série de medidas, algumas de caráter puramente eleitoreiras.

O que ajudou a conter um pouco o crescimento da dívida deste ano, apesar do aumento do gasto público, foi a inflação, mas no ano que vem já não é a mesma coisa e com um agravante. Na primeira fase de 2023, os juros continuarão muito elevados e, se for preciso manter por mais tempo essa política monetária, o serviço da dívida se torna muito elevado. Nós corremos o risco de entrar num sistema de retroalimentação da dívida pública. Então, é crucial para o início do próximo mandato que se criem as condições de credibilidade, de âncora fiscal, para que o Banco Central tenha espaço para uma redução dos juros em caráter genuíno.

O que precisa conter nesse âncora fiscal?

A âncora fiscal não se trata de um ajuste instantâneo, porque isso seria muito penoso em termos de retração da atividade econômica. A âncora fiscal precisa ter um horizonte, em que se constate, que, embora a dívida pública tenha crescido muito no período recente, ela não vai continuar na mesma trajetória nos próximos anos e vai caminhar para um período de estabilidade e lento declínio.

Ajudaria muito também um novo governo com uma excelente equipe econômica, que despertasse grande credibilidade e atraísse capitais externos. Esse choque de credibilidade promoveria uma apreciação dos ativos em real. Um real mais estável e valorizado em relação ao dólar teria um efeito muito positivo na frente inflacionária e abriria espaço para uma redução mais agressiva dos juros, o que, por sua vez, aliviaria bastante a conta de juros que o País vai ter que pagar no próximo ano.

Esse cenário tem preocupa? Nenhum dos candidatos deixa claro qual será a sua política fiscal.

Eu já participei ativamente da coordenação de programas de governo em campanha. Entendo perfeitamente a dificuldade de ser claro e específico num assunto tão delicado como é esse da âncora fiscal. Não me surpreende, portanto, que não haja o nível de concretude, de especificidade, que nós idealmente gostaríamos que houvesse.

Agora, eu entendo que o Lula, como candidato, mostrou com certa consistência de que está caminhando para um governo mais parecido com o que foi o primeiro mandato dele do que em relação ao segundo, para não falar do desastre e do descalabro que foi o governo Dilma.

Quais são esses indícios?

Primeiro, a presença do Alckmin como vice e com autoridade na campanha. Segundo, o apoio da Marina Silva com base num acordo não apenas de eleição, mas de programa para o meio ambiente. A coordenação da campanha e o próprio Lula aceitaram as propostas bastante específicas e concretas que a Marina apresentou para recuperar as instituições de cuidados do meio ambiente e delinear uma política ambiental digna desse nome para um novo governo. E por fim, aquele encontro com os presidenciáveis no qual esteve presente, entre outras pessoas, o Henrique Meirelles, que foi presidente do Banco Central no primeiro mandato do Lula, e que dá uma certa tranquilidade de que há um entendimento de que o Lula será o do primeiro mandato.

É um Lula que preservou o tripé macroeconômico e, para surpresa de tantos, aumentou o superávit primário em relação ao que vinha sendo praticado no segundo mandato Fernando Henrique Cardoso.

O sr. mencionou a necessidade de um definir um arcabouço fiscal. E qual é a agenda de médio e longo prazo?

Eu acho muito importante uma ideia que foi desenvolvida num trabalho do Edmar Bacha, que é a constatação de que, nos últimos 70 anos, só 12 países no mundo conseguiram vencer a chamada armadilha da renda média. Todos, sem exceção, superaram aumentando a ‘exportabilidade’ do seu PIB, seja de manufaturados, commodities e serviços. Ou seja, não há precedente de país que venceu a armadilha da renda média sem maior integração ao fluxo mundial de comércio.

O País precisa melhorar o ambiente de negócios, ter uma melhor infraestrutura, mas o caminho para o Brasil sair do atoleiro, no qual ele está desde, pelo menos, os anos 1980 passa por uma maior ‘exportabilidade’ do PIB. Não é à toa que a nossa produtividade está estagnada e, até mesmo, declinante de tantos anos para cá. Com 40 milhões de brasileiros vivendo um dia de cada vez na informalidade, não há como a produtividade no Brasil crescer significativamente. A nossa produtividade vai melhorar conforme nós incorporamos esse contingente, treinando, educando, tendo empregos mais produtivos.

E se você me perguntar por um prazo um pouco mais longo, o futuro do Brasil não vai ser decidido no Copom, no Ministério da Fazenda, nas profundezas do pré-sal, vai ser decidido nas milhares de salas de aula do nosso Ensino Fundamental.

A eleição deste ano marcou uma reaproximação da Marina Silva com o Lula. Isso te levar a votar nele também neste segundo turno?

Eu acho positivo que haja segundo turno no sentido bastante específico, que é a disputa pelo centro. Não me agrada uma eleição em que os dois candidatos dividem o país cada um ao seu modo. Eu jamais vou votar num candidato que elogia torturador, que faz vistas grossas para a destruição do nosso patrimônio ambiental, que não tem o menor apreço pelo conhecimento, pela educação, pela cultura, que, de fato, ameaça a nossa democracia de várias maneiras e que teve um papel simplesmente desastroso, para não dizer trágico, na gestão da pandemia. Então, eu posso garantir que vou votar no Lula no segundo turno.

Na avaliação do economista Eduardo Giannetti, o candidato do PT à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, vem dando sinais de que, se eleito, deve fazer um governo parecido com o seu primeiro mandato caso seja eleito. Os indícios, de acordo com ele, são a escolha de Geraldo Alckmin para a chapa presidencial, a reaproximação com Marina Silva (Rede) e o apoio de Henrique Meirelles.

“É um Lula que preservou o tripé macroeconômico e, para surpresa de tantos, aumentou o superávit primário em relação ao que vinha sendo praticado no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso”, diz Giannetti, que assessorou Marina Silva nas últimas campanhas presidenciais.

Giannetti afirma que vai votar em Lula no segundo turno e prevê uma disputa final acirrada, embora enxergue o petista como mais chances de vencer a eleição. “Ele (Lula) é claramente favorito, porque está com uma vantagem de 6 milhões de votos, o que não é pouco”, afirma.

Na economia, o economista vê risco nas contas públicas e a necessidade de que o novo governo defina uma nova âncora fiscal logo no início do mandato.

“A âncora fiscal precisa ter um horizonte, em que se constate, que, embora a dívida pública tenha crescido muito no período recente, ela não vai continuar na mesma trajetória nos próximos anos e vai caminhar para um período de estabilidade e lento declínio.”

Economista e professor do Insper, Eduardo Giannetti Fonseca. Foto: Gabriela Biló/Estadão

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

Como o Brasil sai das urnas?

Em primeiríssimo lugar, a gente tem de reconhecer que, numa eleição complexa, num País vasto e continental como o Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral e o eleitorado brasileiro estão de parabéns, porque foi uma eleição muito civilizada. Em relação à disputa presidencial, não houve tanta surpresa à luz do que os institutos de pesquisa vinham indicando.

Nem com o porcentual obtido por Bolsonaro?

O Bolsonaro teve uma votação um pouco maior do que estava previsto, e o Lula teve um desempenho muito perto do que estava se imaginando por todas as pesquisas. Mas essa diferença (das pesquisas) não é só um fenômeno brasileiro. Nas duas eleições do Trump, os institutos de pesquisa americanos não conseguiram prever corretamente o que aconteceu na eleição. No primeiro caso, havia uma quase certeza da vitória da Hillary Clinton, mas ela perdeu. E no segundo caso, dava-se uma margem muito tranquila de vitória para o Biden, mas, no fim, a eleição foi muito apertada.

Uma das hipóteses em relação ao crescimento do Bolsonaro nos últimos dias de campanha é que houve um movimento de voto útil, migrando da direita que apoia o Ciro Gomes para o Bolsonaro, ao perceber que o Ciro estava praticamente sem condição de alcançar o segundo turno.

Eu tendo a crer que a eleição no segundo turno no Brasil, se não houver nenhum imprevisto no caminho, vai repetir um pouco a experiência americana da vitória do Biden sobre o Trump.

O Lula é favorito na sua leitura?

Ele claramente é favorito, porque está com uma vantagem de 6 milhões de votos, o que não é pouco. E se você analisar, os votos da Simone Tebet e do Ciro Gomes, devem, predominantemente, migrar para o candidato Lula. Agora, o que realmente surpreendeu foi a força do movimento da direita mais extrema na eleição de governadores, senadores e deputados. Aí, realmente, eu acho que foi uma surpresa. Precisa entender por que os institutos de pesquisa não conseguiram prever esses resultados, mas também é preciso deixar claro que não paira a menor dúvida sobre a lisura e a seriedade com que esses institutos trabalham.

Num caso de eventual vitória do Lula, como ele conseguiria implementar a sua agenda com um Congresso mais à direta?

O resultado do Congresso certamente dificulta a governabilidade de um eventual governo Lula, especialmente no caso do Senado, em que houve uma vitória muito expressiva das forças alinhadas com o chamado bolsonarismo. Por outro lado, é preciso lembrar que um presidente recém-eleito tem um grande capital político no início do mandato. Boa parte do chamado Centrão é muito maleável a essa situação inicial do mandato, em que o Executivo tem o seu poder de liderança muito forte para iniciar, pelo menos, algumas propostas de mudança.

E um cenário de governo Bolsonaro?

O que me preocupa muito em relação ao eventual segundo mandato de Bolsonaro é que a maioria que ele, se eleito, passará a ter no Senado permite iniciar um processo de impeachment no Supremo Tribunal Federal, além de indicar novos ministros. Acho isso uma coisa extremamente preocupante e perigosa caso haja um eventual, porém, improvável cenário de reeleição do Bolsonaro.

Nos últimos quatro anos, o País viu as instituições sendo testadas, mas respondendo de alguma forma. Você acha que isso não aconteceria num segundo mandato do Bolsonaro?

Eu acho que o risco cresce substancialmente. O Bolsonaro revigorado nas urnas vai se sentir muito mais autorizado para poder fazer coisas que não pode durante o seu primeiro mandato.

E qual seria o impacto disso na economia? Neste ano, nós já vimos mudanças em regras eleitorais e fiscais.

Seja qual for o governo eleito, ele vai herdar uma situação fiscal muito delicada e que precisará ser endereçada para evitar que o País caminhe para um endividamento insustentável ao longo dos próximos anos. O governo Bolsonaro, que assumiu com um discurso de equilíbrio fiscal e de austeridade, ao longo do mandato, foi sofrendo uma guinada vertiginosa. Primeiro, houve uma aliança política com o Centrão mais ou menos na metade do mandato. É que eu chamo de populismo fiscal no momento em que houve a ameaça de um impeachment na época da pandemia. O capítulo seguinte foi a tradução do populismo político em populismo fiscal com uma série de medidas, algumas de caráter puramente eleitoreiras.

O que ajudou a conter um pouco o crescimento da dívida deste ano, apesar do aumento do gasto público, foi a inflação, mas no ano que vem já não é a mesma coisa e com um agravante. Na primeira fase de 2023, os juros continuarão muito elevados e, se for preciso manter por mais tempo essa política monetária, o serviço da dívida se torna muito elevado. Nós corremos o risco de entrar num sistema de retroalimentação da dívida pública. Então, é crucial para o início do próximo mandato que se criem as condições de credibilidade, de âncora fiscal, para que o Banco Central tenha espaço para uma redução dos juros em caráter genuíno.

O que precisa conter nesse âncora fiscal?

A âncora fiscal não se trata de um ajuste instantâneo, porque isso seria muito penoso em termos de retração da atividade econômica. A âncora fiscal precisa ter um horizonte, em que se constate, que, embora a dívida pública tenha crescido muito no período recente, ela não vai continuar na mesma trajetória nos próximos anos e vai caminhar para um período de estabilidade e lento declínio.

Ajudaria muito também um novo governo com uma excelente equipe econômica, que despertasse grande credibilidade e atraísse capitais externos. Esse choque de credibilidade promoveria uma apreciação dos ativos em real. Um real mais estável e valorizado em relação ao dólar teria um efeito muito positivo na frente inflacionária e abriria espaço para uma redução mais agressiva dos juros, o que, por sua vez, aliviaria bastante a conta de juros que o País vai ter que pagar no próximo ano.

Esse cenário tem preocupa? Nenhum dos candidatos deixa claro qual será a sua política fiscal.

Eu já participei ativamente da coordenação de programas de governo em campanha. Entendo perfeitamente a dificuldade de ser claro e específico num assunto tão delicado como é esse da âncora fiscal. Não me surpreende, portanto, que não haja o nível de concretude, de especificidade, que nós idealmente gostaríamos que houvesse.

Agora, eu entendo que o Lula, como candidato, mostrou com certa consistência de que está caminhando para um governo mais parecido com o que foi o primeiro mandato dele do que em relação ao segundo, para não falar do desastre e do descalabro que foi o governo Dilma.

Quais são esses indícios?

Primeiro, a presença do Alckmin como vice e com autoridade na campanha. Segundo, o apoio da Marina Silva com base num acordo não apenas de eleição, mas de programa para o meio ambiente. A coordenação da campanha e o próprio Lula aceitaram as propostas bastante específicas e concretas que a Marina apresentou para recuperar as instituições de cuidados do meio ambiente e delinear uma política ambiental digna desse nome para um novo governo. E por fim, aquele encontro com os presidenciáveis no qual esteve presente, entre outras pessoas, o Henrique Meirelles, que foi presidente do Banco Central no primeiro mandato do Lula, e que dá uma certa tranquilidade de que há um entendimento de que o Lula será o do primeiro mandato.

É um Lula que preservou o tripé macroeconômico e, para surpresa de tantos, aumentou o superávit primário em relação ao que vinha sendo praticado no segundo mandato Fernando Henrique Cardoso.

O sr. mencionou a necessidade de um definir um arcabouço fiscal. E qual é a agenda de médio e longo prazo?

Eu acho muito importante uma ideia que foi desenvolvida num trabalho do Edmar Bacha, que é a constatação de que, nos últimos 70 anos, só 12 países no mundo conseguiram vencer a chamada armadilha da renda média. Todos, sem exceção, superaram aumentando a ‘exportabilidade’ do seu PIB, seja de manufaturados, commodities e serviços. Ou seja, não há precedente de país que venceu a armadilha da renda média sem maior integração ao fluxo mundial de comércio.

O País precisa melhorar o ambiente de negócios, ter uma melhor infraestrutura, mas o caminho para o Brasil sair do atoleiro, no qual ele está desde, pelo menos, os anos 1980 passa por uma maior ‘exportabilidade’ do PIB. Não é à toa que a nossa produtividade está estagnada e, até mesmo, declinante de tantos anos para cá. Com 40 milhões de brasileiros vivendo um dia de cada vez na informalidade, não há como a produtividade no Brasil crescer significativamente. A nossa produtividade vai melhorar conforme nós incorporamos esse contingente, treinando, educando, tendo empregos mais produtivos.

E se você me perguntar por um prazo um pouco mais longo, o futuro do Brasil não vai ser decidido no Copom, no Ministério da Fazenda, nas profundezas do pré-sal, vai ser decidido nas milhares de salas de aula do nosso Ensino Fundamental.

A eleição deste ano marcou uma reaproximação da Marina Silva com o Lula. Isso te levar a votar nele também neste segundo turno?

Eu acho positivo que haja segundo turno no sentido bastante específico, que é a disputa pelo centro. Não me agrada uma eleição em que os dois candidatos dividem o país cada um ao seu modo. Eu jamais vou votar num candidato que elogia torturador, que faz vistas grossas para a destruição do nosso patrimônio ambiental, que não tem o menor apreço pelo conhecimento, pela educação, pela cultura, que, de fato, ameaça a nossa democracia de várias maneiras e que teve um papel simplesmente desastroso, para não dizer trágico, na gestão da pandemia. Então, eu posso garantir que vou votar no Lula no segundo turno.

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