BRASÍLIA – A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse não ver qualquer sentido na proposta de desvincular o pagamento das aposentadorias do INSS da política de aumento real do salário mínimo e afirmou que, nesse caso, seria melhor mudar o arcabouço fiscal. O cardápio de medidas destinadas a conter os gastos é a principal aposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para o ajuste das contas públicas.
“Entre mexer na vinculação do salário mínimo e mudar o arcabouço, tem de mudar o arcabouço. Simples assim”, afirmou a deputada ao Estadão.
Em junho, ao participar de uma audiência pública sobre o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, na Comissão Mista de Orçamento, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, defendeu a revisão de vinculações do mínimo a pagamentos como Benefício de Prestação Continuada (BPC), seguro-desemprego e abono salarial.
Tebet calculou que, nos últimos dez anos, esse desembolso custou à União R$ 1,2 trilhão. Em maio, a ministra chegou a dizer que o País não conseguiria estender indefinidamente a política de valorização do mínimo à aposentadoria e a outros benefícios. “Teremos de cortar o gasto público pela convicção ou pela dor”, admitiu ela, em entrevista ao jornal Valor Econômico.
Lula não gostou nada de ver ministros e secretários, como Tebet e Rogério Ceron, do Tesouro Nacional, antevendo a possibilidade de medidas duras para conter a explosão de gastos previdenciários.
Haddad garantiu, então, que essa ideia não estava em estudo. Um mês depois, na Comissão Mista de Orçamento, Tebet recuou e disse que, no caso da aposentadoria, a separação do aumento do salário mínimo não parecia benéfica porque seria “tirar com uma mão para dar com a outra”.
Gleisi avaliou que a discussão só parou porque Lula interveio. Agora, porém, sob pressão da tesourada prevista no Orçamento do ano que vem, ministérios já preveem prejuízo ao atendimento público, como mostrou o Estadão, e contratos ameaçados até com a Dataprev, que reúne a base de dados dos benefícios da Previdência. A proposta orçamentária será enviada ao Congresso no próximo dia 30.
“A economia só está crescendo por causa da renda, alavancada pelo Estado brasileiro”, argumentou a presidente do PT, citando o aumento do Bolsa Família e a desoneração do Imposto de Renda para quem ganha dois salários mínimos como exemplos de iniciativas que ajudam nesse cenário.
Conhecida por suas divergências com Haddad, Gleisi não concorda com avaliações da equipe econômica de que é preciso fazer tudo para cumprir o arcabouço fiscal. Para ela, em alguns casos, como o da Previdência, é melhor mexer no arcabouço.
‘Arauto do fiscalismo quer livrar o BC do ajuste fiscal’
A deputada também está em lado oposto ao do titular da Fazenda quando o assunto é a autonomia financeira e orçamentária do Banco Central. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata do tema está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Haddad disse ser favorável à autonomia financeira do BC para investimentos em tecnologia e qualificação de seus funcionários, embora seja contra transformar o banco em empresa pública e defenda mais tempo para a negociação da PEC.
“Eu espero que não tenha nenhuma negociação e que essa PEC não prospere. Acho até uma coisa engraçada, vinda do Campos Neto”, alfinetou Gleisi, numa referência ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que termina o seu mandato à frente da instituição em dezembro.
“O arauto do fiscalismo, que impõe juros pesadíssimos ao Brasil, quer livrar a instituição que ele preside do ajuste fiscal. Se aprovada essa PEC, lá vão poder ganhar mais, gastar mais. E o resto do Orçamento como fica? Pode desvincular o salário mínimo da Previdência, cortar universidade que não tem problema? É uma contradição, um absurdo”, completou a presidente do PT.
Procurado, Campos Neto não quis responder. O Estadão apurou que o governo avalia uma proposta para “ajustar” a PEC do Banco Central. As discussões, no entanto, estão em banho-maria e o tema só deve voltar à pauta após o Senado votar o nome do novo presidente do banco, a ser indicado por Lula. Até agora, o mais cotado para ocupar o cargo é o diretor de Política Monetária da instituição, Gabriel Galípolo.