Risco de falta de peças faz indústrias buscarem fornecedores locais; movimento já beneficia o Brasil


Zona Franca de Manaus sente alta de investimentos em abertura de novas unidades ou em expansão de projetos já existentes; conceito de cadeias globais de fornecimento foi posto à prova pela pandemia e pela guerra entre Rússia e Ucrânia

Por Márcia De Chiara, Luiz Guilherme Gerbelli e Cleide Silva

Começam a surgir no País os primeiros sinais de mudanças nas cadeias de abastecimento da indústria e do comércio, provocadas pelo choque da pandemia e da guerra entre Rússia e Ucrânia. A disparada da inflação global, a interrupção no fluxo de mercadorias e o aumento do preço do frete marítimo estão levando a indústria a investir na verticalização da produção ou a prospectar mercados de mais baixo risco para novos investimentos. Esse movimento deixa de lado o modelo tradicional de globalização e aposta na regionalização.

Desde de 2020, o que se vê na indústria de bens duráveis, como eletroeletrônicos, eletroportáteis, informática, autopeças e motocicletas, é o avanço de novos projetos para produzir localmente parte dos itens que antes eram importados, sobretudo da China.

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Esse movimento já aparece na Zona Franca de Manaus (ZFM), que é a porta de entrada de empresas estrangeiras por oferecer benefícios fiscais. Lá, o número de projetos industriais aprovados não para de crescer desde o início da pandemia. Em 2020, a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), aprovou 142 projetos; em 2021, foram 176 e a perspectiva é fechar este ano com 198, segundo o coordenador de projetos industriais da Suframa, o economista Marcelo Pereira.

Os investimentos estão ligados à fabricação de itens de informática, eletroeletrônicos e motocicletas. Neste ano, 36% dos projetos se referem à implantação de novas fábricas e o restante é novos produtos em indústrias já instaladas. “Há sinalização de que mais empresas irão produzir bens finais e componentes na Zona Franca”, observa, ponderando que depois de aprovado, as companhias têm até três anos para colocar o plano em operação.

Do total de projetos, 34% são de empresas que estão chegando ao Brasil. É a maior fatia de companhias estreando no País nos últimos cinco anos. Antes da pandemia, a participação dos estrangeiros girava em torno de 20% e, em 2020, subiu para 30%. A maior parte das novas empresas estrangeiras com projetos aprovados é da China, que está novamente às voltas com o lockdown. Mas há também companhias da Índia, dos Estados Unidos, do Japão e do Peru. “Muitas estão chegando à Zona Franca porque querem diversificar o negócio, tirando parte da produção antes concentrada em um único continente”, explica Pereira.

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O Brasil, na visão de especialistas, aparece na lista dos destinos com mais chance de fazer parte desse novo modelo de regionalização da cadeia de produção, ao lado de México, Vietnã e Austrália. O País é favorecido por ter potencial para produzir com uma matriz energética limpa, não ter conflitos geopolíticos, ser capaz de abastecer a América Latina e estar relativamente próximo dos Estados Unidos e da Europa.

“Com a guerra comercial entre Estados Unidos e China, as placas tectônicas se moveram e, depois, com a pandemia, as empresas perceberam que não dá para produzir num lugar que só é mais barato”, afirma Pedro Renault, economista do banco Itaú. Para Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), ficou claro com a pandemia que o peso dado para o risco de ruptura precisa ser maior dentro das estratégias das empresas.

Maior procura por máquinas

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Outro sinal da regionalização da produção aparece na forte demanda por máquinas importadas pelas indústrias. ”Este ano, vamos crescer as vendas entre 8% e 12% e seguimos batendo recordes a cada mês”, afirma o economista Paulo Castelo Branco, presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais (Abimei).

Os associados da entidade precisam hoje ao menos de 180 dias para conseguir entregar as máquinas que vendem, o dobro do prazo médio normal. O aquecimento das vendas do setor, segundo Castelo Branco, ocorre porque as empresas estão demandando mais máquinas para produzir localmente manufaturados. “É um começo de reindustrialização”, afirma.

No segmento de máquinas e equipamentos - um dos termômetros mais importantes da indústria -, o movimento de substituição de importação fez o faturamento do setor crescer nos últimos três anos. Em 2021, a alta foi de 28%. “Houve um surto de investimentos com os nossos clientes aumentando a produção local e querendo ficar fora do risco trazido pela importação e alta de custos”, afirma José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

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Em 2022, o setor deve ter uma queda de 5% no faturamento - no início do ano, a expectativa era de alta de 5%. “Mas esse resultado é mais ocasionado pelo aperto (de juros) do Banco Central do que pela falta de vontade de investir”, diz Velloso.

Entre os setores que lideram a compra de novas máquinas importadas, estão o automotivo, de motocicletas, eletrodomésticos da linha branca, implementos rodoviários, móveis, eletroeletrônicos e embalagens. Castelo Branco, da Abimei, observa que, se não faltassem semicondutores, componente chave dos veículos, a demanda do setor automotivo por máquinas poderia ser ainda maior.

O setor automotivo tem um grande projeto de atrair fabricantes de componentes que são importados, principalmente da Ásia. Com a crise pela falta de semicondutores – que levou à paralisação de fábricas de veículos no mundo todo –, a indústria brasileira colocou todos os seus esforços nesses projetos para ficar menos dependente dos países daquela região.

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A Stellantis, por exemplo, dona das marcas Fiat, Jeep, Citroën e Peugeot, desenvolve atualmente um projeto de componentes para o novo Citroën C3, que começou a ser produzido em sua fábrica em Porto Real (RJ). Segundo a empresa, já foram nacionalizados com fornecedores em Minas Gerais e São Paulo os itens alavanca de abertura do capô, mola a gás, kit de ferramentas, pedal de freio e berço motor, antes importados da Índia. O projeto continua e novas peças também passarão a ser produzidas no País, como componentes de suspensão.

Mondial investiu em sua fábrica em Conceição do Jacuípe (BA) para nacionalizar a produção de ferro elétrico, air fryer, multiprocessador e caixa acústica Foto: Divulgação/Mondial

Geração de emprego

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“A globalização está sendo substituída pela regionalização tanto pelas multinacionais como pelas empresas brasileiras”, afirma o presidente da Abimei. E esse movimento, frisa, é positivo para o País, pois gera empregos e pode ampliar a participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB), elevando ao maior crescimento da economia.

A Mondial, fabricante de eletroportáteis, por exemplo, acelerou a nacionalização a partir de 2020. Passou a fabricar no Brasil ferro elétrico, air-fryers, multiprocessadores e caixas acústicas, antes importados da China. Com isso, abriu mais de mil postos de trabalho em sua fábrica em Conceição do Jacuípe (BA).

“Era algo que estava previsto para fazermos em quatro anos e fizemos em um”, afirma Giovanni Marins Cardoso, sócio-fundador da empresa, que hoje lidera o segmento no País. Com a pandemia, diz ele, aumentaram o custo e a dificuldade de trazer esses eletroportáteis da China e a opção foi produzir no Brasil. Com a produção local, a empresa ganhou agilidade para atender a demanda. “Se a venda no varejo vai bem, a fábrica começa a produzir mais no dia seguinte, mas se dependermos da importação da China uma nova remessa demora entre 90 e 120 dias para chegar.”

Para viabilizar a produção doméstica dos quatro eletroportáteis, foram investidos em um ano e meio R$ 80 milhões em máquinas e equipamentos. “Dobramos o nosso parque de injetoras e desenvolvemos fornecedores locais de resistência elétrica, termostato e embalagens”, conta Cardoso. A companhia planeja uma nova rodada de nacionalização para fabricar localmente secador de cabelo, escova secadora, aspirador de pó e cafeteira.

“O setor (de eletroeletrônico) passa por uma profunda transformação porque esse modelo de globalização tornou vulnerável a indústria do mundo inteiro”, diz Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Elétrica e Eletrônica (Abinee). “Nós, inclusive, estamos esperando para os próximos dias que seja editada a Medida Provisória que vai incentivar a vinda da produção de semicondutores para o Brasil, porque, do ponto de vista estratégico, o País está muito mais próximo da Europa e dos Estados Unidos do que a Ásia. E, portanto, nós teríamos uma vantagem comparativa.”

Comércio substitui parceiro comercial

Enquanto a indústria ensaia substituir importações para vencer os obstáculos da inflação global e da dificuldade de fornecimento, o comércio não pode esperar. Por isso, saiu em busca de importar mais produtos acabados de países onde os preços recuaram.

Um estudo feito pelo economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes, que compara as quantidades médias importadas de 3,7 mil bens de consumo de janeiro a outubro, entre 2012 e 2019, período pré-pandemia, com janeiro a outubro, entre 2020 e 2022, revela que houve substituição de países fornecedores desses produtos.

As quantidades importadas de parceiros comerciais tradicionais do Brasil, como Estados Unidos, Países Baixos, França e Coreia do Sul, por exemplo, registraram quedas na faixa de dois dígitos na pandemia em relação ao período anterior. A explicação para o recuo nas compras externas, segundo o economista, foi o forte aumento dos preços em dólar nesses países no período analisado.

A saída dos varejistas foi ampliar as quantidades compradas de outros países, onde os preços recuaram em dólar no período, como Índia, Bélgica, Portugal, Turquia e Vietnã, por exemplo. Na lista dos parceiros comerciais com maiores crescimento de volumes importados no período em análise aparecem também os vizinhos Peru, Paraguai e Chile. “Os parceiros comerciais mais próximos do Brasil estão ganhando força”, observa Bentes. Ele ressalta que, no curtíssimo prazo, a estratégia do varejo para driblar a alta de preços e problemas logísticos foi substituir parceiros comerciais.

“Não houve uma substituição do manufaturado importado pelo nacional ainda”, diz Bentes. Ele lembra que esse processo leva algum tempo para que as novas fábricas entrem em operação. Aliás, os números mostram exatamente isso. Apesar de o volume de manufaturados importados ter recuado 5% em dois anos de pandemia, a produção industrial doméstica está ainda 11% abaixo das vésperas da decretação do estado de emergência sanitária.

Começam a surgir no País os primeiros sinais de mudanças nas cadeias de abastecimento da indústria e do comércio, provocadas pelo choque da pandemia e da guerra entre Rússia e Ucrânia. A disparada da inflação global, a interrupção no fluxo de mercadorias e o aumento do preço do frete marítimo estão levando a indústria a investir na verticalização da produção ou a prospectar mercados de mais baixo risco para novos investimentos. Esse movimento deixa de lado o modelo tradicional de globalização e aposta na regionalização.

Desde de 2020, o que se vê na indústria de bens duráveis, como eletroeletrônicos, eletroportáteis, informática, autopeças e motocicletas, é o avanço de novos projetos para produzir localmente parte dos itens que antes eram importados, sobretudo da China.

Esse movimento já aparece na Zona Franca de Manaus (ZFM), que é a porta de entrada de empresas estrangeiras por oferecer benefícios fiscais. Lá, o número de projetos industriais aprovados não para de crescer desde o início da pandemia. Em 2020, a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), aprovou 142 projetos; em 2021, foram 176 e a perspectiva é fechar este ano com 198, segundo o coordenador de projetos industriais da Suframa, o economista Marcelo Pereira.

Os investimentos estão ligados à fabricação de itens de informática, eletroeletrônicos e motocicletas. Neste ano, 36% dos projetos se referem à implantação de novas fábricas e o restante é novos produtos em indústrias já instaladas. “Há sinalização de que mais empresas irão produzir bens finais e componentes na Zona Franca”, observa, ponderando que depois de aprovado, as companhias têm até três anos para colocar o plano em operação.

Do total de projetos, 34% são de empresas que estão chegando ao Brasil. É a maior fatia de companhias estreando no País nos últimos cinco anos. Antes da pandemia, a participação dos estrangeiros girava em torno de 20% e, em 2020, subiu para 30%. A maior parte das novas empresas estrangeiras com projetos aprovados é da China, que está novamente às voltas com o lockdown. Mas há também companhias da Índia, dos Estados Unidos, do Japão e do Peru. “Muitas estão chegando à Zona Franca porque querem diversificar o negócio, tirando parte da produção antes concentrada em um único continente”, explica Pereira.

O Brasil, na visão de especialistas, aparece na lista dos destinos com mais chance de fazer parte desse novo modelo de regionalização da cadeia de produção, ao lado de México, Vietnã e Austrália. O País é favorecido por ter potencial para produzir com uma matriz energética limpa, não ter conflitos geopolíticos, ser capaz de abastecer a América Latina e estar relativamente próximo dos Estados Unidos e da Europa.

“Com a guerra comercial entre Estados Unidos e China, as placas tectônicas se moveram e, depois, com a pandemia, as empresas perceberam que não dá para produzir num lugar que só é mais barato”, afirma Pedro Renault, economista do banco Itaú. Para Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), ficou claro com a pandemia que o peso dado para o risco de ruptura precisa ser maior dentro das estratégias das empresas.

Maior procura por máquinas

Outro sinal da regionalização da produção aparece na forte demanda por máquinas importadas pelas indústrias. ”Este ano, vamos crescer as vendas entre 8% e 12% e seguimos batendo recordes a cada mês”, afirma o economista Paulo Castelo Branco, presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais (Abimei).

Os associados da entidade precisam hoje ao menos de 180 dias para conseguir entregar as máquinas que vendem, o dobro do prazo médio normal. O aquecimento das vendas do setor, segundo Castelo Branco, ocorre porque as empresas estão demandando mais máquinas para produzir localmente manufaturados. “É um começo de reindustrialização”, afirma.

No segmento de máquinas e equipamentos - um dos termômetros mais importantes da indústria -, o movimento de substituição de importação fez o faturamento do setor crescer nos últimos três anos. Em 2021, a alta foi de 28%. “Houve um surto de investimentos com os nossos clientes aumentando a produção local e querendo ficar fora do risco trazido pela importação e alta de custos”, afirma José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Em 2022, o setor deve ter uma queda de 5% no faturamento - no início do ano, a expectativa era de alta de 5%. “Mas esse resultado é mais ocasionado pelo aperto (de juros) do Banco Central do que pela falta de vontade de investir”, diz Velloso.

Entre os setores que lideram a compra de novas máquinas importadas, estão o automotivo, de motocicletas, eletrodomésticos da linha branca, implementos rodoviários, móveis, eletroeletrônicos e embalagens. Castelo Branco, da Abimei, observa que, se não faltassem semicondutores, componente chave dos veículos, a demanda do setor automotivo por máquinas poderia ser ainda maior.

O setor automotivo tem um grande projeto de atrair fabricantes de componentes que são importados, principalmente da Ásia. Com a crise pela falta de semicondutores – que levou à paralisação de fábricas de veículos no mundo todo –, a indústria brasileira colocou todos os seus esforços nesses projetos para ficar menos dependente dos países daquela região.

A Stellantis, por exemplo, dona das marcas Fiat, Jeep, Citroën e Peugeot, desenvolve atualmente um projeto de componentes para o novo Citroën C3, que começou a ser produzido em sua fábrica em Porto Real (RJ). Segundo a empresa, já foram nacionalizados com fornecedores em Minas Gerais e São Paulo os itens alavanca de abertura do capô, mola a gás, kit de ferramentas, pedal de freio e berço motor, antes importados da Índia. O projeto continua e novas peças também passarão a ser produzidas no País, como componentes de suspensão.

Mondial investiu em sua fábrica em Conceição do Jacuípe (BA) para nacionalizar a produção de ferro elétrico, air fryer, multiprocessador e caixa acústica Foto: Divulgação/Mondial

Geração de emprego

“A globalização está sendo substituída pela regionalização tanto pelas multinacionais como pelas empresas brasileiras”, afirma o presidente da Abimei. E esse movimento, frisa, é positivo para o País, pois gera empregos e pode ampliar a participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB), elevando ao maior crescimento da economia.

A Mondial, fabricante de eletroportáteis, por exemplo, acelerou a nacionalização a partir de 2020. Passou a fabricar no Brasil ferro elétrico, air-fryers, multiprocessadores e caixas acústicas, antes importados da China. Com isso, abriu mais de mil postos de trabalho em sua fábrica em Conceição do Jacuípe (BA).

“Era algo que estava previsto para fazermos em quatro anos e fizemos em um”, afirma Giovanni Marins Cardoso, sócio-fundador da empresa, que hoje lidera o segmento no País. Com a pandemia, diz ele, aumentaram o custo e a dificuldade de trazer esses eletroportáteis da China e a opção foi produzir no Brasil. Com a produção local, a empresa ganhou agilidade para atender a demanda. “Se a venda no varejo vai bem, a fábrica começa a produzir mais no dia seguinte, mas se dependermos da importação da China uma nova remessa demora entre 90 e 120 dias para chegar.”

Para viabilizar a produção doméstica dos quatro eletroportáteis, foram investidos em um ano e meio R$ 80 milhões em máquinas e equipamentos. “Dobramos o nosso parque de injetoras e desenvolvemos fornecedores locais de resistência elétrica, termostato e embalagens”, conta Cardoso. A companhia planeja uma nova rodada de nacionalização para fabricar localmente secador de cabelo, escova secadora, aspirador de pó e cafeteira.

“O setor (de eletroeletrônico) passa por uma profunda transformação porque esse modelo de globalização tornou vulnerável a indústria do mundo inteiro”, diz Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Elétrica e Eletrônica (Abinee). “Nós, inclusive, estamos esperando para os próximos dias que seja editada a Medida Provisória que vai incentivar a vinda da produção de semicondutores para o Brasil, porque, do ponto de vista estratégico, o País está muito mais próximo da Europa e dos Estados Unidos do que a Ásia. E, portanto, nós teríamos uma vantagem comparativa.”

Comércio substitui parceiro comercial

Enquanto a indústria ensaia substituir importações para vencer os obstáculos da inflação global e da dificuldade de fornecimento, o comércio não pode esperar. Por isso, saiu em busca de importar mais produtos acabados de países onde os preços recuaram.

Um estudo feito pelo economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes, que compara as quantidades médias importadas de 3,7 mil bens de consumo de janeiro a outubro, entre 2012 e 2019, período pré-pandemia, com janeiro a outubro, entre 2020 e 2022, revela que houve substituição de países fornecedores desses produtos.

As quantidades importadas de parceiros comerciais tradicionais do Brasil, como Estados Unidos, Países Baixos, França e Coreia do Sul, por exemplo, registraram quedas na faixa de dois dígitos na pandemia em relação ao período anterior. A explicação para o recuo nas compras externas, segundo o economista, foi o forte aumento dos preços em dólar nesses países no período analisado.

A saída dos varejistas foi ampliar as quantidades compradas de outros países, onde os preços recuaram em dólar no período, como Índia, Bélgica, Portugal, Turquia e Vietnã, por exemplo. Na lista dos parceiros comerciais com maiores crescimento de volumes importados no período em análise aparecem também os vizinhos Peru, Paraguai e Chile. “Os parceiros comerciais mais próximos do Brasil estão ganhando força”, observa Bentes. Ele ressalta que, no curtíssimo prazo, a estratégia do varejo para driblar a alta de preços e problemas logísticos foi substituir parceiros comerciais.

“Não houve uma substituição do manufaturado importado pelo nacional ainda”, diz Bentes. Ele lembra que esse processo leva algum tempo para que as novas fábricas entrem em operação. Aliás, os números mostram exatamente isso. Apesar de o volume de manufaturados importados ter recuado 5% em dois anos de pandemia, a produção industrial doméstica está ainda 11% abaixo das vésperas da decretação do estado de emergência sanitária.

Começam a surgir no País os primeiros sinais de mudanças nas cadeias de abastecimento da indústria e do comércio, provocadas pelo choque da pandemia e da guerra entre Rússia e Ucrânia. A disparada da inflação global, a interrupção no fluxo de mercadorias e o aumento do preço do frete marítimo estão levando a indústria a investir na verticalização da produção ou a prospectar mercados de mais baixo risco para novos investimentos. Esse movimento deixa de lado o modelo tradicional de globalização e aposta na regionalização.

Desde de 2020, o que se vê na indústria de bens duráveis, como eletroeletrônicos, eletroportáteis, informática, autopeças e motocicletas, é o avanço de novos projetos para produzir localmente parte dos itens que antes eram importados, sobretudo da China.

Esse movimento já aparece na Zona Franca de Manaus (ZFM), que é a porta de entrada de empresas estrangeiras por oferecer benefícios fiscais. Lá, o número de projetos industriais aprovados não para de crescer desde o início da pandemia. Em 2020, a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), aprovou 142 projetos; em 2021, foram 176 e a perspectiva é fechar este ano com 198, segundo o coordenador de projetos industriais da Suframa, o economista Marcelo Pereira.

Os investimentos estão ligados à fabricação de itens de informática, eletroeletrônicos e motocicletas. Neste ano, 36% dos projetos se referem à implantação de novas fábricas e o restante é novos produtos em indústrias já instaladas. “Há sinalização de que mais empresas irão produzir bens finais e componentes na Zona Franca”, observa, ponderando que depois de aprovado, as companhias têm até três anos para colocar o plano em operação.

Do total de projetos, 34% são de empresas que estão chegando ao Brasil. É a maior fatia de companhias estreando no País nos últimos cinco anos. Antes da pandemia, a participação dos estrangeiros girava em torno de 20% e, em 2020, subiu para 30%. A maior parte das novas empresas estrangeiras com projetos aprovados é da China, que está novamente às voltas com o lockdown. Mas há também companhias da Índia, dos Estados Unidos, do Japão e do Peru. “Muitas estão chegando à Zona Franca porque querem diversificar o negócio, tirando parte da produção antes concentrada em um único continente”, explica Pereira.

O Brasil, na visão de especialistas, aparece na lista dos destinos com mais chance de fazer parte desse novo modelo de regionalização da cadeia de produção, ao lado de México, Vietnã e Austrália. O País é favorecido por ter potencial para produzir com uma matriz energética limpa, não ter conflitos geopolíticos, ser capaz de abastecer a América Latina e estar relativamente próximo dos Estados Unidos e da Europa.

“Com a guerra comercial entre Estados Unidos e China, as placas tectônicas se moveram e, depois, com a pandemia, as empresas perceberam que não dá para produzir num lugar que só é mais barato”, afirma Pedro Renault, economista do banco Itaú. Para Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), ficou claro com a pandemia que o peso dado para o risco de ruptura precisa ser maior dentro das estratégias das empresas.

Maior procura por máquinas

Outro sinal da regionalização da produção aparece na forte demanda por máquinas importadas pelas indústrias. ”Este ano, vamos crescer as vendas entre 8% e 12% e seguimos batendo recordes a cada mês”, afirma o economista Paulo Castelo Branco, presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais (Abimei).

Os associados da entidade precisam hoje ao menos de 180 dias para conseguir entregar as máquinas que vendem, o dobro do prazo médio normal. O aquecimento das vendas do setor, segundo Castelo Branco, ocorre porque as empresas estão demandando mais máquinas para produzir localmente manufaturados. “É um começo de reindustrialização”, afirma.

No segmento de máquinas e equipamentos - um dos termômetros mais importantes da indústria -, o movimento de substituição de importação fez o faturamento do setor crescer nos últimos três anos. Em 2021, a alta foi de 28%. “Houve um surto de investimentos com os nossos clientes aumentando a produção local e querendo ficar fora do risco trazido pela importação e alta de custos”, afirma José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Em 2022, o setor deve ter uma queda de 5% no faturamento - no início do ano, a expectativa era de alta de 5%. “Mas esse resultado é mais ocasionado pelo aperto (de juros) do Banco Central do que pela falta de vontade de investir”, diz Velloso.

Entre os setores que lideram a compra de novas máquinas importadas, estão o automotivo, de motocicletas, eletrodomésticos da linha branca, implementos rodoviários, móveis, eletroeletrônicos e embalagens. Castelo Branco, da Abimei, observa que, se não faltassem semicondutores, componente chave dos veículos, a demanda do setor automotivo por máquinas poderia ser ainda maior.

O setor automotivo tem um grande projeto de atrair fabricantes de componentes que são importados, principalmente da Ásia. Com a crise pela falta de semicondutores – que levou à paralisação de fábricas de veículos no mundo todo –, a indústria brasileira colocou todos os seus esforços nesses projetos para ficar menos dependente dos países daquela região.

A Stellantis, por exemplo, dona das marcas Fiat, Jeep, Citroën e Peugeot, desenvolve atualmente um projeto de componentes para o novo Citroën C3, que começou a ser produzido em sua fábrica em Porto Real (RJ). Segundo a empresa, já foram nacionalizados com fornecedores em Minas Gerais e São Paulo os itens alavanca de abertura do capô, mola a gás, kit de ferramentas, pedal de freio e berço motor, antes importados da Índia. O projeto continua e novas peças também passarão a ser produzidas no País, como componentes de suspensão.

Mondial investiu em sua fábrica em Conceição do Jacuípe (BA) para nacionalizar a produção de ferro elétrico, air fryer, multiprocessador e caixa acústica Foto: Divulgação/Mondial

Geração de emprego

“A globalização está sendo substituída pela regionalização tanto pelas multinacionais como pelas empresas brasileiras”, afirma o presidente da Abimei. E esse movimento, frisa, é positivo para o País, pois gera empregos e pode ampliar a participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB), elevando ao maior crescimento da economia.

A Mondial, fabricante de eletroportáteis, por exemplo, acelerou a nacionalização a partir de 2020. Passou a fabricar no Brasil ferro elétrico, air-fryers, multiprocessadores e caixas acústicas, antes importados da China. Com isso, abriu mais de mil postos de trabalho em sua fábrica em Conceição do Jacuípe (BA).

“Era algo que estava previsto para fazermos em quatro anos e fizemos em um”, afirma Giovanni Marins Cardoso, sócio-fundador da empresa, que hoje lidera o segmento no País. Com a pandemia, diz ele, aumentaram o custo e a dificuldade de trazer esses eletroportáteis da China e a opção foi produzir no Brasil. Com a produção local, a empresa ganhou agilidade para atender a demanda. “Se a venda no varejo vai bem, a fábrica começa a produzir mais no dia seguinte, mas se dependermos da importação da China uma nova remessa demora entre 90 e 120 dias para chegar.”

Para viabilizar a produção doméstica dos quatro eletroportáteis, foram investidos em um ano e meio R$ 80 milhões em máquinas e equipamentos. “Dobramos o nosso parque de injetoras e desenvolvemos fornecedores locais de resistência elétrica, termostato e embalagens”, conta Cardoso. A companhia planeja uma nova rodada de nacionalização para fabricar localmente secador de cabelo, escova secadora, aspirador de pó e cafeteira.

“O setor (de eletroeletrônico) passa por uma profunda transformação porque esse modelo de globalização tornou vulnerável a indústria do mundo inteiro”, diz Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Elétrica e Eletrônica (Abinee). “Nós, inclusive, estamos esperando para os próximos dias que seja editada a Medida Provisória que vai incentivar a vinda da produção de semicondutores para o Brasil, porque, do ponto de vista estratégico, o País está muito mais próximo da Europa e dos Estados Unidos do que a Ásia. E, portanto, nós teríamos uma vantagem comparativa.”

Comércio substitui parceiro comercial

Enquanto a indústria ensaia substituir importações para vencer os obstáculos da inflação global e da dificuldade de fornecimento, o comércio não pode esperar. Por isso, saiu em busca de importar mais produtos acabados de países onde os preços recuaram.

Um estudo feito pelo economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes, que compara as quantidades médias importadas de 3,7 mil bens de consumo de janeiro a outubro, entre 2012 e 2019, período pré-pandemia, com janeiro a outubro, entre 2020 e 2022, revela que houve substituição de países fornecedores desses produtos.

As quantidades importadas de parceiros comerciais tradicionais do Brasil, como Estados Unidos, Países Baixos, França e Coreia do Sul, por exemplo, registraram quedas na faixa de dois dígitos na pandemia em relação ao período anterior. A explicação para o recuo nas compras externas, segundo o economista, foi o forte aumento dos preços em dólar nesses países no período analisado.

A saída dos varejistas foi ampliar as quantidades compradas de outros países, onde os preços recuaram em dólar no período, como Índia, Bélgica, Portugal, Turquia e Vietnã, por exemplo. Na lista dos parceiros comerciais com maiores crescimento de volumes importados no período em análise aparecem também os vizinhos Peru, Paraguai e Chile. “Os parceiros comerciais mais próximos do Brasil estão ganhando força”, observa Bentes. Ele ressalta que, no curtíssimo prazo, a estratégia do varejo para driblar a alta de preços e problemas logísticos foi substituir parceiros comerciais.

“Não houve uma substituição do manufaturado importado pelo nacional ainda”, diz Bentes. Ele lembra que esse processo leva algum tempo para que as novas fábricas entrem em operação. Aliás, os números mostram exatamente isso. Apesar de o volume de manufaturados importados ter recuado 5% em dois anos de pandemia, a produção industrial doméstica está ainda 11% abaixo das vésperas da decretação do estado de emergência sanitária.

Começam a surgir no País os primeiros sinais de mudanças nas cadeias de abastecimento da indústria e do comércio, provocadas pelo choque da pandemia e da guerra entre Rússia e Ucrânia. A disparada da inflação global, a interrupção no fluxo de mercadorias e o aumento do preço do frete marítimo estão levando a indústria a investir na verticalização da produção ou a prospectar mercados de mais baixo risco para novos investimentos. Esse movimento deixa de lado o modelo tradicional de globalização e aposta na regionalização.

Desde de 2020, o que se vê na indústria de bens duráveis, como eletroeletrônicos, eletroportáteis, informática, autopeças e motocicletas, é o avanço de novos projetos para produzir localmente parte dos itens que antes eram importados, sobretudo da China.

Esse movimento já aparece na Zona Franca de Manaus (ZFM), que é a porta de entrada de empresas estrangeiras por oferecer benefícios fiscais. Lá, o número de projetos industriais aprovados não para de crescer desde o início da pandemia. Em 2020, a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), aprovou 142 projetos; em 2021, foram 176 e a perspectiva é fechar este ano com 198, segundo o coordenador de projetos industriais da Suframa, o economista Marcelo Pereira.

Os investimentos estão ligados à fabricação de itens de informática, eletroeletrônicos e motocicletas. Neste ano, 36% dos projetos se referem à implantação de novas fábricas e o restante é novos produtos em indústrias já instaladas. “Há sinalização de que mais empresas irão produzir bens finais e componentes na Zona Franca”, observa, ponderando que depois de aprovado, as companhias têm até três anos para colocar o plano em operação.

Do total de projetos, 34% são de empresas que estão chegando ao Brasil. É a maior fatia de companhias estreando no País nos últimos cinco anos. Antes da pandemia, a participação dos estrangeiros girava em torno de 20% e, em 2020, subiu para 30%. A maior parte das novas empresas estrangeiras com projetos aprovados é da China, que está novamente às voltas com o lockdown. Mas há também companhias da Índia, dos Estados Unidos, do Japão e do Peru. “Muitas estão chegando à Zona Franca porque querem diversificar o negócio, tirando parte da produção antes concentrada em um único continente”, explica Pereira.

O Brasil, na visão de especialistas, aparece na lista dos destinos com mais chance de fazer parte desse novo modelo de regionalização da cadeia de produção, ao lado de México, Vietnã e Austrália. O País é favorecido por ter potencial para produzir com uma matriz energética limpa, não ter conflitos geopolíticos, ser capaz de abastecer a América Latina e estar relativamente próximo dos Estados Unidos e da Europa.

“Com a guerra comercial entre Estados Unidos e China, as placas tectônicas se moveram e, depois, com a pandemia, as empresas perceberam que não dá para produzir num lugar que só é mais barato”, afirma Pedro Renault, economista do banco Itaú. Para Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), ficou claro com a pandemia que o peso dado para o risco de ruptura precisa ser maior dentro das estratégias das empresas.

Maior procura por máquinas

Outro sinal da regionalização da produção aparece na forte demanda por máquinas importadas pelas indústrias. ”Este ano, vamos crescer as vendas entre 8% e 12% e seguimos batendo recordes a cada mês”, afirma o economista Paulo Castelo Branco, presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais (Abimei).

Os associados da entidade precisam hoje ao menos de 180 dias para conseguir entregar as máquinas que vendem, o dobro do prazo médio normal. O aquecimento das vendas do setor, segundo Castelo Branco, ocorre porque as empresas estão demandando mais máquinas para produzir localmente manufaturados. “É um começo de reindustrialização”, afirma.

No segmento de máquinas e equipamentos - um dos termômetros mais importantes da indústria -, o movimento de substituição de importação fez o faturamento do setor crescer nos últimos três anos. Em 2021, a alta foi de 28%. “Houve um surto de investimentos com os nossos clientes aumentando a produção local e querendo ficar fora do risco trazido pela importação e alta de custos”, afirma José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Em 2022, o setor deve ter uma queda de 5% no faturamento - no início do ano, a expectativa era de alta de 5%. “Mas esse resultado é mais ocasionado pelo aperto (de juros) do Banco Central do que pela falta de vontade de investir”, diz Velloso.

Entre os setores que lideram a compra de novas máquinas importadas, estão o automotivo, de motocicletas, eletrodomésticos da linha branca, implementos rodoviários, móveis, eletroeletrônicos e embalagens. Castelo Branco, da Abimei, observa que, se não faltassem semicondutores, componente chave dos veículos, a demanda do setor automotivo por máquinas poderia ser ainda maior.

O setor automotivo tem um grande projeto de atrair fabricantes de componentes que são importados, principalmente da Ásia. Com a crise pela falta de semicondutores – que levou à paralisação de fábricas de veículos no mundo todo –, a indústria brasileira colocou todos os seus esforços nesses projetos para ficar menos dependente dos países daquela região.

A Stellantis, por exemplo, dona das marcas Fiat, Jeep, Citroën e Peugeot, desenvolve atualmente um projeto de componentes para o novo Citroën C3, que começou a ser produzido em sua fábrica em Porto Real (RJ). Segundo a empresa, já foram nacionalizados com fornecedores em Minas Gerais e São Paulo os itens alavanca de abertura do capô, mola a gás, kit de ferramentas, pedal de freio e berço motor, antes importados da Índia. O projeto continua e novas peças também passarão a ser produzidas no País, como componentes de suspensão.

Mondial investiu em sua fábrica em Conceição do Jacuípe (BA) para nacionalizar a produção de ferro elétrico, air fryer, multiprocessador e caixa acústica Foto: Divulgação/Mondial

Geração de emprego

“A globalização está sendo substituída pela regionalização tanto pelas multinacionais como pelas empresas brasileiras”, afirma o presidente da Abimei. E esse movimento, frisa, é positivo para o País, pois gera empregos e pode ampliar a participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB), elevando ao maior crescimento da economia.

A Mondial, fabricante de eletroportáteis, por exemplo, acelerou a nacionalização a partir de 2020. Passou a fabricar no Brasil ferro elétrico, air-fryers, multiprocessadores e caixas acústicas, antes importados da China. Com isso, abriu mais de mil postos de trabalho em sua fábrica em Conceição do Jacuípe (BA).

“Era algo que estava previsto para fazermos em quatro anos e fizemos em um”, afirma Giovanni Marins Cardoso, sócio-fundador da empresa, que hoje lidera o segmento no País. Com a pandemia, diz ele, aumentaram o custo e a dificuldade de trazer esses eletroportáteis da China e a opção foi produzir no Brasil. Com a produção local, a empresa ganhou agilidade para atender a demanda. “Se a venda no varejo vai bem, a fábrica começa a produzir mais no dia seguinte, mas se dependermos da importação da China uma nova remessa demora entre 90 e 120 dias para chegar.”

Para viabilizar a produção doméstica dos quatro eletroportáteis, foram investidos em um ano e meio R$ 80 milhões em máquinas e equipamentos. “Dobramos o nosso parque de injetoras e desenvolvemos fornecedores locais de resistência elétrica, termostato e embalagens”, conta Cardoso. A companhia planeja uma nova rodada de nacionalização para fabricar localmente secador de cabelo, escova secadora, aspirador de pó e cafeteira.

“O setor (de eletroeletrônico) passa por uma profunda transformação porque esse modelo de globalização tornou vulnerável a indústria do mundo inteiro”, diz Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Elétrica e Eletrônica (Abinee). “Nós, inclusive, estamos esperando para os próximos dias que seja editada a Medida Provisória que vai incentivar a vinda da produção de semicondutores para o Brasil, porque, do ponto de vista estratégico, o País está muito mais próximo da Europa e dos Estados Unidos do que a Ásia. E, portanto, nós teríamos uma vantagem comparativa.”

Comércio substitui parceiro comercial

Enquanto a indústria ensaia substituir importações para vencer os obstáculos da inflação global e da dificuldade de fornecimento, o comércio não pode esperar. Por isso, saiu em busca de importar mais produtos acabados de países onde os preços recuaram.

Um estudo feito pelo economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes, que compara as quantidades médias importadas de 3,7 mil bens de consumo de janeiro a outubro, entre 2012 e 2019, período pré-pandemia, com janeiro a outubro, entre 2020 e 2022, revela que houve substituição de países fornecedores desses produtos.

As quantidades importadas de parceiros comerciais tradicionais do Brasil, como Estados Unidos, Países Baixos, França e Coreia do Sul, por exemplo, registraram quedas na faixa de dois dígitos na pandemia em relação ao período anterior. A explicação para o recuo nas compras externas, segundo o economista, foi o forte aumento dos preços em dólar nesses países no período analisado.

A saída dos varejistas foi ampliar as quantidades compradas de outros países, onde os preços recuaram em dólar no período, como Índia, Bélgica, Portugal, Turquia e Vietnã, por exemplo. Na lista dos parceiros comerciais com maiores crescimento de volumes importados no período em análise aparecem também os vizinhos Peru, Paraguai e Chile. “Os parceiros comerciais mais próximos do Brasil estão ganhando força”, observa Bentes. Ele ressalta que, no curtíssimo prazo, a estratégia do varejo para driblar a alta de preços e problemas logísticos foi substituir parceiros comerciais.

“Não houve uma substituição do manufaturado importado pelo nacional ainda”, diz Bentes. Ele lembra que esse processo leva algum tempo para que as novas fábricas entrem em operação. Aliás, os números mostram exatamente isso. Apesar de o volume de manufaturados importados ter recuado 5% em dois anos de pandemia, a produção industrial doméstica está ainda 11% abaixo das vésperas da decretação do estado de emergência sanitária.

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