Quais os acertos e erros em sustentabilidade no 1º ano do governo Lula? Especialistas respondem


Avaliação é que promessa de colocar a bioeconomia como foco foi cumprida, mas ainda faltam muitos avanços na agenda

Por Beatriz Capirazi
Atualização:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse em 2023 com promessas ambiciosas para a área ambiental: chegar ao desmatamento zero na Amazônia, fomentar a transição da economia rumo a um modelo sustentável, promover a reparação aos povos indígenas e dar início a uma “transição energética-ecológico para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis”.

Um ano depois, a avaliação de especialistas é que houve avanços, como os planos para regulamentar o mercado de carbono e o hidrogênio verde. A retomada do Fundo Amazônia, o anúncio do Plano Safra com foco no desenvolvimento de um agronegócio com boas práticas ambientais e o posicionamento do País como um possível protagonista na economia verde foram pontos avaliados como positivos.

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“A gente vinha como pária da sustentabilidade do mundo e de repente a gente mudou para o protagonista. Ainda temos muito para fazer, mas desde que o presidente eleito mas não empossado foi à COP do Egito (Lula, já eleito, viajou ao evento em novembro de 2022) já demonstrou outra atitude”, afirma o presidente do conselho do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, Hugo Bethlem.

Especialistas apontam que a promessa de colocar a bioeconomia como foco do governo federal foi cumprida, mas ainda faltam muitos avanços nesta agenda Foto: Wilton Junior/Estadão

Pontos que não foram tão desenvolvidos geraram críticas, como aspectos que fortalecem os combustíveis fósseis e a velha economia no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

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Recursos para combustíveis fósseis

Anunciado por Lula como o caminho que ajudaria a “tornar o Brasil a grande potência sustentável do planeta”, o PAC terá investimentos de R$ 1,7 trilhão. Dos R$ 540,3 bilhões a serem investidos em transição e segurança energética, R$ 335,1 bilhões (62%) são em projetos fósseis, de petróleo e gás. Já para os combustíveis de baixo carbono, o orçamento é de R$ 26,1 bilhões.

Para o coordenador do laboratório de simulação e gerenciamento de reservatórios de petróleo (LASG) da USP, Márcio Augusto Sampaio, embora o anúncio tenha desagradado ambientalistas, ele segue um fluxo natural, considerando o peso que o setor ainda tem na economia brasileira.

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O professor defende que a transição justa é o que manterá o sistema funcionando e permitirá as tecnologias para a criação de uma bioeconomia, considerando que muitas delas ainda são custosas ou precisam ser desenvolvidas.

A advogada Marilda Rosado, ex-superintendente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e sócia do escritório Renno, Penteado, Sampaio advogados é de uma opinião similar.

Novo PAC foi ponto de discussão sobre o primeiro ano do governo Lula.  Foto: Wilton Junior/Estadão
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A especialista destaca que uma mudança é necessária e que o Brasil tem avançado rumo a este caminho. Ela aponta, no entanto, que é impossível ignorar o peso que o petróleo tem no desenvolvimento da economia nacional. Para ela, mesmo com as críticas e uma certa contradição, o peso de cada um dos investimentos na última versão do PAC é coerente.

Outro ponto de destaque foi a própria reforma tributária. Embora o Imposto Seletivo que será criado deva incidir sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais ao meio ambiente, havia uma expectativa de alguns setores pautados pela sustentabilidade de que houvesse um peso maior sob algumas categorias de materiais poluentes, como o plástico.

Para o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) com foco em desenvolvimento econômico Luciano Nakabashi, a reforma poderia ter sido mais firme com poluentes. “Seria algo positivo que os itens poluentes tivessem impostos maiores, pois eles provocam impactos negativos na sociedade onde os custos não são arcados pelas empresas que os produzem, o que leva a um excesso de produção de itens poluentes”, diz Nakabashi.

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Especialistas contrários lembram que muitos alimentos da cesta básica, por exemplo, contam com embalagens de plástico, o que acabaria por encarecer os produtos para os consumidores finais, prejudicando a população com menor poder aquisitivo. Além disso, essa mudança levaria a grandes alterações na cadeia produtiva, tendo de ser algo mais pensado.

Outro destaque que foi alvo de críticas foi em relação ao marco temporal. Embora o presidente tenha se posicionado contra, ele teve dificuldades de criar alianças políticas no Congresso, o que criou uma “queda de braço” entre os dois lados. Em setembro deste ano, o STF rejeitou o marco temporal para demarcação das terras indígenas.

Outro destaque que foi alvo de críticas foi em relação ao Marco Temporal.  Foto: Wilton Júnior / Estadão
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O marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou disputaram até 5 de outubro de 1988, data em que a Constituição foi promulgada. Os indígenas são contrários ao marco, considerando que caso aprovado eles podem perder terras já conquistadas. Em contrapartida, o agronegócio é a favor, sendo contrários à ampliação de demarcações de terras indígenas no País.

Em derrota para o governo, deputados e senadores rejeitaram no início de dezembro o veto do presidente ao projeto sobre o marco temporal. Diante de tantos entraves, o presidente afirmou que o governo pode “brigar na Justiça”. O marco temporal das terras indígenas voltará à pauta do STF neste ano. Até agora, a entidade recebeu três ações cujo objeto é a lei 14.701/23, sendo duas contra e uma a favor.

Para Hugo Bethlem, outro ponto de atenção será a realização da COP-30 em Belém, em 2025. Segundo ele, a vinda do evento para cá traz prestígio, mas os desafios são inúmeros e podem trazer polêmicas dependendo de como a situação se encaminhar.

“Tenho minhas dúvidas sobre sua viabilidade, mas é um desafio gigantesco para não termos o mesmo que aconteceu na COP. Belém não tem estrutura hoteleira para receber esse povo. Vai dar em tempo de dois anos construir? Se sim, o que eu faço com esses hotéis e essa infraestrutura depois?”, questiona.

O programa de estímulo às vendas de carros também foi visto como outro ponto controverso. O professor doutor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Zilbovicius, destaca que os recursos destinados a carros zero poderiam ter sido deslocados para o desenvolvimento de tecnologias para tornar os veículos de carga pesada mais sustentáveis.

“O programa poderia ser um incentivo aos carros elétricos e realmente fomentar uma mudança verde no setor automotivo. Fazer esse estímulo era criar emprego considerando as demissões nas montadoras. Era incentivar a produção local de bateria e carro elétrico.”

Pontos positivos

Os especialistas são unânimes ao apontar que houve avanços inegáveis em 2023. “Acho que o governo tem várias críticas, mas no meio ambiente o governo assumiu um papel relevante”, diz Bethlem.

Retomada da pauta de sustentabilidade com seriedade foi apontado como ponto positivo do governo. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

O ano de 2023 marcou a retomada do Fundo Amazônia, após quatro anos sem aportes e aprovação de projetos de conservação. Ele é um mecanismo de financiamento climático que impulsiona projetos de proteção e desenvolvimento sustentável na região.

Para Bethlem, a retomada é essencial para o desenvolvimento de uma economia sustentável e foi um dos principais acertos do governo neste ano. Para ele, o fato de o País ter conquistado novos doadores em tão pouco tempo foi extremamente positivo, com altos aportes impulsionando a economia amazônica.

Outro fator positivo é a queda de 7,4% no desmatamento na Amazônia de agosto de 2022 a julho de 2023, firmando a tendência de queda no desmate da floresta. Enquanto no período anterior, de 2021 a 2022, foram 8.590 km² desmatados, no período mais recente foram 7.592 km², segundo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência.

“O governo deu mostras reais do compromisso com o desmatamento zero, a redução das emissões e a reestruturação dos órgãos ambientais foram significativas”, afirma o CEO da Biofílica Ambipar, Plínio Ribeiro.

O executivo diz ver a agenda de incentivos ainda estagnada. “O governo precisa entregar muita coisa do lado de incentivos, regulamentar algumas leis, fortalecer a pauta de resíduos sólidos. Tem uma agenda pelo lado de incentivos que tem bastante o que fazer, mas, de maneira geral, estamos vendo resultados expressivos.”

Para o cofundador da consultoria Mais Diversidade, Ricardo Sales, alguns ministérios tiveram de ser reconstruídos no pós-governo de Bolsonaro, como o de Direitos Humanos e o de Meio Ambiente.

“As entregas de 2023 foram na linha assim do que era possível. Nas minhas viagens a Brasília um número muito grande de pessoas engajadas trabalhando uma quantidade violenta de horas por dia para conseguir reconstruir e fazendo tudo isso sem dinheiro, porque o orçamento deste ano para essas áreas foi deixado pelo governo anterior.”

Para Sales, uma cobrança mais efetiva quanto às pautas ESG poderá ser feita em 2024, quando o orçamento vai ter sido definido nesta gestão e tudo planejado de acordo com as prioridades do governo. “2024 é um ano de eleição, em que via de regra não se gosta de polêmicas. Justamente por isso o governo será colocado à prova com questionamentos sobre a extensão do seu compromisso com a agenda ESG.”

Outro destaque apontado como positivo foi o desenvolvimento do maior Plano Safra da história e o mais sustentável. No seu discurso de posse, o presidente já havia apontado que o Brasil não precisa “desmatar para manter e ampliar sua estratégica fronteira agrícola”.

Para a gerente de clima e emissões do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Isabel Drigo, o grande trunfo da versão 2023/24 do plano é trazer ações factíveis de sustentabilidade para o agronegócio, impulsionando uma mudança real no setor.

Além de baratear o acesso ao crédito para os produtores rurais, o plano traz o incentivo a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), as boas práticas agrícolas, que também serão beneficiadas com juros mais baixos, e combate ao uso de propriedades com embargo ambiental em todo o Brasil, não só na Amazônia.

O Brasil ter assumido a presidência do G-20 também é visto não só como um ponto positivo do governo de 2023, mas como algo que pode catapultar o País na liderança da bioeconomia.

“O Brasil liderando isso acelera a adoção não só de tecnologia, mas de políticas. A promoção de investimentos e do comércio que pode surgir a partir da liderança destes diálogos é uma grande oportunidade”, afirma a líder de sustentabilidade e clima da Deloitte, Maria Emília Peres.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse em 2023 com promessas ambiciosas para a área ambiental: chegar ao desmatamento zero na Amazônia, fomentar a transição da economia rumo a um modelo sustentável, promover a reparação aos povos indígenas e dar início a uma “transição energética-ecológico para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis”.

Um ano depois, a avaliação de especialistas é que houve avanços, como os planos para regulamentar o mercado de carbono e o hidrogênio verde. A retomada do Fundo Amazônia, o anúncio do Plano Safra com foco no desenvolvimento de um agronegócio com boas práticas ambientais e o posicionamento do País como um possível protagonista na economia verde foram pontos avaliados como positivos.

“A gente vinha como pária da sustentabilidade do mundo e de repente a gente mudou para o protagonista. Ainda temos muito para fazer, mas desde que o presidente eleito mas não empossado foi à COP do Egito (Lula, já eleito, viajou ao evento em novembro de 2022) já demonstrou outra atitude”, afirma o presidente do conselho do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, Hugo Bethlem.

Especialistas apontam que a promessa de colocar a bioeconomia como foco do governo federal foi cumprida, mas ainda faltam muitos avanços nesta agenda Foto: Wilton Junior/Estadão

Pontos que não foram tão desenvolvidos geraram críticas, como aspectos que fortalecem os combustíveis fósseis e a velha economia no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Recursos para combustíveis fósseis

Anunciado por Lula como o caminho que ajudaria a “tornar o Brasil a grande potência sustentável do planeta”, o PAC terá investimentos de R$ 1,7 trilhão. Dos R$ 540,3 bilhões a serem investidos em transição e segurança energética, R$ 335,1 bilhões (62%) são em projetos fósseis, de petróleo e gás. Já para os combustíveis de baixo carbono, o orçamento é de R$ 26,1 bilhões.

Para o coordenador do laboratório de simulação e gerenciamento de reservatórios de petróleo (LASG) da USP, Márcio Augusto Sampaio, embora o anúncio tenha desagradado ambientalistas, ele segue um fluxo natural, considerando o peso que o setor ainda tem na economia brasileira.

O professor defende que a transição justa é o que manterá o sistema funcionando e permitirá as tecnologias para a criação de uma bioeconomia, considerando que muitas delas ainda são custosas ou precisam ser desenvolvidas.

A advogada Marilda Rosado, ex-superintendente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e sócia do escritório Renno, Penteado, Sampaio advogados é de uma opinião similar.

Novo PAC foi ponto de discussão sobre o primeiro ano do governo Lula.  Foto: Wilton Junior/Estadão

A especialista destaca que uma mudança é necessária e que o Brasil tem avançado rumo a este caminho. Ela aponta, no entanto, que é impossível ignorar o peso que o petróleo tem no desenvolvimento da economia nacional. Para ela, mesmo com as críticas e uma certa contradição, o peso de cada um dos investimentos na última versão do PAC é coerente.

Outro ponto de destaque foi a própria reforma tributária. Embora o Imposto Seletivo que será criado deva incidir sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais ao meio ambiente, havia uma expectativa de alguns setores pautados pela sustentabilidade de que houvesse um peso maior sob algumas categorias de materiais poluentes, como o plástico.

Para o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) com foco em desenvolvimento econômico Luciano Nakabashi, a reforma poderia ter sido mais firme com poluentes. “Seria algo positivo que os itens poluentes tivessem impostos maiores, pois eles provocam impactos negativos na sociedade onde os custos não são arcados pelas empresas que os produzem, o que leva a um excesso de produção de itens poluentes”, diz Nakabashi.

Especialistas contrários lembram que muitos alimentos da cesta básica, por exemplo, contam com embalagens de plástico, o que acabaria por encarecer os produtos para os consumidores finais, prejudicando a população com menor poder aquisitivo. Além disso, essa mudança levaria a grandes alterações na cadeia produtiva, tendo de ser algo mais pensado.

Outro destaque que foi alvo de críticas foi em relação ao marco temporal. Embora o presidente tenha se posicionado contra, ele teve dificuldades de criar alianças políticas no Congresso, o que criou uma “queda de braço” entre os dois lados. Em setembro deste ano, o STF rejeitou o marco temporal para demarcação das terras indígenas.

Outro destaque que foi alvo de críticas foi em relação ao Marco Temporal.  Foto: Wilton Júnior / Estadão

O marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou disputaram até 5 de outubro de 1988, data em que a Constituição foi promulgada. Os indígenas são contrários ao marco, considerando que caso aprovado eles podem perder terras já conquistadas. Em contrapartida, o agronegócio é a favor, sendo contrários à ampliação de demarcações de terras indígenas no País.

Em derrota para o governo, deputados e senadores rejeitaram no início de dezembro o veto do presidente ao projeto sobre o marco temporal. Diante de tantos entraves, o presidente afirmou que o governo pode “brigar na Justiça”. O marco temporal das terras indígenas voltará à pauta do STF neste ano. Até agora, a entidade recebeu três ações cujo objeto é a lei 14.701/23, sendo duas contra e uma a favor.

Para Hugo Bethlem, outro ponto de atenção será a realização da COP-30 em Belém, em 2025. Segundo ele, a vinda do evento para cá traz prestígio, mas os desafios são inúmeros e podem trazer polêmicas dependendo de como a situação se encaminhar.

“Tenho minhas dúvidas sobre sua viabilidade, mas é um desafio gigantesco para não termos o mesmo que aconteceu na COP. Belém não tem estrutura hoteleira para receber esse povo. Vai dar em tempo de dois anos construir? Se sim, o que eu faço com esses hotéis e essa infraestrutura depois?”, questiona.

O programa de estímulo às vendas de carros também foi visto como outro ponto controverso. O professor doutor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Zilbovicius, destaca que os recursos destinados a carros zero poderiam ter sido deslocados para o desenvolvimento de tecnologias para tornar os veículos de carga pesada mais sustentáveis.

“O programa poderia ser um incentivo aos carros elétricos e realmente fomentar uma mudança verde no setor automotivo. Fazer esse estímulo era criar emprego considerando as demissões nas montadoras. Era incentivar a produção local de bateria e carro elétrico.”

Pontos positivos

Os especialistas são unânimes ao apontar que houve avanços inegáveis em 2023. “Acho que o governo tem várias críticas, mas no meio ambiente o governo assumiu um papel relevante”, diz Bethlem.

Retomada da pauta de sustentabilidade com seriedade foi apontado como ponto positivo do governo. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

O ano de 2023 marcou a retomada do Fundo Amazônia, após quatro anos sem aportes e aprovação de projetos de conservação. Ele é um mecanismo de financiamento climático que impulsiona projetos de proteção e desenvolvimento sustentável na região.

Para Bethlem, a retomada é essencial para o desenvolvimento de uma economia sustentável e foi um dos principais acertos do governo neste ano. Para ele, o fato de o País ter conquistado novos doadores em tão pouco tempo foi extremamente positivo, com altos aportes impulsionando a economia amazônica.

Outro fator positivo é a queda de 7,4% no desmatamento na Amazônia de agosto de 2022 a julho de 2023, firmando a tendência de queda no desmate da floresta. Enquanto no período anterior, de 2021 a 2022, foram 8.590 km² desmatados, no período mais recente foram 7.592 km², segundo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência.

“O governo deu mostras reais do compromisso com o desmatamento zero, a redução das emissões e a reestruturação dos órgãos ambientais foram significativas”, afirma o CEO da Biofílica Ambipar, Plínio Ribeiro.

O executivo diz ver a agenda de incentivos ainda estagnada. “O governo precisa entregar muita coisa do lado de incentivos, regulamentar algumas leis, fortalecer a pauta de resíduos sólidos. Tem uma agenda pelo lado de incentivos que tem bastante o que fazer, mas, de maneira geral, estamos vendo resultados expressivos.”

Para o cofundador da consultoria Mais Diversidade, Ricardo Sales, alguns ministérios tiveram de ser reconstruídos no pós-governo de Bolsonaro, como o de Direitos Humanos e o de Meio Ambiente.

“As entregas de 2023 foram na linha assim do que era possível. Nas minhas viagens a Brasília um número muito grande de pessoas engajadas trabalhando uma quantidade violenta de horas por dia para conseguir reconstruir e fazendo tudo isso sem dinheiro, porque o orçamento deste ano para essas áreas foi deixado pelo governo anterior.”

Para Sales, uma cobrança mais efetiva quanto às pautas ESG poderá ser feita em 2024, quando o orçamento vai ter sido definido nesta gestão e tudo planejado de acordo com as prioridades do governo. “2024 é um ano de eleição, em que via de regra não se gosta de polêmicas. Justamente por isso o governo será colocado à prova com questionamentos sobre a extensão do seu compromisso com a agenda ESG.”

Outro destaque apontado como positivo foi o desenvolvimento do maior Plano Safra da história e o mais sustentável. No seu discurso de posse, o presidente já havia apontado que o Brasil não precisa “desmatar para manter e ampliar sua estratégica fronteira agrícola”.

Para a gerente de clima e emissões do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Isabel Drigo, o grande trunfo da versão 2023/24 do plano é trazer ações factíveis de sustentabilidade para o agronegócio, impulsionando uma mudança real no setor.

Além de baratear o acesso ao crédito para os produtores rurais, o plano traz o incentivo a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), as boas práticas agrícolas, que também serão beneficiadas com juros mais baixos, e combate ao uso de propriedades com embargo ambiental em todo o Brasil, não só na Amazônia.

O Brasil ter assumido a presidência do G-20 também é visto não só como um ponto positivo do governo de 2023, mas como algo que pode catapultar o País na liderança da bioeconomia.

“O Brasil liderando isso acelera a adoção não só de tecnologia, mas de políticas. A promoção de investimentos e do comércio que pode surgir a partir da liderança destes diálogos é uma grande oportunidade”, afirma a líder de sustentabilidade e clima da Deloitte, Maria Emília Peres.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse em 2023 com promessas ambiciosas para a área ambiental: chegar ao desmatamento zero na Amazônia, fomentar a transição da economia rumo a um modelo sustentável, promover a reparação aos povos indígenas e dar início a uma “transição energética-ecológico para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis”.

Um ano depois, a avaliação de especialistas é que houve avanços, como os planos para regulamentar o mercado de carbono e o hidrogênio verde. A retomada do Fundo Amazônia, o anúncio do Plano Safra com foco no desenvolvimento de um agronegócio com boas práticas ambientais e o posicionamento do País como um possível protagonista na economia verde foram pontos avaliados como positivos.

“A gente vinha como pária da sustentabilidade do mundo e de repente a gente mudou para o protagonista. Ainda temos muito para fazer, mas desde que o presidente eleito mas não empossado foi à COP do Egito (Lula, já eleito, viajou ao evento em novembro de 2022) já demonstrou outra atitude”, afirma o presidente do conselho do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, Hugo Bethlem.

Especialistas apontam que a promessa de colocar a bioeconomia como foco do governo federal foi cumprida, mas ainda faltam muitos avanços nesta agenda Foto: Wilton Junior/Estadão

Pontos que não foram tão desenvolvidos geraram críticas, como aspectos que fortalecem os combustíveis fósseis e a velha economia no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Recursos para combustíveis fósseis

Anunciado por Lula como o caminho que ajudaria a “tornar o Brasil a grande potência sustentável do planeta”, o PAC terá investimentos de R$ 1,7 trilhão. Dos R$ 540,3 bilhões a serem investidos em transição e segurança energética, R$ 335,1 bilhões (62%) são em projetos fósseis, de petróleo e gás. Já para os combustíveis de baixo carbono, o orçamento é de R$ 26,1 bilhões.

Para o coordenador do laboratório de simulação e gerenciamento de reservatórios de petróleo (LASG) da USP, Márcio Augusto Sampaio, embora o anúncio tenha desagradado ambientalistas, ele segue um fluxo natural, considerando o peso que o setor ainda tem na economia brasileira.

O professor defende que a transição justa é o que manterá o sistema funcionando e permitirá as tecnologias para a criação de uma bioeconomia, considerando que muitas delas ainda são custosas ou precisam ser desenvolvidas.

A advogada Marilda Rosado, ex-superintendente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e sócia do escritório Renno, Penteado, Sampaio advogados é de uma opinião similar.

Novo PAC foi ponto de discussão sobre o primeiro ano do governo Lula.  Foto: Wilton Junior/Estadão

A especialista destaca que uma mudança é necessária e que o Brasil tem avançado rumo a este caminho. Ela aponta, no entanto, que é impossível ignorar o peso que o petróleo tem no desenvolvimento da economia nacional. Para ela, mesmo com as críticas e uma certa contradição, o peso de cada um dos investimentos na última versão do PAC é coerente.

Outro ponto de destaque foi a própria reforma tributária. Embora o Imposto Seletivo que será criado deva incidir sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais ao meio ambiente, havia uma expectativa de alguns setores pautados pela sustentabilidade de que houvesse um peso maior sob algumas categorias de materiais poluentes, como o plástico.

Para o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) com foco em desenvolvimento econômico Luciano Nakabashi, a reforma poderia ter sido mais firme com poluentes. “Seria algo positivo que os itens poluentes tivessem impostos maiores, pois eles provocam impactos negativos na sociedade onde os custos não são arcados pelas empresas que os produzem, o que leva a um excesso de produção de itens poluentes”, diz Nakabashi.

Especialistas contrários lembram que muitos alimentos da cesta básica, por exemplo, contam com embalagens de plástico, o que acabaria por encarecer os produtos para os consumidores finais, prejudicando a população com menor poder aquisitivo. Além disso, essa mudança levaria a grandes alterações na cadeia produtiva, tendo de ser algo mais pensado.

Outro destaque que foi alvo de críticas foi em relação ao marco temporal. Embora o presidente tenha se posicionado contra, ele teve dificuldades de criar alianças políticas no Congresso, o que criou uma “queda de braço” entre os dois lados. Em setembro deste ano, o STF rejeitou o marco temporal para demarcação das terras indígenas.

Outro destaque que foi alvo de críticas foi em relação ao Marco Temporal.  Foto: Wilton Júnior / Estadão

O marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou disputaram até 5 de outubro de 1988, data em que a Constituição foi promulgada. Os indígenas são contrários ao marco, considerando que caso aprovado eles podem perder terras já conquistadas. Em contrapartida, o agronegócio é a favor, sendo contrários à ampliação de demarcações de terras indígenas no País.

Em derrota para o governo, deputados e senadores rejeitaram no início de dezembro o veto do presidente ao projeto sobre o marco temporal. Diante de tantos entraves, o presidente afirmou que o governo pode “brigar na Justiça”. O marco temporal das terras indígenas voltará à pauta do STF neste ano. Até agora, a entidade recebeu três ações cujo objeto é a lei 14.701/23, sendo duas contra e uma a favor.

Para Hugo Bethlem, outro ponto de atenção será a realização da COP-30 em Belém, em 2025. Segundo ele, a vinda do evento para cá traz prestígio, mas os desafios são inúmeros e podem trazer polêmicas dependendo de como a situação se encaminhar.

“Tenho minhas dúvidas sobre sua viabilidade, mas é um desafio gigantesco para não termos o mesmo que aconteceu na COP. Belém não tem estrutura hoteleira para receber esse povo. Vai dar em tempo de dois anos construir? Se sim, o que eu faço com esses hotéis e essa infraestrutura depois?”, questiona.

O programa de estímulo às vendas de carros também foi visto como outro ponto controverso. O professor doutor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Zilbovicius, destaca que os recursos destinados a carros zero poderiam ter sido deslocados para o desenvolvimento de tecnologias para tornar os veículos de carga pesada mais sustentáveis.

“O programa poderia ser um incentivo aos carros elétricos e realmente fomentar uma mudança verde no setor automotivo. Fazer esse estímulo era criar emprego considerando as demissões nas montadoras. Era incentivar a produção local de bateria e carro elétrico.”

Pontos positivos

Os especialistas são unânimes ao apontar que houve avanços inegáveis em 2023. “Acho que o governo tem várias críticas, mas no meio ambiente o governo assumiu um papel relevante”, diz Bethlem.

Retomada da pauta de sustentabilidade com seriedade foi apontado como ponto positivo do governo. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

O ano de 2023 marcou a retomada do Fundo Amazônia, após quatro anos sem aportes e aprovação de projetos de conservação. Ele é um mecanismo de financiamento climático que impulsiona projetos de proteção e desenvolvimento sustentável na região.

Para Bethlem, a retomada é essencial para o desenvolvimento de uma economia sustentável e foi um dos principais acertos do governo neste ano. Para ele, o fato de o País ter conquistado novos doadores em tão pouco tempo foi extremamente positivo, com altos aportes impulsionando a economia amazônica.

Outro fator positivo é a queda de 7,4% no desmatamento na Amazônia de agosto de 2022 a julho de 2023, firmando a tendência de queda no desmate da floresta. Enquanto no período anterior, de 2021 a 2022, foram 8.590 km² desmatados, no período mais recente foram 7.592 km², segundo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência.

“O governo deu mostras reais do compromisso com o desmatamento zero, a redução das emissões e a reestruturação dos órgãos ambientais foram significativas”, afirma o CEO da Biofílica Ambipar, Plínio Ribeiro.

O executivo diz ver a agenda de incentivos ainda estagnada. “O governo precisa entregar muita coisa do lado de incentivos, regulamentar algumas leis, fortalecer a pauta de resíduos sólidos. Tem uma agenda pelo lado de incentivos que tem bastante o que fazer, mas, de maneira geral, estamos vendo resultados expressivos.”

Para o cofundador da consultoria Mais Diversidade, Ricardo Sales, alguns ministérios tiveram de ser reconstruídos no pós-governo de Bolsonaro, como o de Direitos Humanos e o de Meio Ambiente.

“As entregas de 2023 foram na linha assim do que era possível. Nas minhas viagens a Brasília um número muito grande de pessoas engajadas trabalhando uma quantidade violenta de horas por dia para conseguir reconstruir e fazendo tudo isso sem dinheiro, porque o orçamento deste ano para essas áreas foi deixado pelo governo anterior.”

Para Sales, uma cobrança mais efetiva quanto às pautas ESG poderá ser feita em 2024, quando o orçamento vai ter sido definido nesta gestão e tudo planejado de acordo com as prioridades do governo. “2024 é um ano de eleição, em que via de regra não se gosta de polêmicas. Justamente por isso o governo será colocado à prova com questionamentos sobre a extensão do seu compromisso com a agenda ESG.”

Outro destaque apontado como positivo foi o desenvolvimento do maior Plano Safra da história e o mais sustentável. No seu discurso de posse, o presidente já havia apontado que o Brasil não precisa “desmatar para manter e ampliar sua estratégica fronteira agrícola”.

Para a gerente de clima e emissões do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Isabel Drigo, o grande trunfo da versão 2023/24 do plano é trazer ações factíveis de sustentabilidade para o agronegócio, impulsionando uma mudança real no setor.

Além de baratear o acesso ao crédito para os produtores rurais, o plano traz o incentivo a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), as boas práticas agrícolas, que também serão beneficiadas com juros mais baixos, e combate ao uso de propriedades com embargo ambiental em todo o Brasil, não só na Amazônia.

O Brasil ter assumido a presidência do G-20 também é visto não só como um ponto positivo do governo de 2023, mas como algo que pode catapultar o País na liderança da bioeconomia.

“O Brasil liderando isso acelera a adoção não só de tecnologia, mas de políticas. A promoção de investimentos e do comércio que pode surgir a partir da liderança destes diálogos é uma grande oportunidade”, afirma a líder de sustentabilidade e clima da Deloitte, Maria Emília Peres.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse em 2023 com promessas ambiciosas para a área ambiental: chegar ao desmatamento zero na Amazônia, fomentar a transição da economia rumo a um modelo sustentável, promover a reparação aos povos indígenas e dar início a uma “transição energética-ecológico para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis”.

Um ano depois, a avaliação de especialistas é que houve avanços, como os planos para regulamentar o mercado de carbono e o hidrogênio verde. A retomada do Fundo Amazônia, o anúncio do Plano Safra com foco no desenvolvimento de um agronegócio com boas práticas ambientais e o posicionamento do País como um possível protagonista na economia verde foram pontos avaliados como positivos.

“A gente vinha como pária da sustentabilidade do mundo e de repente a gente mudou para o protagonista. Ainda temos muito para fazer, mas desde que o presidente eleito mas não empossado foi à COP do Egito (Lula, já eleito, viajou ao evento em novembro de 2022) já demonstrou outra atitude”, afirma o presidente do conselho do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, Hugo Bethlem.

Especialistas apontam que a promessa de colocar a bioeconomia como foco do governo federal foi cumprida, mas ainda faltam muitos avanços nesta agenda Foto: Wilton Junior/Estadão

Pontos que não foram tão desenvolvidos geraram críticas, como aspectos que fortalecem os combustíveis fósseis e a velha economia no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Recursos para combustíveis fósseis

Anunciado por Lula como o caminho que ajudaria a “tornar o Brasil a grande potência sustentável do planeta”, o PAC terá investimentos de R$ 1,7 trilhão. Dos R$ 540,3 bilhões a serem investidos em transição e segurança energética, R$ 335,1 bilhões (62%) são em projetos fósseis, de petróleo e gás. Já para os combustíveis de baixo carbono, o orçamento é de R$ 26,1 bilhões.

Para o coordenador do laboratório de simulação e gerenciamento de reservatórios de petróleo (LASG) da USP, Márcio Augusto Sampaio, embora o anúncio tenha desagradado ambientalistas, ele segue um fluxo natural, considerando o peso que o setor ainda tem na economia brasileira.

O professor defende que a transição justa é o que manterá o sistema funcionando e permitirá as tecnologias para a criação de uma bioeconomia, considerando que muitas delas ainda são custosas ou precisam ser desenvolvidas.

A advogada Marilda Rosado, ex-superintendente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e sócia do escritório Renno, Penteado, Sampaio advogados é de uma opinião similar.

Novo PAC foi ponto de discussão sobre o primeiro ano do governo Lula.  Foto: Wilton Junior/Estadão

A especialista destaca que uma mudança é necessária e que o Brasil tem avançado rumo a este caminho. Ela aponta, no entanto, que é impossível ignorar o peso que o petróleo tem no desenvolvimento da economia nacional. Para ela, mesmo com as críticas e uma certa contradição, o peso de cada um dos investimentos na última versão do PAC é coerente.

Outro ponto de destaque foi a própria reforma tributária. Embora o Imposto Seletivo que será criado deva incidir sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais ao meio ambiente, havia uma expectativa de alguns setores pautados pela sustentabilidade de que houvesse um peso maior sob algumas categorias de materiais poluentes, como o plástico.

Para o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) com foco em desenvolvimento econômico Luciano Nakabashi, a reforma poderia ter sido mais firme com poluentes. “Seria algo positivo que os itens poluentes tivessem impostos maiores, pois eles provocam impactos negativos na sociedade onde os custos não são arcados pelas empresas que os produzem, o que leva a um excesso de produção de itens poluentes”, diz Nakabashi.

Especialistas contrários lembram que muitos alimentos da cesta básica, por exemplo, contam com embalagens de plástico, o que acabaria por encarecer os produtos para os consumidores finais, prejudicando a população com menor poder aquisitivo. Além disso, essa mudança levaria a grandes alterações na cadeia produtiva, tendo de ser algo mais pensado.

Outro destaque que foi alvo de críticas foi em relação ao marco temporal. Embora o presidente tenha se posicionado contra, ele teve dificuldades de criar alianças políticas no Congresso, o que criou uma “queda de braço” entre os dois lados. Em setembro deste ano, o STF rejeitou o marco temporal para demarcação das terras indígenas.

Outro destaque que foi alvo de críticas foi em relação ao Marco Temporal.  Foto: Wilton Júnior / Estadão

O marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou disputaram até 5 de outubro de 1988, data em que a Constituição foi promulgada. Os indígenas são contrários ao marco, considerando que caso aprovado eles podem perder terras já conquistadas. Em contrapartida, o agronegócio é a favor, sendo contrários à ampliação de demarcações de terras indígenas no País.

Em derrota para o governo, deputados e senadores rejeitaram no início de dezembro o veto do presidente ao projeto sobre o marco temporal. Diante de tantos entraves, o presidente afirmou que o governo pode “brigar na Justiça”. O marco temporal das terras indígenas voltará à pauta do STF neste ano. Até agora, a entidade recebeu três ações cujo objeto é a lei 14.701/23, sendo duas contra e uma a favor.

Para Hugo Bethlem, outro ponto de atenção será a realização da COP-30 em Belém, em 2025. Segundo ele, a vinda do evento para cá traz prestígio, mas os desafios são inúmeros e podem trazer polêmicas dependendo de como a situação se encaminhar.

“Tenho minhas dúvidas sobre sua viabilidade, mas é um desafio gigantesco para não termos o mesmo que aconteceu na COP. Belém não tem estrutura hoteleira para receber esse povo. Vai dar em tempo de dois anos construir? Se sim, o que eu faço com esses hotéis e essa infraestrutura depois?”, questiona.

O programa de estímulo às vendas de carros também foi visto como outro ponto controverso. O professor doutor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Zilbovicius, destaca que os recursos destinados a carros zero poderiam ter sido deslocados para o desenvolvimento de tecnologias para tornar os veículos de carga pesada mais sustentáveis.

“O programa poderia ser um incentivo aos carros elétricos e realmente fomentar uma mudança verde no setor automotivo. Fazer esse estímulo era criar emprego considerando as demissões nas montadoras. Era incentivar a produção local de bateria e carro elétrico.”

Pontos positivos

Os especialistas são unânimes ao apontar que houve avanços inegáveis em 2023. “Acho que o governo tem várias críticas, mas no meio ambiente o governo assumiu um papel relevante”, diz Bethlem.

Retomada da pauta de sustentabilidade com seriedade foi apontado como ponto positivo do governo. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

O ano de 2023 marcou a retomada do Fundo Amazônia, após quatro anos sem aportes e aprovação de projetos de conservação. Ele é um mecanismo de financiamento climático que impulsiona projetos de proteção e desenvolvimento sustentável na região.

Para Bethlem, a retomada é essencial para o desenvolvimento de uma economia sustentável e foi um dos principais acertos do governo neste ano. Para ele, o fato de o País ter conquistado novos doadores em tão pouco tempo foi extremamente positivo, com altos aportes impulsionando a economia amazônica.

Outro fator positivo é a queda de 7,4% no desmatamento na Amazônia de agosto de 2022 a julho de 2023, firmando a tendência de queda no desmate da floresta. Enquanto no período anterior, de 2021 a 2022, foram 8.590 km² desmatados, no período mais recente foram 7.592 km², segundo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência.

“O governo deu mostras reais do compromisso com o desmatamento zero, a redução das emissões e a reestruturação dos órgãos ambientais foram significativas”, afirma o CEO da Biofílica Ambipar, Plínio Ribeiro.

O executivo diz ver a agenda de incentivos ainda estagnada. “O governo precisa entregar muita coisa do lado de incentivos, regulamentar algumas leis, fortalecer a pauta de resíduos sólidos. Tem uma agenda pelo lado de incentivos que tem bastante o que fazer, mas, de maneira geral, estamos vendo resultados expressivos.”

Para o cofundador da consultoria Mais Diversidade, Ricardo Sales, alguns ministérios tiveram de ser reconstruídos no pós-governo de Bolsonaro, como o de Direitos Humanos e o de Meio Ambiente.

“As entregas de 2023 foram na linha assim do que era possível. Nas minhas viagens a Brasília um número muito grande de pessoas engajadas trabalhando uma quantidade violenta de horas por dia para conseguir reconstruir e fazendo tudo isso sem dinheiro, porque o orçamento deste ano para essas áreas foi deixado pelo governo anterior.”

Para Sales, uma cobrança mais efetiva quanto às pautas ESG poderá ser feita em 2024, quando o orçamento vai ter sido definido nesta gestão e tudo planejado de acordo com as prioridades do governo. “2024 é um ano de eleição, em que via de regra não se gosta de polêmicas. Justamente por isso o governo será colocado à prova com questionamentos sobre a extensão do seu compromisso com a agenda ESG.”

Outro destaque apontado como positivo foi o desenvolvimento do maior Plano Safra da história e o mais sustentável. No seu discurso de posse, o presidente já havia apontado que o Brasil não precisa “desmatar para manter e ampliar sua estratégica fronteira agrícola”.

Para a gerente de clima e emissões do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Isabel Drigo, o grande trunfo da versão 2023/24 do plano é trazer ações factíveis de sustentabilidade para o agronegócio, impulsionando uma mudança real no setor.

Além de baratear o acesso ao crédito para os produtores rurais, o plano traz o incentivo a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), as boas práticas agrícolas, que também serão beneficiadas com juros mais baixos, e combate ao uso de propriedades com embargo ambiental em todo o Brasil, não só na Amazônia.

O Brasil ter assumido a presidência do G-20 também é visto não só como um ponto positivo do governo de 2023, mas como algo que pode catapultar o País na liderança da bioeconomia.

“O Brasil liderando isso acelera a adoção não só de tecnologia, mas de políticas. A promoção de investimentos e do comércio que pode surgir a partir da liderança destes diálogos é uma grande oportunidade”, afirma a líder de sustentabilidade e clima da Deloitte, Maria Emília Peres.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse em 2023 com promessas ambiciosas para a área ambiental: chegar ao desmatamento zero na Amazônia, fomentar a transição da economia rumo a um modelo sustentável, promover a reparação aos povos indígenas e dar início a uma “transição energética-ecológico para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis”.

Um ano depois, a avaliação de especialistas é que houve avanços, como os planos para regulamentar o mercado de carbono e o hidrogênio verde. A retomada do Fundo Amazônia, o anúncio do Plano Safra com foco no desenvolvimento de um agronegócio com boas práticas ambientais e o posicionamento do País como um possível protagonista na economia verde foram pontos avaliados como positivos.

“A gente vinha como pária da sustentabilidade do mundo e de repente a gente mudou para o protagonista. Ainda temos muito para fazer, mas desde que o presidente eleito mas não empossado foi à COP do Egito (Lula, já eleito, viajou ao evento em novembro de 2022) já demonstrou outra atitude”, afirma o presidente do conselho do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, Hugo Bethlem.

Especialistas apontam que a promessa de colocar a bioeconomia como foco do governo federal foi cumprida, mas ainda faltam muitos avanços nesta agenda Foto: Wilton Junior/Estadão

Pontos que não foram tão desenvolvidos geraram críticas, como aspectos que fortalecem os combustíveis fósseis e a velha economia no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Recursos para combustíveis fósseis

Anunciado por Lula como o caminho que ajudaria a “tornar o Brasil a grande potência sustentável do planeta”, o PAC terá investimentos de R$ 1,7 trilhão. Dos R$ 540,3 bilhões a serem investidos em transição e segurança energética, R$ 335,1 bilhões (62%) são em projetos fósseis, de petróleo e gás. Já para os combustíveis de baixo carbono, o orçamento é de R$ 26,1 bilhões.

Para o coordenador do laboratório de simulação e gerenciamento de reservatórios de petróleo (LASG) da USP, Márcio Augusto Sampaio, embora o anúncio tenha desagradado ambientalistas, ele segue um fluxo natural, considerando o peso que o setor ainda tem na economia brasileira.

O professor defende que a transição justa é o que manterá o sistema funcionando e permitirá as tecnologias para a criação de uma bioeconomia, considerando que muitas delas ainda são custosas ou precisam ser desenvolvidas.

A advogada Marilda Rosado, ex-superintendente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e sócia do escritório Renno, Penteado, Sampaio advogados é de uma opinião similar.

Novo PAC foi ponto de discussão sobre o primeiro ano do governo Lula.  Foto: Wilton Junior/Estadão

A especialista destaca que uma mudança é necessária e que o Brasil tem avançado rumo a este caminho. Ela aponta, no entanto, que é impossível ignorar o peso que o petróleo tem no desenvolvimento da economia nacional. Para ela, mesmo com as críticas e uma certa contradição, o peso de cada um dos investimentos na última versão do PAC é coerente.

Outro ponto de destaque foi a própria reforma tributária. Embora o Imposto Seletivo que será criado deva incidir sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais ao meio ambiente, havia uma expectativa de alguns setores pautados pela sustentabilidade de que houvesse um peso maior sob algumas categorias de materiais poluentes, como o plástico.

Para o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) com foco em desenvolvimento econômico Luciano Nakabashi, a reforma poderia ter sido mais firme com poluentes. “Seria algo positivo que os itens poluentes tivessem impostos maiores, pois eles provocam impactos negativos na sociedade onde os custos não são arcados pelas empresas que os produzem, o que leva a um excesso de produção de itens poluentes”, diz Nakabashi.

Especialistas contrários lembram que muitos alimentos da cesta básica, por exemplo, contam com embalagens de plástico, o que acabaria por encarecer os produtos para os consumidores finais, prejudicando a população com menor poder aquisitivo. Além disso, essa mudança levaria a grandes alterações na cadeia produtiva, tendo de ser algo mais pensado.

Outro destaque que foi alvo de críticas foi em relação ao marco temporal. Embora o presidente tenha se posicionado contra, ele teve dificuldades de criar alianças políticas no Congresso, o que criou uma “queda de braço” entre os dois lados. Em setembro deste ano, o STF rejeitou o marco temporal para demarcação das terras indígenas.

Outro destaque que foi alvo de críticas foi em relação ao Marco Temporal.  Foto: Wilton Júnior / Estadão

O marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou disputaram até 5 de outubro de 1988, data em que a Constituição foi promulgada. Os indígenas são contrários ao marco, considerando que caso aprovado eles podem perder terras já conquistadas. Em contrapartida, o agronegócio é a favor, sendo contrários à ampliação de demarcações de terras indígenas no País.

Em derrota para o governo, deputados e senadores rejeitaram no início de dezembro o veto do presidente ao projeto sobre o marco temporal. Diante de tantos entraves, o presidente afirmou que o governo pode “brigar na Justiça”. O marco temporal das terras indígenas voltará à pauta do STF neste ano. Até agora, a entidade recebeu três ações cujo objeto é a lei 14.701/23, sendo duas contra e uma a favor.

Para Hugo Bethlem, outro ponto de atenção será a realização da COP-30 em Belém, em 2025. Segundo ele, a vinda do evento para cá traz prestígio, mas os desafios são inúmeros e podem trazer polêmicas dependendo de como a situação se encaminhar.

“Tenho minhas dúvidas sobre sua viabilidade, mas é um desafio gigantesco para não termos o mesmo que aconteceu na COP. Belém não tem estrutura hoteleira para receber esse povo. Vai dar em tempo de dois anos construir? Se sim, o que eu faço com esses hotéis e essa infraestrutura depois?”, questiona.

O programa de estímulo às vendas de carros também foi visto como outro ponto controverso. O professor doutor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Zilbovicius, destaca que os recursos destinados a carros zero poderiam ter sido deslocados para o desenvolvimento de tecnologias para tornar os veículos de carga pesada mais sustentáveis.

“O programa poderia ser um incentivo aos carros elétricos e realmente fomentar uma mudança verde no setor automotivo. Fazer esse estímulo era criar emprego considerando as demissões nas montadoras. Era incentivar a produção local de bateria e carro elétrico.”

Pontos positivos

Os especialistas são unânimes ao apontar que houve avanços inegáveis em 2023. “Acho que o governo tem várias críticas, mas no meio ambiente o governo assumiu um papel relevante”, diz Bethlem.

Retomada da pauta de sustentabilidade com seriedade foi apontado como ponto positivo do governo. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

O ano de 2023 marcou a retomada do Fundo Amazônia, após quatro anos sem aportes e aprovação de projetos de conservação. Ele é um mecanismo de financiamento climático que impulsiona projetos de proteção e desenvolvimento sustentável na região.

Para Bethlem, a retomada é essencial para o desenvolvimento de uma economia sustentável e foi um dos principais acertos do governo neste ano. Para ele, o fato de o País ter conquistado novos doadores em tão pouco tempo foi extremamente positivo, com altos aportes impulsionando a economia amazônica.

Outro fator positivo é a queda de 7,4% no desmatamento na Amazônia de agosto de 2022 a julho de 2023, firmando a tendência de queda no desmate da floresta. Enquanto no período anterior, de 2021 a 2022, foram 8.590 km² desmatados, no período mais recente foram 7.592 km², segundo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência.

“O governo deu mostras reais do compromisso com o desmatamento zero, a redução das emissões e a reestruturação dos órgãos ambientais foram significativas”, afirma o CEO da Biofílica Ambipar, Plínio Ribeiro.

O executivo diz ver a agenda de incentivos ainda estagnada. “O governo precisa entregar muita coisa do lado de incentivos, regulamentar algumas leis, fortalecer a pauta de resíduos sólidos. Tem uma agenda pelo lado de incentivos que tem bastante o que fazer, mas, de maneira geral, estamos vendo resultados expressivos.”

Para o cofundador da consultoria Mais Diversidade, Ricardo Sales, alguns ministérios tiveram de ser reconstruídos no pós-governo de Bolsonaro, como o de Direitos Humanos e o de Meio Ambiente.

“As entregas de 2023 foram na linha assim do que era possível. Nas minhas viagens a Brasília um número muito grande de pessoas engajadas trabalhando uma quantidade violenta de horas por dia para conseguir reconstruir e fazendo tudo isso sem dinheiro, porque o orçamento deste ano para essas áreas foi deixado pelo governo anterior.”

Para Sales, uma cobrança mais efetiva quanto às pautas ESG poderá ser feita em 2024, quando o orçamento vai ter sido definido nesta gestão e tudo planejado de acordo com as prioridades do governo. “2024 é um ano de eleição, em que via de regra não se gosta de polêmicas. Justamente por isso o governo será colocado à prova com questionamentos sobre a extensão do seu compromisso com a agenda ESG.”

Outro destaque apontado como positivo foi o desenvolvimento do maior Plano Safra da história e o mais sustentável. No seu discurso de posse, o presidente já havia apontado que o Brasil não precisa “desmatar para manter e ampliar sua estratégica fronteira agrícola”.

Para a gerente de clima e emissões do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Isabel Drigo, o grande trunfo da versão 2023/24 do plano é trazer ações factíveis de sustentabilidade para o agronegócio, impulsionando uma mudança real no setor.

Além de baratear o acesso ao crédito para os produtores rurais, o plano traz o incentivo a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), as boas práticas agrícolas, que também serão beneficiadas com juros mais baixos, e combate ao uso de propriedades com embargo ambiental em todo o Brasil, não só na Amazônia.

O Brasil ter assumido a presidência do G-20 também é visto não só como um ponto positivo do governo de 2023, mas como algo que pode catapultar o País na liderança da bioeconomia.

“O Brasil liderando isso acelera a adoção não só de tecnologia, mas de políticas. A promoção de investimentos e do comércio que pode surgir a partir da liderança destes diálogos é uma grande oportunidade”, afirma a líder de sustentabilidade e clima da Deloitte, Maria Emília Peres.

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