Importante desafio da gestão empresarial, principalmente em um momento em que as companhias são cada vez mais cobradas pela sociedade em relação a ética e integridade, os desvios de conduta foram identificados nos últimos quatro anos por 80% das empresas participantes da pesquisa “Riscos de Conduta”, realizada pela consultoria Deloitte. As denúncias mais frequentes dentro das empresas durante o período envolviam apropriação indevida e fraudes (69%), assédio moral (63%), violação de normas e leis (56%) e corrupção (44%).
O estudo ouviu 125 empresas brasileiras de diversos setores e foi realizado por meio de entrevistas, feitas em outubro de 2020. Dos entrevistados, 72% ocupam cargos executivos e de governança; 71% das empresas participantes tiveram receita superior a R$ 500 milhões em 2019 e 90% contam com conselhos de administração.
Alex Borges, sócio de Risk Advisory da Deloitte, explica que as organizações estão incorporando questões de conduta, integridade e ética em suas diretrizes. “A importância dessas questões está sendo incorporada à cultura das empresas. Elas estão entendendo que é preciso evoluir e até evoluíram muito rapidamente em relação à prevenção, em como definir seus programas de integridade e também a visão do 'tone at the top' (tom no topo, que se refere ao ambiente ético da empresa, do modo como é definido por sua alta liderança)”, diz.
A evolução citada por Alex aparece na pesquisa: 85% das empresas entrevistadas têm mecanismos de prevenção e 82% contam com estruturas de investigação. Outros mecanismos adotados são gestão de consequências (75%), monitoramento (71%) e detecção (71%). Das empresas que adotam mecanismos de combate aos riscos de conduta, um terço têm faturamento superior a R$ 5 bilhões. “Empresas com maior faturamento tendem a ter uma estrutura mais robusta, até em função dessa evolução natural e da necessidade de você ter governanças internas para isso”, explica Eduardo Rocha, diretor da área de Risk Advisory da Deloitte.
Canal de denúncias
O canal de denúncias é a instância de detecção de desvios de conduta mais adotada pelas empresas participantes do estudo (85%). Ticiana Chicourel, gerente sênior da área de Risk Advisory da Deloitte, cita a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) como um acelerador para a implementação de canais de denúncia nas organizações brasileiras. “Empresas correram para implementar canais, mas só para dizerem que tinham, já que o canal é citado como um dos atenuantes das multas da lei. Com o tempo, houve evolução e as empresas passaram a estruturar melhor isso, em termos de terceirização do canal, de querer um canal especializado e independente, que são aspectos imprescindíveis”, afirma.
Dois terços das empresas que têm um canal de denúncia terceirizam o serviço e nove em cada dez garantem o anonimato e a proteção do denunciante contra retaliações. “O canal de denúncias é o protagonista no pilar de detecção e o pilar de detecção é fundamental, então é muito importante trabalhar esse tema e amadurecer ainda mais. Ainda há espaço para amadurecimento, principalmente para as empresas menores. Há espaço para tornar esses canais mais sofisticados, para buscar canais independentes”, declara Ticiana.
A maioria das organizações ouvidas na pesquisa diz estar preparada para receber e solucionar certos desvios identificados por meio de canais de denúncia, entre eles assédio moral (92%), fraudes (92%), apropriação indevida (89%), assédio sexual (89%), violação de normas (87%), discriminação (87%), corrupção (84%), violação de leis (81%) e abuso de autoridade (76%). Segundo a pesquisa, a área de compliance é a que concentra o recebimento de denúncias em 61% das empresas, enquanto a auditoria interna tem conduzido as apurações e investigações para 35%.
Processo contínuo
Das organizações que identificaram desvios de conduta nos últimos quatro anos, 16% sofreram autuações por conta de violação legal relacionada a essas ocorrências. Das empresas autuadas, 94% apontaram ter realizado a revisão de processos como consequência dos desvios identificados.
Alex Borges ressalta que o combate ao desvio de conduta deve ser um processo contínuo. “Quando é identificado um desvio, realmente é preciso haver um processo de revitalização, reestruturação e fortalecimento. Mas as empresas precisam ter uma campanha ou um programa anual de diretrizes, de processos de aculturamento sobre a importância da conduta, da ética, da integridade empresarial”, diz o sócio da Deloitte.
O treinamento e a comunicação com os funcionários também é fundamental para a prevenção, já que é preciso haver transparência e clareza em relação a o que é um desvio de conduta. A maioria das organizações pesquisadas (85%) tem treinamentos periódicos. Entre essas empresas, 71% dedicam até 20 horas anuais e 77% direcionam os treinamentos a todos os profissionais, incluindo os terceirizados.
Papel estratégico da liderança
Uma das conclusões da pesquisa, segundo os especialistas da Deloitte, é que empresas com maior maturidade tendem a ter lideranças mais engajadas no combate aos desvios de conduta. Os dados indicam que 81% das empresas participantes têm a alta administração como patrocinadora das ações de desdobramento dos riscos de conduta e 76% têm como prática a alta administração considerar riscos de conduta ao discutir a estratégia de negócio.
“O dado consolida a evolução do tema”, diz Eduardo Rocha.. “Entendemos que as empresas precisam de uma liderança que conecta a estratégia, a governança e o desempenho. E cada vez mais a alta administração traz o tema dos desvios de conduta para a estratégia, no formato de gestão de risco de conduta. Esse risco impacta a reputação e pode trazer responsabilização da alta administração, então é importante que a gestão desse risco esteja na estratégia de negócios, nas diretrizes da empresa.”
Para os especialistas, a pesquisa mostra um cenário de evolução importante no Brasil, mas ainda há passos a serem seguidos. “Temos de sair de algum momento dessa evolução de mecanismos de estrutura de uma forma impositiva, para cada vez mais ser algo intrínseco, cultural e natural das organizações”, diz Rocha. “Não queremos mais um excelente profissional numa visão apenas de negócios, mas sim um profissional que tenha o equilíbrio entre ética e negócios”, acrescenta Borges.