Cria-se um ambiente econômico mais forte com inclusão, diz executivo da JP Morgan


Para Gilberto Costa, fundador do Pacto de Promoção da Equidade Racial nas empresas, atualmente nenhum setor tem um quadro positivo com pessoas negras em altos cargos

Por Beatriz Capirazi
Atualização:
Foto: Divulgação/
Entrevista comGilberto CostaDiretor executivo da J.P. Morgan

Nenhum setor da economia brasileira possui um quadro positivo em relação ao número de pessoas negras em cargos de liderança, apesar dos avanços e das ações em prol da equidade racial das empresas que se mobilizaram durante o mês da Consciência Negra, que se encerra nesta quinta-feira, 30.

A opinião é de Gilberto Costa, diretor executivo da J.P. Morgan que conduz o Pacto de Promoção da Equidade Racial, iniciativa que propõe implementar um Protocolo ESG Racial nas empresas brasileiras. Para ele, embora alguns setores tenham mais pessoas negras e diversidade em seu quadro geral, o cenário não mudou nos últimos anos quando considerados os cargos de alta liderança.

“Se você olhar bem, não tem nenhum setor da economia brasileira atualmente que tenha um quadro positivo com relação à quantidade de pessoas negras em cargos de gerência e de diretoria. Não tem”, afirma. “A sociedade brasileira não evoluiu ainda o suficiente para ter representatividade de pessoas negras em cargos de liderança.”

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Ele diz, no entanto, ser possível verificar uma melhora em todo o universo corporativo impulsionado por movimentos como o Pacto Global das Organizações das Nações Unidas (ONU) e o MOVER, que já entenderam que existe não somente um ganho social com a inclusão, mas também financeiro. “Cria-se um ambiente econômico mais forte com equidade e inclusão.”

Para ele, a adesão das empresas, que já está acontecendo gradativamente na opinião dele, é essencial, mas a movimentação de órgãos reguladores e de peso no mercado financeiro, como da Bolsa de Valores brasileira, a B3, e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), também.

Gilberto Costa, diretor executivo da J.P. Morgan que conduz o Pacto de Promoção da Equidade Racial. Foto: Michele Albuquerque/Divulgação.
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Abaixo, confira os principais trechos da entrevista:

As marcas têm falado muito sobre equidade racial nos últimos anos. Na sua visão, as empresas avançaram com essa pauta?

Se a gente for olhar a questão racial do ponto de vista de ter pessoas negras em cargos de liderança, como em cargos de direção, de gestão de pessoas, de CEO e de conselheiros, a sociedade brasileira não evoluiu ainda o suficiente para ter representatividade.

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O que você percebe mais fortemente ao longo dos últimos oito, dez anos, foi um incremento de ações afirmativas com o objetivo de trazer pessoas negras para cargos de entrada. Mas isso não se reflete nos cargos de liderança ainda. Hoje, menos de 30% dos cargos de liderança nas organizações são de pessoas negras.

Isso é fruto do fato de não ter tido o encarreiramento para essas pessoas. Quando se fala em vagas afirmativas, é preciso lembrar que você tem que trazer, desenvolver e encarreirar. Se você não desenvolve essa pessoa dentro da empresa, ela muitas vezes não se sente preparada para chegar aos cargos de liderança. Não estou falando de jogar a pessoa dentro da organização. É preparar a pessoa para aquela organização.

Um movimento que está acontecendo tanto no mercado internacional, quanto no brasileiro, é a adesão de órgãos reguladores e de peso no mercado financeiro. Muitos têm lançado iniciativas para entender a composição dos conselhos das organizações tendo uma visão de que precisa ser um conselho diverso, como foi o caso da B3 e da Nasdaq.

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Além de diretor executivo da JP Morgan, o senhor também está à frente do Pacto de Promoção da Equidade Racial. Gostaria que falasse um pouco de como ele foi criado.

O Pacto foi criado com o objetivo muito claro de trazer para dentro das empresas a discussão racial porque nós sabemos que é preciso da ajuda das empresas para poder mudar a questão racial na sociedade brasileira

Durante muito tempo a questão racial foi tratada apenas pelos braços de filantropia das organizações. Então era um investimento filantrópico e não enquanto organização cidadã focada no S do social.

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A pauta ESG ganhou força ao longo dos últimos anos nos Estados Unidos e na Europa e chegou ao Brasil muito focada no meio ambiente. O lado S não teve por muitos anos a atenção que deveria, mesmo o Brasil sendo um país com muita desigualdade social.

No Brasil, existe um cruzamento entre desigualdade social e desigualdade racial. O pacto foi criado para ajudar as empresas como um protocolo. Ele tem o objetivo de apoiar as empresas e não de puni-las.

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Como protocolo ele tem quatro grandes pilares: o índice ESG de Equidade racial, que tem o objetivo de mensurar o quanto uma empresa está próxima da Equidade racial na região em que ela atua.

Vale destacar que a maioria da população brasileira é negra como um todo, mas depende da região. Em Salvador é mais de 80%, no eixo Rio-São Paulo a comunidade negra está por volta de 45%, enquanto no Sul é de 25 a 27%. O índice precisa refletir a característica daquela região, não só a característica daquela empresa.

Também dividimos os cargos em diretoria, gerência e não gerência. Isso porque sabemos que é muito mais rápido você aumentar a quantidade de pessoas negras numa organização no nível de entrada que é o não gerencial.

Quando falamos de cargos mais altos, fica mais difícil, porque você não muda um diretor da noite para o dia. Você demora tempo para poder formar um gerente, um superintendente, um diretor. Então, mensurar as ações é o primeiro passo para promover uma mudança.

O “pulo do gato” no protocolo é o investimento social privado. É isso que vai mudar o nosso país no médio e longo prazo. Não só em contratação, mas em educação pública, investimento em formação técnica, investimento em empreendedorismo negro.

Esse investimento vai trazer esses jovens mais bem formados para ter acesso às universidades. E com isso as empresas conseguem capturar esses jovens via ação afirmativa. E o quarto e último pilar, que considero um dos mais importantes, é a certificação anual para poder garantir, certificar e auditar que aquilo que a empresa falou está sendo feito.

Hoje, existe já uma melhor aceitação de programas deste tipo?

As empresas têm aceitado muito bem esses programas para grupos minorizados, para pessoas negras, mulheres, LGBTQIA+. Muito tem acontecido porque os CEOs têm sido muito vocais com a diversidade e a inclusão.

Segundo porque os consumidores têm cobrado, então é natural que você veja no LinkedIn e no Instagram as empresas se comprometendo a ter ações voltadas para inclusão de grupos subrepresentados.

Do ponto de vista de mercado, melhorou muito. Existe um gap quando a alta liderança não se compromete de forma clara. Se ela não tiver um discurso muito claro, é pouco provável que a liderança de nível médio se sinta engajada. É preciso engajamento de toda a empresa.

Você mencionou a necessidade de investimento das empresas. Para as empresas é esperado um retorno para aquela quantia que está sendo desembolsada. Hoje, o investimento em pautas sociais já é visto como um potencial agregador de valor?

Se você olhar o retrato de hoje, a maioria das empresas ainda vê isso como um custo, não como investimento, e por isso o grande desafio é o investimento social privado. Qualquer mudança depende do recurso de grandes empresas, porque são grandes players que acabam movendo a sociedade.

Hoje, a gente tem visto algumas empresas fazendo ações, mas muitas delas ainda enxergam como um custo. O que falta é entender que existe valor agregado em incluir pessoas diversas. Eu tenho uma nova visão, eu formulo produtos pensando em públicos diferentes e eu atinjo novos públicos.

O grande desafio que o investimento social privado traz não é só a questão de mensuração. O CEO sozinho não toma decisão, ele precisa tomar decisão junto com o conselho e com os acionistas.

O pacto foi criado com o objetivo de apoiar os CEOs nessa discussão. Porque com ele você consegue mensurar: vou investir R$ 13 milhões em educação pública voltada para a comunidade negra. Vão entrar na nossa empresa? Não sabemos. Vão ser meninos e meninas mais bem preparados para entrar na universidade, se tornarão profissionais muito mais bem preparados que vão entrar nas empresas, inclusive na que fez o investimento e vão criar uma economia muito mais forte. No final do dia a sociedade como um todo fica mais forte.

Inclusão deve ser considerado um investimento, não filantropia. Filantropia é decidir que esse ano vou doar para uma causa e ano que vem não vou doar porque tenho que desenvolver um novo produto.

Investimento em equidade é uma outra discussão porque é a longo prazo. Eu estou investindo agora porque daqui a três, quatro, cinco anos eu, como sociedade e empresa, vou ter um retorno. Vou ter profissionais mais preparados para minha organização, consumidores mais preparados para poder economicamente investir nos meus produtos… Vou criar um ambiente econômico muito mais robusto e mais forte com equidade e inclusão.

Quando as primeiras empresas anunciaram programas exclusivos para pessoas pretas, houve muita polêmica. O senhor sente que ainda gera um desconforto ao falar da contratação com esse recorte?

Muitas empresas têm feito programas e algumas vezes pode gerar desconforto nos funcionários que já estão nas empresas. Quando você fala que vai contratar no nível de analista, trainee ou estagiário está ok. São cargos iniciais. Quando se fala em contratar em níveis de gerência, de diretoria perguntam: “e quem tá lá? O que eu faço com esse ser humano?”.

Cria um desconforto que é natural e faz parte. A demanda é que as empresas tenham um comprometimento com a pauta e intencionalidade nas suas ações.

Se você falar que tem dez vagas de gerente por ano, talvez eu não consiga transformar essas dez vagas em afirmativas, mas eu consigo sim fazer um processo seletivo intencional com vagas específicas para pessoas negras, mulheres e LGBTs.

No mundo corporativo, existem pessoas nos quadros de funcionários sendo preparadas para virar gerentes, diretores, presidentes. Você vai dar sim oportunidade para essas pessoas, claro, mas você vai também ser intencional e buscar pessoas negras que eventualmente não vão estar nos lugares, universidades que normalmente a empresa busca captar talentos.

Essa intencionalidade é o que faz a diferença. É respeitar o fato de eu ter pessoas na minha organização que estão se preparando para esses cargos de liderança, mas também saber que eu preciso reduzir esse GAP de diversidade e que eu preciso criar um ambiente diverso do ponto de vista de raça e gênero. Isso vai mudar o cenário nas empresas.

Nenhum setor da economia brasileira possui um quadro positivo em relação ao número de pessoas negras em cargos de liderança, apesar dos avanços e das ações em prol da equidade racial das empresas que se mobilizaram durante o mês da Consciência Negra, que se encerra nesta quinta-feira, 30.

A opinião é de Gilberto Costa, diretor executivo da J.P. Morgan que conduz o Pacto de Promoção da Equidade Racial, iniciativa que propõe implementar um Protocolo ESG Racial nas empresas brasileiras. Para ele, embora alguns setores tenham mais pessoas negras e diversidade em seu quadro geral, o cenário não mudou nos últimos anos quando considerados os cargos de alta liderança.

“Se você olhar bem, não tem nenhum setor da economia brasileira atualmente que tenha um quadro positivo com relação à quantidade de pessoas negras em cargos de gerência e de diretoria. Não tem”, afirma. “A sociedade brasileira não evoluiu ainda o suficiente para ter representatividade de pessoas negras em cargos de liderança.”

Ele diz, no entanto, ser possível verificar uma melhora em todo o universo corporativo impulsionado por movimentos como o Pacto Global das Organizações das Nações Unidas (ONU) e o MOVER, que já entenderam que existe não somente um ganho social com a inclusão, mas também financeiro. “Cria-se um ambiente econômico mais forte com equidade e inclusão.”

Para ele, a adesão das empresas, que já está acontecendo gradativamente na opinião dele, é essencial, mas a movimentação de órgãos reguladores e de peso no mercado financeiro, como da Bolsa de Valores brasileira, a B3, e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), também.

Gilberto Costa, diretor executivo da J.P. Morgan que conduz o Pacto de Promoção da Equidade Racial. Foto: Michele Albuquerque/Divulgação.

Abaixo, confira os principais trechos da entrevista:

As marcas têm falado muito sobre equidade racial nos últimos anos. Na sua visão, as empresas avançaram com essa pauta?

Se a gente for olhar a questão racial do ponto de vista de ter pessoas negras em cargos de liderança, como em cargos de direção, de gestão de pessoas, de CEO e de conselheiros, a sociedade brasileira não evoluiu ainda o suficiente para ter representatividade.

O que você percebe mais fortemente ao longo dos últimos oito, dez anos, foi um incremento de ações afirmativas com o objetivo de trazer pessoas negras para cargos de entrada. Mas isso não se reflete nos cargos de liderança ainda. Hoje, menos de 30% dos cargos de liderança nas organizações são de pessoas negras.

Isso é fruto do fato de não ter tido o encarreiramento para essas pessoas. Quando se fala em vagas afirmativas, é preciso lembrar que você tem que trazer, desenvolver e encarreirar. Se você não desenvolve essa pessoa dentro da empresa, ela muitas vezes não se sente preparada para chegar aos cargos de liderança. Não estou falando de jogar a pessoa dentro da organização. É preparar a pessoa para aquela organização.

Um movimento que está acontecendo tanto no mercado internacional, quanto no brasileiro, é a adesão de órgãos reguladores e de peso no mercado financeiro. Muitos têm lançado iniciativas para entender a composição dos conselhos das organizações tendo uma visão de que precisa ser um conselho diverso, como foi o caso da B3 e da Nasdaq.

Além de diretor executivo da JP Morgan, o senhor também está à frente do Pacto de Promoção da Equidade Racial. Gostaria que falasse um pouco de como ele foi criado.

O Pacto foi criado com o objetivo muito claro de trazer para dentro das empresas a discussão racial porque nós sabemos que é preciso da ajuda das empresas para poder mudar a questão racial na sociedade brasileira

Durante muito tempo a questão racial foi tratada apenas pelos braços de filantropia das organizações. Então era um investimento filantrópico e não enquanto organização cidadã focada no S do social.

A pauta ESG ganhou força ao longo dos últimos anos nos Estados Unidos e na Europa e chegou ao Brasil muito focada no meio ambiente. O lado S não teve por muitos anos a atenção que deveria, mesmo o Brasil sendo um país com muita desigualdade social.

No Brasil, existe um cruzamento entre desigualdade social e desigualdade racial. O pacto foi criado para ajudar as empresas como um protocolo. Ele tem o objetivo de apoiar as empresas e não de puni-las.

Como protocolo ele tem quatro grandes pilares: o índice ESG de Equidade racial, que tem o objetivo de mensurar o quanto uma empresa está próxima da Equidade racial na região em que ela atua.

Vale destacar que a maioria da população brasileira é negra como um todo, mas depende da região. Em Salvador é mais de 80%, no eixo Rio-São Paulo a comunidade negra está por volta de 45%, enquanto no Sul é de 25 a 27%. O índice precisa refletir a característica daquela região, não só a característica daquela empresa.

Também dividimos os cargos em diretoria, gerência e não gerência. Isso porque sabemos que é muito mais rápido você aumentar a quantidade de pessoas negras numa organização no nível de entrada que é o não gerencial.

Quando falamos de cargos mais altos, fica mais difícil, porque você não muda um diretor da noite para o dia. Você demora tempo para poder formar um gerente, um superintendente, um diretor. Então, mensurar as ações é o primeiro passo para promover uma mudança.

O “pulo do gato” no protocolo é o investimento social privado. É isso que vai mudar o nosso país no médio e longo prazo. Não só em contratação, mas em educação pública, investimento em formação técnica, investimento em empreendedorismo negro.

Esse investimento vai trazer esses jovens mais bem formados para ter acesso às universidades. E com isso as empresas conseguem capturar esses jovens via ação afirmativa. E o quarto e último pilar, que considero um dos mais importantes, é a certificação anual para poder garantir, certificar e auditar que aquilo que a empresa falou está sendo feito.

Hoje, existe já uma melhor aceitação de programas deste tipo?

As empresas têm aceitado muito bem esses programas para grupos minorizados, para pessoas negras, mulheres, LGBTQIA+. Muito tem acontecido porque os CEOs têm sido muito vocais com a diversidade e a inclusão.

Segundo porque os consumidores têm cobrado, então é natural que você veja no LinkedIn e no Instagram as empresas se comprometendo a ter ações voltadas para inclusão de grupos subrepresentados.

Do ponto de vista de mercado, melhorou muito. Existe um gap quando a alta liderança não se compromete de forma clara. Se ela não tiver um discurso muito claro, é pouco provável que a liderança de nível médio se sinta engajada. É preciso engajamento de toda a empresa.

Você mencionou a necessidade de investimento das empresas. Para as empresas é esperado um retorno para aquela quantia que está sendo desembolsada. Hoje, o investimento em pautas sociais já é visto como um potencial agregador de valor?

Se você olhar o retrato de hoje, a maioria das empresas ainda vê isso como um custo, não como investimento, e por isso o grande desafio é o investimento social privado. Qualquer mudança depende do recurso de grandes empresas, porque são grandes players que acabam movendo a sociedade.

Hoje, a gente tem visto algumas empresas fazendo ações, mas muitas delas ainda enxergam como um custo. O que falta é entender que existe valor agregado em incluir pessoas diversas. Eu tenho uma nova visão, eu formulo produtos pensando em públicos diferentes e eu atinjo novos públicos.

O grande desafio que o investimento social privado traz não é só a questão de mensuração. O CEO sozinho não toma decisão, ele precisa tomar decisão junto com o conselho e com os acionistas.

O pacto foi criado com o objetivo de apoiar os CEOs nessa discussão. Porque com ele você consegue mensurar: vou investir R$ 13 milhões em educação pública voltada para a comunidade negra. Vão entrar na nossa empresa? Não sabemos. Vão ser meninos e meninas mais bem preparados para entrar na universidade, se tornarão profissionais muito mais bem preparados que vão entrar nas empresas, inclusive na que fez o investimento e vão criar uma economia muito mais forte. No final do dia a sociedade como um todo fica mais forte.

Inclusão deve ser considerado um investimento, não filantropia. Filantropia é decidir que esse ano vou doar para uma causa e ano que vem não vou doar porque tenho que desenvolver um novo produto.

Investimento em equidade é uma outra discussão porque é a longo prazo. Eu estou investindo agora porque daqui a três, quatro, cinco anos eu, como sociedade e empresa, vou ter um retorno. Vou ter profissionais mais preparados para minha organização, consumidores mais preparados para poder economicamente investir nos meus produtos… Vou criar um ambiente econômico muito mais robusto e mais forte com equidade e inclusão.

Quando as primeiras empresas anunciaram programas exclusivos para pessoas pretas, houve muita polêmica. O senhor sente que ainda gera um desconforto ao falar da contratação com esse recorte?

Muitas empresas têm feito programas e algumas vezes pode gerar desconforto nos funcionários que já estão nas empresas. Quando você fala que vai contratar no nível de analista, trainee ou estagiário está ok. São cargos iniciais. Quando se fala em contratar em níveis de gerência, de diretoria perguntam: “e quem tá lá? O que eu faço com esse ser humano?”.

Cria um desconforto que é natural e faz parte. A demanda é que as empresas tenham um comprometimento com a pauta e intencionalidade nas suas ações.

Se você falar que tem dez vagas de gerente por ano, talvez eu não consiga transformar essas dez vagas em afirmativas, mas eu consigo sim fazer um processo seletivo intencional com vagas específicas para pessoas negras, mulheres e LGBTs.

No mundo corporativo, existem pessoas nos quadros de funcionários sendo preparadas para virar gerentes, diretores, presidentes. Você vai dar sim oportunidade para essas pessoas, claro, mas você vai também ser intencional e buscar pessoas negras que eventualmente não vão estar nos lugares, universidades que normalmente a empresa busca captar talentos.

Essa intencionalidade é o que faz a diferença. É respeitar o fato de eu ter pessoas na minha organização que estão se preparando para esses cargos de liderança, mas também saber que eu preciso reduzir esse GAP de diversidade e que eu preciso criar um ambiente diverso do ponto de vista de raça e gênero. Isso vai mudar o cenário nas empresas.

Nenhum setor da economia brasileira possui um quadro positivo em relação ao número de pessoas negras em cargos de liderança, apesar dos avanços e das ações em prol da equidade racial das empresas que se mobilizaram durante o mês da Consciência Negra, que se encerra nesta quinta-feira, 30.

A opinião é de Gilberto Costa, diretor executivo da J.P. Morgan que conduz o Pacto de Promoção da Equidade Racial, iniciativa que propõe implementar um Protocolo ESG Racial nas empresas brasileiras. Para ele, embora alguns setores tenham mais pessoas negras e diversidade em seu quadro geral, o cenário não mudou nos últimos anos quando considerados os cargos de alta liderança.

“Se você olhar bem, não tem nenhum setor da economia brasileira atualmente que tenha um quadro positivo com relação à quantidade de pessoas negras em cargos de gerência e de diretoria. Não tem”, afirma. “A sociedade brasileira não evoluiu ainda o suficiente para ter representatividade de pessoas negras em cargos de liderança.”

Ele diz, no entanto, ser possível verificar uma melhora em todo o universo corporativo impulsionado por movimentos como o Pacto Global das Organizações das Nações Unidas (ONU) e o MOVER, que já entenderam que existe não somente um ganho social com a inclusão, mas também financeiro. “Cria-se um ambiente econômico mais forte com equidade e inclusão.”

Para ele, a adesão das empresas, que já está acontecendo gradativamente na opinião dele, é essencial, mas a movimentação de órgãos reguladores e de peso no mercado financeiro, como da Bolsa de Valores brasileira, a B3, e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), também.

Gilberto Costa, diretor executivo da J.P. Morgan que conduz o Pacto de Promoção da Equidade Racial. Foto: Michele Albuquerque/Divulgação.

Abaixo, confira os principais trechos da entrevista:

As marcas têm falado muito sobre equidade racial nos últimos anos. Na sua visão, as empresas avançaram com essa pauta?

Se a gente for olhar a questão racial do ponto de vista de ter pessoas negras em cargos de liderança, como em cargos de direção, de gestão de pessoas, de CEO e de conselheiros, a sociedade brasileira não evoluiu ainda o suficiente para ter representatividade.

O que você percebe mais fortemente ao longo dos últimos oito, dez anos, foi um incremento de ações afirmativas com o objetivo de trazer pessoas negras para cargos de entrada. Mas isso não se reflete nos cargos de liderança ainda. Hoje, menos de 30% dos cargos de liderança nas organizações são de pessoas negras.

Isso é fruto do fato de não ter tido o encarreiramento para essas pessoas. Quando se fala em vagas afirmativas, é preciso lembrar que você tem que trazer, desenvolver e encarreirar. Se você não desenvolve essa pessoa dentro da empresa, ela muitas vezes não se sente preparada para chegar aos cargos de liderança. Não estou falando de jogar a pessoa dentro da organização. É preparar a pessoa para aquela organização.

Um movimento que está acontecendo tanto no mercado internacional, quanto no brasileiro, é a adesão de órgãos reguladores e de peso no mercado financeiro. Muitos têm lançado iniciativas para entender a composição dos conselhos das organizações tendo uma visão de que precisa ser um conselho diverso, como foi o caso da B3 e da Nasdaq.

Além de diretor executivo da JP Morgan, o senhor também está à frente do Pacto de Promoção da Equidade Racial. Gostaria que falasse um pouco de como ele foi criado.

O Pacto foi criado com o objetivo muito claro de trazer para dentro das empresas a discussão racial porque nós sabemos que é preciso da ajuda das empresas para poder mudar a questão racial na sociedade brasileira

Durante muito tempo a questão racial foi tratada apenas pelos braços de filantropia das organizações. Então era um investimento filantrópico e não enquanto organização cidadã focada no S do social.

A pauta ESG ganhou força ao longo dos últimos anos nos Estados Unidos e na Europa e chegou ao Brasil muito focada no meio ambiente. O lado S não teve por muitos anos a atenção que deveria, mesmo o Brasil sendo um país com muita desigualdade social.

No Brasil, existe um cruzamento entre desigualdade social e desigualdade racial. O pacto foi criado para ajudar as empresas como um protocolo. Ele tem o objetivo de apoiar as empresas e não de puni-las.

Como protocolo ele tem quatro grandes pilares: o índice ESG de Equidade racial, que tem o objetivo de mensurar o quanto uma empresa está próxima da Equidade racial na região em que ela atua.

Vale destacar que a maioria da população brasileira é negra como um todo, mas depende da região. Em Salvador é mais de 80%, no eixo Rio-São Paulo a comunidade negra está por volta de 45%, enquanto no Sul é de 25 a 27%. O índice precisa refletir a característica daquela região, não só a característica daquela empresa.

Também dividimos os cargos em diretoria, gerência e não gerência. Isso porque sabemos que é muito mais rápido você aumentar a quantidade de pessoas negras numa organização no nível de entrada que é o não gerencial.

Quando falamos de cargos mais altos, fica mais difícil, porque você não muda um diretor da noite para o dia. Você demora tempo para poder formar um gerente, um superintendente, um diretor. Então, mensurar as ações é o primeiro passo para promover uma mudança.

O “pulo do gato” no protocolo é o investimento social privado. É isso que vai mudar o nosso país no médio e longo prazo. Não só em contratação, mas em educação pública, investimento em formação técnica, investimento em empreendedorismo negro.

Esse investimento vai trazer esses jovens mais bem formados para ter acesso às universidades. E com isso as empresas conseguem capturar esses jovens via ação afirmativa. E o quarto e último pilar, que considero um dos mais importantes, é a certificação anual para poder garantir, certificar e auditar que aquilo que a empresa falou está sendo feito.

Hoje, existe já uma melhor aceitação de programas deste tipo?

As empresas têm aceitado muito bem esses programas para grupos minorizados, para pessoas negras, mulheres, LGBTQIA+. Muito tem acontecido porque os CEOs têm sido muito vocais com a diversidade e a inclusão.

Segundo porque os consumidores têm cobrado, então é natural que você veja no LinkedIn e no Instagram as empresas se comprometendo a ter ações voltadas para inclusão de grupos subrepresentados.

Do ponto de vista de mercado, melhorou muito. Existe um gap quando a alta liderança não se compromete de forma clara. Se ela não tiver um discurso muito claro, é pouco provável que a liderança de nível médio se sinta engajada. É preciso engajamento de toda a empresa.

Você mencionou a necessidade de investimento das empresas. Para as empresas é esperado um retorno para aquela quantia que está sendo desembolsada. Hoje, o investimento em pautas sociais já é visto como um potencial agregador de valor?

Se você olhar o retrato de hoje, a maioria das empresas ainda vê isso como um custo, não como investimento, e por isso o grande desafio é o investimento social privado. Qualquer mudança depende do recurso de grandes empresas, porque são grandes players que acabam movendo a sociedade.

Hoje, a gente tem visto algumas empresas fazendo ações, mas muitas delas ainda enxergam como um custo. O que falta é entender que existe valor agregado em incluir pessoas diversas. Eu tenho uma nova visão, eu formulo produtos pensando em públicos diferentes e eu atinjo novos públicos.

O grande desafio que o investimento social privado traz não é só a questão de mensuração. O CEO sozinho não toma decisão, ele precisa tomar decisão junto com o conselho e com os acionistas.

O pacto foi criado com o objetivo de apoiar os CEOs nessa discussão. Porque com ele você consegue mensurar: vou investir R$ 13 milhões em educação pública voltada para a comunidade negra. Vão entrar na nossa empresa? Não sabemos. Vão ser meninos e meninas mais bem preparados para entrar na universidade, se tornarão profissionais muito mais bem preparados que vão entrar nas empresas, inclusive na que fez o investimento e vão criar uma economia muito mais forte. No final do dia a sociedade como um todo fica mais forte.

Inclusão deve ser considerado um investimento, não filantropia. Filantropia é decidir que esse ano vou doar para uma causa e ano que vem não vou doar porque tenho que desenvolver um novo produto.

Investimento em equidade é uma outra discussão porque é a longo prazo. Eu estou investindo agora porque daqui a três, quatro, cinco anos eu, como sociedade e empresa, vou ter um retorno. Vou ter profissionais mais preparados para minha organização, consumidores mais preparados para poder economicamente investir nos meus produtos… Vou criar um ambiente econômico muito mais robusto e mais forte com equidade e inclusão.

Quando as primeiras empresas anunciaram programas exclusivos para pessoas pretas, houve muita polêmica. O senhor sente que ainda gera um desconforto ao falar da contratação com esse recorte?

Muitas empresas têm feito programas e algumas vezes pode gerar desconforto nos funcionários que já estão nas empresas. Quando você fala que vai contratar no nível de analista, trainee ou estagiário está ok. São cargos iniciais. Quando se fala em contratar em níveis de gerência, de diretoria perguntam: “e quem tá lá? O que eu faço com esse ser humano?”.

Cria um desconforto que é natural e faz parte. A demanda é que as empresas tenham um comprometimento com a pauta e intencionalidade nas suas ações.

Se você falar que tem dez vagas de gerente por ano, talvez eu não consiga transformar essas dez vagas em afirmativas, mas eu consigo sim fazer um processo seletivo intencional com vagas específicas para pessoas negras, mulheres e LGBTs.

No mundo corporativo, existem pessoas nos quadros de funcionários sendo preparadas para virar gerentes, diretores, presidentes. Você vai dar sim oportunidade para essas pessoas, claro, mas você vai também ser intencional e buscar pessoas negras que eventualmente não vão estar nos lugares, universidades que normalmente a empresa busca captar talentos.

Essa intencionalidade é o que faz a diferença. É respeitar o fato de eu ter pessoas na minha organização que estão se preparando para esses cargos de liderança, mas também saber que eu preciso reduzir esse GAP de diversidade e que eu preciso criar um ambiente diverso do ponto de vista de raça e gênero. Isso vai mudar o cenário nas empresas.

Entrevista por Beatriz Capirazi

Repórter de economia com foco em empresas de saúde no Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado. Formada em Jornalismo pela Universidade Paulista, é especializada em jornalismo econômico pela FGV e Jornalismo de Dados pelo Insper. Tem passagens por Estadão, UOL, Suno Research e Eu Quero Investir.

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