As pautas relacionadas a agenda ESG (sigla em inglês para Environmental, Social and Governance) passaram a dominar o mercado corporativo nos últimos anos, com novas iniciativas e dados surgindo a cada dia.
Segundo o Google Trends, ferramenta que mostra o volume de buscas sobre um determinado assunto no site, o interesse pelo ESG atingiu, em maio de 2023, o seu nível mais alto em 19 anos. Além disso, instituições de renome mundial tem como foco esta agenda, como o GRI-Global Report Initiative e a SASB-Sustainability Accounting Standards Board.
Embora a agenda pareça praticamente uma unanimidade entre os especialistas, um movimento contrário, que visa barrar a escolha de investimentos feitos com base em critérios da agenda, vem ganhando força em algumas partes do mundo, especialmente nos Estados Unidos: o anti-ESG.
O que é o movimento anti-ESG?
As críticas desses grupos se baseiam essencialmente no argumento de que as economias devem ser protegidas e que a legislação precisa garantir seus recursos naturais, indústrias e os empregos.
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Segundo os defensores do movimento, com a ascensão do ESG, bancos, gestores de ativos e empresas estariam usando da sua influência e poder econômico para impor uma ideologia progressista.
Atualmente, o movimento tem ganhado relevância nos Estados Unidos — principalmente na legislação de vários estados. Em agosto de 2022, o governador da Flórida, Ron DeSantis, proibiu que os administradores do fundo de pensão que administra as aposentadorias da Flórida se baseiem em critérios ESG para tomarem decisões.
Em seus últimos pronunciamentos, DeSantis destacou a sigla como um conceito ideológico. Para ele, o ESG é visto como uma imposição de Wall Street.
Outro destaque é o Texas. Em 2021, o Estado sancionou uma lei que exclui dos negócios estatais as instituições financeiras que não investem na indústria de óleo e gás, considerando que o Estado é o maior produtor de petróleo dos Estados Unidos.
Já em Oklahoma, 13 gestoras foram banidas de receber investimentos dos fundos de pensão do território por suas “políticas sustentáveis” que “discriminam” empresas de combustíveis fósseis.
Ao todo, 34% das empresas com sede nos EUA enxergam as questões ESG como riscos, segundo o relatório O ESG perdeu força na sala de reuniões?, da empresa especializada no assunto Diligent e obtido com exclusividade pelo Estadão. Em termos globais, apenas 25% das empresas veem como um risco.
O estudo ainda aponta que 36% das empresas americanas enxergam a sigla de forma equilibrada, enquanto 30% das empresas veem como uma oportunidade. Para o vice-presidente da Diligent na América Latina, André Bodowski, essa divisão é consequência da polarização política do tema ESG.
“As assembleias estaduais estão criando leis anti-ESG. Ao mesmo tempo, em certos Estados o movimento é o oposto”, afirma. Denise Hills, membro do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), afirma que o surgimento de um movimento contrário ao ESG não a surpreendeu.
“É natural. Cada vez que um tema novo ganha espaço, o primeiro sintoma que ele está se configurando como uma pressão é uma oscilação, uma retração de dizer que o mundo como a gente vive é melhor. É quase um sintoma de que sim, está virando verdade”, afirma Hills.
Ela ainda destaca que o movimento é natural entre os que serão afetados, seja em rentabilidade, ou as indústrias poluentes. Hills afirma, inclusive, que essa não é uma onda nova, relembrando que a discussão entre o sustentável e o rentável é algo antigo no meio e sempre causa polarização.
Fundos anti-ESG
Além dos movimentos nos Estados, há também uma movimentação no próprio mercado financeiro americano com a criação de diversos fundos anti-ESG. Segundo dados da Morningstar, estes investimentos somam US$ 2,1 bilhões de ativos sob gestão atualmente.
Embora o número não seja equiparável aos US$ 2,79 trilhões de ativos sob gestão dos chamados fundos verdes — volume equivalente a 7% dos ativos sob gestão no mundo, segundo dados divulgados pelo Morgan Stanley — especialistas apontam que o valor é sete vezes maior do que um ano atrás.
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Houve um aumento da quantidade de investimentos deste tipo disponíveis. Nos Estados Unidos existiam apenas cinco em 2017. Atualmente, os investidores têm à disposição, ao menos, 27 fundos.
Ao contrário dos fundos sustentáveis, que usam critérios baseados em governança corporativa, sustentabilidade e social para investir, os fundos anti-ESG tem como balizador central aportar em ações de setores polêmicos, como o de tabaco, jogos de azar, combustíveis fósseis, além de manter posições representativas no setor de armas de fogo.
Movimento no Brasil
Especialistas ouvidos pelo Estadão defendem que esse movimento ainda não chegou ao Brasil, mas não descartam um crescimento — considerando que o País replicou diversos acontecimentos da extrema-direita americana em âmbitos políticos.
“Aqui eu ainda acho que está superficial, mas temos que entender e refletir sobre como pode nos afetar”, afirma o CEO da Mais Diversidade, Ricardo Sales.
Como exemplo, ele destaca que inúmeras pesquisas apontavam um aumento no número de contratações de diretores de diversidade nas empresas em 2020, ano de divulgação da famosa carta sobre ESG do CEO da Black Rock, Larry Fink, e da morte de George Floyd.
“Ao mesmo tempo, muitas destas pessoas já foram demitidas do ano passado para cá. Olhar para isso é importante para entender para onde estamos indo como país na agenda ESG.”
Para a responsável pelo Hub ESG, do Learning Village, Bruna Rezende, os recuos são previsíveis e podem parecer uma regressão da agenda, mas são, na verdade, o movimento natural de resistência ao novo e “um ponto-chave para o processo de adesão ao ESG”.
“A agenda tem altos e baixos, de acordo com as flutuações e crises econômicas que vão acontecendo no mundo. Para nós que trabalhamos com inovação, as pessoas em negação são um indício de que existe uma ruptura que está acontecendo. Seja por pressão ou convicção, está caminhando”, afirma Rezende.
O presidente do conselho do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, Hugo Bethlem, não descarta a vinda do movimento, mas também não enxerga que ele causará um regresso no Brasil. “É insustentável, eles vão ter que se adequar. Não pode ser uma decisão política, é uma decisão humana”.
Para Denise Hills, a tendência não tem volta. “É impossível uma empresa dizer: ‘não’. Ela está desconsiderando o negócio dela. Desconsidera que uma empresa de óleo e gás é essencialmente uma empresa de energia, mas escolheu óleo e gás porque era a tecnologia vigente”, explica, destacando ser essencial se adaptar às novas tecnologias, que podem ser mais eficientes e ter menos impacto ambiental.