A busca por diversidade de gênero e igualdade salarial ganhou mais espaço no debate público brasileiro desde o ano passado, gerou polêmica e alguns resultados. O burburinho em torno do tema ficou mais forte após o decreto que regulamentou, no final do ano passado, a transparência salarial (lei 14.611/2023). A lei obriga empresas com mais de cem empregados a publicarem relatórios semestrais sobre remuneração e diversidade dentro das equipes. A necessidade de políticas públicas que tratam do assunto tem levado também outros órgãos reguladores a se movimentarem no mesmo sentido, como é o caso de entidades que atuam no mercado de capitais.
Clara Serva, sócia da área de Empresas, Direitos Humanos e ESG do TozziniFreire Advogados, reconhece “avanços substanciais” nos últimos anos e lembra que, em julho de 2023, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aprovou o Anexo ASG da B3, que determinou que as companhias listadas devem eleger ao menos uma mulher e um “integrante de comunidade subrepresentada” para seus conselhos de administração ou diretorias estatutárias. As empresas precisam incluir, no Formulário de Referência, as medidas tomadas para atingir essa meta ou explicar por que não adotaram, mecanismo conhecido como “pratique ou explique”.
No caso da lei 14.611/2023, o tema tem gerado judicialização. Gabriela Lima, sócia da área de Direito Trabalhista e Previdenciário do TozziniFreire, explica que as críticas são relacionadas aos critérios usados pelo governo para a elaboração desses relatórios. Ela diz que muitas companhias têm pedido liminares na Justiça que as desobriguem de publicar os relatórios nos termos vigentes.
“O Ministério do Trabalho dividiu os cargos em grandes grupos de ocupação, mas comparou o salário do CEO com o dos gerentes, por exemplo. Isso gera uma distorção. Além disso, a Pasta pegou informações de 2022, quando a autodeclaração de raça não era obrigatória. Então a parte que fala sobre representação de pessoas negras muito provavelmente está equivocada”, diz a advogada.
Lima chama atenção também para o fato de muitos parâmetros de igualdade racial e de gênero já estarem previstos na Constituição Federal e na CLT. “Essas medidas recentes são super importantes, mas reforçam algo que já existia”, diz. Ela pontua que o artigo 461 da CLT já determinava que não pode haver diferença salarial em caso de funções idênticas no mesmo estabelecimento empresarial, sem distinção de gênero, etnia, nacionalidade ou idade.
Mercado americano
Pelo menos desde 2015, o mercado financeiro americano também tem implementado políticas para fortalecer a diversidade e a governança dentro das empresas. Na época, a Security and Exchange Comission (SEC, a CVM americana) e outras agências financeiras federais emitiram a Declaração Final de Política Interagências Estabelecendo Padrões Conjuntos para Avaliação das Políticas e Práticas de Diversidade das Entidades Reguladas.
O movimento veio juntamente com uma norma americana conhecida como Dodd-Frank Act, que obrigou, na seção 342, as agências regulatórias a criarem Departamentos para a Inclusão de Mulheres e Minorias (OMWI, na sigla em inglês). O Dodd-Frank foi editado em resposta à crise financeira de 2008 e teve com objetivo regular o mercado de capitais nos Estados Unidos.
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Em busca de bons resultados
Como efeito cascata, algumas companhias também criaram departamentos internos para pensar a questão. É o que conta Shunda Robinson, vice-presidente sênior de Diversidade, Equidade e Inclusão da GM Financial, braço financeiro da General Motors.
“Se as mulheres eram maioria na empresa, por que os homens ocupavam mais cargos de poder?”, questiona Shunda, dizendo que essa foi a pergunta que a levou a implementar, em 2015, um programa de mentoria para acesso igualitário ao desenvolvimento de carreira dentro da GM Financial. Ela conta que não havia dúvidas de que a composição de gênero, há quase dez anos, lembrava a de uma pirâmide. “As mulheres estavam na base e os homens no topo”, afirmou a executiva em entrevista exclusiva ao Broadcast.
Shunda reconhece que ainda falta avançar, mas comemora os progressos após a implementação do programa. Em 2023, as mulheres compunham 54% da equipe global e 35% da liderança. Já na filial brasileira, onde 50,4% são mulheres, a maioria (52%) dos cargos de chefia já é ocupado pelo gênero feminino. Os números locais são de abril de 2024.
“Quanto mais diversidade, maior a percepção de risco”
Mas por que uma lei americana que objetivava a prevenção de crises considerou importante se esforçar para garantir a inclusão de mulheres no mercado de capitais? Clara Serva, da TozziniFreire, diz acreditar que a percepção de riscos mercadológicos é maior quanto mais diversas forem as organizações. “Se eu não sei identificar o que está nas entrelinhas, o que não foi dito, eu não consigo identificar o risco.”
Também há práticas que impactam diretamente o retorno financeiro. Cristina Kerr, presidente executiva (CEO, na sigla em inglês) da consultoria CKZ Diversidade, nota uma cobrança cada vez mais forte por políticas de governança dentro de cadeias produtivas. “Tem acontecido de fornecedores perderem o cliente, mesmo tendo o melhor produto do mercado, porque a organização não é diversa, por exemplo. E aí companhias maiores deixam de contratar”, explica.