As companhias brasileiras aumentaram a divulgação de casos de corrupção confirmados em 4,54 pontos porcentuais, saltando de 74,31% em 2021 para 78,85% em 2022. A conclusão é da segunda edição do Observatório 2030, iniciativa do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil que monitora dados públicos empresariais relacionados à Agenda 2030, que traça metas que levem as empresas a um “mundo melhor para todos os povos e nações”.
O aumento na transparência por parte das empresas é fruto da proporção que a Lava Jato ganhou na mídia, com gigantes nacionais estampando manchetes devido a escândalos de governança corporativa, segundo o CEO do Pacto Global no Brasil, Carlo Pereira.
Ele destaca que o caso marcou o imaginário popular na última década de tal forma que impulsionou discussões sobre antigas práticas da chamada velha economia (termo que se refere ao modelo que visa o lucro como o único foco). O cenário, segundo ele, ganhou ainda mais força com a ascensão da agenda ESG (sigla em inglês para boas práticas nas áreas ambientais, sociais e de governança).
“Todo mundo se movimenta pelo amor ou pela dor. Nesse caso, foi pela dor. O caso Lava Jato foi o grande impulsionador da discussão sobre a estrutura de governança e de compliance das empresas, não tenha dúvida”, afirma Pereira. Ele destaca que o momento foi um “divisor de águas” para as empresas, que sentiram a necessidade de estruturação em seus conselhos e estruturas de compliance e passaram a ver a pauta como um risco aos negócios.
O levantamento ainda aponta que 71,43% (2022) das empresas divulgam as medidas adotadas nos casos confirmados de corrupção. Pereira, no entanto, salienta que novos escândalos, como os que surgiram recentemente relacionados a fraude, acabam impulsionando ainda mais o assunto, tornando a pauta uma discussão constante nas empresas e levando ao aumento na divulgação de casos. Pereira, no entanto, afirma que o número ainda é aquém do esperado e necessário para que reverter a “má fama” que o Brasil tem com corrupção.
“O Brasil tem uma reputação ruim com relação à integridade e corrupção. Além disso, essa agenda é pensada no lado negativo, né? Falar de corrupção acaba sendo ainda um tema incômodo e que gera desconforto.”
Para o executivo, os dados demonstram que, mesmo que a pauta de governança corporativa tenha ganhado os holofotes de diversas empresas após escândalos de fraude tomarem a mídia, continua a ser um tema que a maioria das empresas tem dificuldade de trabalhar.
O levantamento monitorou de 2018 a 2022 o reporte de informações de empresas listadas na Bolsa de Valores do Brasil, a B3, além de ter analisado os dados reportados por empresas signatárias ao pacto e companhias que divulguem seus dados ESG seguindo os padrões do Global Reporting Initiative (GRI) — o molde mais usado globalmente na atualidade.
O levantamento demonstra que o canal de denúncias anônimas continua fortalecido: 99,08% das empresas analisadas possuem um serviço do tipo aberto à sociedade, com garantia de anonimato e de não retaliação.
Além do fortalecimento no reporte de informações, verifica-se também um aumento progressivo no porcentual médio de funcionários treinados em integridade (salto de 78% em 2021 para 92% em 2022), demonstrando que as empresas tem apostado em ações que incluam todas as equipes. Em relação a funcionários terceirizados, no entanto, houve uma queda brusca de 7,28% em 2020, para 2,50%, em 2022.
Tema espinhoso
A divulgação do aumento da preocupação das empresas acontece em meio a queda de dez posições do Brasil no ranking de percepção da corrupção da Transparência Internacional, tendo a segunda pior colocação da história. Na última década, a maior nota brasileira foi 43 pontos (numa escala de 0 a 100). Quanto melhor a posição no ranking, menos corrupto é considerado o país.
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O Brasil marcou 36 pontos em 2023, dois a menos que a nota do ano anterior. O índice obtido é igual ao de países como Argélia, Sérvia e Ucrânia. Quanto aos vizinhos na América do Sul e na América Central, o Brasil figura com uma avaliação pior do que a do Uruguai (com 76 pontos), Chile (66), Cuba (42) e Argentina (37).
Para o presidente do Capitalismo Consciente, Hugo Bethlem, o cenário apresentado pela Transparência Internacional aponta que, de uma maneira geral, há diversos sinais negativos na direção do combate à corrupção no Brasil, seja no Poder Público, nas estatais ou na iniciativa privada.
“Falta governança com ‘G’ maiúsculo em boa parte das empresas. Se tivéssemos uma governança ética, transparente e eficiente, muitas coisas não teriam espaço para acontecer”, afirma Bethlem, apontando que a discussão sobre corrupção é um debate histórico.
Para ele, a piora do Brasil no ranking é decorrente não só da forma como as empresas historicamente trataram o tema, mas também da anulação dos processos julgados pela Lava Jato, o que, segundo ele, eleva a percepção interna e externa de que a corrupção compensa.
O professor Carlos Portugal Gouvêa, da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do escritório PGLaw, é de uma opinião similar. Ele afirma não haver dúvidas de que existe uma percepção popular de falha das instituições públicas brasileiras em resposta aos casos de corrupção mais recentes, citando especialmente a Lava Jato.
“Precisamos fortalecer o combate à corrupção nas companhias e no governo, em todos os seus níveis. Não existe uma bala de prata que vai magicamente melhorar o IPC do Brasil. Precisamos de reformas legais e, ao mesmo tempo, de uma priorização do combate à corrupção no Executivo, Legislativo e Judiciário ao longo de algumas décadas.”
O gerente de relações institucionais e governamentais do Instituto Brasileiro de Governança Corportiva (IBGC), Danilo Gregório, aponta que o fortalecimento da governança corporativa não é uma agenda prioritária dos governos em geral, lembrando que a pauta ganhou as manchetes justamente por casos de corrupção.
Ele, no entanto, aponta que o papel que o governo desempenha na conscientização para qualquer tema, em especial uma pauta como essa, é relevante e deve ser reforçado. “Houve um relaxamento das empresas mais recentemente e parte pode se dever ao governo que, por um momento, até em função da pandemia, deixou de valorizar a integridade e a cultura ética como fatores fundamentais da atividade empresarial. Desde a pandemia não vimos um esforço nítido do governo anterior e do atual em estabelecer uma nova política de combate à corrupção com novas estruturas.”
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Ele aponta que ainda não ficou claro o nível de expectativa que o governo tem com as empresas nessa pauta, o que pode ser visto como um empecilho para que a governança seja prioritária nas empresas. “Quando não há essa clareza, falta o interesse em que as empresas busquem combater a corrupção.”
O sócio da JASA Advocaia, Gustavo Silva, especialista em direito penal econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta que os agentes públicos devem ser o exemplo para, de fato, recuperar a confiança da população quanto à pauta.
“Comportamentos que possam ser interpretados como interferências políticas indevidas, capazes de sugerir abuso de poder ou de fomentar conflito de interesses, acabam contribuindo para um aumento da desconfiança geral em relação à credibilidade do país e de suas instituições”, diz.