Escândalos na área de governança corporativa têm colocado em xeque o discurso de companhias que nos últimos anos promovem ações ESG e afirmam que os seus preceitos, que contemplam as pautas atreladas ao meio ambiente e ao social, fazem efetivamente parte do negócio.
Em 2023, o caso de fraude na Americanas tornou-se o grande emblema quando se fala de governança e transparência nas empresas. Mas outras companhias também ganharam destaque por se envolver em polêmicas na área social, com denúncias de trabalho análogo à escravidão.
Para Alexandre Di Miceli, sócio fundador da Virtuous Company, esses casos são consequência do modelo ambiental seguido pelas empresas. Segundo ele, embora existam lideranças que querem algo diferente, essa não é a corrente principal.
“A corrente principal ainda é dependente de outro modelo, que tem gerado muitos escândalos corporativos. Os escândalos que temos testemunhado são resultado do caráter ou da cultura da organização. Reconhecer isso já é um grande primeiro passo, porque toda vez que acontece um problema de grande magnitude, a tendência é dizer que foram apenas algumas maçãs podres, e não, não é isso”, afirmou durante o 24º Congresso do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). O evento ocorreu na terça, 17, e na quarta-feira, 18, em São Paulo.
O executivo afirmou que a comunidade empresarial, de uma maneira geral, tem dificuldade de tocar no assunto porque o modelo de negócio e suas práticas foram referenciadas por anos.
“É difícil tocar no assunto porque os acionistas de referência e porque o modelo de gestão foram reverenciados pela grande maioria dos participantes de mercado e viraram um paradigma de toda uma geração de líderes. Quando acontece um escândalo como esse, é como a queda de um grande avião”, disse.
Para Di Miceli, a solução para sanar o problema é investir em uma cultura ética de longo prazo, o que, para ele, nem sempre é uma prioridade das empresas. “Cultura envolve longo prazo, envolve comprometimento. É mais tangível criar um conjunto de regras e controles”, afirmou.
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Ele defende ampliar o debate sobre o equilíbrio entre a “obsessão pelo crescimento e pelo resultado financeiro” com o negócio, destacando a necessidade de haver alinhamento entre as falas e as ações dos executivos.
O gerente de conteúdo no Instituto Europeu de Governança Corporativa, George Dallas, também comentou os recentes escândalos no Brasil e destacou que, para evitá-los e realmente adotar boas práticas, é necessário não só inseri-las nas empresas, mas também fazer isso de forma consistente.
“Temos que pensar sobre o que é e o que motiva uma organização, qual a ética e a cultura da empresa. As pessoas normalmente criticam isso, já que não vai dar para ganhar dinheiro com isso. Mas é necessário pensar nisso na hora de implementar uma agenda de forma estruturada”, afirmou Dallas.
Para o especialista, a demanda é uma mudança do capitalismo que vem ganhando força, tornando os pilares do ESG um ponto de relevância nos negócios — que deve se fortalecer cada vez mais nos próximos anos. “A sustentabilidade não é mais algo à parte, é o jogo principal. É o mainstream. Não é uma alternativa à criação de valor. Faz parte da criação de valor. Isso leva ao propósito corporativo”, disse.
R. Edward Freeman, criador da teoria dos stakeholders, que afirma que as ações das organizações devem considerar, além de acionistas/investidores, clientes, funcionários, fornecedores, gestão, comunidade, meio ambiente e Estado, também participou do Congresso do IBGC. Ele pontuou que a associação de valores sociais e dos negócios deve ser cada vez maior. “Nós devemos ser a geração que melhora o empreendedorismo”, afirmou.