O 23º Congresso do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) foi realizado nesta quarta e quinta-feira (9 e 10 de novembro), em São Paulo. Ao mesmo tempo em que debateu questões perenes para a governança, como a administração de empresas familiares e a cultura das organizações, o evento focou em temas que envolvem tecnologia e o avanço da pauta ESG (questões ambientais, sociais e da própria governança, na sigla em inglês).
A primeira palestra do evento, realizada por David R. Beatty, professor da Universidade de Toronto, tratou do tema do ‘tsunami digital’. O pesquisador canadense exortou as organizações a estarem preparadas para as mudanças tecnológicas que já ocorrem, indicando possíveis caminhos como incluir em seus conselhos pessoas jovens e acostumadas a lidar com a tecnologia, ter laboratórios de inovação, analisar como o cenário digital pode afetar questões como cadeias de fornecimento ou marketing, e, caso necessário, copiar as inovações de outras empresas rapidamente. “É necessário se perguntar quem é mais inovador de forma consistente na sua indústria”, citou Beatty.
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Outra palestrante internacional foi a inglesa Carolyn Taylor, especialista em cultura organizacional, tema que abordou em sua palestra. Ela pediu ao público para refletir sobre como é propagada a cultura da empresa, que deve ser ativamente conduzida pelos líderes, e não “assumida inconscientemente” pelos empregados, e relatou mudanças na área causados pela pandemia - a presença no mesmo ambiente de trabalho facilitava a transmissão de valores da companhia, mas é possível realizá-la da mesma maneira de maneira remota, segundo ela.
No mesmo dia, ainda foram debatidas a governança das empresas familiares e a inclusão de mais pessoas no mercado de capitais. O evento teve a presença de Gilson Rodrigues, presidente da G10 Favelas - bloco econômico que visa desenvolver as comunidades. Rodrigues afirmou que é preciso enxergar as favelas como potências econômicas, e não como problemas a serem resolvidos - citando como exemplo a startup Favela Express, que faz entregas nas comunidades, enquanto outros serviços não entram nelas.
Nos dias do evento foram realizadas também palestras simultâneas, com temas como cybersegurança, startups, economia da China pós-pandemia e saúde mental. Na quinta-feira, ainda foram debatidos temas para serem atualizados no Código das Melhores Práticas do IBGC, documento que está em processo de revisão periódica.
Entre o público ouvido pela reportagem, as palestras sobre cultura organizacional e inclusão no mercado financeiro foram as mais elogiadas. Outro destaque foi o aplicativo desenvolvido pela organização que apontava horários e locais de cada evento. Por ele, também eram realizadas enquetes.
Jornada ESG
No segundo dia, os temas ambientais e sociais estiveram ainda mais presentes. A primeira palestra foi de Almir Narayamoga Surui, cacique do povo Paiter Surui, que relatou sua experiência como indígena, ao se definir como dos sobreviventes do contato de seu povo com os não-indígenas, ocorrido em 1969, e a criação do plano de gestão para 50 anos feito pelos Paiter Surui.
“Como lidar com duas culturas diferentes? Precisa de diálogo. O plano estratégico é construir esses caminhos, conhecendo ameaças, desafios e potenciais”, afirmou o líder indígena. Segundo ele, é importante usar a natureza com responsabilidade, mas também garantir saúde, educação e desenvolvimento econômico.
Logo depois, duas plenárias trataram de temas ambientais relacionados à governança - uma sobre o relacionamento com stakeholders e a outra relacionada aos combustíveis fósseis. Em ambas, foi pedida uma abordagem holística, ou seja, que os temas ambientais e sociais caminhem em conjunto.
O Estadão esteve ainda em um debate sobre governança e a fome no Brasil, que destacou como as empresas podem ajudar reduzindo o desperdício de alimentos e no apoio a projetos. “A importância de estar aqui é o público se sentir responsável, poder colaborar. [As empresas] São parte importante, têm acesso à estratégia, logística, recursos, e podem ter um grande impacto contra a fome”, relatou Preto Zezé, presidente da Central Única das Favelas (CUFA) e um dos palestrantes.
Geyze Diniz, conselheira da Península Participações e outra palestrante, destacou o trabalho que faz para criar um Pacto contra a Fome, que buscará o apoio de empresas e do setor privado para erradicar o problema no Brasil - a meta é que ninguém esteja em insegurança alimentar até 2030. A iniciativa deve ser lançada oficialmente em abril de 2023.
No período da tarde, outras palestras trataram de temas macroeconômicos: a adesão do Brasil à OCDE e os impactos que ela teria na governança de empresas brasileiras, que precisariam cumprir determinadas regras da entidade internacional. Na última plenária do evento, a economista Zeina Latif apontou caminhos para o desenvolvimento brasileiro com destaque para a governança, com um diagnóstico das razões históricas para o subdesenvolvimento do País. Para ela, o Brasil pode ser forçado a adotar a pauta ESG na base do constrangimento por estar atrasado, como ocorreu no passado com a escravidão, por exemplo.