Comemora-se nesta quinta-feira,18, o Dia Mundial da Acessibilidade, data essencial na agenda ESG para discutir inclusão, em especial das pessoas com deficiência (PCD). Embora a sociedade esteja debatendo o tema, especialistas ouvidos pelo Estadão destacam ser preciso avançar em relação ao trabalho.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), embora 45 milhões de brasileiros se reconheçam como uma pessoa com deficiência, somente 28,3% deles estão empregados.
Para a secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos, Anna Paula Feminella, os dados reforçam uma “cultura de invisibilidade” implícita na sociedade. Ela defende que, para que a acessibilidade, de fato, funcione, é preciso ser tratada como compromisso institucional. “A sociedade enxerga a deficiência como uma falha, mas a falha está na sociedade”, diz.
“O mercado de trabalho é extremamente cruel com os trabalhadores com deficiência. As empresas adotam o discurso de que não há trabalhadores disponíveis. Há sim, mas eles não têm oportunidade. A maioria das que existem são para cargos ‘chão de fábrica’, no máximo auxiliar administrativo”, afirma Rosana Bastos, instrutora do programa PUC Inclusiva, que se identifica como PCD por uma sequela de paralisia ainda na infância.
Para Natália Mônaco, coordenadora de diversidade do Instituto Olga Kos de Inclusão, a explicação para esse cenário tem relação direta com o preconceito da sociedade, mas também com a visão histórica do Brasil, que por muitos anos atrelou a pessoa com deficiência a uma natureza incapacitante.
Dificuldades no mercado de trabalho
Segundo o estudo Cenário dos PCDs no mercado de trabalho brasileiro, idealizada pela Mais Diversidade, as principais barreiras para as pessoas com deficiência entrarem no mercado de trabalho são:
- Poucas oportunidades e/ou oportunidades ruins;
- Barreiras atitudinais (atitudes ou comportamentos que impeçam a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições das demais pessoas);
- Foco exclusivo no cumprimento da cota;
- Barreiras físicas de falta de acessibilidade nos ambientes;
- Barreiras nas comunicações e na informação;
- Barreiras nos transportes;
- Barreiras tecnológicas (as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias).
A coordenadora de Psicologia da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), Cristina Masiero, destaca que este cenário é consequência não só de uma visão capacitista, que ainda enxerga a deficiência como o próprio indivíduo, mas também das dificuldades de ampliar o acesso à educação formal para esta população.
Segundo dados do IBGE, 67,6% dos brasileiros com deficiência não possuem instrução ou têm ensino fundamental incompleto. Para ela, é preciso trabalhar a educação de base ainda com as crianças para facilitar a entrada dos profissionais no mercado de trabalho.
O que pode ser feito?
Uma pesquisa da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) Nacional, Isocial e Catho apontou que 65% dos gestores possuem resistência em contratar PCDs. Diante desse cenário, os especialistas ouvidos pelo Estadão são unânimes ao afirmar que é preciso que haja uma mudança cultural, de fato, para a sociedade avançar em pautas envolvendo diversidade.
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Natália Mônaco, coordenadora do Instituto Olga, destaca que promover a independência desta população é essencial para uma inclusão efetiva. Para ela, isso só é possível por meio de políticas de emprego amplas, que estejam ligadas a outras áreas, como: saúde, educação, transporte e moradia.
Thalita Gelenske, CEO da Blend Edu, especializada em diversidade e inclusão, é da mesma opinião. Ela destaca que até mesmo a acessibilidade deve ser ampliada para todas as suas formas. Nesse sentido, a representante da AACD, Cristina Masiero, afirma que a primeira ação das empresas deve ser uma autorreflexão sobre o seu quadro de funcionários.
“Hoje, o RH olha primeiro para a deficiência. Não dão cargos mais altos, sequer oferecem. A visão anticapacitista é não excluir a pessoa, conhecer ela, ver como ela se comporta e gerar condições para que ela ocupe esse cargo”, explica a psicóloga da AACD.
Ela ainda destaca que isso não significa usar uma “régua mais baixa”, mas adotar critérios que correspondam à capacidade desse profissional. “Isso dá trabalho, é óbvio. Inclusão dá trabalho. Mas beneficia a todos, inclusive a economia. Você vai ter mais pessoas consumindo, menos pessoas dependendo de benefícios governamentais. Toda a máquina muda para melhor com a inclusão.”
Mudanças já estão acontecendo
Embora ainda exista muito a ser trabalhado, um estudo da Infojobs ao qual o Estadão teve acesso com exclusividade demonstra que as empresas estão se mobilizando para criar vagas afirmativas para PCDs.
Segundo o estudo, as áreas com mais oportunidades para pessoas com deficiência são:
- Comercial (34,5%);
- Administrativa (13,4%);
- Logística (10,8%);
- Industrial (6,9%);
- Alimentação (6,4%).
São Paulo é o Estado que mais disponibiliza vagas para PCDs, sendo responsável pelas 49,1% das 10.834 vagas abertas em abril no site. Em seguida, aparecem Rio de Janeiro e Minas Gerais com 10,2% e 8,5%, respectivamente.
Ainda de acordo com o estudo, o Estado que menos oferece vagas é Roraima, seguido de Amapá e Rondônia. Embora os dados demonstrem um avanço na empregabilidade dos PCDs no Sudeste, a CEO do Infojobs, Ana Paula Prado, destaca outros Estados precisam avançar mais e que a tecnologia pode ser uma aliada neste sentido.
O diretor de trabalho moderno e segurança da Microsoft, Ricardo Wagner, é da mesma opinião. Para ele, a tecnologia é um ‘fator-chave’ para aumentar a inclusão, conseguindo acabar com barreiras geográficas e facilitando o dia a dia das pessoas.
Ele diz ser preciso pensar se os produtos são inclusivos desde o momento em que estão sendo pensados, convidar as pessoas que vão utilizá-los para participar desse processo, mas também contratar essas pessoas, o que possibilita entender de perto quais são as necessidades destas pessoas.
“A gente aprende como incluir as pessoas. Uma vez que a gente trabalha para fazer funcionar em extremo, funciona pro PCD, funciona para todo mundo”, afirma Wagner.
Ele ainda destaca que, muitas vezes, a inclusão é vista como caridade ou simplesmente uma legislação a ser cumprida pelas empresas. No entanto, o especialista defende que esta discussão deveria ser um aspecto de negócio, já que, ao deixar de contratar ou pensar o PCD como um consumidor, você não está só excluindo uma parcela da população, mas também perdendo mercado e potenciais consumidores.